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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 21-Out-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.15363.054 

Artigos

Discursos antigênero e políticas curriculares cearenses: entre tensões e resistências

Anti-gender discourses and curricular policies from Ceará/Brazil: between tensions and resistances

Discursos antigénero y políticas curriculares de Ceará/Brasil: entre tensiones y resistencias

Wenderson Silva Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0003-3507-4475

Carlos Ian Bezerra de Melo** 
http://orcid.org/0000-0003-1555-3524

Isabel Maria Sabino de Farias*** 
http://orcid.org/0000-0003-1799-0963

*Doutorando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: <wendoliveira@gmail.com>

**Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). <ian.melo@aluno.uece.br>

***Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: <isabel.sabino@uece.br>


Resumo:

Este artigo aborda os discursos antigênero nos planos educacionais cearenses e como atravessam os currículos escolares. Examinamos a legislação educacional dos dez maiores municípios do Estado do Ceará e encontramos, nas cidades de Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crato e Quixadá, projetos legislativos que mencionavam o slogan “ideologia de gênero”. Até o presente momento, apenas os municípios de Juazeiro do Norte e Crato proíbem, na legislação educacional, quaisquer menções a gênero e sexualidade, sob a premissa de serem ideológicos. Apresentamos, também, os modos pelos quais a política curricular estadual, por meio do Documento Curricular Referencial do Ceará, faz resistência às investidas conservadoras, tentando promover uma educação plural, justa e diversa, que dialogue com as necessidades dos movimentos sociais das minorias de direito.

Palavras-chave: Currículos cearenses; Gênero e sexualidade; Ideologia de gênero

Abstract:

This article addresses the anti-gender discourses in the educational plans from Ceará, Brazil, and how they cross school curricula. We examined the educational legislation of the ten largest municipalities in the State of Ceará and found, in the cities of Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crato and Quixadá, legislative projects that mentioned the slogan “gender ideology”. Until now, only the municipalities of Juazeiro do Norte and Crato prohibit, in educational legislation, any mention of gender and sexuality, under the premise of being ideological. We also present the ways in which the state curricular policy, through the Ceará Referential Curricular Document, is resisting conservative attacks, trying to promote a plural, fair and diverse education, which dialogues with the needs of the social movements of legal minorities.

Keywords: Curriculum in Ceará; Gender and sexuality; Gender ideology

Resumen:

Este artículo aborda los discursos anti-género en los planes educativos de Ceará/Brasil y cómo se cruzan en los currículos escolares. Examinamos la legislación educativa de los diez municipios más grandes del Estado de Ceará y encontramos, en las ciudades de Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crato y Quixadá, proyectos legislativos que mencionaban el slogan “ideología de género”. A la fecha, sólo los municipios de Juazeiro do Norte y Crato prohíben, en la legislación educativa, cualquier mención al género y la sexualidad, bajo la premisa de ser ideológico. También presentamos las formas en que la política curricular estatal, por medio del Documento Curricular Referencial de Ceará (DCRC) hace resistencia a los ataques conservadores, buscando promover una educación plural, justa y diversa, que dialogue con las necesidades de los movimientos sociales de las minorías de derechos.

Palabras clave: Currículos de Ceará/Brasil; Género y sexualidad; Ideología de género

Introdução

Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. [...]. Não podemos deixar que ideologias nefastas venham a dividir os brasileiros. Ideologias que destroem nossos valores e tradições, destroem nossas famílias, alicerce da nossa sociedade. Discurso de Posse - Jair Messias Bolsonaro (01/01/2019).

Em fevereiro de 2011, ao defender sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados, Jair Messias Bolsonaro mencionou que, no respectivo ano, o Ministério da Educação (MEC) distribuiu um “kit gay” para estimular a homossexualidade e a promiscuidade1, por isso esse assunto deveria ser pauta para que o tema não chegasse às/aos estudantes do Brasil. Anos mais tarde, como candidato às eleições presidenciais, Bolsonaro trouxe à tona a existência de uma suposta ideologia que busca a subversão do sexo, a “ideologia de gênero”. A epígrafe deste texto traz um trecho das palavras do seu discurso de posse ao cargo de Presidência da República, no qual ele afirmou categoricamente que um dos propósitos do novo governo seria combater esse inimigo.

Nesse sentido, grupos conservadores religiosos e não-religiosos, políticos ultradireitistas e diversos outros setores da sociedade têm utilizado o sintagma neológico “ideologia de gênero” “[...] como um artefato retórico e persuasivo em torno do qual [se busca] reorganizar seu discurso e desencadear novas estratégias de mobilização política e intervenção na arena pública” (JUNQUEIRA, 2018, p. 451). A educação brasileira tem sido alvo direto dessas intervenções. Somente no ano de 2011, conforme aponta Marina Lacerda (2019), foram 94 discursos no Plenário da Câmara dos Deputados que abordaram o sintagma “ideologia de gênero” na educação. Rogério Junqueira (2017) tem utilizado e caracterizado a ideologia de gênero como um sintagma, destaca que há uma imprecisão conceitual e o apelo de sua evocação incide na criação de um pânico moral.

Protegida por essa arquitetura político-religiosa-conservadora nefasta, a discussão em torno do que seria uma “ideologia de gênero” se institui nos planos educacionais brasileiros, e seus desdobramentos desembocam em ataques incisivos às pautas de gênero, de sexualidade e de diferenças nos currículos e na formação docente. O governo Bolsonaro, ao prometer combater um inimigo invisível, cria sobre esse sintagma um imaginário de pecado, desordem moral e pânico, uma guerra discursiva em disputa, na qual pautas sérias são tratadas como escândalos de moralidade (CUNHA, 2020). No entanto, essa cruzada inquisitorial não começa e tampouco se encerra no bolsonarismo, pois este é apenas um efeito do neoconservadorismo, que atua constantemente para tentar eliminar programas governamentais de cunho feminista e pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros – LGBT (LACERDA, 2019), além de posicionar-se em defesa da família patriarcal e da institucionalização do cristianismo nos poderes do Estado. O sintagma “ideologia de gênero” é acionado como um pânico moral que precisa ser combatido.

Para Stanley Cohen (2002), o pânico moral estabelece-se quando alguém ou algum grupo é identificado como ameaça ao que é estabelecido como norma social ou interesse da sociedade, ou o que é próprio do povo. Os objetos do pânico moral são, ao mesmo tempo, transparentes, no sentido de que qualquer pessoa pode ver o que acontece, e, também, opacos, nos quais determinados especialistas que são credenciados a falar sobre o assunto devem explicar os perigos subliminares por detrás da ação supostamente inofensiva. Nessa perspectiva, segundo Cohen (2002), o pânico moral surge e passa a ser definido como uma ameaça aos valores e aos interesses da sociedade, e sua natureza passa a ser estereotipada pela mídia de massa e por pessoas influentes na sociedade (como bispos, políticos, editores e pelos considerados “cidadãos de bem”). Nessa estereotipia, esses especialistas passam, portanto, a diagnosticar o fenômeno e a procurar soluções para seu enfrentamento, tendo em vista o retorno à suposta normalidade.

Richard Miskolci (2007) explica que o pânico moral se refere a um temor coletivo que pode ser causado por diversos fatores. Ele estaria ligado a uma suposta ameaça social, que colocaria em xeque a ordem e as tradições de um determinado local. Nesse aspecto, algo deve ser feito para controlar esse desvio da normalidade. “O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida” (MISKOLCI, 2007, p. 112). Segundo o autor, a sociedade busca alternativas para controlar o que é considerado desviante. “O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e gera reações coletivas também desproporcionais” (MISKOLCI, 2007, p. 114). Desse modo, estudar os pânicos morais permite-nos compreender, segundo o autor, as disputas de poder de um determinado período histórico. Cabe a nós, como pesquisadoras/es, “[...] descobrir quem foi o agente no processo e como agiu de forma a transformar um temor existente em pânico” (MISKOLCI, 2007, p. 115).

Com vistas a apontarmos algumas possíveis causas, alguns dos efeitos e agentes desses pânicos morais na educação, nosso objetivo, neste artigo, é descrever e analisar os discursos antigênero nos planos educacionais cearenses e de que modo atravessam os currículos escolares. Examinamos os documentos das maiores cidades do estado, a saber: Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Sobral, Crato, Itapipoca, Maranguape, Iguatu e Quixadá. Realizamos uma busca virtual nas plataformas públicas das Câmaras Municipais com o propósito de identificarmos as menções à expressão “ideologia de gênero” e como elas são apresentadas nos discursos. O recorte estabelecido para essa procura foi a partir do ano de 2016, em função da publicação do Plano Estadual de Educação do Ceará, embora identifiquemos que o município de Caucaia tenha realizado esse debate em 2015. Além disso, apresentamos as discussões sobre gênero e sexualidade no Documento Curricular Referencial do Ceará (DCRC) e os modos que produzem resistência aos pânicos morais instituídos na legislação dos municípios.

O Decreto Nº 31.221, de 3 de junho de 2013 (CEARÁ, 2013), promulgado pelo então governador Cid Ferreira Gomes (Partido Democrático Trabalhista – PDT), alterou a estrutura da Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC/CE), criando a Coordenadoria de Desenvolvimento da Escola e da Aprendizagem (CODEA), com uma célula de Educação Continuada, Inclusão e Acessibilidade (CECIA), abrigando, no ano de 2015, a subárea de Educação, Gênero e Sexualidade (SOUZA, 2019). Entre 2015 e 2017, como relata esse autor, essa subárea foi responsável por algumas ações junto à SEDUC/CE, como o desenvolvimento de projetos curriculares para promover a igualdade de gênero e o respeito à diversidade sexual e dignidade humana, e, do mesmo modo, a articulação com organizações governamentais e não governamentais que atuem a favor da diversidade sexual.

