SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16A humanização Freiriana: processos de formação docente nos documentos que orientam os currículos dos cursos de PedagogiaUm movimento pedagógico e o pedagógico em movimento: as vertentes Freireanas da comunicação e da radiodifusão comunitária índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 20-Out-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.16231.037 

Dossiê: Paulo Freire (1921-2021): 100 anos de história e esperança

Abordagem freireana na educação escolar e não-escolar: uma mediação educativa/pedagógica que conscientiza

Freirean approach in school and non-school education: an educational/pedagogical mediation that raises awareness

Enfoque freireano en la educación escolar y no escolar: una mediación educativa/pedagógica que concientiza

Luciane Rocha Ferreira Pielke* 
http://orcid.org/0000-0001-6338-6180

*Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Mestra em Educação pela UFMT. Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/São Leopoldo-RS). E-mail: <lucianekatu@gmail.com>.


Resumo:

Este ensaio fenomenológico Merleau-pontyano compartilha dimensões fundamentais do legado de Paulo Freire para a educação escolar e não-escolar. Trata das mediações/estratégias metodológicas populares que promovem a construção dialógica do conhecimento e da conscientização. O objetivo é apresentar aspectos relevantes dessa problematização histórico-epistemológica a partir de leituras, de estudos e de pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Mediação Pedagógica e Cidadania da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, coordenado pelo Prof. Dr. Danilo Streck. O diálogo articula leituras freireanas com discussões de Gohn (2006). Evidencia-se o desafio da necessária interface entre os espaços escolares e não-escolares para fortalecer o potencial emancipatório do legado teórico-metodológico freireano nos distintos tempos-lugares pedagógicos.

Palavras-chave: Educação não-escolar; Educação escolar; Abordagem freireana

Abstract:

This Merleau-pontyan phenomenological essay shares fundamental dimensions of Paulo Freire’s legacy for school and non-school education. The text deals with popular methodological mediations/strategies that promote the dialogical construction of knowledge and awareness. The objective is to present relevant aspects of this historical-epistemological problematization based on readings, studies and research carried out by the Pedagogical Mediation and Citizenship Research Group from the Vale do Rio dos Sinos University - UNISINOS, coordinated by PhD Professor Danilo Streck. The dialogue articulates Freire’s readings with discussions conducted by Gohn (2006). The challenge of the necessary interface between school and non-school spaces in order to strengthen the emancipatory potential of the Freirean theoretical-methodological legacy in the different pedagogical times-places is highlighted.

Keywords: Non-school education; Schooling; Freirean approach

Resumen:

Este ensayo fenomenológico Merleau-pontyano comparte dimensiones fundamentales del legado de Paulo Freire para la educación escolar y no escolar. Trata de las mediaciones/estrategias metodológicas populares que promueven la construcción dialógica del conocimiento y de la concientización. El objetivo es presentar aspectos relevantes de esta problematización histórico-epistemológica a partir de lecturas, estudios y de investigaciones realizadas por el Grupo de Pesquisa Mediación Pedagógica y Ciudadanía de la Universidad del Vale do Rio dos Sinos, Coordinado por el prof. Dr. Danilo Streck. El diálogo articula lecturas freireanas con discusiones de Gohn (2006). Evidencia el desafío de la necesaria interface entre los espacios escolares y no escolares para fortalecer el potencial emancipatorio del legado teórico-metodológico freireano en los distintos tiempos-lugares pedagógicos.

Palabras clave: Educación no escolar; Educación escolar; Enfoque freireano

Introdução

Em tempos de incertezas, de retrocessos históricos em vários setores da sociedade, em especial nas políticas de educação e bem-estar social, tempos de pandemia devido ao surto da Covid-19, há de articularem-se/mobilizarem-se esforços, estudos e práticas na luta pela garantia dos direitos democráticos, sociais, civis, culturais, políticos e econômicos previstos e garantidos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

O contexto político e econômico do Brasil hoje é assustador! O clima político desde o golpe (2016)1, de intenso e truculento embate ideológico, político-partidário, conservador e neoliberal, esvazia conquistas e aborta pautas históricas. Nesse contexto político de banalização da vida e de maximização da insegurança social, a educação, em seu sentido mais amplo, é uma das agendas imprescindíveis. É imperativo resistir!

Em tempos de ataque à vida e a retrocessos inaceitáveis, pautar uma educação de base conscientizadora/libertadora é fundamental. Uma educação que persista em não calar as (des)esperanças de um povo que têm uma tímida e frágil relação com a democracia e com a liberdade. Freire (1996a) disse que:

A elite em nome da manutenção da sua liberdade de privilégios defende uma democracia sui generis em que o povo é um enfermo, a quem se aplicam remédios. E sua enfermidade está precisamente em ter voz e participação. Toda vez que tente expressar-se livremente e pretenda participar é sinal de que continua enfermo, necessitando, assim, de mais “remédio”. (FREIRE, 1996a, p. 63).

Nossa história está alicerçada em uma lógica colonial, manipulada, sabotada e silenciada. Fomos colonizados por espanhóis e portugueses de modo avassalador. “A nossa colonização foi, sobretudo, uma empreitada comercial. Os nossos colonizadores não tiveram intenção de criar, na terra descoberta, uma civilização. Interessava-lhes a exploração comercial da terra [...]” (FREIRE, 1996a, p. 75).

Nesse processo de invasão cultural e territorial, a exploração, a dominação e a alienação foram as metodologias privilegiadas dos invasores. Capturaram nossa voz, nossa cultura, nossa religiosidade, nossos corpos, nosso modo de ser e de estar no e com o mundo. Esses universos simbólicos foram quebrados, desmontados, redesenhados e manipulados a partir de bases autoritárias, racistas, machistas e classistas. Mecanismos que negaram o nosso direito de estar no mundo e com o mundo de modo autônomo e consciente. Nasceu, então, a importância da dimensão consciência/conscientização para Freire, pois ele a entende como determinante à educação para a liberdade, para a libertação.

Com base nessas premissas sócio-históricas, contextuais, epistemológicas e ontológicas, este ensaio valoriza as leituras, os estudos e as pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa Mediações Pedagógicas e Cidadania – grupo articulado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), coordenado pelo Professor Dr. Danilo Streck. Essas leituras e esses estudos têm inspiração teórico-metodológica freireana, um dos seus alicerces epistemológicos.

A leitura existencial fenomenológica, conforme Merleau-Ponty (1991), permite-nos “olhar” para a temática em estudo aqui como um fenômeno plural, de percepção polissêmica e polifônica, aberto às possibilidades semânticas e interpretativas. A base fenomenológica assumida neste trabalho acolhe a existência em seu conteúdo ontológico e epistemológico que, para Merleau-Ponty (1991), está encarnada na experiência. Para o autor:

Não há nada mais profundo do que a experiência que transpõe o muro do ser [...]. Aqueles que mediante a paixão e o desejo chegam até esse “ser” sabem tudo quanto há para saber. A filosofia não os compreende melhor do que eles se compreenderam, é na experiência deles que ela conhece o ser. (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 22).

A experiência é percebida como uma das formas de partilhar o (re)existir no, com e para o mundo. A existencialidade tem na corporeidade uma das expressões mais radicais de objetivar a si e ao mundo. Essa postura aproxima-se das leituras de Paulo Freire, que entende o existir como

[...] um modo de vida que é próprio ao ser capaz de transformar, de produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se [...]. O domínio da existência é o domínio do trabalho, da cultura, da história, dos valores – domínio em que os seres humanos experimentam a dialética entre determinação e liberdade. (FREIRE, 2010, p. 78).

Refletir sobre Paulo Freire (1921-2021): 100 anos de história e esperança é uma oportunidade que nos desafia a partilhar as experiências que temos com um mundo molhado de contradições, mas também fecundado pela esperança utópica do Bem Viver2. Isso nos intima a rever nossas posturas pesquisantes na qualidade de educadoras e educadores comprometidas/os com a transformação da realidade de insegurança e de instabilidade política que enfrentamos. O projeto, nesse cenário, é a transformação!

Discutir sobre a abordagem freireana como uma metodologia dialógica capaz de promover uma educação libertadora por meio da conscientização, no âmbito da educação escolar e não-escolar, significa, sobretudo, o compromisso com a memória histórica e político-pedagógica herdada de estudiosas/os latinas/os; entre eles está Freire. Memória que representa para milhões de pessoas uma experiência com o ser mais3.

A partir da leitura fenomenológica existencial, defendemos a importância de Freire para a educação escolar e não-escolar. A percepção fenomenológica em interface com os pressupostos freireanos valoriza a polissemia dos sentidos/significados que o mundo em suas diversas relações pode representar, especialmente porque, segundo Passos (2010, p. 189): “A dialética fenomenológica que se preze não aplaina montes, não entulha depressões, nada reduz e nada rejeita, para aparar as arestas do mundo”.

