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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 21-Out-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.18030.063 

Artigos

Sobre o uso de imagens na pesquisa com crianças: foto-elicitação e outras metodologias no panorama investigativo brasileiro

On the use of images in research with children: photo elicitation and other methodologies in the Brazilian investigative panorama

Sobre el uso de imágenes en investigación con niños: entrevista photo-elicitación y otras metodologías en el panorama de investigativo brasileño

Fabiana de Amorim Marcello** 
http://orcid.org/0000-0001-9720-2650

Gisele Rodrigues Soares** 
http://orcid.org/0000-0003-1624-4686

*Mestre e Doutora em Educação. Professora associada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: <famarcello@gmail.com>

**Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Atua na coordenação pedagógica da Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (RS). E-mail: <giselerodriguessoares@gmail.com>


Resumo:

Há muito tempo, a fotografia, em seus aspectos dinâmicos e mesmo paradoxais, vem compondo o panorama da pesquisa no campo da Educação, teórica e metodologicamente. Assim sendo, neste artigo, temos como objetivo discutir a fotografia na qualidade de elemento decisivo de uma metodologia particular, a foto-elicitação. Mais especificamente, interessa-nos tratar da foto-elicitação, na medida em que ela é dinamizada no diálogo com um grupo particular de sujeitos, as crianças. Para tanto, inicialmente, apresentamos um levantamento bibliográfico sobre pesquisas com/sobre crianças que, metodologicamente, valeram-se de imagens para estabelecer diálogos singulares com elas (as crianças) – especialmente aquelas pesquisas que fazem uso declarado do método da foto-elicitação. Em seguida, com base na análise dos resultados desse mapeamento e, junto a ele, as nossas experiências de pesquisa com crianças, sistematizamos um conjunto de vantagens e, também, de desafios que se impõem a essa forma específica de compor o campo de investigação e suas estratégicas de produção de dados.

Palavras-chave: Metodologias qualitativas; Criança; Foto-elicitação

Abstract:

For a long time, photography, in its dynamic and even paradoxical aspects, has been composing the panorama of research in the field of education, both theoretically and methodologically. Therefore, in this article, we aim to discuss photography as a decisive element of a particular methodology, photo-elicitation. More specifically, we are interested in dealing with photo-elicitation, as it is dynamized in the dialogue with a particular group of subjects, the children. To this end, initially, we present a bibliographic survey on research with/about children who, methodologically, used images to establish unique dialogues with them (the children) – especially those pieces of research that make open use of the photo-elicitation method. Then, based on the analysis of the results of this mapping and, together with it, our research experiences with children, we systematized a set of advantages and challenges that are imposed on this specific way of composing the research field and its strategic data production.

Keywords: Qualitative methods; Child; Photo-elicitation

Resumen:

Hace mucho tiempo, la fotografía, en sus aspectos dinámicos e incluso paradójicos, ha ido componiendo el panorama de la investigación en el campo de la Educación, teórica y metodológicamente. Así, en este artículo tenemos como objetivo discutir la fotografía en calidad de elemento decisivo de una metodología particular, la entrevista foto-elicitación; más específicamente nos interesa abordar la foto-elicitación en la medida en que ella es dinamizada en el diálogo con el grupo particular de sujetos, los niños. Para ello, inicialmente, presentamos una encuesta bibliográfica sobre investigaciones con/sobre niños que, metodológicamente, utilizaron imágenes para establecer diálogos singulares con ellos (los niños), especialmente aquellas investigaciones que hacen uso declarado del método de foto-elicitación. En seguida, con base en el análisis de los resultados de este mapeo y, junto con él, nuestras experiencias de investigación con niños, sistematizamos un conjunto de ventajas y también de desafíos que se imponen a esta forma específica de componer el campo de investigación y sus estrategias de producción de datos.

Palabras clave: Metodologías cualitativas; Niño; Foto-elicitación

Introdução

Já há muito tempo, a fotografia, em seus aspectos dinâmicos e mesmo paradoxais, vem compondo o panorama da pesquisa no campo da Educação, teórica e metodologicamente. Mais do que isso, pensar a fotografia em sua capacidade criadora (e não como mero registro linear do vivido) bem como o próprio olhar (não só aquele que fotografa, mas também aquele que olha a imagem produzida) como uma dimensão formativa são, pelo menos, dois processos que vêm erigindo, de diferentes formas, importantes campos de discussão nessa área.

Ao ser assumida como acontecimento, justamente por transitar entre a informação e a imaginação, o registro e a invenção (WUNDER, 2006), a fotografia consolida-se, para nós, como recurso e conceito, como instrumento e possibilidade. Além disso, e como nos indica Schwertner (2019), a potência em ser tomada como objeto investigativo na Educação se vincula justamente ao fato de a fotografia situar-se ali, entre a ficção e a realidade – e por aquilo que esse entre pode sugerir (como debate, como problemática) nos termos de uma construção subjetiva. Como objeto (quase) inseparável de sua enunciação (em outras palavras, como objeto quase inseparável de um sujeito que olha e diz dela), o uso da fotografia na pesquisa supõe e mesmo implica um sujeito em processo (SCHWERTNER, 2019), na medida em que suscita, em maior ou menor grau, a produção de pensamento, de diálogo e, com efeito, o convite à narração e à criação.

É, pois, essa dimensão de inseparabilidade entre o visível e o narrável que faz da fotografia um objeto de tamanha potência investigativa – já que, por meio dessa associação sugerida, emergem: condições de possibilidade para a produção de conhecimento (PINHEIRO; FISCHER; CARGNIN, 2017); espaços para que seja contada a própria história, pois a fotografia é, também, constituída de historicidade (ABRAHÃO, 2014; ABRAMOWICZ et al., 2011; GOBBI, 2011, 2012); políticas do tempo e, igualmente, políticas do espaço (QUEIROZ FILHO, 2010); possibilidades para a constituição de uma “rede documental” (SILVA; FREITAS, 2019, p. 5) a partir da qual aquilo a que chamamos “realidade” ganha relevo e espessura – rede sobre a qual, como pesquisadores e pesquisadoras, cabe-nos debruçar, em suas múltiplas possibilidades.

Considerando, então, a relação entre fotografia e narração – e as pistas que os debates do campo educacional vêm oferecendo em torno desse par –, tomamos como alvo de discussão, neste texto, um desdobramento metodológico particular do uso da fotografia na pesquisa. De modo mais preciso, afirmamos que este artigo tem como objetivo discutir a fotografia (e, igualmente, as imagens) na qualidade de elemento decisivo de uma metodologia particular, a foto-elicitação; mais especificamente, interessa-nos tratar da foto-elicitação, na medida em que ela é dinamizada no diálogo com um grupo particular de sujeitos, as crianças.

Ao elegermos um tipo de metodologia com fotografia (a foto-elicitação) e, ainda, as crianças como sujeitos prioritários desse recorte, assumimos, a um só tempo, uma justificativa e o pressuposto de uma necessidade (que é também ética e política) para sua realização: aquela de ouvir as crianças a partir do que elas têm a dizer sobre o mundo (COHN, 2005). Trata-se de assumir essa justificativa e esse pressuposto na medida em que eles nos convocam a pensar em outras e novas modalidades de fala e de escuta das crianças como indivíduos que participam do mundo e, portanto, a quem cabe também participar das teorias que se produzem sobre ele (e certamente sobre elas mesmas). Ao fazer isso, afirmamos que investigar os modos pelos quais as crianças leem e se relacionam com as imagens (das mais diversas) nos diz, e muito, sobre como as culturas da infância são produzidas.