Souza (2019) ainda nos aponta que, em 2018, as ações dessa subárea foram baseadas no Plano Estadual de Enfrentamento à LGBTfobia e à promoção dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Ceará, promulgado pelo governador Camilo Sobreira de Santana (Partido dos Trabalhadores – PT), por meio do Decreto Nº 32.188, de 7 de abril de 2017 (CEARÁ, 2017). O planejamento da subárea era uma política de formação continuada para docentes, gestores e demais profissionais da área da educação estadual acerca da política de cidadania da população LGBT, além de um levantamento sobre a violência contra esse segmento populacional nas escolas. Isso desembocaria na elaboração de materiais didáticos que considerariam a diversidade de gênero e orientação sexual, além da promoção de campanhas que tratem especificamente dessa temática. Entretanto, como ressalta o autor, “[...] todas as ações da subárea foram efetivadas sem recursos financeiros próprios, apesar da existência de um planejamento financeiro anualmente revisto, mas nunca aprovado pela gestão superior da Secretaria da Educação” (SOUZA, 2019, p. 71).

Mais recentemente, a SEDUC/CE fez uma nova modificação em sua estrutura organizacional, por meio do Decreto Nº 33.048, de 30 de abril de 2019 (CEARÁ, 2019a), que criou a Coordenadoria de Diversidade e Inclusão Educacional (CODIN), com duas células: a primeira de Educação em Direitos Humanos, Inclusão e Acessibilidade (CEDIA) e a segunda de Educação do Campo, Indígena, Quilombola e para as Relações Étnico-Raciais (CECIQ). A nova configuração da SEDUC/CE despertou inúmeras discussões e a pioneira delas foi levantada pela deputada estadual evangélica Doutora Silvana (Partido Liberal – PL). Em entrevista ao jornal O Estado (DOUTORA..., 2019), a deputada mencionou que a sanção do governador foi equivocada e que essa ação confronta e ameaça a paz dos cristãos, inquietando toda a sociedade.

A referida parlamentar é uma das mais proeminentes vozes que defendem a existência de uma suposta “ideologia de gênero” e busca combater esse inimigo invisível. Dentre os vários Projetos de Lei propostos por ela, destacamos o Decreto Legislativo Nº 07/2019 (CEARÁ, 2019b), que propõe revogar a criação da Célula de Educação em Direitos Humanos, Inclusão e Acessibilidade (Art. 2º) e, também, susta as expressões que tratem sobre identidade de gênero, orientação sexual e diversidade de gênero (Art. 3º). Até a escrita deste artigo, ele corre em tramitação na Assembleia Legislativa do Ceará. Esse exemplo é uma parte das várias investidas contra o alargamento das discussões sobre diversidade sexual e de gênero no âmbito educacional. O slogan “ideologia de gênero” tem sido acionado por diversos grupos conservadores na tentativa de silenciar grupos minoritários de direitos, ao mesmo tempo em que promovem o amedrontamento da população (PARAÍSO, 2016) com um fantasma (MISKOLCI, 2018) que ameaça a destruição da família. Em vista disso, tentamos traçar um histórico das movimentações legislativas em cenário nacional que investem contra os estudos de gênero e sexualidade em âmbito escolar, afunilando para as investidas municipais cearenses.

Com isso, conseguimos identificar que os discursos legislativos, em sua esmagadora maioria, são provenientes de narrativas de homens cisgêneros, brancos, cristãos e heterossexuais. Os ataques que a agenda feminista e LGBT vêm sofrendo nos últimos anos, no Brasil, é resultado de uma política que busca delimitar o “[...] Estado como espaço masculino e heterossexual, portanto refratário às demandas de emancipação feminina e de expansão de direitos e cidadania àqueles e àquelas que consideram ameaçar sua concepção de mundo tradicional” (MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 743). Do mesmo modo, esse grupo busca disseminar o entendimento de que nossa sexualidade, nosso gênero e nosso sexo são naturalizados (LOURO, 2018), dimensão que não permite discutir os dispositivos de poder (FOUCAULT, 2017) discursivamente criados para exercer controle absoluto sobre os corpos. Inventa-se, desse modo, os corpos normais e os abjetos. A heterossexualidade e a cisgeneridade configuram-se, assim, a normalidade, e qualquer outra forma corporal que difira delas são alocadas na preocupação pública como um perigo. Por meio dos mais variados discursos, a sexualidade e as identidades de gênero são cuidadosamente oficializadas por meio desses aparatos discursivos de poder e, por isso, precisam de uma vigilância contínua e intensa e um investimento preciso para não sair da forma outrora estabelecida (LOURO, 2018).

Nesse sentido, o currículo, como território marcado pelo gênero e pela sexualidade, também precisa ser continuamente vigiado. Ao vigiar os currículos e alarmá-los com a criação de pânicos morais, o empreendimento maior é fazer com que a cisgeneridade e a heterossexualidade funcionem como uma política corporal-sexual, que colocará em prática a norma, no sentido de fazer com que as instituições que compõem a sociedade, como a escola, as igrejas, a família, a mídia, as artes, dentre outras, operem para que seja reforçada a ideia de que a cis-heterossexualidade é necessária, universal, normal e única possibilidade para a vivência sexual humana2.

Entretanto, também discutiremos que, ao mesmo tempo em que essas forças investem contra os avanços das agendas feministas e de LGBT, há também outras forças que resistem a essas normatizações, como é o caso do DCRC, que consideramos ser uma resistência à ordem normativa, porque traz consigo um conjunto de debates a serem tratados nas escolas básicas, incluindo neles o de gênero e de diversidade sexual. “A resistência é aqui entendida, portanto, como força que move, atravessa, que torce e se alimenta de outras forças com o intuito de aumentar a potência dos corpos. É efeito de encontros capazes de mobilizar forças; é força inventiva que move e cria possíveis” (PARAÍSO, 2016, p. 389). Assim sendo, nosso artigo apresentará as tensões na legislação educacional cearense, que em muito repetiu atos do Congresso Nacional, bem como as resistências, realizadas pelas/os educadoras/es estaduais na busca por uma escola mais justa, plural e diversa.

Afinal, o que chamam de “ideologia de gênero”?

Em alguns trabalhos (JUNQUEIRA, 2017, 2018; MISKOLCI, 2018; MISKOLCI; CAMPANA, 2017), é possível identificarmos o traçado de um mapa a respeito das origens do sintagma “ideologia de gênero”. Podemos dizer que essa fundamentação encontrou suas primeiras aparições em Il sale della terra. Cristianesimo e Chiesa cattolica nella svolta del millennio (O sal da terra. Cristianismo e a Igreja Católica na virada do milênio), publicado no ano de 1997, com autoria do então cardeal Joseph Ratzinger – atual Papa Emérito Bento XVI (MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Ao mencionar a situação da Igreja daquele momento, o cardeal Ratzinger (2014, p. 65) indica, em determinada parte do texto, uma preocupação com a ideia de libertação propagada por diversos meios e amalgamada por uma pauta ideológica feminista que visava insurgir contra os pressupostos biológicos estabelecidos pela natureza divina, divulgando uma representação de humano que pudesse moldar-se da maneira que lhe fosse conveniente para, assim, ser livre. Segundo Miskolci e Campana (2017, p. 726), essa menção é uma peça-chave que daria início às cruzadas político-discursivas bastante poderosas “[...] contra o feminismo e sua proposta de reconhecimento e avanço em matéria de direitos sexuais e reprodutivos”. Para esses autores, essa menção ataca, mais diretamente, as discussões levantadas na Conferência Mundial de Beijing sobre a Mulher3, em 1995.

Essa discussão em torno do que seria uma “ideologia de gênero” também se apoia, segundo Rogério Junqueira (2017), em ensaios publicados, no mesmo período, pela filósofa Christina Hoff Sommers e pela jornalista Dale O’Leary4, ambas estadunidenses. A partir disso, começou a falar-se sobre o feminismo de gênero, ou simplesmente gender. Esses escritos começam a circular, sobretudo os de O’Leary, com argumento de que “[...] tais ativistas do gênero visa[va]m dominar os organismos internacionais, as universidades e o Estado. A ONU, por exemplo, já estaria sob o domínio deles” (JUNQUEIRA, 2017, p. 32). Junto a isso, o cardeal Ratzinger fomenta, em parcerias clericais, publicações que visam a discutir sobre os problemas do gender, como, por exemplo, o livro L’Évangile face au désordre mondial (O Evangelho face à desordem mundial) do monsenhor Michel Schooyans, em 1997.

Suas contribuições foram centrais na formulação da ideia de um complô da “ideologia de gênero” por parte das “ultra-feministas”. Neste livro, ele dedicou amplo espaço à denúncia da “ideologia de gênero”. E esta é possivelmente uma das primeiras obras – se não for a primeira – em que o sintagma foi empregado. (JUNQUEIRA, 2017, p. 33).

No ano de 1998, é realizada a Conferência Episcopal do Peru, na qual o tema principal foi La ideología de género: sus peligros y alcances (A ideologia de gênero: seus perigos e alcances), que marcou tanto o aparecimento dos debates na seara católica latino-americana quanto a primeira vez que esse termo aparece em um documento eclesiástico (JUNQUEIRA, 2017). Nele, elaborou-se um documento em 11 tópicos, o qual discorria sobre a existência da natureza humana e da imutabilidade da lei divina, comprovada cientificamente pela Biologia. O episcopado começou a reforçar a existência de um homem e de uma mulher, fixos e naturais. Nesse sentido, defensores da “ideologia de gênero” promoveriam a desconstrução (e mais tarde a destruição) da família e da sociedade, por isso a insistência em demonstrar que corpos possuem essências estruturais e qualquer subversão do gênero, entendido como sexo exclusivamente biológico, atentaria contra a lei divina. O sexo biológico é evocado como um reforço do gênero; assim, com base nas características cromossômicas, nos níveis hormonais e nos órgãos reprodutores, definir-se-ia o gênero.