A presença de Freire, especialmente na escola, é tímida; contudo, a questão colocada, o desafio de ontem, hoje e sempre, são os interesses por trás das narrativas ideológicas que dificultam essa presença, desqualificam e ignoram sua contribuição. É preciso questionar sempre os interesses políticos e ideológicos que deslegitimam conhecimentos populares em detrimentos dos acadêmicos; os saberes da vida em relação aos saberes do livro; a presença do popular no universo dito de elite; enfim, os interesses políticos que defendem a hierarquia entre saberes, entre culturas, entre centro e periferia. Essa falácia generalizada está na base de toda a negação de Freire nas escolas e na formação inicial das/os pedagogas/os. Está na base da descriminação das diferenças.

Uma das dimensões que delineiam a importância da presença de Freire na educação é o reconhecimento e a valorização dos distintos saberes, motivo pelo qual o educador insiste sobre a inexistência da hierarquia entre os saberes, pois: “Como posso dialogar, se me sinto participante de um ‘gueto’ de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são ‘essa gente’, ou são ‘nativos inferiores’? [...] não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos [...]” (FREIRE, 1987, p. 46).

Essa discussão faz parte da pauta urgente e emergente de (re)pensar, de modo insistente e contínuo, na importância de uma educação para a conscientização, para a participação, para o diálogo, para a libertação. A educação escolar e não-escolar possui grande responsabilidade para com a manutenção do status quo. São elas espaços de poder, de disputa, de embate, de (des)encontros, de conflitos e de contradição, mas também de cocriação, de ressignificação, de inventividade, de inspiração e de recriação.

Hoje assistimos aterrorizadas/os, imersas/os a uma quarentena fragmentada e debilitada pela lógica capitalista, a disseminação aberta de mentiras ideológicas pautadas na perseguição a professoras/es, a Universidades e à Ciência, por um lado; e o desmonte do estado de bem-estar social que começamos a tecer nos governos populares, por outro. Nesse contexto, a insanidade política ideológica e partidária é a base de enfrentamento - deslocado, confuso, débil, negacionista - ao vírus (Covid-19).

Os “governos populares”, gestões tecidas por Lula (2003-2011) e Dilma (2011-2016), com todos os limites possíveis, abriram e mantiveram um canal de diálogo inédito com a sociedade civil em sua trajetória política de modo que garantiu avanços históricos! Históricos, sobretudo, por serem endógenos, pois foram conquistados por meio do diálogo; um diálogo que também conscientiza. Muitas famílias empobrecidas tiveram suas vidas transformadas a partir das políticas de inclusão social, de educação, de assistência social, de saúde, de cultura e de empregabilidade, frutos desse processo. Conquistas atualmente desmanteladas, desconstruídas; e os canais de diálogo, fechados.

Essa realidade representa a nossa frágil capacidade de pensamento crítico, de conscientização, de saber ouvir, de respeitar a fala do outro e de participar de modo a colaborar com o enfrentamento do problema posto. É necessário repensar as nossas formas de ensinar e de aprender e reconhecer que os pressupostos de uma educação para a conscientização envolvem acolher as nossas fragilidades como conteúdo existencial para aprendizagens realmente significativas. O cenário político reflete não apenas a nossa fragilidade de pensamento crítico, mas também a nossa débil condição de seres humanos.

Essas dimensões dizem respeito a um corpo situado existencialmente. “O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles” (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 122). O conhecimento perpassa pelas experiências que temos com um mundo que é tão projeto quanto nós, seres humanos. Nossas frágeis relações com ele, e suas distintas interconexões, são parte de quem somos; entretanto, estas carecem de estar em um constante processo de aprendizagem, sempre inacabada.

Diante dessa realidade, abordo pressupostos teóricos e empíricos em que a presença e a contribuição de Freire a esses âmbitos a partir da Educação Popular pode representar uma forma de enfrentamento, de resistência, de (re)construção individual e coletiva da transformação social. Os limites dessa atuação, dessa presença e dessa contribuição estão alicerçados nos modos coloniais de nossa formação cultural silenciada, sabotada. Problematizar essa realidade ao trazer aspectos fundamentais da abordagem freireana a partir da prática de pesquisas realizadas, pode fortalecer uma pedagogia da transformação que já vem sendo requerida. Um inédito-viável4 em parição já acontece.

Neste ensaio, problematizo elementos ontológicos e epistemológicos desse legado tanto para/na educação escolar como não-escolar, de modo geral, com vistas a colaborar com a necessária superação da lógica colonial do aprender-ensinar e ensinar-aprender nesses âmbitos de aprendizagem. Esse movimento dialético coloca-nos a (re)significar os modos-tempos diferenciados de ensinar e de aprender. Ora aprendemos a ensinar, ora ensinamos a aprender. E sempre estamos em situação de aprender e ensinar, dialética e dialogicamente em contextos contraditórios e dinâmicos.

Em um primeiro momento, faço uma breve reflexão sobre a compreensão que assumo em relação às categorias “educação escolar e não-escolar”, em diferenciação aos termos de educação “formal” e educação “não-formal”. No segundo, trago uma fundamentação teórica em torno das categorias consciência/conscientização, diálogo e participação como temas basais à educação como prática da liberdade em Freire. Aqui, eu os assumo enquanto conteúdo, método, metodologia e utopia. No terceiro momento, compartilho as dimensões da prática de pesquisa realizada, por meio das quais evidencio a contribuição da pedagogia freireana para as práticas educativas dos lugares de ensino e de aprendizagem.

O modo como compreendemos e atuamos em cada espaço educativo, escolar ou não-escolar, reflete em nossa compreensão sobre a importância que cada um representa em si e, também, a necessária interface entre ambos. Anuncia, entre outras coisas, o nosso comprometimento com o contexto em que estamos inseridas/os, ao considerar que os modos de ensinar-aprender e aprender-ensinar estão intimamente relacionados à nossa capacidade de transcender aquilo que está dado como pronto e acabado.

A capacidade de reinvenção e de recriação tão defendidas pela Educação Popular freireana faz parte da constituição da profissionalidade da/o educadora/educador comprometida/o com a transformação da realidade. Esse é um processo coletivo que exige de nós abertura dialógica e humildade acadêmica para aprender com as pessoas, com as/os trabalhadoras/es, com as/os diferentes e as diferenças. Aprender com o contexto em que estamos inseridas/os, uma vez que considera nossas dúvidas e incertezas, sempre.

Vale ressaltar que este ensaio não tem a pretensão de apresentar-se como verdade absoluta sobre a temática da contribuição/presença do legado de Freire nos espaços escolares e não-escolares. Além disso, não se trata de uma reflexão sobre os espaços de aprendizagem não-escolares em suas inter-relações (lugares e práticas). A educação informal, a Educação Social e a Pedagogia Social, por exemplo, são abordagens que dialogam com pressupostos freireanos, mas não estão em pauta. Essa discussão remete a um determinado fôlego de imersão teórica que exigiria um artigo específico para elas.

A presença de Freire nessas abordagens é rica em possibilidades teórico-metodológicas; no entanto, neste momento, não é meu objetivo trabalhá-las. A reflexão quer representar um olhar entre muitos sobre a possibilidade de reinvenção de uma epistemologia que carece de ser valorizada no âmbito da educação escolar e não-escolar – sem, contudo, adentrar as diferentes abordagens (Pedagogia Social, Educação Social, Pedagogia do Círculo, Pedagogia da Autogestão5, Pedagogia Descolonial6, Teatro do Oprimido). A Educação Popular, como uma epistemologia da transformação, é a base dessa construção que está organizada nos três momentos de reflexão já elencados.

Educação escolar e não-escolar: algumas compreensões

As bases epistemológicas que delineiam os contornos jurídicos, organizativos, financeiros, como também os objetivos, os princípios, as metas, a matriz curricular e as estratégias de ensino e de aprendizagem dos espaços educativos aqui problematizados possuem diferenças determinantes e, também, aproximações ontológicas fundamentais. Entre essas aproximações, encontramos aspectos epistemológicos que garantem o status “formal” dos processos educativos empreendidos em cada espaço, em cada universo.

As leis que regulamentam o exercício do magistério, bem como os conteúdos curriculares, os processos de avaliação, a formação das/os docentes são ferramentas estatais. Assim, elas são produzidas e legitimadas pelo Estado em suas distintas jurisdições. Isso é legitimado como “formal”. Contudo, as fases e os estágios de aprendizagem que fazem parte da rotina escolar são dinâmicos, complexos e carecem de estar em constante atualização, revisão, recriação. Sua formalidade pode distanciar a aprendizagem da vida.