Para dar conta dessas questões, este texto está organizado da seguinte forma: inicialmente, apresentamos um levantamento bibliográfico sobre pesquisas com/sobre crianças que, metodologicamente, valeram-se de imagens para estabelecer diálogos singulares com elas (as crianças) – com especial atenção àquelas pesquisas que fazem uso declarado do método da foto-elicitação. Em seguida, com base na análise dos resultados desse mapeamento e, junto a ele, ao contexto de nossas experiências de pesquisa com crianças, sistematizamos um conjunto de vantagens e, também, de desafios que se impõem a essa forma específica de compor o campo de investigação e suas estratégicas de produção de dados – especialmente na medida em que inserimos entre os sujeitos (pesquisadores/as e crianças), um terceiro elemento, a imagem, com todas as implicações aí colocadas. Como podemos observar desde já, longe de pretendermos caracterizar o método da foto-elicitação em si, tal como já abordado por outros trabalhos (BANKS, 2009; CLARK-IBAÑEZ, 2004; HARPER, 2002; MEO, 2010; PROSSER; LOXLEY, 2008; PROSSER; SCHWARTZ, 1998; TORRE; MURPHY, 2015), buscamos desdobrar o debate e mostrar como os diferentes modos de pensar a imagem na pesquisa com crianças podem sugerir perguntas e enfrentamentos mais amplos àqueles e àquelas que buscam compor campos, estruturar encontros e, mais do que isso, percorrer limites epistemológicos que se tecem entre os sentidos das imagens e a participação infantil.

Dos nomes e dos contornos das metodologias com imagens na pesquisa com crianças

Tomemos, nesta seção, e apenas inicialmente, alguns pressupostos mais gerais sobre a metodologia da foto-elicitação, uma vez que, como método com limites tradicionalmente mais definidos, teremos condições de indicar elementos centrais à discussão que pretendemos estabelecer, qual seja: aquela das vantagens e dos limites do uso da fotografia (e, como veremos, de imagens) na pesquisa com crianças.

Se há algum dado mais imediato sobre a metodologia da foto-elicitação (Photo-Elicitation Inteview ou PEI), podemos dizer que é o fato de ela envolver o uso de fotografias ou mesmo, mais amplamente, de imagens para suscitar comentários, memórias e discussões no decorrer de uma entrevista (BANKS, 2009). O termo “elicitação” (traduzido do inglês elicitation) foi empregado pela primeira vez nos estudos antropológicos do fotógrafo de John Collier (1957 apudHARPER, 2002). Naquele momento, tratava-se de uma associação direta entre pesquisa visual e métodos etnográficos, proposta no seio de um debate sobre modos de fazer pesquisa (HARPER, 2002; SCHWERTNER, 2019). Em sua investigação, Collier (apudHARPER, 2002) observou, junto a uma equipe multidisciplinar, a saúde mental de comunidades estrangeiras em processo de mudança no Canadá e concluiu que o uso de fotografias permitiu a realização de entrevistas mais abrangentes bem como ajudou os indivíduos a superar, por exemplo, certa previsibilidade dos métodos convencionais (muitas vezes ligados a conversas e a entrevistas realizadas de forma exclusivamente oral, cujas falas se mostravam, em muito, conduzidas por jogos de pergunta-resposta). Mais do que isso, com a ajuda das fotografias (devidamente selecionadas), foi possível construir outra modalidade de diálogo, no qual memórias, vivências e pontos de vista se apresentavam como efeito da criação de vínculos mais consistentes entre pesquisador/a e sujeitos da pesquisa (HARPER, 2002). Ao apresentar tais peculiaridades, o autor não sugere nenhuma superioridade metodológica, mas, antes, disposições profícuas passíveis de serem exploradas.

Ainda que a expressão foto-elicitação aluda mais direta e literalmente à fotografia, Prosser e Loxley (2008) destacam que, ao contrário, a PEI não é restrita à fotografia (nem aquelas selecionadas, nem aquelas capturadas pelos próprios sujeitos envolvidos, por exemplo); o método pode ser potente, inclusive, para uma eventual exploração de outros materiais da cultura visual. Assim, o uso de vídeos, filmes, desenhos e charges, entre outros, viriam caracterizar a técnica de elicitação visual por meio de imagens, como propõe também Schwertner (2019), sugerindo um uso mais amplo do método – e, por certo, também mais coerente com a amplitude de materiais/artefatos hoje à disposição dos sujeitos (diferente daqueles de meados do século XX, quando o termo foi cunhado).

Ao mesmo tempo, Harper (2002) destaca que pesquisas que se utilizam de fotografias não necessariamente se identificariam com a proposta metodológica da foto-elicitação, já que não é o fato de ter fotografia (ou imagens) como disparador de debate, em si, que torna uma pesquisa metodologicamente comprometida com a foto-elicitação – por mais que tais métodos (foto-elicitação e diálogo com/a partir da imagem) possam guardar semelhanças e afinidades. Da mesma forma, e como outro desdobramento dos limites e das possibilidades da foto-elicitação, nem toda pesquisa de foto-elicitação se vale das imagens exclusivamente para o debate com os sujeitos: a proposta pode contemplar também a análise dessas mesmas imagens (sejam elas quais forem), como uma alternativa para obter uma compreensão mais ampliada das percepções dos/as participantes, em associação ao exame das entrevistas (TORRE; MURPHY, 2015).

Se fazemos essas considerações sobre o método é porque elas nos servem para indicar alguns pontos fundamentais às discussões que pretendemos erigir. Como já referido, nosso objetivo não é caracterizar a foto-elicitação, em si, mas destacarmos alguns procedimentos criados ou dinamizados em pesquisas que se valeram da PEI para compor entrevistas com crianças e, a partir disso, mostrarmos como, com isso, eles nos ajudam a organizar uma agenda de pesquisa. Para certos/as autores/as, inclusive, a foto-elicitação mostra-se como um método particularmente apropriado para o debate com crianças pelo fato de as fotografias (ou imagens diversas) fornecerem uma espécie de “aviso claro e tangível” na zona do diálogo entre criança e pesquisador/a (CLARK-IBAÑEZ, 2004, p. 7), ou melhor, por ajudarem a conferir certa materialidade e relevo a ideias e a pensamentos das crianças e mesmo dos adultos em suas proposições (TORRE; MURPHY, 2015).

Entendemos, portanto, que essas indicações (sobre a imagem e sua função na pesquisa) dizem muito mais de uma abertura do que de limites intransponíveis em termos metodológicos. Assim, e como primeiro elemento importante de nosso debate, afirmamos que o que caracteriza a foto-elicitação diz respeito a algo fundamental de ser pensado na definição do campo, neste caso, o estatuto da imagem na pesquisa. Ora, tornar a imagem como elemento de diálogo com os sujeitos pressupõe um entendimento sobre o que é, de fato, imagem: Seria uma representação mais real e plausível de determinado fato ou experiência? Ou seria, antes, materialidade passível de leituras diversas, conflitantes até, por parte do sujeito que a olha? Seria a imagem elemento que recobra um real que lhe é exterior ou superfície visível na qual outras histórias, outras narrativas se encontram em estado virtual, em potência? A imagem é, assim, entendida como elemento capaz de fazer tensionar uma suposta neutralidade da ciência e forjar, justamente a partir disso, sua força, tornando subjetividade, sentimentos, emoções, pontos expressivos na produção de conhecimento – princípios que, de fato, percorrem a foto-elicitação e suas práticas desde sua emergência, nos campos da antropologia visual e da sociologia visual [Visual Sociology] (HARPER, 2002).