Nessas perspectivas, o sexo orientaria o gênero e, a partir dele, definiríamos o binarismo Homem-Mulher como identidades fixas, rígidas, imutáveis. Para nós, essa renitência clerical, iniciada por Joseph Ratzinger, é a reação direita aos movimentos e aos estudos que emergiram nos anos de 1980 e início dos anos de 1990, que defendiam a desnaturalização dos papéis de gênero, assim como a desnaturalização do próprio gênero – temos aí o surgimento dos estudos queer5. Berenice Bento (2019) explica-nos que, se anteriormente o processo de desnaturalização das identidades de gênero se centravam na compreensão histórica dos lugares instituídos às mulheres – em papel de subordinação –, as discussões queer desnaturalizavam o corpo, a sexualidade e a subjetividade, radicalizando o projeto feminista, ao interrogar o não-lugar das corporeidades e das identidades que fugiam do binarismo homem-mulher.

O termo gênero passa a não ser sinônimo de estudos sobre mulheres, mas, sim, começa a ser pensado como categoria analítica. Desse modo, segundo Joan Scott (1995), o termo gênero designava as relações sociais entre os sexos indo para além das explicações biológicas, indicando que as construções dos papéis sexuais são culturais, ou melhor, o próprio discurso sobre o sexo biológico também parte de uma cultura. É em Judith Butler (2019) que vamos entender que, se o gênero é socialmente construído e o sexo é natural/biológico, aceitamos que esse sujeito biologicamente formado tenha uma essência. A desnaturalização seria o processo pelo qual o sujeito não seria mais essencializado, e, também, o gênero (e o sexo) não estaria subordinado a estruturas binárias, nas quais há uma pressuposição da sexualidade heterossexual, chamada por Adrienne Rich (2012) de heterossexualidade compulsória.

Para Junqueira (2017), o mais incisivo escrito eclesiástico com uma ofensiva antigênero foi o Lexicon: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, texto publicado em 2003, o qual se trata de um dicionário enciclopédico sobre temas relativos à sexualidade, ao gênero e à bioética, compreendendo 103 verbetes. Segundo o autor, é um ataque a um conjunto de valores e de referências que começam a se afirmar e a se consolidar, sobretudo nas conferências da Organização das Nações Unidas (ONU). Para ele, fica claro que o objetivo das autoridades eclesiásticas é “[...] o combate aos direitos sexuais, à cultura da saúde reprodutiva, ao sexo seguro, ao aborto legal e seguro, à pluralidade dos arranjos familiares, à inseminação artificial, à livre expressão sexual e de gênero, etc.” (JUNQUEIRA, 2017, p. 39).

Esses eventos – e outros registrados por Junqueira (2017, 2018) – representam a abertura de uma caçada sistemática e combativa às perspectivas de gênero, colocando-as como pautas ideológicas de dominação (MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 727). Essas ofensivas estariam cada vez mais presentes nesses empreendimentos religiosos. Anos mais tarde, os autores mostram-nos que a expressão “ideologia de gênero” torna a aparecer nas discussões da Igreja Católica na América Latina, mais especificamente na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (Celam), realizada em 2007, que ficou conhecida como Documento de Aparecida. Nesse documento, a Igreja Católica latino-americana sinaliza, com mais intensidade, as cruzadas teológicas, na busca pelo apagamento e na laceração do que se intitulou “ideologia de gênero”.

Segundo Miskolci e Campana (2017) as demandas feministas e de LGBT, no início do século XXI, começaram a ganhar visibilidade com a eleição de partidos de esquerda nos países latino-americanos, movimento que entra em colisão com as visões tradicionais católicas sobre comportamento sexual e papéis sociais das mulheres. As reações da igreja latino-americana fazem-se no enfrentamento aos avanços dos direitos sexuais e reprodutivos em países como Uruguai, Venezuela, Argentina, Chile, além do Brasil6. Em certo momento, esses propósitos encontram os líderes protestantes, de modo que veremos esses interesses políticos “[...] aproximar[em] católicos e neopentecostais em uma espécie de aliança circunstancial pela moral e os bons costumes” (MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 734).

De maneira irônica e pejorativa, é erguida a batalha moral contra a “ideologia de gênero”, fruto de uma série de empreendimentos que se tornaram armas discursivas poderosas contra a diversidade sexual e a igualdade de gênero. Nesse sentido, destacamos a obra La Ideologia del Género: o el género como herramienta de poder, de autoria de Jorge Scala, advogado católico e professor argentino, traduzido para o português como Ideologia de Gênero: o neototalitarismo e a morte da família (SCALA, 2011). Para Scala (2011), a “ideologia de gênero” seria uma pseudoantropologia feminista, cujas pretensões se fazem como uma reengenharia social planetária, na qual mulheres querem ser iguais aos homens. O discurso de Scala caminha no sentido de defender a natureza humana como dada e natural, desligada de seus aspectos sociais. A “ideologia de gênero” viria desessencializar a mulher e o homem, o que, para Scala (2011), ocasionaria a eliminação do casamento, da família e da sociedade, porque haveria a destruição de sua célula básica – a heterossexualidade.

Essa será a base epistemológica para que políticos (e partidos) de direita e ultradireita, conservadores espalhados nos mais variados setores da sociedade e cristãos (católicos da Renovação Carismática Católica, evangélicos neopentecostais, algumas lideranças espíritas e outras repartições) se ergam contra o fantasma da “ideologia de gênero”. A argumentação apresentada por Scala (2011), sobre os perigos da desnaturalização do gênero e a subversão da sexualidade normativa, será reiterada nos documentos educacionais brasileiros, como veremos nos tópicos a seguir. Esse sintagma aparecerá com toda força para tentar coibir professoras/es e planos curriculares de mencionarem os estudos de gênero ou a diversidade sexual nas práticas educativas. Desse modo, esse novo inimigo, denunciado por “cidadãos de bem”, alarmado por meio dos pânicos morais, será, discursivamente, a delimitação de um Estado como espaço masculino, heterossexual (MISKOLCI; CAMPANA, 2017) e cisgênero (GONÇALVES JÚNIOR, 2019), como mencionamos na introdução deste trabalho.

Breve histórico sobre a aprovação do PNE 2014-2024 e as pautas antigênero no Congresso Nacional

Aprovado pela Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) é um documento que define um conjunto de diretrizes e metas do Estado, a fim de orientar e aprimorar políticas públicas educacionais (BRASIL, 2014b). Os estados e os municípios devem estruturar os planos específicos a partir das considerações do PNE. A proposta do PNE 2014-2024 passou a tramitar na Câmara dos Deputados em 2010, por meio do Projeto de Lei Nº 8.035, de 20 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010b), e contou com amplo debate na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010 e 2014, com participação de vários setores da sociedade, como movimentos sociais, profissionais da educação, iniciativa privada da educação e governo (ROSSI, 2016).

Com relação à diversidade sexual e de gênero, o documento final do CONAE 2010 (BRASIL, 2010a) trazia consigo, no Eixo VI – Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade, a necessidade de políticas públicas de ações afirmativas que pudessem ser implementadas para a correção de desigualdades e de injustiças históricas contra a população LGBT, mulheres, indígenas, negras/os, pessoas com deficiência, ciganas/os. Nesse sentido, as instituições de Educação Básica e Superior ocupam, segundo o documento, funções sociais estratégicas para superarem as violências contra grupos minoritários de direito e proporem uma cultura de paz. O documento, dentre outras coisas dessa temática específica, também menciona a necessidade da discussão de gênero e de diversidade sexual na formação inicial e continuada de professoras/es e profissionais da educação, a inserção e a implementação de uma política curricular não-sexista e anti-lgbtfóbica, a mudança nos critérios de avaliação de livros didáticos e nos planos curriculares para que possam contemplar a diversidade sexual e de gênero e a garantia do respeito à utilização do nome social para travestis e transexuais nos documentos oficiais escolares (BRASIL, 2010a).

O documento final do CONAE 2014 (BRASIL, 2014a) também aborda, no Eixo II – Educação e Diversidade: Justiça Social, Inclusão e Direitos Humanos, a necessidade de políticas públicas voltadas ao reconhecimento da diversidade, garantindo uma educação inclusiva. Nesse viés, aponta para a realização de políticas, de programas e de ações colaborativas entre os poderes para garantir que os currículos, os projetos político-pedagógicos e os planos educacionais considerem e contemplem a diversidade e a igualdade social. O encaminhamento é para que se assegure, na implementação do PNE, políticas e programas que abranjam, dentre outras coisas, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT e o Plano de Políticas para as Mulheres. Especificamente, o documento encaminha a garantia das especificidades do público LGBT nas escolas, sobretudo o acesso de travestis e transexuais a banheiros de acordo com sua identidade de gênero, além de representação desse segmento populacional nos conselhos educacionais.

O primeiro texto do PL Nº 8.035/2010, com relatoria do deputado Ângelo Vanhoni (PT/PR), mencionava a implementação de políticas públicas que prevenissem a evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou identidade de gênero (estratégia 3.9) (BRASIL, 2010b). No PL Nº 8.035-B/2010 (aprovado no ano de 2012), acrescentou-se a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual (Art. 2º, inciso III), após uma rodada de audiências públicas com a presença das ministras responsáveis pela Secretaria de Políticas para Mulheres e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CARREIRA, 2015).