Esses aspectos, esses mecanismos e essas etapas, nos espaços não-escolares, estão intimamente articulados à intencionalidade temática do existir. A aprendizagem dialoga diretamente com as necessidades educativas das/os participantes. Essa intencionalidade temática diz respeito a demandas educativas/formativas do grupo em questão, seja do Movimento Social Popular (MSP), seja da organização social que o preconiza.

São temáticas que emergem das necessidades, das bandeiras e das pautas de luta, das reivindicações das pessoas e/ou dos grupos. Dentro do contexto de interesses comuns, os processos educativos também exigem organização e sistematização: elaboração de conteúdos, de parâmetros, de critérios quanto ao público-alvo; da formação das/os educadoras/es, de indicadores de avaliação, de acompanhamento; de planejamento coletivo, de metodologias; do respaldo financeiro, jurídico e administrativo.

Dentro dessa configuração, tanto os espaços escolares como os não-escolares possuem critérios, objetivos, etapas e regras. Entendo que ambos sejam, em suas especificidades, espaços formais de educação – compreendendo como formal todo processo organizado de modo intencional, de modo a respeitar critérios, etapas e metas. A forma-conteúdo e a intencionalidade como isso é operado, gestado e executado é que se diferem.

A escola atende a parâmetros definidos pelo Estado; dessa maneira, o formal associa-se ao ente federativo estatal. Tudo que acontece fora, a sua margem, é classificado como não-formal. Esse adjetivo possui uma conotação negativa ao que é operado fora de suas fronteiras, a sua margem, a sua sombra; são, assim, espaços ilegítimos.

Os espaços não-escolares se vinculam a instituições populares e sociais não governamentais e a Movimentos Sociais Populares. Nesse caso, a elas foi dado caráter não-formal por não estarem dentro do aparato de controle estatal. Não são “formais”, ocupam um não-lugar institucionalmente legitimado. Contudo, isso não significa que as ações ali empreendidas não respeitem critérios éticos, políticos e pedagógicos legitimados com base científica; além disso, são de relevante interesse público.

Parto da premissa de que ambos os lugares, em suas especificidades jurídicas, sejam espaços formais de educação, os quais possuem diferenças no modo jurídico-organizativo. Diferem especialmente na intencionalidade, nas metodologias e no público que, na escola, são padronizados. Isso denota um ponto importante a ser considerado com vistas a tecer/ampliar as interfaces entre as duas modalidades. Para defender essa premissa, abordo aspectos relevantes da abordagem freireana nos distintos espaços, escolar e não-escolar, que evidenciam dimensões fundamentais de cada âmbito e que me permitem afirmar o caráter formal de ambas a partir de seus processos formativos/educativos.

Como assinalado, este ensaio não se trata de uma classificação entre educação informal, Educação Social e/ou Pedagogia Social em interface com a compreensão de educação escolar e não-escolar; ou educação formal e não-formal – no tocante à presença/contribuição de Freire em ambos os espaços. Problematizo o meu ponto de vista em diálogo com Gohn (2006), a qual constrói a sua narrativa discursiva e interpretativa em torno do termo educação formal e não-formal somente para apresentar meu processo de compreensão em torno do fenômeno educativo nos distintos espaços de aprendizagem.

A leitura feita opera uma articulação entre o sentido assumido por Gohn (2006), sobre a educação não-formal e formal, e o sentido defendido por Freire (1996a), a respeito da educação libertadora que fornece bases para recriar conceitos e práticas. A autora utiliza os termos educação formal e educação não-formal, e eu os entendo por educação escolar e educação não-escolar. O movimento reflexivo intenciona fazer pontes de (re)significação sobre o tema sem ferir o ponto de vista estabelecido pela autora. Quero (re)criar, estabelecer interfaces com o intuito de contemplar a amplitude semântica e interpretativa do fenômeno.

Freire (1996b) não discute os termos, mas reflete sobre aspectos “formais” da educação não-escolar que nos permite entendê-la como uma modalidade educativa que também possui organicidade, critérios, etapas e, sobretudo, intencionalidade. Isso denota que a educação não-escolar possui formalidade, é legítima, não se encontra à sombra ou à margem da educação escolar. Não se trata de uma formalidade abstrata, proposta pelo Estado, mas de uma formalidade do processo intencionalmente assumido.

A definição de Gohn (2006) contempla-nos pela aproximação entre suas perspectivas epistemológicas, pois elas se intercomunicam, não se contradizem, mas se complementam. Para a autora, entre os objetivos da educação formal, ou escolar,

[...] destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normatizados por leis, dentre os quais destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc. (GOHN, 2006, p. 29).

A aprendizagem formal (escolar), segundo a autora, privilegia a transmissão de conhecimentos sistematizados e normatizados conforme uma lei que defende a formação intelectual de pessoas de modo que todas e todos tenham acesso aos mesmos conteúdos, os quais incluem, nesse processo, o desenvolvimento de determinadas habilidades e competências para um fim: o mercado capitalista. A base do sistema educativo centraliza a mobilização de conceitos básicos para o domínio da leitura, escrita, codificação e decodificação da linguagem matemática básica.

No entanto, quando preconiza um ensino formal padronizado para todas e todos, a educação, em sua qualidade, em sua abrangência e sua finalidade ética, perde o foco – que seria o de desenvolver habilidades e competências – com base na abstração de números, de tabelas, de conceitos, os quais não contribuem para a formação crítica e criativa. Nesse sistema, pessoas assumem um perfil estatístico necessário para a gestão pública. Desse modo, a educação nos aspectos pedagógicos, humanos e éticos perde-se nas grades curriculares estreitas que servem a um mercado cada vez mais competitivista e desumano.

Em diálogo com essa realidade, Paulo Freire problematiza a educação escolar de acordo com características que ainda hoje persistem e que carecem de serem enfrentadas e superadas por meio da educação conscientizadora. De acordo com o educador:

Nada ou quase nada existe em nossa educação, que desenvolva no nosso estudante o gosto da pesquisa, da constatação, da revisão dos “achados” [...]. Pelo contrário, a sua perigosa superposição à realidade intensifica no nosso estudante a sua consciência ingênua. A própria posição da nossa escola, de modo geral acalentada ela mesma pela sonoridade da palavra, pela memorização dos trechos, pela desvinculação da realidade, pela tendência a reduzir os meios de aprendizagem às formas meramente nocionais, já é uma posição caracteristicamente ingênua. (FREIRE, 1996a, p. 95).

Freire denuncia que, na educação escolar, os conteúdos sistematizados e normatizados, organizados em etapas, em disciplinas, em categorias de ensino, são modos engessados de transmissão e de avaliação que mais classificam, quantificam, rotulam, alienam e segregam, mas que deveriam promover a autonomia acadêmica que, em sua essência, liberta. Essa denúncia vem acompanhada do anúncio de que a educação – os processos de ensino e de aprendizagem, a avaliação, os dispositivos curriculares, as áreas de conhecimento e as relações tecidas – possui uma responsabilidade maior do que a transmissão.

A partir da interface entre as duas percepções, de Gohn e de Freire, podemos avançar e produzir outros sentidos possíveis para compreender a amplitude tanto da finalidade e dos objetivos quanto das relações, da avaliação e das mediações pedagógicas para uma educação que contemple a humanização, a cidadania, a democracia. A educação escolar hoje ainda é carente de vida, de realidade para além do cronograma curricular. Os tempos e os modos de ensinar-aprender são diferentes, pois muitas vezes são atropelados pela lógica conteudista, e não dialogam com o ritmo imposto pelo planejamento escolar.

Em tempos de pandemia, de aulas remotas, de reinvenção pedagógica e profissional, esse cenário escolar assume contornos complexos para além da realidade docente já vivida pelas/os professoras/es na rede pública de ensino. Ensinar para a libertação nesse período de distanciamento e confusão generalizada exige a criação de outras linguagens, de outras mediações. O desafio docente extrapola a grade curricular, os conteúdos, a avaliação e uma formação continuada que mais complica do que explica o uso das plataformas e das metodologias multimodais.

Nesse momento de reinvenção pedagógica e docente, Freire inspira-nos ao mesmo tempo em que nos convoca, quando afirma que:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. (FREIRE, 1996b, p. 23-24).

Ensinar e aprender hoje nos coloca a necessidade da formação continuada, uma vez que aprender e ensinar exige reinvenção. E isso também é elemento em destaque para compreender a nova realidade da sala de aula (virtual) da escola que, ao visar dar conta do conteúdo programático, inviabiliza uma ação pedagógica que contemple a construção autônoma de conhecimentos. Dentro desse processo mais importante que o conteúdo, são as relações estabelecidas, a descoberta, a criação. Isso é fundamental para uma aprendizagem significativa em qualquer âmbito educativo, escolar ou não-escolar. Para Freire (1996b, p. 10): “É a convivência amorosa com seus alunos e na postura curiosa e aberta que assume e, ao mesmo tempo, provoca-os a se assumirem enquanto sujeitos sócios-históricos-culturais do ato de conhecer é que ele pode falar do respeito à dignidade e autonomia do educando”.