Além disso, e mesmo considerando os aspectos conceituais anteriormente levantados, a combinação fotografia/imagem-diálogo não é de modo algum suficiente para que possamos afirmar que determinada pesquisa se apoia na foto-elicitação. Há algo que se passa precisamente entre fotografia/imagem e diálogo que sustenta um processo de fala e de escuta e de como ele se efetiva como central na pesquisa – logo, não secundário, substituível ou auxiliar – no fazer investigativo. Ao dizer central, afirmamos, assim, a marca de uma relação basilar que sustenta a produção mesma dos dados: o fato de a imagem e aquilo que é dito sobre ela se constituírem como algo inseparável e, fundamentalmente, como uma dimensão primeira na organização de toda a tessitura metodológica; ou, mais precisamente, algo que acena para a ideia de que as imagens, mesmo em toda sua potência, não falam “por si”.

Como forma de aprofundar essas discussões e desenvolver os pressupostos que a foto-elicitação nos sugere, realizamos uma pesquisa bibliográfica no repositório da Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO) – o SciELO Educ@, a fim de organizarmos um mapeamento do universo de trabalhos que se valeram de imagens para o diálogo com crianças. A escolha pelo SciELO Educ@ como fonte de busca se deu por dois motivos decisivos: por tratar-se de um repositório consolidado na área, que reúne, considerando dados de maio de 2021, um total de 51 periódicos (cujo ingresso e permanência no SciELO Educ@ respondem a critérios de qualidade específicos, analisados sistematicamente pelos pares, na qualidade de avaliadores/as e membros dos comitês executivo e consultivo próprios); por congregar, nesse conjunto, periódicos de mais alta qualificação da área (segundo os parâmetros Qualis/Capes da Educação) e que atendem, de modo especial, a sólidas exigências e a políticas de admissão e permanência dos periódicos mais coerentes com o panorama dos periódicos vinculados à Educação (ou que se remetem a ela)1.

Assim, fazendo uso do próprio sistema de pesquisa do repositório (SciELO Educ@), buscamos, em um primeiro momento, artigos que respondessem aos seguintes descritores (isoladamente ou em diferentes combinações [e/ou]) e cuja ocorrência se desse em “todos os itens” (título, resumo, palavras-chave, assunto), sem restrição temporal: “metodologia”/“método”/“metodológico(a)” e “criança”. Desse universo, foram encontrados 101 textos2. Com o objetivo de tornarmos, tanto quanto possível, o mapeamento fidedigno em relação a nossos propósitos, analisamos os textos completos desse universo (101 artigos) para verificar a ocorrência de pesquisas que assumiam como metodologia a foto-elicitação de modo explícito ou, ainda, que se valiam de recursos visuais como elemento disparador ou fomentador de debates com crianças.

Sobre os resultados de nosso mapeamento, importa-nos indicar que, ainda que tenhamos encontrado 101 artigos, 68 valeram-se de imagens diversas para fins igualmente diversos, considerando o universo da pesquisa sobre crianças ou com crianças3. Uma primeira análise nos leva a conclusões importantes se tomarmos apenas o universo de investigações que assumem como um dos eixos de discussão o cruzamento entre infância e imagem: um primeiro agrupamento, composto por 52 artigos, deriva de trabalhos que não se utilizam da imagem como ponto de ancoragem no encontro direto com as crianças. Nesse primeiro agrupamento, então, teríamos, por exemplo, pesquisas que examinam imagens (até mesmo históricas) de crianças, tais como aquelas ligadas à análise de fotografias (ABRAMOWICZ et al., 2011; GOBBI, 2011, 2012; SILVA; SOUZA; FAGIONATO-RUFFINO, 2019), ou mesmo pesquisas que debatem ou analisam produtos culturais que tenham a criança como tema, direta ou indiretamente (MARCELLO, 2008; PEREIRA, 2002), sem que ali houvesse crianças como interlocutoras. Em um segundo agrupamento, teríamos as pesquisas em que a imagem produzida pela criança se faz presente (nove) (tais como aquelas em que são solicitados desenhos ou mesmo fotos às crianças) – nelas, ganha evidência a análise imediata de cada um desses objetos (ou seja, análises que não são tecidas junto às falas ou a outras formas de expressão infantil) (MEDA, 2014; PILLAR; EVALTE, 2013; SCARELI; GAVA, 2016; ZERBATO; LACERDA, 2015, apenas para citarmos alguns). Por fim, em um terceiro e último agrupamento (aquele que nos interessa de modo particular), temos sete pesquisas que convocaram/convidaram as crianças para dialogar com as imagens – no caso, imagens produzidas ou não por elas (como fotografias, desenhos animados ou vídeos), mas com as quais e a partir das quais foi possível estabelecer conversas com as crianças. Se apresentamos esses três agrupamentos derivados do mapeamento realizado, é porque, assinalamos, cada um deles permite discutirmos diferentemente o tema das metodologias de pesquisa sobre ou com crianças – ainda que, para pensarmos sobre a imagem como suporte de entrevistas/conversas, interesse-nos debater, particularmente, os achados metodológicos das investigações que compõem o terceiro agrupamento de nosso levantamento.

Tomemos, assim, alguns dados sobre a amostra definitiva: do conjunto de sete pesquisas, duas delas envolveram produção de fotografias pelas próprias crianças e, posteriormente, a análise dessas fotografias com as crianças, em processo elicitatório (FARIAS; MÜLLER, 2017; MÜLLER, 2012). Ainda desse mesmo conjunto de pesquisas, um dos estudos considerou a análise de fotografias com as crianças, porém sem que as imagens tivessem sido produzidas anteriormente por elas (FERNANDES; PARK, 2006). Dois estudos do agrupamento, embora envolvessem a análise de imagens pelas crianças, não as tomaram (as imagens) como objeto de análise dos/as pesquisadores/as, mas, sim, apenas fizeram das fotografias instrumentos para as entrevistas (PORTILHO; DREHER, 2011; SCHWEDE; ZANELLA, 2013). Outras duas pesquisas valeram-se de vídeos que traziam filmagens sobre as crianças em momentos de interação para serem, em seguida, assistidos e debatidos com as crianças (LOOS-SANT’ANA; GASPARIM, 2013; SALGADO, 2012).

De modo mais preciso, temos, nos trabalhos de Müller (2012), Farias e Müller (2017) e naquele de Schwede e Zanella (2013), o ponto de vista das crianças sobre a cidade e suas experiências urbanas como temas centrais: se, nas duas primeiras pesquisas, as crianças foram convidadas a fotografar e conversar sobre os espaços que costumam frequentar (na cidade de Porto Alegre/RS e em Joinville/SC, respectivamente), na terceira, as fotografias foram produzidas diretamente a partir de maquetes da cidade de Brasília/DF, feitas pelas próprias crianças no contexto da pesquisa, como forma de motivá-las a narrar suas próprias imagens. Ainda que por caminhos diferenciados, podemos dizer que, nas três pesquisas, as fotografias serviram para estabelecer, com as crianças, debates sobre sua forma de circulação no espaço público (no caso, na cidade). O fato de as crianças fotografarem e posteriormente falarem dos lugares que lhes eram importantes evidenciava, para Müller (2012) e, igualmente, para Schwede e Zanella (2013), o entendimento delas sobre a vida na cidade e sobre os lugares que precisariam ser transformados e planejados, considerando suas perspectivas de análise. Já na pesquisa de Fernandes e Park (2006, p. 47), as fotografias foram selecionadas pelas próprias crianças de seu acervo pessoal e utilizadas como “suporte de memórias”. No estudo e, especialmente, nas dinâmicas metodológicas envolvidas na forma de analisar, apresentar e mesmo selecionar as fotografias, os conceitos de lembrança e esquecimento foram experienciados pelas crianças; mais do que isso, as fotos, na medida em que recuperavam algo de sua história, das relações afetivas que mantêm, de seus momentos de alegria e, ainda, da forma como dão sentido ao mundo, diziam, sobretudo, sobre si mesmas e sobre quem eram.