Ao ser entregue ao Senado Federal, no ano de 2013, o texto do PL Nº 8.035/2010 foi alterado após acalorados debates e o referido inciso do Art. 2º foi retirado do texto, em função de pautar sobre a “ideologia de gênero” (CARREIRA, 2015; REIS; EGGERT, 2017). De volta à Câmara dos Deputados, o debate em torno da existência da “ideologia de gênero” mais uma vez se acalorou e a posição contrária à menção de gênero e orientação sexual foi vencedora e permaneceu suprimida do documento aprovado e sancionado pela presidenta Dilma Vana Rousseff (PT), em 2014 (LACERDA, 2019; REIS; EGGERT, 2017). O texto do inciso III do Art. 2º, do PNE 2014-2024, foi alterado para uma forma genérica, a qual prevê a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação (BRASIL, 2014b, p. 43).

É possível registrarmos, a partir desse período, diversas movimentações de deputados e senadores para garantir a supressão de trechos que mencionassem gênero e/ou sexualidade da legislação educacional brasileira. Em 2014, o deputado e pastor evangélico Erivelton Santana (Patriota – PATRI, atual Partido Social Cristão – PSC/BA) protocolou dois Projetos de Lei, o PL Nº 7.180 (BRASIL, 2014c) e o PL Nº 7.1817 (BRASIL, 2014d). O primeiro alterava o Art. 3º da Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir, entre os princípios do ensino, o respeito às convicções de alunos, pais ou responsáveis, abrindo precedentes para os valores da família sobre a organização da educação escolar, no que diz respeito à educação moral, sexual e religiosa. Já o segundo alterava os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os quais teriam que respeitar as convicções de alunos, pais ou responsáveis, no que se refere à educação moral, sexual e religiosa, além de vedar os temas transversais ou quaisquer metodologias de ensino sobre essas temáticas.

Esse foi o impulso para um conjunto de deputados8 apresentarem o PL Nº 1.859, de 10 de junho de 2015, apensado ao PL Nº 7.180/2014, que acrescentava à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) a proibição da adoção de formas (e mesmo a menção) tendentes à aplicação de “ideologia de gênero” ou orientação sexual na educação nas políticas de ensino e políticas curriculares (BRASIL, 2015a). Também em 2015, o deputado Eros Biondini (PTB, atualmente PROS/MG) apresentou o PL Nº 2.731, de 20 de agosto, que alteraria o PNE, estabelecendo a proibição de qualquer uso da “ideologia de gênero” ou menção à identidade de gênero ou orientação sexual (BRASIL, 2015b). Os planos curriculares educacionais municipais, estaduais e do Distrito Federal teriam 30 dias para se adequarem, sob a pena de perderem recursos financeiros federais destinados à educação. O descumprimento dessa proibição acarretaria penalidade prevista no Art. 232 da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –, a qual menciona detenção de seis meses a dois anos, além de perder o cargo ou o emprego para aquela pessoa que submeter criança ou adolescente sob sua guarda e/ou autoridade a quaisquer tipos de constrangimento (BRASIL, 1990). O PL Nº 10.577, de 11 de julho de 2018, apensado ao PL Nº 1.859/2015, de autoria do deputado Cabo Daciolo (PATRI), reforça a proibição da chamada “ideologia de gênero” nas propostas curriculares e nos planos educacionais das esferas municiais, estaduais e federais, a fim de interditar quaisquer tentativas de disseminação do sintagma (BRASIL, 2018b). Em 2015, foi protocolado, também, o PL 3.236, de autoria do deputado Pastor Marco Feliciano, cujo texto é um acréscimo da proibição da veiculação da “ideologia de gênero” ao PNE 2014-2024.

Em publicação em sua conta na rede social Twitter (BOLSONARO..., 2019), em setembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro retomou a pauta sobre “ideologia de gênero” e mencionou que encaminharia ao MEC um projeto de lei que proibisse questões relacionadas à temática gênero nas escolas de Ensino Fundamental. Essa ação de Bolsonaro foi resposta à Advocacia Geral da União (AGU), que encaminhou, ao Supremo Tribunal Federal (STF), a revogação da Lei Nº 55, de 14 de setembro de 2018, do município de Londrina, estado do Paraná, a qual proibia políticas de ensino e curriculares municipais que aplicassem a “ideologia de gênero” (LONDRINA, 2018). O Ministro do STF Luís Roberto Barroso9 determinou a suspensão temporária da Lei e, em 2020, a votação do STF suspendeu-a, por unanimidade, definitivamente.

Foi também em 2020 que o presidente Bolsonaro reagiu à decisão do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, de inconstitucionalidade da Lei Nº 1.516/201510, do município de Novo Gama, estado de Goiás, a qual proibia materiais ou informações relacionadas à “ideologia de gênero” na rede de ensino. Em discurso a seus apoiadores (DESIDERI, 2020), Bolsonaro mencionou ter ciência da decisão do STF e apresentaria um projeto com urgência constitucional, com objetivo de combater a ideologia de gênero, o que, até a escrita deste artigo, não ocorreu. No mesmo dia dessa declaração, o deputado Filipe Barros (Partido Social Liberal – PSL/PR) e a deputada Major Fabiana (PSL/RJ) protocolaram o PL Nº 2.578, de 12 de maio de 2020, que determina que tanto o sexo biológico quanto as características sexuais primárias e cromossômicas são responsáveis por definirem o gênero do indivíduo no Brasil (BRASIL, 2020a).

O deputado Léo Motta (PSL/MG) também protocolou o PL Nº 4.893, de 19 de dezembro de 2020, apensado ao PL Nº 3.235/2015, de autoria do deputado e pastor Marco Feliciano (PSC/SP). Esse PL altera o ECA, passando a criminalizar a veiculação de expressões como orientação sexual, identidade de gênero, discriminação de gênero, questão de gênero e semelhantes em atos normativos, materiais didático-pedagógicos ou programas governamentais, sob a pena de detenção de seis meses a dois anos e multa (BRASIL, 2020b). O texto do PL Nº 4.893/2020 altera o Código Penal para tipificar como crime de conduta quem, nas dependências das instituições das redes municipal, estadual e federal de ensino, adotar, divulgar, realizar ou organizar políticas de ensino, políticas curriculares, disciplinas ou atividades culturais que adotem como conteúdo a “ideologia de gênero” (BRASIL, 2020b).

É possível entendermos, a partir desse pequeno mapeamento das movimentações antigênero na aprovação do PNE e, posteriormente, da formação de uma aliança, como aponta Reis e Eggert (2017), composta por líderes religiosos (sobretudo evangélicos e católicos) e fundamentalistas, organizações conservadoras e reacionárias que defendem a família patriarcal e os costumes tradicionalistas que, com visões distorcidas intencionais, procuram impedir a discussão e a institucionalização da igualdade e da diversidade de gênero e da diversidade sexual, cujas violências há décadas são retratadas por organizações de direitos humanos e direitos de LGBT. “À guisa de uma moral dita ‘cristã’, as mulheres feministas e as pessoas LGBT se transformaram, na visão de quem prega contra a ‘ideologia de gênero’, em uma força do mal, no inimigo, a ser combatido a qualquer custo” (REIS; EGGERT, 2017, p. 19), e esse combate tem sido o braço direito da violência contra esse segmento populacional.

O pânico moral que envolve os discursos legislativos provém da tentativa de fixar os papéis de gênero, como uma fórmula natural, única e permanente. Ao evocar o sintagma “ideologia de gênero” como uma ameaça aos costumes e à família, os grupos reacionários antigênero buscam normatizar os corpos, colocá-los dentro de um paradigma cisgênero e heterossexual que se constituiu como dominante e que se pretende continuar como tal (LOURO, 2018). Como reforça Sara Gonçalves Júnior (2019), extirpar grupos sociais não beneficia quaisquer instituições sociais, pelo contrário, corrobora a manutenção do poder e institucionaliza estratégias de controle sobre os corpos, um controle dos grupos dominantes sobre grupos oprimidos, cuja criação de um pânico moral como esse, como vimos, é uma poderosa estratégia.

Schibelinski (2020) chama atenção para o fato de que os parlamentares que atuam na empreitada antigênero não podem ser reduzidos a um grupo coeso e com os mesmos objetivos. Em suma, aponta o autor, esse grupo é composto por religiosos cristãos (sobretudo os católicos e os evangélicos de vertentes neopentecostais, mas também por espíritas conservadores), pessoas leigas cujas motivações morais, éticas e políticas são diversas, políticos conservadores e direitistas ou ultradireitistas. Os objetivos também variam; logo, a aliança que se faz é em defesa da moral e dos bons costumes, ou, em outras palavras, a manutenção do status quo da heterossexualidade e da cisgeneridade como naturais do humano, a essência dos corpos, além da norma reguladora. Mais do que um consenso político ou religioso, ressalta Miskolci (2018), esses investimentos morais visam a reagir aos avanços dos direitos sexuais e da diversidade de gênero, e a união de todos eles se dá no sintagma “ideologia de gênero”; um campo discursivo convincente que é utilizado para evocar o pânico nos planos educacionais; uma política de medo das diversidades e das diferenças, que escamoteia a precariedade dos corpos considerados fora da norma e da violência com que são tratados.