Nos espaços não-escolares, o diálogo é fundamental para o processo de construção do conhecimento. Essa é uma premissa básica para tratar os conteúdos de modo endógeno, de modo a trazê-los molhados de realidade, de objetividade, de materialidade. A formalidade embutida nos espaços escolares, por vezes, engessa forma-conteúdo de modo que as relações se solidificam em uma estrutura hierárquica difícil de ser rompida. Nesses momentos, a educação torna-se abstrata, o conteúdo que ali circula pouco diz para as/os alunas/os, pois não compreendem a retórica, a linguagem, os símbolos e nem os conceitos transmitidos.

Em relação à finalidade da educação não-formal (não-escolar), a autora afirma:

A educação não-formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo. [...] formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc. (GOHN, 2006, p. 29-30).

Quando a autora aponta que a finalidade da educação não-formal é abrir janelas de conhecimento do mundo e no mundo, ela dialoga com uma das premissas freireanas que diz ser “[...] fundamental partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar como o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é” (FREIRE, 1996a, p. 47).

Um ser de relações objetivas, (inter)subjetivas, (intra)subjetivas, existenciais, espirituais, éticas, estéticas e políticas. É importante compreender que existe uma relação de poder na coprodução de sentidos/significados e de conceitos. Estes dialogam intimamente com o corpo que está existencialmente situado em um lugar/território cultural, em um espaço-tempo que está inserido em um determinado contexto, pois “[...] existir é um conceito dinâmico. Implica uma dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com seu Criador. É essa dialogação do homem sobre o seu contorno e até sobre os desafios e problemas que o faz histórico” (FREIRE, 1996a, p. 14).

Olhar para a educação não-escolar (não-formal), e escolar (formal), de modo a transformar nossa práxis7, exige acolher esta realidade – um universo de relações complexas e contraditórias que coexistem entre conflitos, mas também entre possibilidades. Diante desses pressupostos dialógicos, a compreensão que assumo por educação não-escolar e escolar tem a intenção de acolher tal complexidade, sua multiplicidade e, ao mesmo tempo, sua (co)relação sem, contudo, ser uma verdade absoluta.

Não se trata de negar alguma definição pré-estabelecida, mas de apresentar outra percepção sobre conceitos e práticas que estão em constante transformação. Freire ensina-nos que reinventar a realidade exige transcender práticas engessadas e antidialógicas, conceitos e categorias analíticas que já não dão conta da realidade vivida.

A educação, nos espaços escolares e não-escolares, carece de ser reinventada e ser assumida urgentemente para reinvenção da luta por uma escola e um mundo melhor. A educação formal e não-formal é uma definição entre muitas que, neste ensaio, está sendo (re)significada. Conceitos e definições existem para ajudar-nos a compreender a realidade que está sempre em transformação. Uma realidade como a que enfrentamos, de pandemia, de embate ideológico partidário, de políticas maquiadas de boa vontade, exige de nós uma reinvenção da prática, dos aparatos e dos conceitos pré-estabelecidos. Desse modo, o formal está estreitamente relacionado ao que é legitimado pelo Estado.

Um Estado que não nos representa em nossa diversidade cultural, que confunde e que manipula, que nega a ciência, que ataca as Universidades e as/os professoras/es. Além disso, fomenta o caos social, político, jurídico e financeiro – nacional e internacionalmente; nega à classe trabalhadora e às massas empobrecidas uma educação para a humanização das relações sociais, para a democratização e para a cidadania plena. O termo “formal” chancelado por esse Estado, que se encontra imerso em uma profunda crise institucional – ética e moral –, já há muito tempo não corresponde ao trabalho ético-político que é desenvolvido nos espaços não-escolares.

O “formal” está sendo problematizado de várias formas, pois vem sofrendo da ausência de fundamentos filosóficos de base para a humanização dos processos e dos conteúdos da aprendizagem significativa. O termo está se tornando, sobretudo, um conteúdo esvaziado por discursos políticos ideológicos questionáveis. Diante disso, entendo que a educação escolar e a educação não-escolar, com base nos aspectos ontológicos e epistemológicos aqui delineados, podem contemplar as diversas formas de ensinar e de aprender nos diferentes espaços sociais organizados para a aprendizagem.

Desse modo, fica a compreensão da necessária interface entre esses lugares socioeducativos, tarefa primordial para uma educação que ensine a pensar e a agir autonomamente em prol da equidade, da solidariedade, da cooperação, da liberdade com amorosidade. Uma educação que possa contemplar as necessidades educativas de todas e de todos, de modo a valorizar os saberes do cotidiano das pessoas, e a ajudar a aproximar mundos culturais diferentes com respeito à diversidade. Uma educação que nos faça mais humanos, menos mesquinhos e mais tocados pela gentidade freireana.

Consciência/conscientização, diálogo e participação: conteúdo, método, metodologia e utopia

As dimensões básicas da abordagem freireana que delineiam a reflexão neste ensaio são os processos de consciência/conscientização, de diálogo e de participação. Esses fundamentos ontológicos nascem da compreensão de que não é possível compreender o homem e o mundo sem que haja um processo de (auto)descoberta contínua e inacabada, pois: “Sempre lhe pareceu, dentro das condições históricas de sua sociedade, inadiável e indispensável uma ampla conscientização das massas brasileiras, através de uma educação que as colocasse numa postura de auto-reflexão e de reflexão sobre seu tempo e seu espaço” (FREIRE, 1996a, p. 36).

Esse processo de (auto)reflexão é imprescindível para que a humanidade imanente em nosso ser seja acionada, pois, quando sou capaz de pensar em mim, abre-se a possibilidade de pensar no outro e no que está acontecendo ao meu redor. Quando defendemos uma educação para a libertação, a intencionalidade primeira é que seja uma práxis capaz de superar as relações de opressão, e de humanizar pessoas e processos.

Pensar sobre si, sobre sua realidade, suas necessidades, suas capacidades, seus direitos e seus deveres, seus sonhos, seus desejos e seus medos, pode ativar a humanização. Quando afirmo que consciência/conscientização, participação e diálogo são percebidos ao mesmo tempo como conteúdo, método, metodologia e utopia, estou defendendo sua indivisibilidade. São percebidos como dimensões coirmãs, entrelaçadas, indicotomizáveis e corresponsáveis pela humanização do ser-sendo.

Nesse sentido, a educação conscientizadora, libertadora, para a transformação da lógica colonial, patriarcal, racista, classista e elitizada, precisa emergir de uma práxis reflexiva, que trate dos conteúdos da vida na sua relação com os conhecimentos científicos. A articulação desses conteúdos, conforme Freire (1996a), só pode acontecer pelo diálogo, pois: “Expulsar esta sombra (dominação/exploração/alienação) pela conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente liberadora e por isto respeitadora do homem como pessoa” (FREIRE, 1996a, p. 37).

É importante lembrar que: “Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão [...]” (FREIRE, 1996a, p. 11). É devido a essa realidade de opressão que a educação escolar e não-escolar precisa assumir como conteúdo as experiências de vida.

Não caberia aqui detalhar a compreensão mais ampla de método-metodologia; contudo, para evidenciar a correlação operada, é importante apresentá-la brevemente, porque defendo a sua indivizibilidade. Freire (2001, p. 38), em Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, afirma: “Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar”.

Ao partir desse pressuposto, podemos entender que o meio de vida concreto do homem concreto é conteúdo básico para uma educação realmente significativa, seja na escola ou na educação não-escolar. Para Gohn (2006, p. 28), esse tema é comum na educação não-formal, uma vez que “[...] a educação não-formal é aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas”. Entretanto, acredito que essa é a base de toda educação problematizadora, formadora de cidadãos críticos e criativos, a qual não pode permanecer só nos espaços não-escolares. Esse conteúdo pode lançar à escola o desafio de reinventar-se e de assumir outras estéticas do ensinar-aprender e aprender-ensinar.

Desse modo, faz-se necessário (re)pensar métodos e metodologias para abordar/produzir/recriar os conhecimentos. Para Gohn (2006, p. 31), nos espaços não-formais: “O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas [...]”.