Já Portilho e Dreher (2011) tinham como interesse entender como as crianças planejam, supervisionam e avaliam suas próprias tarefas escolares, percebendo ali a importância da metacognição na prática pedagógica. Na pesquisa, o uso das imagens esteve atrelado a alguns exercícios como contar uma história ou relacionar imagens a frases – não havendo detalhamento sobre de que imagens se tratava (se fotografias, imagens extraídas de revistas, jornais…). Durante os exercícios, as pesquisadoras analisavam as estratégias das crianças (no caso, quanto aos aspectos metacognitivos) e não propriamente as narrativas provocadas pelas imagens e criadas pelas crianças a partir delas. A pesquisa mostrou que as crianças, no trabalho de analisar imagens (tanto aquelas selecionadas pelas próprias crianças, como aquelas selecionadas pelas pesquisadoras), planejam e justificam suas ações, avaliando seus próprios resultados e identificando os pontos em que tiveram mais facilidades ou dificuldades. Desse modo, a partir da abordagem provocada pela pesquisa, entendemos que a análise feita pelas crianças é realizada de forma consciente e até mesmo autocrítica.

Outras duas pesquisas do conjunto de nosso mapeamento valeram-se de imagens para mobilizar o diálogo com as crianças, nesse caso, de vídeos: Loos-Sant’Ana e Gasparim (2013) produziram filmagens de crianças interagindo entre si e, também, com as professoras em um ambiente escolar. Os objetivos principais foram “[...] investigar como a qualidade das interações estabelecidas entre professor e aluno interfere nas situações de aprendizagem no contexto escolar, e pesquisar como a criança e o professor percebem, do ponto de vista da afetividade, tais interações” (LOOS-SANT’ANA; GASPARIM, 2013, p. 201). Na metodologia da pesquisa, outros instrumentos foram utilizados junto às filmagens para o diálogo com as crianças, tais como elaboração de desenhos e jogos. Para as discussões que aqui nos importam, nos termos do objetivo deste texto, destacamos o uso da “autoscopia” (LOOS-SANT’ANA; GASPARIM, 2013, p. 208), como técnica que permitiu às crianças – algumas delas, escolhidas pelas pesquisadoras no contexto da turma de Educação Infantil selecionada para a investigação –, confrontarem-se consigo mesmas pelas imagens e expressarem comentários ou reflexões sobre si e sobre o que assistiam. De algum modo, entendemos que a técnica, ainda que com particularidades, encontra pontos de contato com pressupostos e práticas da elicitação, especialmente em relação aos diálogos estabelecidos e de como as imagens ali funcionaram como disparadores.

Na última pesquisa do mapeamento, temos a utilização de filmes (desenhos animados) para produzir conversas com as crianças sobre as questões de gênero e de poder nas relações adulto-criança (SALGADO, 2012). Além da discussão sobre episódios de “Meninas Superpoderosas”, crianças e professoras puderam analisar a si mesmas em filmagens de brincadeiras na turma, pois a pesquisa fez com que o grupo fosse convidado a se olhar e a refletir sobre as relações cotidianas e coletivas nos espaços da escola, no que diz respeito às relações de gênero e também àquelas hierárquicas. Merece destaque aqui o diálogo com as crianças sobre o desenho animado, algo que se faz decididamente relevante na qualidade de estratégia metodológica: a análise das imagens por parte das crianças indicou como, para elas, uma série de sentidos sobre o mundo (sobre mulheres e homens, e particularmente aqui, sobre realidade e ficção) deslizavam e, assim, mostravam-se instáveis – tanto em relação às expectativas quanto ao que meninos fazem ou não (mesmo quando se tratava de uma personagem feminina, no caso das “superpoderosas”), como em relação ao que os desenhos animados de super-heroínas dizem ou não sobre o mundo “real”, em sua insuficiência e impraticabilidade. Menos que apontar para o modo como as imagens “influenciam”, “enganam”, ao dialogar com as crianças sobre os desenhos, a pesquisa aponta para conclusões que as inscrevem nos marcos de atitudes efetivamente críticas e questionadoras, partícipes das modificações e rupturas contemporâneas – ainda que, em muitos momentos, também manifestassem opiniões sustentadas por estereótipos e sintonizadas com demandas mais amplas do mercado e do consumo.

Como forma de, entre as pesquisas, estabelecermos denominadores que se mostrem úteis a nossas construções metodológicas, gostaríamos de sistematizar alguns procedimentos a serem forçosamente considerados quando da realização do desenho dos encontros, das entrevistas, dos debates, enfim, dos momentos em que a fala da criança é estabelecida junto/a partir das imagens. Nesse caso, falamos, por exemplo, sobre os procedimentos de coleta/captura/seleção das fotografias (ou outros materiais visuais) para a pesquisa. Quanto a isso, Clark-Ibañez (2004) defende que, quando as fotografias são produzidas pelos/as pesquisadores/as, frequentemente há, na própria captura/escolha das imagens, uma apresentação mais precisa de elementos ligados à pesquisa e a seus propósitos. Disso deriva que o debate com os sujeitos tenderia a encontrar mais e outras ramificações e desdobramentos. Contudo, envolver os/as participantes a tirarem suas próprias fotos e/ou a selecionarem suas próprias imagens, além de apontar para outros aspectos invisíveis aos olhos do/a pesquisador/a, poderia também gerar uma outra (e importante) forma de convocação dos sujeitos da pesquisa às entrevistas.

Das pesquisas encontradas no mapeamento, observamos que, em seu conjunto, elas respondem, cada uma a seu modo, às potencialidades dessas premissas: no caso das imagens selecionadas/capturadas pelos/as pesquisadores/as, encontramos possibilidades variáveis, por exemplo: seleção de fotos de arquivos históricos, de mídias populares, do acervo cultural da própria sociedade ou dos acervos pessoais das crianças – e especialmente aqui, com aspectos específicos a serem considerados. O estudo de Fernandes e Park (2006) faz-se exemplar dessa alternativa de análise de retratos fotográficos que fazem parte do acervo pessoal dos/as próprios/as entrevistados/as, no caso, como vimos, as crianças participantes da pesquisa. As pesquisadoras replicaram com crianças uma metodologia da antropologia visual realizada com idosos/as e compararam os resultados. Elas mostram que, na infância, o foco seria a construção de memórias, enquanto na velhice haveria um processo constante de reconstrução. Por essa razão, desapegar-se de algumas imagens do acervo, como parte da proposta de simulação entre o lembrar e o esquecer, foi muito “doído e penoso” para as crianças (FERNANDES; PARK, 2006, p. 53). Ao mesmo tempo, utilizar fotografias do acervo pessoal foi apontado no estudo (FERNANDES; PARK, 2006, p. 54) como um “porto seguro”; na qualidade de matéria visual de “episódios-chave” de suas infâncias, envoltas de “sentidos, sensações, afetos e sensibilidades” (FERNANDES; PARK, 2006, p. 54), as fotografias se vinculavam a experiências que as crianças revisitavam e que, nessa condição, as constituíam como sujeitos de histórias e de memórias.