As políticas educacionais cearenses e a “ideologia de gênero”: cenário pós-PEE 2016-2024

O governador Camilo Sobreira de Santana (PT) sancionou, em 30 de maio de 2016, a Lei Nº 16.025 (CEARÁ, 2016), que dispõe sobre o Plano Estadual de Educação (2016/2024), documento que traça metas e estratégias para a organização e a melhoria da educação cearense. Este documento foi elaborado durante sete plenárias regionais e uma estadual, todas no ano de 2015, com participação da sociedade civil, organizações não-governamentais e poder público (SOUZA, 2016). Logo no início do texto, no inciso XV do Art. 3º da Lei, o dispositivo “[...] impede, sob quaisquer pretextos, a utilização de ideologia de gênero na educação estadual” (CEARÁ, 2016, p. 1). O texto não apresenta justificativa para tal ação, tampouco definição precisa do que é ou pode vir a ser “ideologia de gênero”. Isso mostra como as movimentações antigênero em torno do PNE 2014-2024 surtiram efeitos nos planos educacionais. Essa ação, como veremos, será repetida em alguns dos maiores municípios do estado, a saber: Fortaleza, Quixadá, Sobral, Crato e Juazeiro do Norte, por meio de dispositivos legais que modificam documentos já existentes ou propõem nova legislatura e pesam sobre as produções curriculares.

O documento, por algumas vezes, menciona a necessidade de combater violências e opressões contra grupos minoritários de direitos, por exemplo: elevar a escolaridade da população que sofre preconceitos e opressões, dentre elas os de sexo e de orientação sexual (Meta 8), com a criação de políticas específicas de escolaridade para jovens e adultos (estratégias 8.2 e 8.3) e tentando identificar as necessidades e demandas desses segmentos populacionais (estratégia 8.4). Do mesmo modo, garantir que a formação inicial e continuada de professoras e de professores, gestão escolar e demais profissionais da educação discutam a cultura do acolhimento e do respeito (estratégia 8.8). O documento também visa a garantir acesso e permanência à população em vulnerabilidade social (Meta 10, estratégia 10.5) e, por fim, promover ajustes nos currículos das escolas indígenas, quilombolas e do campo para inserir conteúdos que tenham como foco a superação de preconceito e discriminações a determinados segmentos populacionais.

Homero Souza (2016) aponta que os itens do Plano Estadual de Educação (PEE) que discutiam gênero e sexualidade e o combate à discriminação foram os mais polemizados. A partir da articulação entre parlamentares conservadores e fundamentalistas ligados a grupos religiosos, e partidos de direita, houve a retirada dos termos que fazem referência à população LGBT e que tratavam a diversidade sexual. É importante observarmos que, em vez da palavra “gênero”, há a utilização da palavra “sexo” como substitutiva da primeira. Essa concepção reforça o caráter biologizante e essencializador de pensar o gênero como sexo natural, o que os documentos que falam sobre “ideologia de gênero” apregoam.

O desafio de mostrar às pessoas, e a nós mesmos, que gênero não se reduz a sexo, ou sequer se deduz deste, é imenso, porque esta é uma ideia crucial para as relações sociais, cultivada desde as mentes mais tenras:

Homens têm pênis. Mulheres têm vagina.

A qual deriva para um nível mais complexo:

Homens são diferentes de mulheres nisso. Mulheres são diferentes de homens naquilo.

Muitas simplicíssimas ideias se aglomeram, para dizer que tudo isso é natural, pré-determinado, normal, imutável, ahistórico, dado. (JESUS, 2015, p. 26).

A mudança das expressões não é desintencional, faz parte de um conjunto de metodologias que visam a normalizar as identidades de gênero dos indivíduos e a fixar suas referências sexuais no modelo heteronormativo e nas características morfológicas do sexo, um investimento duradouro e eficiente de táticas e de estratégias que informam e tentam consolidar a imagem de um homem e uma mulher normais, controlados, puros e naturais (LOURO, 2018). Assim, apontamos as contradições do documento que, ao mesmo tempo em que menciona a necessidade de combater a violência e a opressão, sinaliza o pânico que essa ação pode gerar. Nos referimos à estratégia 7.49: “[...] assegurar avaliação prévia e específica do material escolar, voltado para crianças e adolescentes, no mínimo, nos seguintes itens: racismo, preconceito, discriminação e orientação sexual” (CEARÁ, 2016, p. 8). Dessa maneira, o documento abre precedente para que, de algum modo, esses materiais possam ser censurados. Deixa no ar também a possibilidade de grupos reacionários atuarem com tranquilidade, tendo em vista que encontram jurisprudência para agirem. Segundo Vianna e Bortolini (2020), no texto

[...] o veto é justificado com base no sintagma da “ideologia de gênero” –, com a finalidade de denunciar o suposto caráter doutrinário da abordagem de gênero na formação moral de crianças e adolescentes, criando um verdadeiro pânico nas famílias em relação a essa temática. Por isso, o controle da família é indispensável para evitar uma suposta dissolução dos papéis sociais de homens e mulheres e, consequentemente, da família nuclear. (VIANNA; BORTOLINI, 2020, p. 11).

Com a publicação do PEE, os municípios cearenses puderam organizar seus planos educacionais e os currículos escolares. Tanto o cenário reacionário no Congresso Nacional quanto as discussões antigênero em torno do PEE abriram caminho para que os grupos religiosos, conservadores e simpatizantes atuassem na formulação de documentos legais que impedissem a “ideologia de gênero” de ser veiculada nos municípios. Nessa direção, os currículos serão o foco desses ataques, de modo que essa agenda conservadora objetiva vigiar e controlar o que é ensinado nas escolas, assim como a ação de professoras/es. Essas estratégias discursivas (PARAÍSO, 2016) são utilizadas como um conjunto de falseamento da realidade e visam a adquirir cada vez mais adeptos reacionários, pesando como máquinas de silenciamentos nos currículos.

O primeiro registro em legislação municipal no estado do Ceará que encontramos é em Caucaia, no ano de 2015. Foi apresentada, na Câmara Municipal, a Emenda Aditiva N° 01, de 20 de junho de 2015 ao Projeto de Lei Nº 64, de 22 de junho de 2015, a qual dispunha sobre a adição de um parágrafo único que veta qualquer manifestação da “ideologia de gênero” na rede municipal de ensino. Obtivemos essa informação via reportagem do Jornal dos Municípios (CAVALCANTE, 2015), datada de 25 de junho de 2015, a qual traz uma imagem assinada pelos vereadores. O documento original não está disponível no portal digital da Câmara. As propostas curriculares municipais11 não fazem menção à discussão de gênero e apenas o documento das séries finais do Ensino Fundamental menciona sexualidade como caráter reprodutivo. Entendemos, portanto, que o projeto apresentado foi vitorioso.

Em novembro de 2017 a Câmara Municipal de Crato promulgou a Lei Nº 3.355/2017 (CRATO, 2017), que altera a Lei Nº 3.108/2015 – Plano Municipal de Educação, incluindo outros 15 incisos no Art. 2º, que dizem respeito ao impedimento, sob quaisquer pretextos, da utilização da tal “ideologia de gênero”. Sem definir o que é o famigerado objeto, a Lei estabelece que cabe à família a educação moral de crianças e adolescentes (inciso XV) e que, caso servidores públicos ou órgãos municipais queiram participar desse processo, devem apresentar, previamente, o material pedagógico que pretendem utilizar nas aulas ou nas atividades (inciso XVI). Além disso, a Lei também proíbe que o serviço público municipal divulgue ou permita acesso de crianças e de adolescentes a materiais pornográficos ou obscenos (imagens, músicas ou textos) (inciso XVII) ou mesmo material didático que contenha algo que seja considerado impróprio para o desenvolvimento psicológico, sendo aplicado a quaisquer conteúdos midiáticos impressos ou digitais (inciso XVIII). O inciso XX do dispositivo autoriza a apresentação científico-biológica desde que se atenha ao sistema reprodutivo, respeitando a idade apropriada e proibindo a referência à atividade sexual. Caso haja violação (inciso XXIV), as pessoas acusadas deverão pagar multa de 15%, quando se trata de valores de contrato ou patrocínio, ou 5% da remuneração de servidores que estejam em envolvimento. A Lei também assevera que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode apresentar denúncia à Administração Pública e ao Ministério Público caso verifique o descumprimento dela (inciso XXV).

Em novembro de 2017, a Câmara Municipal de Quixadá aprovou, em segunda votação, o Projeto de Lei Nº 11 (QUIXADÁ, 2017), de autoria do vereador Luiz Gonzaga Rodrigues de Lima (Partido Liberal – PL), que proíbe atividades pedagógicas que visem a reproduzir o conceito da “ideologia de gênero” ou similar nos currículos escolares da rede municipal e da rede privada. O PL não detalha a qual conceituação se refere; entretanto, no Art. 1º, menciona a proibição de conteúdos curriculares que tentem orientar a sexualidade de alunas e alunos ou que objetivem extinguir o gênero masculino e feminino e passar a adotar o gênero humano. Na página virtual da Câmara, esse PL está apenas protocolado, mas ainda não foi sancionado.

Em Sobral, também em 2017, o vereador Adauto Izidoro Arruda (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, atual MDB) apresentou o Projeto de Lei Nº 2.154/2017 (SOBRAL, 2017), que proibia as atividades pedagógicas que visassem a reprodução do conceito de “ideologia de gênero” nos currículos escolares da rede municipal e da rede privada. A maioria dos parlamentares, em primeira votação, aprovou o projeto (segundo a ata, foram 18 votos favoráveis), com um único voto desfavorável. O prefeito municipal, Ivo Ferreira Gomes (PDT) decidiu pelo veto do PL. Em segunda votação, o veto foi mantido por dez votos contra nove.