Quando reflete sobre os espaços não-formais, Gohn (2006) ajuda-nos a (re)pensar os modos de ensinar-aprender também na escola. Quando ela diz que “[o] método nasce a partir de problematização da vida cotidiana [...]”, ela dá uma pista interessante. Se nasce dali, como emerge? Emerge do diálogo. Quando se fala em Método-Metodologia, é preciso compreender que ambos carecem de estar alinhados. Essa é uma premissa importante para que os processos de ensino e de aprendizagem alcancem os resultados esperados. Em Ação cultural para a liberdade e outros escritos,Freire (2010) alerta que: “Conhecer, que é sempre um processo, supõe uma situação dialógica. Não há estritamente falando um ‘eu penso’, mas um ‘nós pensamos’. Não é o ‘eu penso’ o que constitui o ‘nós pensamos’, mas, pelo contrário, é o ‘nós pensamos’ que me faz possível pensar” (FREIRE, 2010, p. 101).

A situação dialógica que Freire destaca se trata do método dialógico. Aqui se entrelaçam método-metodologia e forma-conteúdo, os quais revelam a dialogicidade intrínseca ao ato de conhecer como processo coletivo, em solidariedade, em cooperação, em participação ativa. Tanto Freire como Gohn trazem elementos fundamentais para repensar os espaços educativos, de forma a valorizar a abordagem dialógica e a existência como conteúdo.

O entrelaçamento desses componentes essenciais ao ato de ensinar-aprender e de aprender-ensinar toma por referência dimensões ontológicas da existência humana. Em Pedagogia do oprimido, Paulo Freire, ao conversar com Álvaro Vieira Pinto, reflete que:

O método é, na verdade a forma exterior e materializada em atos, que assume a propriedade fundamental da consciência: a sua intencionalidade. O próprio da consciência é estar com o mundo e este procedimento é permanente e irrecusável. Portanto, a consciência é, em sua essência, um ‘caminho para’ algo que não é ela, que está fora dela, que a circunda e que ela apreende por sua capacidade ideativa. Por definição, a consciência é, pois, método, entendido este no seu sentido de máxima generalidade. Tal é a raiz do método, assim como tal é a essência, da consciência, que só existe enquanto faculdade abstrata e metódica. (FREIRE, 1987, p. 56, grifo nosso).

Aqui estão evidenciadas as dimensões do conhecer que indicam a impossibilidade de dicotomizar as interfaces ontológicas da consciência/conscientização, do diálogo e da participação no processo de produção epistemológica articulados pelo conteúdo, pelo método/metodologia e pela utopia. A participação está contemplada pelo diálogo encarnado nas experiências de vida compartilhadas enquanto conteúdo e metodologia.

Aqui o ouvir e o falar são mediações pedagógicas basais. Participar não é fácil porque não é um exercício privilegiado na nossa educação. O silêncio em sala de aula é a representação viva da cultura disciplinar; assim, dizer sua palavra para muitas pessoas pode ser libertador! Contudo, aprender a dizê-la e a acreditar nela exige ter fé em si mesmo, e a aprender a confiar no outro. Como operar isso ao estarmos imersas/os na cultura do silêncio?

A utopia encontra-se na fé da transformação social promovida pela libertação, pois “[...] o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico” (FREIRE, 2001, p. 32). Esse movimento, dialetização do denunciar e anunciar, é um componente pedagógico que faz parte das metodologias da Educação Popular freireana e precisa ser considerado na organização dos conteúdos. Nesse processo, o ato de (auto)reflexão sobre a realidade acontece muito mais nos espaços não-escolares, ou como Gohn (2006) denomina, nos espaços não-formais. A autora registra dimensões importantes que, penso, também seriam de suma relevância acontecerem na escola:

A educação não-formal poderá desenvolver, como resultados, uma série de processos tais como:

  • consciência e organização de como agir em grupos coletivos;

  • [a] construção e reconstrução de concepção(ões) de mundo e sobre o mundo;

  • contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade;

  • forma o indivíduo para a vida e suas adversidades (e não apenas capacitação para entrar no mercado de trabalho);

  • quando presente em programas com crianças ou jovens adolescentes a educação não-formal resgata o sentimento de valorização de si próprio. (GOHN, 2006, p. 30).

A utopia motiva-nos a acreditar que as pessoas podem conseguir participar, podem conseguir entender/acreditar que sua palavra, sua vida, suas experiências e seus saberes são importantes. Aprender a compartilhar nossos mundos significa desnudar-se, abrir-se para algo desconhecido. Isto é uma utopia: acreditar em si; acreditar no outro. Essa é a primeira e mais importante conquista da educação para a libertação.

A segunda é transcender o desafio diário de superar as dificuldades cotidianas que impedem a participação autêntica e livre (desemprego, violência, desamor, etc.) e lutar para que, na escola, esses temas da vida ganhem espaço nas aulas de Português, Matemática, Geografia, História, Biologia, Artes, Educação Física, Sociologia...

Articular os temas da vida, da rotina, das dificuldades, das necessidades, dos saberes do cotidiano das mulheres, da realidade colonial de gênero e de raça8, dos MSP, das comunidades quilombolas e indígenas, das diferenças com os da academia é a arte mais complexa e contraditória que precisamos assumir. Entendo que: “A percepção do mundo vivido é já a resposta ao convite à liberdade, precondição da humanização que quebra, pela luta, a dependência a toda forma de alienação e subserviência” (PASSOS, 2010, p. 189) – um processo que pressupõe humildade acadêmica para diálogos amplos.

Quando defendo o entrelaçamento pedagógico de dimensões ontológicas de base existencial para repensar em nossas práticas nas escolas, nas comunidades e nos MSP, coloco-me como (co)responsável nesse desafio. Essa articulação tem inspiração na abordagem freireana que afirma: “A competência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a amorosidade necessária às relações educativas” (FREIRE, 1996b, p. 10).

Para operar essa articulação entre saberes e entre culturas, é preciso superar a estética escolar baseada na dicotomia, nas verdades absolutas, no silêncio, na disciplina imposta, no competitivismo. Paralelamente, enfrentar/superar as dificuldades vividas no chão da escola (desvalorização do magistério; sucateamento das escolas; salários atrasados; subempregos; violência; instabilidade do contexto político). Tratar de educação – escolar ou não-escolar – inclui todos esses desafios, por isso é crucial o trabalho em equipe, em interface e articulação com todos os agentes educativos. De acordo com Gohn (2006):

Não é mais possível permanecer no conformismo diante de espaços dominados por antigos métodos clientelistas, pela ordem tradicional. É preciso criatividade e ousadia porque as novidades só ganham força quando passam a ter hegemonia em certos coletivos organizados mais amplos. Por isso, é preciso voltar os olhos para a organização da sociedade civil, para os processos de educação não-formal que nela se desenvolvem, e para o papel que a escola pode ter como campo de formação de um novo modelo civilizatório. (GOHN, 2006, p. 37).

Essa realidade também precisa ser acolhida, ser compreendida como conteúdo a ser problematizado, inclusive nos cursos de formação inicial de Pedagogia. Percebida como um conteúdo prático, pode ajudar a repensar tanto a identidade profissional quanto a política de educação. Sobre esse desafio, Gohn reforça: “Articular a educação, em seu sentido mais amplo, com os processos de formação dos indivíduos como cidadãos, ou articular a escola com a comunidade educativa de um território é um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma demanda da sociedade atual” (GOHN, 2006, p. 36).

Olhar para estas dimensões ontológicas – consciência/conscientização, diálogo e participação – como mediações pedagógicas/educativas capazes de mobilizar conteúdos vivos, de propor metodologias populares diferenciadas, de aprender-ensinar com base nas experiências de vida das crianças, jovens e adultos, pode ser libertador! Quando compreendemos que é possível ensinar e aprender a partir do diálogo, da palavra encarnada, os processos de ensino e de aprendizagem fluem. Não há mágica nisso. Não é fácil e nem há receitas, mas há experiências que podem inspirar outras produções inéditas.

A contribuição da abordagem freireana nas práticas educativas: interface entre os universos escolar e não-escolar

Para refletir sobre a contribuição da abordagem freireana às práticas educativas, escolares e não-escolares, compartilho uma experiência vivenciada durante o Doutorado em Educação, realizado na UNISINOS. A pesquisa foi realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Mediações Pedagógicas e Cidadania, coordenado pelo Professor Dr. Danilo R. Streck. A tese Educação em Economia Popular Solidária: experiências pedagógicas que libertam? (FERREIRA, 2018) foi orientada pelo Professor Dr. Telmo Adams – Doutorado apoiado pela Bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Capes-Taxa.

A pesquisa foi realizada em interface com a pesquisa do orientador denominada Educação, trabalho associado e (des)colonialidade: estudo das experiências do Centro de Formação em Economia Solidária da região Sul do Brasil (2014-2017). Acompanhei campos empíricos distintos, um regional, outro local9, articulados a partir de um projeto maior de formação nacional coordenado pelo Centro de Formação em Economia Solidária da região Sul do país (CFES-Sul)10.