Nas pesquisas de Loos-Sant’Ana e Gasparim (2013), Salgado (2012) e Portilho e Dreher (2011) foram produzidas/selecionadas previamente as imagens/vídeos a serem disponibilizadas/os para as crianças, segundo o objetivo de cada um dos estudos: no primeiro, a autoscopia buscava fazê-las debater sobre seus comportamentos na escola quanto às interações (entre as crianças e com seus/suas professores/as); no segundo, as filmagens reuniam cenas de filmes e do cotidiano escolar, apresentadas em forma de “oficina”, também com vistas a serem debatidas pelas crianças; e, no terceiro, foram realizadas entrevistas e, nelas, imagens selecionadas pelas crianças e, também, pelas pesquisadoras foram objeto das perguntas-respostas. Nas três pesquisas, a seleção e a produção de fotografias ou vídeos pelos/as próprios/as pesquisadores/as apresentou-se como uma vantagem para a construção do foco dos objetivos do estudo: fossem para ensinar (a partir de reflexões e debates) ou exercitar (a partir de questionamentos e desafios) algo na relação com as crianças durante as entrevistas com imagens.

Já em Müller (2012), em Farias e Müller (2017) e em Schwede e Zanella (2013), houve a opção por produzir fotografias com as próprias crianças para posterior elicitação, o que tanto favoreceu a “[...] plena participação [delas] no processo de geração e de interpretação dos dados” (FARIAS; MÜLLER, 2017, p. 276), como resultou em narrativas que combinaram elementos relacionados às experiências e à imaginação das crianças. Além disso, a proposta de construção de cidades e de realização de registros fotográficos, especialmente em Farias e Müller (2017), não pareceu ter sugerido às crianças darem respostas “corretas” ou a seguirem “modelos”; assim, não pareceu que as crianças tivessem sido convocadas a responder conforme as expectativas dos/as adultos/as.

Em seguida, o que as pesquisas encontradas nos mostram quanto aos modos de organizar e conduzir os encontros e as entrevistas com as crianças com as fotos/imagens é que eles transitam entre o convite à interação com um mesmo conjunto de fotos em vários encontros, ou com diferentes conjuntos em um mesmo encontro ou em diferentes encontros, e a estratégia de os/as pesquisadores/as mostrarem fotos específicas para iniciar a conversa ou pedirem para que as crianças escolhessem uma ou mais delas, de acordo com critérios de importância ou que respondiam a determinados agrupamentos temáticos (TORRE; MURPHY, 2015). Em relação à organização dos encontros, Müller (2012) e Farias e Müller (2017) conduziram as entrevistas de modo individualizado, já que cada criança tinha um conjunto de fotos como motivador da conversa. Como as fotografias foram produzidas pelas crianças, e o objetivo do estudo era entender o ponto de vista de cada uma delas sobre a sua vida na cidade, a condução e as conversas sobre as fotografias precisavam garantir essa escuta particular. Fernandes e Park (2006) também tinham um conjunto de fotos individualizado, porém a classificação e o agrupamento foi o principal elemento condutor da entrevista. Assim, as pesquisadoras também asseguravam um espaço privado sobre o tema das lembranças das crianças, ao mesmo tempo em que as direcionavam ao debate do estudo, a partir dos seus critérios de classificação e de exclusão de suas fotos. A pesquisa de Portilho e Dreher (2011) reunia o mesmo conjunto de imagens em comum para todas as crianças, ainda que apresentado de modo individual. Nesse estudo, utilizar o mesmo conjunto era necessário para que fosse possível também coletar dados sobre as estratégias das crianças na interpretação das mesmas imagens. Já em Loos-Sant’Ana e Gasparim (2013) e Salgado (2012), as filmagens eram comuns às crianças e foram apresentadas de modo coletivo ao grupo. Essas duas pesquisas trouxeram debates para o ambiente escolar sobre o próprio cotidiano e as relações entre as crianças e professores/as, e, por isso, a análise compartilhada e simultânea entre as crianças favorecia essas percepções.

Ademais, o mapeamento também nos sugere que, quanto às sistemáticas que conduzem à análise dos dados produzidos e sua organização – e isso considerando tanto as imagens como as falas das crianças suscitadas nas entrevistas/encontros –, as possibilidades entre usar ou não as fotografias em si, na qualidade de instrumentos da pesquisa, variam, e nem sempre se inscrevem como elementos que se compõem junto aos dados das entrevistas com as crianças4. Entre as pesquisas mapeadas, os estudos de Portilho e Dreher (2011) e de Schwede e Zanella (2013) não consideraram as imagens como objetos de análise. Já nas pesquisas de Loos-Sant’Ana e Gasparim (2013) e Salgado (2012), as próprias cenas filmadas das crianças e suas relações no cotidiano escolar também foram objeto de análise – além, claro, da conversa com as crianças a partir do que essas cenas provocaram. E as pesquisas de Müller (2012), Farias e Müller (2017) e Fernandes e Park (2006), enquanto metodologia em que houve produção/seleção de fotografias pelas crianças, acabavam igualmente por considerá-las como elemento para análise, em conjunto com as narrativas produzidas a partir delas.

Frente ao mapeamento realizado e, mais do que isso, frente à análise das pesquisas dele derivada, gostaríamos agora de passar para uma segunda etapa de argumentação, nesse caso, aquela que nos conduz a pensar sobre as vantagens e os desafios quanto aos processos de escolha de metodologias de pesquisa que envolvam crianças e a foto-elicitação visual por meio de imagens. Menos do que indicarmos, de modo preciso, esta ou aquela forma de proceder investigativamente, interessa-nos, antes, dar continuidade a essa espécie de sistematização da multiplicidade nos modos de compor o complexo desenho do campo que as pesquisas nos sugerem, porém na direção do que anunciamos configurar-se como elementos de uma possível agenda de pesquisa, considerando o contexto em relevo em nosso texto.

Potencialidades e desafios da foto-elicitação como metodologia de pesquisa com crianças

Se, na seção anterior, buscamos apresentar um mapeamento de pesquisas que, no campo da Educação, se valem de imagens para estabelecer diálogos ou debates com crianças (também na medida em que se apresentam como foto-elicitação ou, pelo menos, valendo-se de pressupostos a ela relacionados), nosso objetivo agora é apontarmos para as potencialidades, mas igualmente para os desafios que esse tipo de metodologia sugere – valendo-nos, nesse momento, não apenas da bibliografia mais específica como também das pesquisas que temos conduzido com crianças e fazendo uso do método.

Assim, para além de sistematizarmos aspectos a serem considerados quanto aos procedimentos propriamente ditos, elegemos para o debate, neste momento, algumas vantagens e limites do uso da foto-elicitação como metodologia de pesquisa. Mais precisamente, nos termos de suas potencialidades, consideramos: 1) o tensionamento da dinâmica de poder entre o/a pesquisador/a e a criança; 2) a contribuição das crianças na elaboração do roteiro para as entrevistas; 3) o envolvimento e a participação das crianças nas entrevistas.