Em março de 2018, foi promulgada, pela Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, a Lei Nº 4.853 (JUAZEIRO DO NORTE, 2018), de autoria dos vereadores Francisco Demontier Araújo Granjeiro (Partido Pátria Livre – PPL) e Damian Lima Calú (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB), a qual veda a Secretaria Municipal de Educação e as escolas públicas municipais de desenvolverem políticas de ensino ou curriculares que tentem aplicar a tal “ideologia de gênero”. O texto dessa Lei é idêntico ao texto da Câmara Municipal de Crato.

Em Fortaleza, capital do estado, as discussões tomaram caminhos opostos daquilo que já foi exposto. O vereador Evaldo Lima (Partido Comunista do Brasil – PCdoB) apresentou o Projeto de Lei Ordinária Nº 524/2018 (FORTALEZA, 2018), que dispunha sobre a liberdade de cátedra, além de proteção de professoras/es frente aos casos de violência em seu exercício profissional. O referido PL visava a garantir que professoras/es tivessem o direito de expressarem livremente seu pensamento em sala de aula (Art. 2º), sendo, assim, protegidas/os contra qualquer ação ou omissão decorrente de violência que cause dano moral, patrimonial, lesão corporal ou doenças psicológicas (Art. 3°). O dispositivo considera como violência à pessoa docente as formas de cerceamento de opiniões e manifestações, atitudes individuais ou coletivas que se configurem como práticas de intolerância e ações que se tipifiquem como crimes de calúnia, injúria ou difamação. Em parágrafo único, o texto proíbe o uso de equipamentos eletrônicos para filmar, gravar áudio ou fotografar professoras/es no momento de atuação em sala de aula. Reagindo ao teor do PL, o vereador Jorge Pinheiro (Democracia Cristã – DC) apresentou a Emenda Aditiva Nº 1/2019 (FORTALEZA, 2019), que adicionou um artigo entre o segundo e o terceiro. O texto considera como forma de violência contra alunas/os o ensino e a promoção da “ideologia de gênero” nas escolas municipais. Nesse sentido, traz consigo os seguintes artigos a serem renumerados:

I – a existência de uma identidade psicológica de gênero superposta ao sexo biologicamente definido, sem que com ele precise se conformar;

II – a existência de uma multiplicidade de identidades de gêneros para além da dualidade dos sexos biológicos e seus comportamentos característicos;

III – a possibilidade de livre identificação permanente ou transitória, de um indivíduo, adulto ou não, com um gênero coincidente ou não com seu sexo biologicamente definido;

Parágrafo único: São sinônimos à expressão ideologia de gênero: gender theory, teoria de gênero, queer theory, teoria queer, perspectiva de gênero, identidade de gênero ou semelhantes, sendo este rol meramente exemplificativo. (FORTALEZA, 2019, p. 1).

Esse é o único documento consultado que especifica o que um parlamentar conservador-reacionário entende por “ideologia de gênero”. Ao argumentar contra a construção social do gênero, lança mão de estratégias poderosas para amedrontar famílias, estudantes e a comunidade escolar como um todo, colocando em ação a desqualificação dos estudos em gênero e sexualidade, convencendo as pessoas de que essas concepções sociais formam uma ideologia que visa ao ataque e à destruição da família (PARAÍSO, 2016), como vimos na publicação de Scala (2011). Reforça Marlucy Paraíso (2016) que esses projetos de lei que se vinculam a esse sintagma colocam em risco as bases da educação escolar, porque tentam controlar os currículos, os materiais didáticos e pedagógicos, impedir que as discussões sobre a equidade de gênero e diversidade sexual cheguem de modo institucional na escola, além de buscarem impedir qualquer discussão política por parte de docentes, criminalizando sua prática, como é o caso dos municípios de Crato e Juazeiro do Norte, que refletem as investidas políticas antigênero do Congresso Nacional. Em Fortaleza, nenhum dos dois projetos foi aprovado.

O pânico moral, ao ser estabelecido nos currículos escolares, revela a perversa face da violência contra quem é considerado diferente. Nesse aspecto, esses pânicos morais propõem que alguns grupos sociais, entendidos como fora da ordem natural, possam se tornar alvo dos mais severos controles e punições. Essa pedagogia da sexualidade (e das formas de fazer e desfazer o gênero), assim chamada por Guacira Lopes Louro (2018), legitima determinadas identidades e automaticamente exclui outras, reprimindo-as e marginalizando-as. A estratégia faz-se do uso do controle de grupos dominantes sobre grupos oprimidos; então, o pânico moral é uma estratégia de controle (GONÇALVES JÚNIOR, 2019, p. 121). Vigilância, controle e punição.

O poder, nesse caso, funcionará como um mecanismo vigilante e punitivo (FOUCAULT, 2014). As estratégias lançadas pelo jogo legal, como pudemos verificar, atua como um panóptico, uma força-motriz política que tudo vê e que tudo sabe, e que está sempre atenta a tudo. Nessa perspectiva, a desqualificação de professoras/es, além de criminalização da ação docente, dos currículos e da liberdade de ensinar, é um meio efetivo de impor a cultura do medo, assombrando e esmagando o menor sinal de insurgência. Ações que fazem parte de uma política nefasta cujo objetivo principal é o assujeitamento de grupos minoritários e o silenciamento diante das violências sofridas por esses grupos. Colocar professoras/es em constrangimento e aprisionamento de ideias é mostrar, nitidamente, que a educação não é lugar para todas as pessoas. Daí, partindo de Foucault (2014), o pensamento panóptico: afastar e assujeitar aqueles que não se comportarem de determinada maneira, ou aqueles que não seguirem os domínios do poder centralizador. Fazer induzir no sujeito um “[...] estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 2014, p. 195).

Essa política deixa evidente que busca uma “caça às bruxas”, uma cruzada de extermínio simbólico de qualquer professora ou professor, aluna ou aluno que ousar desobedecer às normas. Diz-nos Paraíso (2016, p. 403) que o gênero, no campo do currículo, tem “[...] sido usado para mostrar os raciocínios generificados que conduzem práticas excludentes e na luta por currículos escolares que não anulem as diferenças percebidas entre as pessoas ao mesmo tempo em que não compactuem com as desigualdades”. Logo, essas ações sob o currículo têm uma intencionalidade e funcionalidade específicas: escamotear as violências e opressões que grupos subalternizados de gênero (mulheres cisgênero, mulheres trans, travestis, pessoas não-binárias) e sexuais (gays, lésbicas, bissexuais, assexuais, etc.) sofrem na sociedade brasileira e a negligência estatal no acolhimento e na restituição de uma vida digna, possível de ser vivida12.

Ao discutirmos gênero e sexualidade na escola, as diferenças e a diversidade, a intenção é interrogarmos, como fonte única de conhecimento sobre gênero, sexo e sexualidade, os aspectos morfológicos do corpo. Acreditamos que “somos sujeitos de muitas identidades” (LOURO, 2018, p. 13) e, como tais, nossa existência está permeada pelos aspectos político-sociais e culturais, que se impõem em todos os corpos, definindo a todas as pessoas lugares sociais e simbólicos a serem ocupados. Esses lugares reforçam estereotipias, provocam desigualdades e, muitas vezes, o aniquilamento de corpos que ousam ultrapassar a norma imposta pelo discurso dominante.

Se os currículos escolares furtam-se da necessidade de pensarem-se estratégias e propostas para minimizar (ou quem sabe erradicar) as violências sofridas por um público específico, eles deixam de comunicar-se com a escola cotidiana, que é composta pelas diferenças e que emerge em um tempo-espaço rico de pluralidades. “Os excluídos tentam operar os sistemas de opressão, mantendo-os ou reagindo a eles” (GONÇALVES JÚNIOR, 2019, p. 122). Reagir às normas, interrogando-as, subvertendo-as é “[...] a força da resistência que necessitamos para reinstaurar a vida e para acreditar na possibilidade de fazer um currículo rico em vida e em possibilidades” (PARAÍSO, 2016, p. 403).

Gênero e sexualidade no Documento Curricular Referencial do Ceará

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instituída por meio da Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 de dezembro de 2017, é um documento normativo que define um conjunto de aprendizagens consideradas essenciais, as quais todas/os as/os alunas/os deverão desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica (BRASIL, 2017). O texto normativo da BNCC diz que sua proposição deva ser referência nacional para a formação dos currículos dos sistemas e das redes de ensino escolares estaduais, municipais e do Distrito Federal, com o intuito de que as políticas e as ações estejam alinhadas. Desse modo, o DCRC foi elaborado em 2018 e homologado em 2019.

Conforme apontam Oliveira, Vidal e Batista (2019, p. 3), o documento foi construído de forma colaborativa e contou com a participação de “[...] educadores das diferentes áreas do conhecimento, e ainda, com a colaboração direta da sociedade cearense, por meio de consulta pública, sendo homologado em janeiro de 2019 pelo Conselho Estadual de Educação (CEE)”. Fruto do processo de um ano de discussões com diversos setores, o DCRC nasceu do desafio de implementar a BNCC nos currículos cearenses, garantindo aprendizagem mínima aos estudantes brasileiros ao mesmo tempo em que mantém uma educação característica do Ceará (CEARÁ, 2019c). Assim, emergindo de discussões de docentes, gestoras/es e especialistas da área de educação, o DCRC, em suas mais de 600 páginas, apresenta uma ampla discussão não apenas dos componentes curriculares das etapas de ensino às quais se propõe, mas também ao contexto estadual, histórico e legal, no qual se consubstancia o currículo cearense, aos pressupostos teóricos, epistemológicos e políticos que embasam essa elaboração, e aos chamados temas integradores e de abordagem transversal, discussões cerceadas – melhor seria dizer suprimidas – da BNCC.