Esse Centro de formação integra a Rede Nacional de Centros de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária - Rede CFES. Faz parte das políticas públicas silenciadas pelo atual Governo Federal11, executadas pela extinta Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/SENAES) para apoiar e fortalecer a Economia Solidária como uma política de promoção do desenvolvimento territorial e sustentável, com ênfase na organização social, econômica solidária, autogestionária e democrática.

Um dos objetivos dessa Rede Nacional de formação é oferecer apoio à qualificação técnica, produtiva e intelectual dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) do Movimento Social Popular (MSP) da Economia Popular Solidária (EPS). Essa pesquisa doutoral nasceu da inspiração de um longo processo de formação vivenciado por uma mulher, artesã e militante desse mesmo MSP.

A pesquisa participante, de cunho fenomenológico em interface com a Educação Popular, teve por base metodológica a Sistematização das Experiências conforme Oscar Jara (2012). Dos desafios, das possibilidades e dos limites, compartilho aspectos tratados em um dos Campos Empíricos, o Projeto Ações Integradas de Economia Solidária e Desenvolvimento Humano (2014-2016), o qual foi executado na cidade de São Leopoldo/RS. O objetivo do projeto municipal foi capacitar

[...] 750 pessoas, distribuídas em vinte turmas em sete cursos distintos: a) Customização de roupas e Acessórios; b) Camisetas temáticas; c) Artesanato; d) Alcochoados e Almofadas manuais; e) Bijuterias; f) Churrasqueiro; g) Gastronomia. Além de 37 turmas de relações humanas e EcoSol e 6 turmas de capacitação administrativa em Economia Solidária [...]. (BRAESCHER et al., 2016, p. 26).

A pesquisa participante realizada acompanhou o processo de formação política em Relações Humanas e em EcoSol com oito turmas, ao longo de dois anos. A intencionalidade pesquisante verificou o potencial educativo/formativo promovido nessas oficinas. Ao acompanhar os dois lugares formativos, um regional e outro local, a investigação valorizou os aspectos pedagógicos, metodológicos e das aprendizagens. Analisei as expectativas iniciais em interface com as aprendizagens ao longo do processo educativo. Dessas relações aprendentes e ensinantes, emergiu a tese.

Nessa trajetória, surgiu o interesse mútuo pela Sistematização da Experiência na forma de uma obra coletiva no seguinte campo empírico: Projeto Ações Integradas. A elaboração intelectual coletiva e solidária partiu de uma premissa básica da Educação Popular: a valorização dos distintos saberes. A base da coprodução solidária teve por referência estudos e leituras freireanas, de modo a colocar em diálogo saberes populares, do cotidiano e do trabalho (não-escolar); com os da academia, da escola (saber escolar).

O livro Ações integradas de economia solidária e desenvolvimento humano (DUMKE; FERREIRA, 2016) foi escrito por pessoas que participaram do processo de formação como alunas (todas EES da EPS), as Agentes de Desenvolvimento Humano, constituído, em parte, por pessoas do próprio MSP da EPS; e pessoas vinculadas a grupos de pesquisa que possuíam alguma parceria com o Fórum da EPS do município de São Leopoldo. Muitas dessas pessoas não possuíam experiência com a escrita acadêmica, mas tinham uma forte formação não-escolar. O desenho de uma metodologia colaborativa para a produção dos artigos que deu base à escrita solidária foi sendo tecido dialogicamente. Foram criados grupos menores, duplas e trios, para a escrita de acordo com a temática.

O perfil heterogêneo do coletivo mobilizado foi uma das características mais interessantes da produção. A maioria das integrantes eram mulheres; havia apenas quatro homens. O grau de escolaridade também era variado: algumas tinham dificuldades com a escrita e a leitura, outras tinham o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio completo, outras eram universitárias. Todas tinham experiências distintas, em algum grau, com o MSP. A articulação entre os saberes distintos foi, desse modo, a alma desse projeto.

Para além da metodologia a ser desenhada, a articulação entre tantas histórias de vida diferentes foi o conteúdo ontológico mais significativo desse empreendimento coletivo. Uma construção assim carrega mediações pedagógicas e educativas dificilmente encontradas na escola, pois a burocracia lhe impede de alçar voos pedagógicos, situação que nos espaços não-escolares é bem resolvida, visto que,

[...] como há intencionalidades nos processos e espaços da educação não-formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que podem se alterar constantemente. Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas, codificadas, [...] pois o dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não-formal. (GOHN, 2006, p. 32).

De fato, há muitos movimentos complexos, rotatividade e dinamismo em um processo pedagógico nos espaços não-escolares. Inclusive esta é a ideia, que a produção de conhecimento aconteça de modo interativo, debatido, de modo a reinventar a si, as pessoas, os conteúdos e os processos. Essa flexibilidade faz parte dos processos educativos; contudo, o foco da ação educativa precisa ser preservado. A escola perde em qualidade quando sufoca essa diversidade e a diferença que é viva dentro dela. Ao homogeneizar processos pedagógicos, ela limita a criatividade e a inventividade. Ela se resume à cópia.

Para organizar a dinâmica da escrita, um Grupo de Trabalho (GT) foi montado. A cogestão foi compartilhada entre os integrantes do nosso Grupo de Pesquisa, agentes executores da política, Fórum da EPS e EES que participaram dos cursos. Esse GT pensou a estrutura e a organização temática ao responder às seguintes questões: Qual é o tamanho da obra? Quantos capítulos? Quem irá escrever? Como escrever? Que temas? Qual é a ênfase: as práticas, os processos, as metodologias, os resultados? Que tempo temos? Quais critérios?

Foi construído um cronograma com tarefas individuais e coletivas. O GT do livro ficou responsável em garantir que a comunicação entre as/os demais participantes fluísse. As dificuldades de pensar, de analisar, de compreender e de colocar no papel as ideias foram sendo superadas a partir do diálogo. As perguntas iniciais eram respondidas à medida que as pessoas relatavam o que mais chamou-lhes atenção no processo do projeto: os cursos, as aprendizagens, as dificuldades, os intercâmbios.

A partir da fala das pessoas que ali estavam, foram sendo sistematizados os pontos centrais de interesse que, posteriormente, foram classificados em quatro eixos complementares. Esses temas foram delineados da seguinte forma:

  1. Apresentação e desdobramento do projeto de ações integradas e o trabalho desenvolvido na cidade de São Leopoldo/RS.

  2. Cenário da Economia Solidária na cidade de São Leopoldo/RS.

  3. Economia Solidária e Educação Popular.

  4. Resultados do Projeto Ações Integradas: avanços e desafios.

Cada eixo/tema foi composto de dois a sete artigos produzidos a muitas mãos. O GT do livro reunia-se quinzenalmente para monitorar a execução das tarefas e traçar estratégias para solucionar problemas que surgissem. A comunicação via e-mail, celular, reuniões pontuais entre as/os responsáveis por organizar/juntar todo o material era constante. Foi um semestre de trabalho coletivo extenso, denso e intenso. Reunir para escrever em conjunto foi um exercício exigente, pois a rotina de vida e de trabalho das pessoas envolvidas eram muito diferentes. Esse foi um aprendizado mútuo. Para Gohn (2006):

O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se portanto no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista. (GOHN, 2006, p. 32).

Enquanto o grupo produzia coletivamente processos e conhecimentos, eram fortalecidos os laços de respeito, de solidariedade e de confiança mútua. Ao aprender, foi-se ensinando gentidade, humanidade, porque, sendo gente, a “História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismos” (FREIRE, 1996b, p. 53). Nesse movimento, ficaram evidentes como os processos de conscientização emergiam ao longo das rodas de conversa em cada etapa.

A possibilidade de escrever sobre algo que fez parte e de ter valorizada sua participação foi libertador para aquelas mulheres! O diálogo horizontal estabelecido promoveu os sentimentos de pertença, de autoestima elevada, de sentir-se importante por ter sua palavra acolhida. A humanização das relações perpassa por processos endógenos como esses em que seu trabalho e sua história são valorizados. Essa é a gentidade defendida por Paulo Freire. É a humanidade que falta e que precisamos recriar/fortalecer.

As integrantes dos grupos de pesquisa e EES precisaram rever posturas; afinal, escrever não é fácil nem para quem vive essa rotina na academia. Contudo, o saber da prática e da vivência no projeto que as mulheres dos EES traziam era precioso e agradável de escutar/trabalhar/aprender. A reescrita, então, acolheu a abordagem da oralidade como mediação pedagógica privilegiada. A conversa, a troca de saberes, a coprodução de sentidos/significados foi o modus operandi de trabalhar forma-conteúdo.