Em situações de pesquisa, existe uma dinâmica de poder que, em grande parte das vezes, privilegia o/a pesquisador/a – e isso na medida em que, no campo, estão em jogo posições bastante distintas e mesmo hierarquicamente desiguais: dele/a, em seu papel de “especialista”, e dos sujeitos da pesquisa, frequentemente tidos como “objetos” de estudo (TORRE; MURPHY, 2015). Para Torre e Murphy (2015), a utilização da PEI pode tensionar essa lógica, sobretudo quando os sujeitos da pesquisa são os/as próprios/as autores/as e/ou produtores/as das imagens, uma vez que, de algum modo, a PEI capacita-os/as, também como especialistas, configurando uma atmosfera na qual eles/as participam ativamente sobre a produção e o uso dos dados e, ainda, sobre a própria decisão sobre as informações a serem compartilhadas, oferecidas, apresentadas. Meo (2010, p. 12, tradução nossa) vai além e indica que, em sua pesquisa, “[...] a foto-elicitação transformou a dinâmica de poder da entrevista para que os alunos pudessem se perguntar sobre suas vidas em seus próprios termos”. Para Harper (2002), por sua vez, as imagens e sua escolha singular (por exemplo, aquelas dos acervos dos sujeitos ou mesmo produzidas por eles) poderiam configurar-se como espécies de “pontes”: “pontes” suscetíveis a encurtar eventuais diferenças de percepção sobre o mundo; “pontes” que podem ligar, de algum modo, mundos culturalmente distintos, por exemplo, como aqueles de crianças e adultos.

Assim, a vantagem do uso da PEI sugere que as fotografias atuam não apenas como um facilitador da comunicação (CLARK-IBAÑEZ, 2004; HARPER, 2002; MEO, 2010), mas podem favorecer outras disposições quanto às relações de poder que se estabelecem entre adultos e crianças em contexto de pesquisa. Esse primeiro elemento relativo à potencialidade da foto-elicitacão mostrou-se efetivo também no contexto de nossas investigações, especialmente quando, em entrevistas com crianças de 6-11 anos, e usando fotografias selecionadas por elas para as entrevistas sobre suas memórias de infância (SOARES, 2021), frequentemente as crianças pareciam não abrir mão de decidir qual seria a próxima foto a ser analisada e comentada5. A decisão sobre a ordem em que as fotos seriam vistas, embora possa parecer singela, surgia como uma ação motivadora para a continuidade da conversa; afinal, eram elas que estavam ali definindo também (voluntariamente ou não) sobre o percurso da própria entrevista. Falas como “era só isso que eu me lembrava” e “se quiser já pode passar a próxima” foram usadas em muitos momentos em que as crianças sinalizavam que, sim, haviam encerrado os comentários sobre determinada imagem.

A segunda potencialidade percebida no uso da PEI (derivada justamente da primeira) é o fato de que essa metodologia pode auxiliar na construção dos roteiros das entrevistas. Entendemos que, claro, ao utilizarmos a foto-elicitação, a organização da própria entrevista pode ser, de algum modo, delineada, uma vez que as fotos – e as narrativas a partir delas – fornecem uma contribuição decisiva para a estrutura das perguntas e mesmo para as intervenções durante a conversa (CLARK-IBAÑEZ, 2004). No entanto, as imagens podem sugerir tópicos de discussão pertinentes à investigação também no sentido de que, sem elas, sem o diálogo com o outro e sem a leitura feita por esse outro, algumas questões sequer poderiam ser previstas pelo/a pesquisador/a (CLARK-IBAÑEZ, 2004). Essas então “novas” lentes, cedidas pelo/a entrevistado/a fornecem elementos para outras perguntas (TORRE; MURPHY, 2015), as quais podem provocar tanto a continuidade de determinada discussão como a constituição de novos (e impensáveis) rumos da entrevista (MEO, 2010).

Sobre esse aspecto, nossas pesquisas indicam, inclusive, algo bastante significativo, especialmente ao considerarmos a pesquisa com crianças e a forma como se tecem a linguagem e o pensamento infantil: o fato de na elicitação fotográfica estar fortemente presente não apenas uma narrativa, mas também uma montagem narrativa (SOARES, 2021). Desse modo, detalhes, fragmentos de uma foto (uma roupa, um lugar, uma pessoa, uma ação ou mesmo um sentimento, ali registrado) impulsionam a relação com outras roupas, lugares, pessoas, ações ou sentimentos, vividos em outros tempos e espaços – e, como efeito, acabam por entregar à pesquisa, ainda que indiretamente, outros objetos, outros elementos. Isso significa que a narrativa que emerge da PEI se organiza mediante um permanente deslocamento de dimensões temporais e, também, espaciais – com as crianças, acreditamos, de modo mais contundente. Um exemplo disso pode ser visto quando uma das crianças, ao ser solicitada a fazer fotografias sobre sua família (SOARES, 2021), traz imagens bastante diferentes entre si e, a uma primeira vista, aparentemente “aleatórias”: imagens de paisagens, de plantas, de um muro. No entanto, no momento da conversa, percebemos que cada fotografia produzida indicava uma intenção bastante precisa e devidamente planejada: o vaso de planta tinha sido dado para a avó de dia das avós e configurava-se como algo afetivamente importante a ambos, já que eles sempre a molhavam juntos; o muro mostrava, nele, um pássaro pousado (algo inicialmente nem mesmo observado pelo olhar adulto) e permitiu à criança mostrar que, na escola, ela frequentemente realizava atividades de desenhar pássaros; já no caso da paisagem, especialmente das árvores, uma delas estava “isolada”, pois não podia se aglomerar com as demais “por causa da Covid”6. Dessa forma, há aqui dois movimentos por parte das crianças (ainda que não só): aquele, mais frequente, de olhar uma fotografia e nela ver elementos que aludem a outros (de outras histórias, por vezes até de outros tempos) como também aquele da própria narrativa verbal e visual que se efetiva no ato de fotografar; ato que vê, no mundo, apenas pistas de uma história a ser contada durante a entrevista, durante a conversa.

Outro exemplo bastante claro dessa montagem narrativa pode ser encontrado em contexto de pesquisa em que as crianças estavam em casa – o que as permitia, por exemplo, mostrar seus brinquedos como uma das principais estratégias usadas por elas para “falar” das fotografias. Mais precisamente, no contexto de nossa pesquisa sobre infância e memória, o ato de mostrar os brinquedos era usado pelas crianças para compor sentidos junto a alguma memória narrada, seja para exemplificar, dar mais vivacidade à lembrança ou mesmo para torná-la mais presente ou concreta. Dessarte, outros elementos, materiais e imateriais, parecem compor-se junto às imagens, de maneira quase indissociável de suas narrativas. Sobre isso, trazemos também o exemplo de uma situação em que uma criança, ao fim da entrevista com as imagens, desejava cantar uma música que ela mesmo havia composto. A canção era sobre a saudade de um familiar que ela não via há anos, algo que acabou se tornando um elemento mais significativo do que as fotografias naquele encontro para o contato com suas memórias, tema da conversa. Assim, assumimos um pressuposto de suma importância metodológica: analisar uma imagem (com crianças) não diz respeito a analisar “somente” a imagem e/ou o que se diz dela, mas a todo um universo que a ela pode se agregar e que também acaba se compondo como parte da narrativa.

A terceira potencialidade do uso da PEI relaciona-se à ampliação da participação dos sujeitos, e isso em diferentes níveis, como já têm sido apontado em várias pesquisas (BANKS, 2009; CLARK-IBAÑEZ, 2004; HARPER, 2002; MEO, 2010; PROSSER; LOXLEY, 2008; PROSSER; SCHWARTZ, 1998; TORRE; MURPHY, 2015): desde uma ampliação que se dá no próprio diálogo, como aquela quanto às formas de os sujeitos verem seus próprios mundos (MEO, 2010), especialmente quando as fotografias desencadeiam informações e mesmo conclusões que entrevistas feitas apenas de forma dialogada talvez não pudessem alcançar (CLARK-IBAÑEZ, 2004). Não por acaso, são bastante recorrentes as pesquisas que fazem da foto-elicitação também uma estratégia pedagógica e mesmo alicerce para a organização de uma pesquisa-ação (TORRE; MURPHY, 2015), devido à disposição e ao engajamento que se acredita favorecer por meio do diálogo com as imagens.