Elder Silva (2020) apresenta-nos uma incursão nas três versões da BNCC13, apontando que nos três documentos estavam presentes as discussões sobre a diversidade de gênero e sexual. O autor relata que, em novembro de 2017, quando o MEC enviou o documento ao Conselho Nacional de Educação (CNE), essas discussões especificamente estavam concentradas na área de Ensino Religioso, em função da pressão exercida por movimentos de direita e setores ligados às religiões cristãs. Gênero e diversidade sexual deveriam, desse modo, serem discutidos a partir das diferentes tradições religiosas. Na publicação do texto final da Base, os termos “gênero” e “sexualidade” foram suprimidos de modo definitivo. A retirada dos termos, também aponta o autor, parte de uma ação coordenada pelo MEC e aprovada pelo CNE, sem contar com a participação popular. O Art. 22, da Resolução CNE/CP Nº 2/2017 menciona que o CNE elaboraria, posteriormente, normas específicas sobre orientação sexual e identidade de gênero (BRASIL, 2017). Até o presente momento, essa ação não foi realizada.

Temos de lembrar que, em 2016, após o golpe que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República14 fez com que as discussões coletivas em torno da BNCC fossem dissolvidas e o processo, até a aprovação do texto final, foi conduzido de maneira verticalizada15. O DCRC apresentou-se em movimento contrário à BNCC e, podemos dizer, uma tentativa disruptiva em relação a seu correspondente no âmbito nacional. O texto do documento cearense compreende que este não se define pela reunião de objetos do conhecimento a serem trabalhados junto aos alunos, mas pela vivência que deve emanar da escola, da qual resultarão os aprendizados (CEARÁ, 2018). O discurso da inclusão, associado, entre outros, ao gênero e, em menor ênfase, à sexualidade, está presente ao longo de todo o documento, inclusive entre seus princípios orientadores, concebendo uma “[...] valorização da diversidade, compreendendo o estudante em sua singularidade e pluralidade” (CEARÁ, 2018, p. 14). Nesse sentido, o DCRC elucida que:

A perspectiva inclusiva, tomada como princípio dos direitos humanos na educação, traz implicações positivas, posto que amplia, fortalece e dignifica o conceito de instituição educacional e sua função social: não escamoteia e/ou camufla as diferenças entre os seus estudantes, em uma equivocada invisibilidade da diversidade. (CEARÁ, 2019c, p. 40, grifo nosso).

Desse ponto de vista, a escola é um espaço estratégico para que se construa a reflexão sobre as marcas de nossas desigualdades, os padrões geradores e produtores de violência, discriminação e preconceito. É para esse espaço que apontamos os marcos civilizatórios de uma sociedade que respeite e promova as diferenças, deseje a igualdade formal e material, aposte no diálogo e, por isso, na democracia e na cultura de paz. (CEARÁ, 2019c, p. 85).

O DCRC é composto de quatro partes que se dividem em contextualização histórica e marcos legais (Parte 1), pressupostos teóricos, epistemológicos e políticos (Parte 2), temas integradores e transversais (Parte 3) e etapas de ensino, contendo o conjunto de conhecimentos distribuídos por anos do Ensino Fundamental (Parte 4). Há uma parte específica que trata das Relações de Gênero (Parte 3, item 12). Esse texto traz importantes reflexões para pensarmos a diversidade de gênero e os processos escolares, de modo a romper com a ideia da biologização do gênero, informando que também as divisões sociais baseadas em sexo são construções sociais. Assim, ao desnaturalizar e desessencializar o gênero, busca uma abordagem não-sexista, antimisógina e que lute pela equidade entre homens e mulheres na educação.

Mesmo não destinando espaço igual para as pautas de sexualidade, ao não se omitir da colocação de tais temas de forma recorrente em suas páginas, tenta subverter a lógica da BNCC e coloca como fundamental que essas temáticas estejam na vida de jovens e de adolescentes e em sua formação e, ainda, aponta a necessidade de que façam parte do currículo. Ao posicionar-se dessa forma, não deixa espaços para dúvida ou interpretações dúbias quanto ao sentido que a educação cearense e seus agentes, por meio do documento, atribuem a essas discussões. Uma das passagens do DCRC diz assim:

A ideia de que as meninas devem brincar de certos jogos e brinquedos (bonecas, panelas...) e os meninos, com outros (carros, bolas, armas...) tem como fundamento o patriarcado e machismo, geralmente velados nas práticas educativas. [...]. Contribuir com essa perpetuação é limitar o processo de aprendizagem nas atividades educativas e estimular preconceitos, discriminações, misoginia, racismos e intolerância em vários níveis. Tudo isso corrobora com os altos índices de violência e assassinatos de meninas, mulheres e demais sujeitos sociais. Cabe à escola instigar o debate acerca do respeito que deve permear as relações sociais e todas as dimensões que o envolve. (CEARÁ, 2019c, p. 99-100, grifo nosso).

Em uma perspectiva comparativa, notamos que, fundamentada nas questões discutidas anteriormente, a BNCC priva-se tanto quanto possível do uso dos termos “gênero” (com exceção da conotação gênero textual), “sexualidade” e similares. Termos aos quais não encontramos menção alguma, ou raras citações, como, por exemplo, na única passagem da qual o documento faz uso do termo “homossexuais”, referente a uma das habilidades mobilizadas no componente curricular História (EF09HI26), no 9º ano do Ensino Fundamental, que enuncia: “Discutir e analisar as causas da violência contra populações marginalizadas (negros, indígenas, mulheres, homossexuais, camponeses, pobres etc.) com vistas à tomada de consciência e à construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas” (BRASIL, 2018a, p. 431, grifos nossos).

Em contrapartida, é possível conferirmos, na DCRC, menções às lutas contra o machismo e a LGBTfobia, em diversas passagens, como objetos específicos do aprendizado, a saber: para o 5º ano, “Conhecer os direitos e deveres das mulheres, [...] e LGBTs [...]” (CEARÁ, 2019c, p. 519), “As lutas por direitos e equidade da comunidade LGBT no Brasil e no Ceará” (CEARÁ, 2019c, p. 551); para o 8º ano, “[...] Movimentos Feministas e Movimento LGBT [...]” (CEARÁ, 2019c, p. 526); para o 9º ano, “A retirada em 1990 da homossexualidade, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), lista internacional de doenças e as lutas do movimento LGBT” (CEARÁ, 2019c, p. 580), “Reivindicação do movimento LGBT” (CEARÁ, 2019c, p. 583), “[...] as questões étnico-raciais, de gênero, diversidade sexual e religiosa” (CEARÁ, 2019c, p. 530), “Os crimes cometidos contra os homossexuais do Brasil durante a ditadura civil-militar” (CEARÁ, 2019c, p. 578).

Ao assumir esse posicionamento, o DCRC possibilita caminhos que intencionalmente não são vislumbrados na composição da BNCC. Não se furtando de posicionar as discussões de gênero e sexualidade enquanto elementos curriculares, o documento promove, à condição de saber curricular, pautas concernentes a um recorte social excluído historicamente do reconhecimento público. Nesse viés, cabe dizermos que esse posicionamento é resistência, uma resistência que enfrenta as contradições de seus próprios posicionamentos e procura mudanças, além de enfrentar uma intensa e cansativa batalha contra opositores dispostos a chegar ao poder e fazer política para aqueles que não são considerados pertencentes ao povo, como vimos no início deste texto.

Desse modo, o DCRC abre-nos caminho para que possamos fazer currículos-(r)existência (OLIVEIRA; SABINO, 2020), que dialoguem com as perspectivas democráticas que se empenham em combater o racismo, a homofobia, o sexismo, as desigualdades econômicas e o patriarcado. Entendemos, junto à Paraíso (2016), que o conceito de gênero tem sido evocado na luta de milhões de pessoas a uma vida digna e com igualdade de oportunidades, da mesma maneira em que a discussão sobre a diversidade sexual se empenha em produzir discursos e narrativas que estão para além da heterossexualidade compulsória (RICH, 2012).

Possibilita, ainda, a desconstrução de estigmas impostos a uma população minoritária de direitos, que, para além do processo de afastamento do seio da sociedade, enfrenta a recusa de penetrar no terreno da escola, expressa nos currículos e na cultura escolar dominante. Em suma, não desconsiderando o documento orientador dos currículos cearenses como uma diretriz curricular, que, em sua concepção, padroniza os saberes e elenca os que são mais ou menos importantes, além do exercício do poder sobre o conhecimento, compreendemos que a investida coletiva que deu voz aos agentes da educação do estado, da qual resultou o DCRC, permitiu a construção de um instrumento que visibiliza, em certa medida, a luta feminista e da população LGBT e a necessidade de promover uma educação inclusiva, no sentido de reparar a discriminação e o preconceito praticados e perpetuados pela cultura hegemônica.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos descrever e analisar as investidas antigênero nos planos educacionais e nos currículos da Educação Básica cearenses. Em nossas análises, pudemos perceber que, por detrás da criação do pânico moral “ideologia de gênero” na educação estadual, há interesses específicos de sujeitos homens brancos, cisgêneros, cristãos e heterossexuais. As cruzadas morais empreendidas por essas pessoas reforçam a norma e também quem está do lado de fora desses arranjos normativos. Dessa maneira, a noção de heteroterrorismo (BENTO, 2011) em muito nos ajuda a pensar as reiterações da norma sexual e de gênero. Repetidas por diversas vezes, em todos os lugares sociais, são maneiras efetivas de controle de nossos corpos e de nossa maneira de viver a sexualidade. Essas verdades passam a interiorizar-se dentro de nós, como reforça a autora e, desse modo, torna-se uma pedagogia da sexualidade (LOURO, 2018) e do gênero, que busca cuidadosamente padronizar-nos.