O exercício de coproduzir um caminho de escrita coletiva envolveu as/os participantes de tal forma que todas/os precisaram rever também suas prioridades e sua compreensão de escrita, pois o tempo-espaço entre elas/es era diferente. Esse movimento acionou vários mecanismos de aprendizagem: aprender a ouvir, a aguardar a fala do outro, a respeitar o ponto de vista e o tempo do outro, a argumentar, a produzir narrativas, a rever conceitos de diálogo, de participação, de autogestão, de EPS e de educação.

Esses momentos de revisão das verdades que nos acompanharam foram decisivos para a quebra de paradigmas pessoais e profissionais. À medida que conceitos iam sendo problematizados, as pessoas conseguiam reescrever outras formas de compreender os fenômenos e suas próprias vidas. Os processos dialógicos e participativos viabilizaram a tomada de decisões assertivas, de forma a superar conflitos e a aprender com as contradições. Foram tecidos, assim, intercâmbios conscientizadores.

O aprender-ensinar assumiu contornos dialéticos, uma vez que se destacou a argumentação narrativa pessoal e coletiva daquilo que foi vivenciado socialmente. Isso nos remete ao fato de que “[...] foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências [...]” (FREIRE, 1996b, p. 44).

A abordagem freireana traz consigo o desafio de viver na educação escolar algo que sempre foi mantido fora dela: a vida, a contradição, os desafios e os conflitos. Os conteúdos trabalhados estreitamente na escola são genéricos, pois a intencionalidade é apresentar um conjunto de conceitos abstratos que, na maioria das vezes, não representam a realidade. A/o aluna/o não consegue abstrair daqueles conteúdos elementos concretos para melhorar a vida social. Não conseguem se perceber naquele mundo de faz de conta, um mundo montado exclusivamente para um gueto específico.

A escola precisa exorcizar o opressor que se encontra nas entrelinhas de sua constituição institucional. Quem faz a escola? Quem são os agentes de transformação? A escola e a educação que nela habita precisam ser a expressividade de sua gente. Somos (co)responsáveis pela manutenção de uma escolarização raquítica em termos de produção de conhecimentos. Sua função se resume em transmitir conhecimentos? Não!

Nossa realidade está denunciando, a cada dia, a cada escândalo de corrupção, a cada envelopamento da situação de extrema pobreza e abandono social, que carecemos de reinventar esse lócus do saber. Acredito que os lugares não-escolares de ensinar-aprender e aprender-ensinar podem contribuir com os espaços escolares no processo de se autorreinventar. A abordagem freireana, nesse ínterim, é uma das possíveis alternativas para aproximar mundos educativos, culturais e sociais tão heterogêneos.

Esta é a utopia que nos mobiliza: encontrar coletivamente, por meio da educação, um caminho possível para colaborar com uma necessidade histórica de reinvenção, de transformação social. A realidade capitalista, classista, racista, homofóbica, machista e elitizada dificulta avançarmos em pautas fundamentais ao bem-estar social. No entanto, ela não pode nos impedir de nos auto-organizar de modo a enfrentar essa realidade. Esse é o chamamento que Freire nos deixa como legado, a utopia de ser mais GENTE.

Considerações

A experiência da produção coletiva do livro Ações Integradas de Economia Solidária e desenvolvimento humano articulou saberes acadêmicos, populares, das experiências do cotidiano e do trabalho. Foi coproduzido de modo dinâmico e sistemático, ao ensinar que, para aprender com o outro, eu preciso saber ouvir. As mediações pedagógicas privilegiadas nesse processo foram a palavra encarnada e o diálogo articulado pela participação ativa.

Na escola, o saber vem preparado para ser “depositado”. A forma como os conteúdos são “assimilados” depende do modo como eles foram “introduzidos”. Isso se dá quase sempre mecanicamente por memorização, repetição e alienação. Isso não é educar para pensar, para ser crítico, para a cidadania, para a libertação. Isso é domesticação.

Na Educação Popular, há um conteúdo previamente pensado, mas que emergiu de uma realidade. As pessoas, por isso, conseguem perceber sentido naquele tema. A vida em situação dá vida ao conteúdo, as experiências também são acolhidas como conteúdo, e assim, a produção de conhecimento emerge desse movimento inédito, dialético, dialógico, não repetitivo. Esse movimento também pode ser emanado na escola.

As professoras e as estudantes da academia que participaram da escrita coletiva do livro tiveram muitas dificuldades em compreender e reelaborar o conhecimento vindo da experiência dos EES porque a linguagem é outra. Elas estavam (re)elaborando uma produção conjunta, e a estética acadêmica da cultura letrada por vezes mais complicava do que explicava. Foi necessário, assim, rever a forma como escreviam e valorizar outras estéticas.

A estética popular é simples, humilde, direta, às vezes, dura. As mulheres do MSP que participaram também encontraram grandes desafios e aprendizados, pois tiveram de transcender a visão negativa que muitas acalentavam sobre o universo acadêmico. A negociação entre esses saberes, entre esses lugares, foi um aprendizado que colaborou para a construção de uma estética intelectual menos evasiva, menos abstrata, mais viva, com sentido, com paixão. Uma interconexão entre mundos teórico-práticos inspiradora.

As dimensões ontológicas tratadas de modo entrelaçado – consciência/conscientização, diálogo e participação – com os aspectos epistemológicos presentes no modo como se articula método/metodologia, conteúdo e utopia, perpassaram todo o exercício da escrita do livro Ações Integradas de Economia Solidária e desenvolvimento humano. Foi fundamental a abertura para o diálogo e para a participação. Ao longo do processo, a coprodução foi exigindo tomadas de conscientização a todo o momento em que conceitos, processos e relações eram questionados, problematizados, (re)significados.

Neste ensaio, apresentei elementos teórico-práticos que evidenciaram as contribuições de Paulo Freire para a Educação escolar e não-escolar, sobretudo no tocante aos saberes tecidos em lugares que podem e devem dialogar para uma aprendizagem mais significativa. O diálogo com Gohn (2006) mostrou que há conceitos e compreensões diferentes sobre temas comuns que não necessariamente se negam. Dialogar com o diferente faz-nos avançar e nos ajuda a (re)significar o que já foi dito. Ajuda-nos a reinventar a realidade.

No que se refere à educação formal/não-formal, ou educação escolar/não-escolar, que fique registrada a importância da interface entre os trabalhos desenvolvidos em ambos os cenários. A educação não-escolar tem muito a contribuir com as práticas escolares. A educação é um empreendimento coletivo e individual que exige muito mais do que codificar e decodificar. Aprender a ensinar e ensinar a aprender são movimentos dialéticos que se constroem dialogicamente mediados pelos conteúdos da experiência, da vida em situação. Não se pode negar as contradições e os conflitos desse processo.

Além de tudo que foi dito, outras das muitas contribuições de Paulo Freire para a educação escolar e não-escolar: anúncio de que a educação deve ser assumida de modo a transcender a lógica esvaziada do aprender-ensinar; as relações estabelecidas entre os agentes educativos (alunos x professores) precisam estar alicerçadas na amorosidade; os saberes da experiência são a base para recriar metodologias endógenas significativas; aprender com o outro é um exercício exigente, requer quebra de paradigma e desfazer-se do autoritarismo que é a sombra do opressor dentro de nós; ensinar nos qualifica de modo contínuo quando estamos dispostas/os a aprender.

Freire alerta-nos que, para além do problema da alfabetização e do letramento, temos uma questão humanitária que carece de ocupar os planos de ensino, de trabalho e os bancos nas escolas e nas universidades. Esses lugares de poder permanecem sob a égide do saber eurocêntrico e exclusivista como hegemônico – o formalismo é um mecanismo de manipulação do poder-saber nesses lugares. As iniciativas que anunciam outros modos de produzir conhecimentos, de viver a academia e a escola defendem a interface com outros lugares educativos. Isso não significa que os espaços não-escolares estejam livres das contradições e dos conflitos sociais. Muito pelo contrário!

Aprendemos, nesse lugar, cotidianamente, a respeitar a palavra do outro, de modo contínuo, e a transcender a lógica eurocêntrica, usurpadora/alienadora do conhecimento. No movimento complexo de imersão/emersão da realidade, os saberes e as ideias nem sempre se entendem, nesse momento em que o diálogo e a amorosidade atuam para mediar conflitos e interesses unilaterais que nem sempre estão alinhados ao bem comum.