Um maior envolvimento dos/as participantes na entrevista pode acontecer, por exemplo, porque as fotos acabam por diminuir possíveis constrangimentos no ato de revelar histórias pessoais (provavelmente porque, de algum modo, se canalize a atenção para materiais já familiares ao/à participante, principalmente quando as fotos foram produzidas por ele/a ou são de seu acervo pessoal) (CLARK-IBAÑEZ, 2004). Outra hipótese incide no fato de que a foto-elicitação permite pensar que o foco é a fotografia (e não linear ou exclusivamente um sujeito, em si mesmo), fazendo com que os/as participantes se sintam menos como objetos de estudo (TORRES; MURPHY, 2015).

Além disso, temos percebido que há um elemento importante a ser considerado quanto à possibilidade de o método mostrar-se mais significativo na pesquisa com crianças. Não é o fato de se tratar de fotografias (ou, de modo mais amplo, de imagens) que se configuraria, em si mesmo, elemento de aproximação; não são as imagens que fazem de uma entrevista ou conversa um momento mais atrativo ou prazeroso. Na pesquisa em que solicitamos às crianças que fizessem fotografias com máquinas analógicas, foi a curiosidade para verem o resultado, as conversas produzidas sobre o ato mesmo de fazerem as fotos bem como a surpresa de ver, em imagens, o que havia sido por elas registrado que se teceram como experiências bastante singulares e que favoreceram, na relação com as crianças, a criação de vínculos mais estreitos. Do mesmo modo, o fato de trazermos elementos pessoais para as conversas (seja a partir de narrativas individuais, seja também por meio das nossas próprias fotos pessoais), no lugar de somente perguntarmos sobre eles para elas, também se mostrou extremamente fértil em nossos diálogos. Ao dizer isso, afirmamos, portanto, que há algo da familiaridade (com o universo visual, por exemplo), mas também e especialmente do estranhamento (com um tipo específico de imagem, com determinada forma de se relacionar em pesquisa com as crianças) que permite outros níveis de envolvimento e que merecem ser desenvolvidos.

Se até aqui voltamos nosso olhar para as potencialidades da foto-elicitação, passamos, agora, e para finalizar, a tratar de alguns dos desafios sobre a metodologia da PEI, precisamente na pesquisa com crianças, quais sejam: 1) os limites da seleção fotográfica e do ato de fotografar pelas crianças; 2) as fotografias que não provocam narrativas; 3) o lugar da imagem, como linguagem específica, na pesquisa.

Considerando as pesquisas realizadas com crianças, mesmo aquelas que partem da seleção da criança com base em seu acervo pessoal, não podemos negar que se trata de uma escolha também limitada. Nossas experiências investigativas levam-nos a afirmar que a própria existência do acervo, em grande medida, está diretamente relacionada às decisões dos adultos sobre os objetivos/temas das próprias fotografias; em outras palavras, o quê, quem, quando, onde fotografar são resultados de decisões sobre o ato mesmo de capturar as imagens, geralmente feito pelos adultos. Além disso, ainda que possam até mesmo estar aparentemente familiarizadas com o objeto foto e com câmeras digitais, sobretudo de celular, as crianças, geralmente, não estão habituadas com a ação de fotografar sob o pretexto de registrar momentos pré-definidos por outrem, pensados por outrem, especialmente fora de seu círculo (como é, de fato, o objetivo de muitas pesquisas). Elas não estão habituadas nem mesmo a manusear e selecionar fotos de seus acervos para expor a um/a pesquisador/a. Em suma, não há, de fato, escolhas irrestritas; há, antes, camadas de escolhas que pautam o olhar da criança e que nos levam a relativizar aquilo a que muitas vezes chamamos de “suas” escolhas – o que não invalida, claro, os movimentos criados em direção a que as crianças possam ter margens de participação e mesmo gerência sobre as imagens que venham a compor os materiais dos encontros.

Para além dos desafios técnicos, financeiros e temporais que também se apresentam quanto ao método (especialmente quando se trata de as crianças fotografarem), podemos ressaltar, como segundo desafio, o quanto é complexa, na condução da conversa com elicitação fotográfica, a elaboração de perguntas iniciais que se mostrem às crianças como relevantes e, ainda, que articulem as múltiplas dimensões das imagens e do que elas trazem aos interesses da pesquisa (MEO, 2010).

E quando isso não ocorre? Ou melhor, quando as fotografias não provocam narrativas, conforme o esperado? Meo (2010) indica que, em sua pesquisa, houve situações em que as crianças não diziam muito sobre as imagens; geralmente, tratava-se de momentos em que as imagens pareciam ser percebidas pelas crianças como algo que falasse por si, o que não facilitava ou estimulava a conversa. Nesse sentido, mesmo que as crianças estivessem cientes de que a produção dessas fotografias objetivava a narração de histórias à pesquisadora, paradoxalmente, o uso delas dificultou a comunicação.

Conduzir uma pesquisa com crianças exige uma sensibilidade para entender que entrar e sair do foco do estudo, na conversa, é movimento fundamental da tarefa do/a pesquisador/a que acolhe e entende a criança como coparticipante da entrevista e mesmo da pesquisa. Além dos objetos, dos brinquedos e de outras questões trazidas pelas crianças como efetivamente necessários à conversa (como já referido), as próprias fotografias em alguns momentos não foram mobilizadoras de uma lembrança ou narrativa, conforme esperado. Depois de algum tempo de diálogo, dizer que aquela imagem não a fazia lembrar de nada poderia ser interpretado, dentro do universo da entrevista de pesquisa, como a criança já estar cansada de conversar sobre aquela(s) imagem(ns). Trata-se, portanto, de situações que exigem atenção, mas também sensibilidade para identificarmos se uma ausência de narrativa pode significar um desejo de encerrar a entrevista ou significar a efetiva ausência de algo a dizer, naquele instante, com aquela imagem.

Nessas situações, algumas perguntas buscavam sugerir detalhes que, por sua vez, poderiam desencadear lembranças: “quem estava com você?”, “o que aconteceu depois?”, “você lembra o que sentiu?”, entre outras. Algumas vezes tínhamos algum sucesso ao fazer perguntas desse tipo, provocando então possibilidades narrativas; outras vezes não, sendo, pois, obtida uma descrição mais direta (e, assim, menos rica do que quando as crianças podem falar e contar algo a partir do imediatamente visto). Nessa condição, ter uma escuta atenta ao que as crianças estão manifestando, verbalmente ou não, foi decisivo na tomada de decisões sobre de que forma seria adequado insistir na conversa sobre algumas imagens, acolher outros assuntos alheios ao estudo e redirecionar ao encontro bem como respeitar quando e como uma narração simplesmente não era expressa, não se fazia visível, nem enunciável.