O sintagma “ideologia de gênero” tem sido evocado na educação cearense como reação aos avanços da agenda feminista e de LGBT na educação, que buscam fazer com que a política curricular estadual seja justa, democrática e promova a equidade. Contudo, é nas frestas que a resistência acontece. Se, por um lado, descrevemos um intenso empreendimento conservador que procura normatizar identidades e fixá-las; por outro, há resistências que tentam fazer da escola e dos currículos espaços democráticos para a existência de todas as pessoas. Nessa acepção, consideramos o DCRC um avanço em termos de documento educacional, mesmo entendendo as limitações que ele apresenta ao tentar apontar as aprendizagens essenciais. O DCRC, por manifestar uma abertura democrática às questões de gênero e de sexualidade, mostra um posicionamento claro com relação a qual educação se quer no estado do Ceará.

O slogan “ideologia de gênero” é uma falácia (REIS; EGGERT, 2017), construída para aterrorizar a sociedade com um inimigo invisível que precisa ser combatido, um fantasma que precisa ser exorcizado (MISKOLCI, 2018). A censura aos termos “gênero” e “sexualidade” no PNE 2014-2024, na BNCC, no próprio PEE/CE e nas legislações municipais que descrevemos e analisamos são maneiras de silenciamento das violências sofridas por mulheres e pessoas LGBT, números que crescem cada vez mais no Brasil e no mundo. Nossa escrita, dentro dos limites deste texto, procurou escancarar as ações nefastas que perseguem grupos minoritários de direitos, em busca de uma invisibilização dos sujeitos e a manutenção de um status quo dominante: a cisgeneridade e a heterossexualidade.

A CODIN da SEDUC/CE tem se esforçado para garantir políticas públicas que promovam uma cultura não-sexista e anti-LGBTfóbica. Mesmo com o caráter combativo à “ideologia de gênero” no Plano Estadual de Educação, a CODIN realiza um trabalho que visibilize, sensibilize, mobilize, divulgue e articule as relações de gênero e a diversidade sexual nas escolas cearenses (SOUZA, 2016). Nossa escrita também foi uma maneira de chamar atenção para a precarização que essa política está submetida. Homero Souza (2016) nos aponta que essa implementação ainda não é prioridade dentro da agenda governamental do estado o Ceará e possui alcance limitado, em função da incipiência de sua articulação interinstitucional e da ausência de recursos financeiros específicos para a criação de materiais e de ações que facilitem a capilaridade dos estudos de gênero e sexualidade nos cotidianos escolares.

Encerramos este texto evidenciando: não existe “ideologia de gênero”! Concordamos com Toni Reis e Edla Eggert (2017), há uma desonestidade intelectual que busca formular argumentos sem fundamentos científicos, além de um terrorismo moral, que se materializa em um pânico reativo às diversidades e diferenças. Seguimos, como o poeta-músico Milton Nascimento, com uma estranha mania de ter fé na vida, e, por isso, escrevemos a partir dos lugares da resistência. Em meio à pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), temos fé e lutamos por uma vida digna, sem violências, sem precariedades, um mundo e uma educação de possíveis para todas, todos e todes!

2Berenice Bento (2011) entende que esses investimentos precisos se configuram como um terrorismo, o heteroterrorismo. Verdades que são repetidas diversas vezes, por instituições diferentes, marcadas por um terrorismo contínuo.

3Segundo o site da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), a Conferência de 1995 trouxe como tema a Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz. É um marco importante na mudança de foco da discussão sobre mulheres para a discussão de gênero e as possibilidades de equidade entre as múltiplas existências corporais. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/conferencias/. Acesso em: 20 fev. 2021.

4Christina Hoff Sommers é conhecida pelas críticas ao movimento feminista do final do século XX, enquanto a jornalista Dale O’Leary estava ligada à seita católica Opus Dei e, conforme Junqueira (2017), também era representante da Family Research Council (Conselho de Pesquisa Familiar), uma organização política centrada em denunciar questões que afetam a família, entendida a partir de uma cosmovisão bíblica; e da National Association for Research & Therapy of Homosexuality (Associação Nacional de Pesquisa e Terapia da Homossexualidade), que acredita e oferece terapia de reorientação sexual.

5Para aprofundamento sobre esse histórico, sugerimos a leitura de Leopoldo (2020).

6 Miskolci e Campana (2017) descrevem várias iniciativas de governos de esquerda latinos para a promoção dos direitos sexuais e de igualdade de gênero. Podemos destacar, em 2004, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), órgão componente da estrutura administrativa do MEC, que tinha como principal função promover políticas públicas voltadas ao acesso à educação, levando em consideração especificidades como gênero, raça, etnia, territorialidade, idade. Posteriormente, a sigla ganhou mais uma insígnia, a Inclusão, passando a ser mencionada como SECADI. A responsabilidade desse órgão eram as ações para a Educação do Campo, Educação Quilombola, Educação para as Relações Étnico-Raciais, Educação Escolar Indígena, Educação de Jovens e Adultos e Educação em Direitos Humanos. A SECADI foi extinta pelo Decreto Nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019 (BRASIL, 2019), na gestão do Ministro, o filósofo e professor universitário ultradireitista, Ricardo Vélez Rodríguez. Vélez-Rodríguez ficou no cargo de 1º de janeiro a 8 abril de 2019.

7O pastor evangélico e deputado Erivelton Santana, ao apresentar esses dois Projetos de Lei, trata, especificamente, do Programa Escola sem Partido (EsP), como menciona Lacerda (2019). O programa deriva do Movimento Escola sem Partido, que, segundo a página do EsP, é uma iniciativa de um conjunto de pais e estudantes preocupados com a contaminação político-ideológica no sistema de ensino brasileiro, abrangendo o Ensino Básico e o Ensino Superior. Miguel Nagib, advogado paulista, lidera o movimento fundado por ele e, no texto de apresentação no site, menciona que, em defesa de uma suposta visão crítica, professores utilizam da liberdade de cátedra para impingir às alunas e aos alunos sua visão de mundo. O Programa EsP é uma proposta de lei, para atuar nos diferentes poderes, que torna obrigatória a afixação de um cartaz, nas salas de aula brasileiras, de seis deveres do professor, que compreendem a nulidade de suas concepções pessoais, de seus interesses e de suas preferências teórico-metodológicas-epistemológicas. Disponível em: https://www.escolasempartido.org/programa-escola-sem-partido/. Acesso em: 9 mar. 2021.

8Alan Rick (Partido Republicano Brasileiro, atual Republicanos – PRB/AC); Antonio Carlos Mendes Thame (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB/SP); Antonio Imbassahy (PSDB/BA); Bonifácio de Andrada (PSDB/MG); Celso Russomanno (PRB/SP); Eduardo Cury (PSDB/SP); Eros Biondini (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB/MG); Evandro Gussi (Partido Verde – PV/SP); Givaldo Carimbão (Partido Republicano da Ordem Social – PROS/AL); Izalci (PSDB/DF); João Campos (PSDB/GO); Leonardo Picciani (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB/RJ); Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR); Stefano Aguiar – (Partido Socialista Brasileiro – PSB/MG) e a deputada Rosangela Gomes (PRB/RJ).

9A argumentação da suspensão por parte do Ministro está disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF600.pdf. Acesso em: 9 mar. 2021.

10A decisão do Supremo Tribunal Federal está disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF457.pdf. Acesso em: 9 mar. 2021.

11As propostas curriculares consultadas foram: a) Educação Infantil; b) Séries iniciais do Ensino Fundamental; c) Séries finais do Ensino Fundamental. Disponível em: https://www.smecaucaia.com.br/downloads/#. Acesso em: 11 mar. 2021.

12Faz-se necessário lembrar que, em 2017, a travesti Dandara dos Santos (47 anos) foi brutalmente assassinada na cidade de Fortaleza. Os espancamentos foram gravados e divulgados pelos agressores na rede social Facebook. Havia pessoas assistindo ao linchamento nas ruas do bairro Bom Jardim, periferia de Fortaleza. Os réus foram julgados em novembro de 2017 e foram condenados. Disponível em: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2017/03/apos-agressao-dandara-foi-morta-com-tiro-diz-secretario-andre-costa.html. Acesso em: 11 mar. 2021.

13Primeira versão disponível em: http://www.portugueselegal.com.br/wp-content/uploads/2017/07/bncc-versao1.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021. Segunda versão disponível em: http://www.portugueselegal.com.br/wp-content/uploads/2017/07/bncc-versao2.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021. Terceira versão disponível em: http://www.portugueselegal.com.br/wp-content/uploads/2017/07/bncc-versao3.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.

14O impedimento de Dilma Rousseff ocorreu em agosto de 2016 e, nitidamente, foi percebido como uma ação antidemocrática para a derrubada do governo petista, que, mesmo em meio a contradições, conduzia suas ações para que minorias de direitos tivessem acesso a políticas públicas. Michel Temer, que ocupava o cargo de vice-presidente, assumiu ilegitimamente a Presidência. Após esse golpe político, a BNCC teve seu processo conduzido de forma aligeirada e em sentido contrário ao que vinha sendo construído coletivamente. Tanto é que, em 2018, o texto final promulgado deixou de considerar diversas discussões que estavam encaminhadas nos seminários e nas proposições, não somente as que levantamos neste texto.

15Para aprofundamento a respeito do processo de aprovação da BNCC, recomendamos a leitura de Aguiar e Dourado (2018), com vários artigos que contemplam desde a elaboração à publicação e as ações antidemocráticas do governo Temer.

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Recebido: 11 de Maio de 2020; Revisado: 25 de Abril de 2021; Aceito: 26 de Abril de 2021; Publicado: 05 de Maio de 2021

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