A necessária interface entre educação escolar e não-escolar vai fortalecer ambas, pois suas especificidades em interconexão podem contribuir com o desafio de educar para a transformação social. Dialogar com os MSP, com pessoas em situação de rua, com as Organizações não Governamentais, com as Igrejas ou com as Instituições Governamentais, como os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), com o Sistema Carcerário, com grupos da Saúde Mental, pode abrir possibilidades semânticas à escola e, dialeticamente, aos espaços não-escolares. Nesse movimento, é possível romper a lógica estabelecida.

Em tempos de pandemia, de perseguições políticas, de retrocessos históricos em temas sociais, políticos, econômicos e educativos emergentes de nossa sociedade, estabelecer interfaces e intercâmbios entre mundos teóricos e práticos distintos que se complementam, se fortalecem, é fundamental. Práticas educativas promovidas por mediações pedagógicas libertadoras trazem consigo o gérmen da revolução social.

A abordagem freireana é uma dessas mediações que vem sendo acompanhada por leituras descoloniais e feministas. O legado de Freire está sendo recriado e reinventado a partir da interface entre epistemologias latinas libertadoras. Esse processo de intercâmbio entre saberes, abordagens epistemológicas, ontológicas e práticas é uma aprendizagem mútua, nada definida, nada estabelecida, sempre como um projeto coletivo, inacabado, em situação de vir-a-ser e que ganha corpo a cada iniciativa e inédito-viável do ser-sendo.

Notes

1Em 31 de agosto de 2016, o Senado Federal, ao responder a um processo questionável de impeachment, destituiu a Presidenta Dilma Rousseff, o que identificamos como golpe. Com o Vice-Presidente Michel Temer à frente do governo, assistimos a uma avalanche neoliberal, desmonte do estado de direito sem precedentes; um retrocesso político, social e econômico. Hoje, imersos em um caos ético e político, o país enfrenta um período de desmonte do Estado de Bem-Estar Social e testemunha tempos inimagináveis.

2“‘Buen vivir’ (‘vivir bien’ en Bolivia) o lo que las comunidades afro-andinos se refieren como elbien estar – o estar bien – colectivo, implica cuestionar la unicidad de la verdad y la razón, abriendo a la vez la posibilidad de otras verdades y otras razones que podrían enfrentar la destrucción social, ambiental, espiritual que actualmente estamos vivendo” (WALSH, 2012, p. 72).

3Na obra Pedagogia do oprimido, Freire “[...] concebe ‘ser mais’ como desafio da libertação dos oprimidos como busca de humanização [...]. Já na Pedagogia da esperança, Freire retoma a concepção de ser humano como possibilidade e projeto, articulando com a perspectiva histórica da humanidade” (ZITKOSKI, 2010, p. 370).

4O inédito-viável não é uma simples junção de letras ou uma expressão idiomática sem sentido. É uma palavra na acepção freireana mais rigorosa. Uma palavra epistemologicamente empregada por Freire para expressar, com enorme carga afetiva, cognitiva, política, epistemológica, ética e ontológica, os projetos e os atos das possibilidades humanas (ver FREIRE, A. M. A., 2010, p. 223-226).

5Abordagem teórico-metodológica coproduzida nos processos de educação/formação política do Movimento Social Popular da Economia Popular Solidária. Também se articulam em torno da abordagem da Autogestão da Pedagogia e da Pedagogia do Círculo para organizar tanto o trabalho produtivo nos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) quanto nos processos de formação dos Grupos. O aporte teórico é inspirado em Freire em diálogo com Adams (2007, 2010), Adams et al. (2015), Gadotti (2009), Gaiger (2004, 2009), Paul Singer (2002, 2012), entre outros.

6Abordagem epistemológica de base latino-americana em que muitos Movimentos Sociais Populares contemporâneos e intelectuais orgânicos estão se inspirando, em destaque estão as abordagens do Feminismo em várias de suas vertentes (Eco-feminismo, Feminismo Decolonial, Feminismo de mulheres negras) - seus aportes ontológicos e epistemológicos possuem por base Freire em diálogo com Fanon (1968), Lugones (2014), Quijano (2005), Walsh (2012, 2013), entre outros.

7A práxis torna-se um produto sócio-histórico próprio do homem consciente que faz da sua presença no mundo uma forma de agir sobre ele. Paulo Freire aplica essa dimensão à educação: “[...] o homem educa-se em totalidade num constante processo de devenir, em comunhão com os outros, dizendo sua palavra sobre o mundo. Dizer a palavra é definir o seu lugar na história” (ROSSATO, 2010, p. 327).

8“Ao usar o termo colonialidade, minha intenção é nomear não somente uma classificação de povos em termos de colonialidade de poder e de gênero, mas também o processo de redução ativa das pessoas, a desumanização que as torna aptas para a classificação, o processo de sujeitificação e a investida de tornar o/a colonizado/a menos que seres humanos. Isso contrasta fortemente com o processo de conversão que constitui a missão de cristianização” (LUGONES, 2015, p. 939, grifo da autora).

9Projeto Regional: Curso Regional de Formação em Economia Solidária, Assessoria Técnica e Desenvolvimento Sustentável - Região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná). Projeto Local: Ações Integradas de Economia Solidária e Desenvolvimento Humano (São Leopoldo/RS).

10A instituição executora do projeto foi o Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), uma organização não governamental que atua na mobilização, na organização social, na educação, na capacitação, na formação de lideranças, na pesquisa e na sistematização de conhecimento.

11Presidente Jair Messias Bolsonaro - PSL (atualmente sem partido) (2019-2022?).

Referências

ADAMS, T. Educação e economia (popular) solidária: mediações pedagógicas do trabalho associado da Associação dos recicladores de Dois Irmãos, 1994-2006. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2007. [ Links ]

ADAMS, T. Educação e economia popular solidária: mediações pedagógicas do trabalho associado. São Paulo: Ideias & Letras, 2010. [ Links ]

ADAMS, T. et al. Educação e economia solidária: uma análise das relações de participação e poder. Educação em foco, Belo Horizonte, v. 18, n. 25, p. 227-252, jul. 2015. DOI: https://doi.org/10.24934/eef.v18i25.492Links ]

BRAESCHER, I. C. et al. Notas de experiências das/os agentes comunitários de desenvolvimento local no projeto ações integradas. In: DUMKE, J. L.; FERREIRA, L. R. (org.). Ações integradas de economia solidária e desenvolvimento humano. Caxias do Sul: Editora e Gráfica Caxias, 2016. p. 25-32. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. [ Links ]

DUMKE, J. L.; FERREIRA, L. R. (org.). Ações integradas de economia solidária e desenvolvimento humano. Caxias do Sul: Editora e gráfica Caxias, 2016. [ Links ]

FANON, F. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. [ Links ]

FERREIRA, L. R. Educação em economia popular solidária: experiências pedagógicas que libertam?. 2018. Tese em Educação (Doutorado em Educação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2018. [ Links ]

FREIRE, A. M. A. Inédito viável. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 223-226. [ Links ]

FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. [ Links ]

FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001. [ Links ]

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996a. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996b. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. [ Links ]

GADOTTI, M. Economia solidária como práxis pedagógica. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. [ Links ]

GAIGER, L. I. A associação econômica dos pobres como via de combate às desigualdades Caderno CRH, Salvador, v. 22, n. 57, p. 563-580, set./dez. 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-49792009000300010Links ]

GAIGER, L. I. As emancipações no presente e no futuro. In: GAIGER, L. I. (org.) Sentidos experiências da economia solidária no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 371-402. [ Links ]

GOHN, M. G. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, jan./mar. 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-40362006000100003Links ]

JARA, O. A sistematização de experiências: prática e teoria para outros mundos possíveis. Brasília: CONTAG, 2012. [ Links ]

LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013Links ]

MERLEAU-PONTY, M.Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. [ Links ]

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1971. [ Links ]

PASSOS, L. A. Fenomenologia. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 185-189. [ Links ]

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-126 [ Links ]

ROSSATO, R. Práxis. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 325-327. [ Links ]

SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS, B. S. (org.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 81-129. [ Links ]

SINGER, P. Economia Solidária: um modo de produção e distribuição. 2012. Disponível em: https://financassolidarias.files.wordpress.com/2012/10/economia-solidc3a1ria-paul-singer.pdf. Acesso em: 20 set. 2020. [ Links ]

WALSH, C. Interculturalidad y (de)colonialidad: perspectivas críticas y políticas. Visão Global, Joaçaba, v. 15, n. 1-2, p. 61-74, jan./dez. 2012. Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/visaoglobal/article/view/3408. Acesso em: 20 set. de 2020. [ Links ]

WALSH, C. Pedagogías Decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2013. [ Links ]

ZITKOSKI, J. J. Ser mais. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 369-371. [ Links ]

Recebido: 23 de Junho de 2020; Revisado: 28 de Fevereiro de 2021; Aceito: 01 de Março de 2021; Publicado: 16 de Março de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.