Por fim, haveria ainda um terceiro desafio a ser enfrentado por aqueles e aquelas que colocam a imagem como central na construção do campo e da produção dos dados – e ele diz respeito, justamente, ao próprio conceito de imagem, em sua materialidade. Ao dizer isso, afirmamos algo que tem merecido pouco (ou quase nenhum) tratamento no âmbito das pesquisas analisadas e mesmo sobre a bibliografia mais ampla sobre a foto-elicitação (que buscamos trazer aqui em nossas discussões): a consideração sobre a imagem como linguagem, como dimensão visual em que conteúdo e forma de mostram indissociáveis; ou melhor, como dimensão visual que guarda suas singularidades e que não emerge como algo acessório ou mesmo meramente instrumental. Entendemos que fazer uma pesquisa que envolva sujeitos (crianças ou não) e que se valha de imagens para o diálogo com eles exige pensar sobre um tipo específico de imagem e sobre seu lugar no trabalho: seja nos termos das estratégias metodológicas, seja na análise dos dados. Ora, discutir com as crianças a partir de fotografias pessoais não é, de modo algum, equivalente a discutir com elas a partir de filmes de animação, por exemplo – e isso não apenas pelas questões que evocam, mas porque, em suas singularidades, essas imagens provocam relações de ordem sensivelmente diferenciadas no que concerne, por exemplo, aos sentidos que suscitam.

Assim, a questão parece ser merecer, a nosso ver, pelo menos, desdobramentos importantes quanto à posição daquele que pesquisa (o que o/a pesquisador/a conhece sobre a linguagem daquele produto ou tipo de imagem?); quanto à posição dos sujeitos que participam da pesquisa (o que a pesquisa dá a ver como problematização quanto ao próprio ato de ver?); como, ainda, quanto às próprias imagens (como a imagem é tomada, inclusive conceitualmente, no trabalho?). Terceiro desafio, ele mesmo, talvez, triplo.

Ainda que se encontrem desafios – como, por certo, em qualquer outro contexto investigativo que exija a escolha, a organização, a preparação e a realização de uma pesquisa de campo com sujeitos –, acreditamos que a foto-elicitação, como metodologia de pesquisa, indica caminhos e opções férteis em relação às possibilidades de diálogo com crianças, mas, sobretudo, e como buscamos aqui mostrar, em relação também às nossas capacidades inventivas e autorais de produzir encontros e, a partir deles, o desejo de pensar junto.

Considerações finais

Neste artigo, apresentamos um levantamento de alguns estudos que fizeram uso de imagens, fotografias ou vídeos como estímulo na provocação de histórias, reflexões ou narrativas por parte de crianças. Entendemos que o levantamento oportunizou não apenas apresentarmos a definição na sua forma básica de abordagem metodológica de entrevistas em pesquisa, como também identificarmos diferentes possibilidades da foto-elicitação, relacionando vantagens e desafios desse processo – repetimos, na medida em que realizado em pesquisas com crianças.

Desse modo, a foto-elicitação, ainda que permitindo um roteiro aberto de entrevista, permeado, muitas vezes, pela “auto-condução” dos/as participantes, não anula o papel do/a pesquisador/a quanto a uma responsabilidade de garantir a participação ativa dos sujeitos – e isso sem perder de vista os objetivos do estudo/pesquisa que estão ali em questão. Para Meo (2010), acompanhar as histórias das crianças abrindo-se para os seus pontos de vista e diante dos interesses delas sobre o que desejavam narrar, a partir das fotografias em paralelo aos aspectos sobre suas vidas que ela, como pesquisadora, desejava explorar, foi fonte de uma contínua tensão. Diz a autora que, entre as perguntas sobre as imagens e aquelas sobre os aspectos relevantes à pesquisa, persistiu um “ato de malabarismo” (MEO, 2010, p. 162).

A foto-elicitação, assim como o processo de rememoração, envolve o acontecimento e o instante de um tempo que se dá no presente, e em que se colocam na mesa – ou na tela – as diversas manifestações de presenças e de ausências, seja dos sujeitos pesquisadores/as, daqueles/as pesquisados/as, retratados/as ou familiares; e manifesta, sobretudo, os diferentes níveis de participação de todos esses sujeitos na coleta das imagens e na condução dos encontros, ou, ainda, das cenas que escolhem ou não registrar e/ou narrar.

1Apenas a título de esclarecimento: um periódico que figura na Coleção SciELO Educ@ não necessariamente está inscrito no SciELO. Ainda assim, assumimos o SciELO Educ@ em sua marca de fortalecimento da área nos termos de uma consolidação de critérios minimamente mais singulares – o que não significa, ingenuamente, sugerir uma desvinculação irrestrita e absoluta de sistemas internacionais e mesmo nacionais em suas determinações quanto à avaliação de periódicos.

2Foi preciso, ainda, recorrer a uma outra estratégia de refinamento da pesquisa. Isso porque – e se citarmos apenas algumas das possibilidades de cruzamento das variantes do termo “metodologia” – a busca, por exemplo, por “metodologia” e [and] “criança” nos levou a um total de 53 artigos; “metodológico” e [and] “criança” a 19 artigos; “metodológica” e [and] “criança” 17 artigos; “método” e [and] “criança” 24 artigos. Sabíamos, no entanto, que muitos dos textos estavam presentes em dois ou mais dos resultados – o que exigiu uma revisão minuciosa de todos os títulos encontrados em todas as buscas, a fim de chegarmos a um resultado seguro quanto às ocorrências.

3Os demais textos (total de 33) compõem-se de pesquisas cujos métodos seriam, por exemplo, aqueles ligados à etnografia e/ou observação participante e/ou entrevistas orais; pesquisas de cunho teórico, que desenvolvem debates diversos, ora conceituais-metodológicos, ora fruto de levantamentos bibliográficos sobre o tema mais amplo da infância. Ou, ainda, textos que não apresentavam nenhuma relação entre imagem e metodologia (alguns não chegavam nem mesmo a tratar do tema infância/criança, em maior ou menor grau). A ocorrência desses artigos de escopos diversos deve-se a nossa opção pela realização de uma busca de palavras em “todos os índices” (e não apenas em palavras-chave, título, resumo, por exemplo) – o que nos levou, como consequência, a textos de maior amplitude temática (e, por isso, mais uma vez, a exigência do trabalho de leitura de todos os textos completos, como já referido).

4Para além desta diferença, relativa ao uso ou não das imagens como elementos do corpus analítico, destacamos que, em seu texto sobre a foto-elicitação, Harper (2002) reuniu um vasto apêndice com estudos de foto-elicitação nos Estados Unidos, de 1957 a 2001. Tais estudos, mapeados pelo autor, foram organizados cronologicamente e por temáticas bem como debatidos segundo estratégias metodológicas específicas (no caso, relacionadas às escolhas dos/as pesquisadores/as sobre a preparação prévia, sobre a condução das entrevistas assim como sobre os encaminhamentos analíticos dos dados).

5Trata-se da pesquisa “Memórias de infância em família: narrativas de crianças a partir de fotografias” (SOARES, 2021), submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS em dezembro de 2020 (Protocolo n. 40568320.9.0000.5347).

6Nesse caso, remetemo-nos a entrevistas realizadas com crianças já no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil e, com efeito, considerando o distanciamento social exigido no enfrentamento da crise (e, portanto, dos encontros feitos a distância). Optamos, neste artigo, por não abordar as singularidades das entrevistas com as crianças quando feitas por meio remoto por não ser esse o foco central de nossas discussões aqui. Ao mesmo tempo, quando necessário, pontuamos e assinalamos aqui quando e no que isso gerou algum impacto ou mesmo relação com as estratégias e os pressupostos da foto-elicitação.

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Recebido: 20 de Março de 2021; Revisado: 16 de Junho de 2021; Aceito: 18 de Junho de 2021; Publicado: 29 de Junho de 2021

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