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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 20-Oct-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.16319.007 

Dossiê: Paulo Freire (1921-2021): 100 anos de história e esperança

Um movimento pedagógico e o pedagógico em movimento: as vertentes Freireanas da comunicação e da radiodifusão comunitária

A pedagogical movement and the pedagogic in movement: Freirean strands of communication and community broadcasting

Un movimiento pedagógico y el pedagógico en movimiento: las ramas Freireanas de la comunicación y de la radiodifusión comunitaria

*Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Campus Frederico Westphalen. Doutor em Educação. E-mail: <ricardo.cocco@ufsm.br>

**Universidade de Passo Fundo. Professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu/Mestrado-Doutorado). Doutora em Educação. E-mail: <caimi.flavia@gmail.com>


Resumo:

O foco deste estudo recai sobre os movimentos de comunicação alternativos de caráter popular, especificamente os denominados Radiodifusão Comunitária. Tomando como estratégia metodológica a pesquisa bibliográfica, teve-se o objetivo de analisar as contribuições do pensamento educacional de Paulo Freire para a formulação de uma proposta de comunicação potencialmente mais horizontal e participativa no Brasil e na América Latina. Com base na obra de Paulo Freire e em autores do campo da comunicação, destaca-se como principais contribuições Freireanas: a ideia de que comunicar, informar e educar são elementos indissociáveis nos processos de comunicação social; a denúncia acerca das práticas bancárias na educação e na comunicação; o enfrentamento do monopólio da palavra e o encorajamento para que todos/as possam fazer ouvir a sua voz; a premissa de que a inteligibilidade do mundo se constitui na interação homem-mundo; e, por fim, o caráter dialógico da comunicação humana como força motriz de uma proposta de mídia mais democrática.

Palabras-clave: Radiodifusão Comunitária; Comunicação; Paulo Freire

Abstract:

The focus of this study is about alternative popular communication movements, specifically those called Community Broadcasting. Taking the bibliographic research as a methodological strategy, the objective was to analyze the contributions of Paulo Freire’s educational thinking to the formulation of a potentially more horizontal and participatory communication proposal in Brazil and Latin America. Based on the work of Paulo Freire and authors in the field of communication, the following are the main Freirean contributions: the idea that communicating, informing and educating are inseparable elements in social communication; the complaint about banking practices in education and communication; facing the monopoly of the word and encouraging everyone to make their voice heard; the premise that the intelligibility of the world is constituted in the human-world interaction ; and, finally, the dialogical character of human communication as the driving force of a more democratic media proposal.

Keywords: Community Broadcasting; Communication; Paulo Freire

Resumen:

El foco de este estudio recae sobre los movimientos de la comunicación alternativos de carácter popular, específicamente los denominados Radiodifusión Comunitaria. Tomando como estrategia metodológica la pesquisa bibliográfica, se tuvo el objetivo de analizar las contribuciones del pensamiento educacional de Paulo Freire para la formulación de una propuesta de comunicación potencialmente más horizontal y participativa en el Brasil y en América Latina. Con base en la obra de Paulo Freire y en autores del campo de la comunicación, se destacan como principales contribuciones Freireanas: la idea de que comunicar, informar y educar son elementos inseparables en los procesos de comunicación social; la denuncia acerca de las prácticas bancarias en la educación y en la comunicación; el enfrentamiento del monopolio de la palabra y el incentivo para que todos/as puedan hacer oír su voz; la premisa de que la inteligibilidad del mundo se constituye en la interacción hombre-mundo y, por fin, el carácter dialógico de la comunicación humana como la fuerza motriz de una propuesta de media más democrática.

Palabras claves: Radiodifusión Comunitaria; Comunicación; Paulo Freire

Primeiras palavras: um olhar acerca da Comunicação e da Radiodifusão Comunitária

A partir das décadas de 1960-1970, eclodiram, na América Latina, movimentos alternativos de comunicação social que se caracterizaram fundamentalmente pela apropriação dos meios de comunicação de massa por populações e sujeitos marginalizados que, na luta diária para afirmar ou garantir sua existência, reinventam formas de luta e de expressão. Esses movimentos expandiram-se enormemente na década de 1990. Com a premissa de “dar voz aos que não têm voz”, os movimentos adotaram e, em muitos casos ainda adotam, como principais bandeiras de luta, a democratização da comunicação e a superação da noção mecânica de comunicação fundamentada na transmissão de informações de emissores e fontes ativas a receptores passivos. Para isso, propunham a criação de mecanismos de participação e gestão direta e popular na produção de mensagens midiáticas e a criação de estruturas e espaços de comunicação alternativos, a fim de que os sujeitos alijados dos meios de comunicação convencionais pudessem se apoderar de ferramentas para veicular suas posições e para que os receptores também se convertessem em produtores, emissores no processo de comunicação.

Os movimentos de comunicação alternativos de caráter popular que nasceram no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, como afirma Cogo (1999), eclodem, em primeiro lugar, como porta-vozes das insatisfações de movimentos sociais populares, especialmente aqueles ligados à Igreja Católica progressista, alinhados à Teologia da Libertação, como as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), Pastoral da Terra e Pastoral Operária, e de setores da sociedade civil organizada, sindicatos e organizações não governamentais (ONGs). Estes e outros atores coletivos e individuais protagonizam situações de enfrentamento às mazelas sociais que atingiam grande parte da população no continente. Em segundo lugar, colocam-se em oposição aos regimes ditatoriais implantados na América Latina no período para os quais a comunicação massiva se constituiu em um dos principais instrumentos para a propagação e a manutenção de seus programas políticos de poder. Esses movimentos alternativos não se caracterizam, pois, como um tipo qualquer de mídia, mas como uma ação de comunicação popular e cultural que emerge de grupos organizados e que tem um caráter coletivo como modo de “[...] expressão de segmentos empobrecidos da população em processo de mobilização visando suprir suas necessidades de sobrevivência e de participação política com vistas a estabelecer a justiça social” (PERUZZO, 2008, p. 368).

Estamos falando do fenômeno da Comunicação que se convencionou nomear de Comunitária. Trataremos, neste artigo, da Radiodifusão Comunitária, que é subsidiária a esses movimentos alternativos e populares. Fenômeno que carrega consigo uma história, sujeitos, culturas, conflitos sociais, vozes entremeadas e linguagens entrelaçadas no diálogo que se formam em um processo concreto e permanente e, sempre que acionados, (re)inauguram novos movimentos semânticos.

No Canadá são conhecidas como Rádios Comunitárias. Na Europa preferem chamá-las de Rádios associativas. Na África, Rádios rurais. Na Austrália, Rádios públicas. Em nossa América Latina, a variedade de nomes dá conta da riqueza das experiências: educativas na Bolívia, livres [ou Comunitárias] no Brasil, participativas em El Salvador, populares no Equador, indígenas no México, comunais aqui e cidadãs acolá. [...]. Mudam os trajes, mas a tribo é a mesma. Porque o desafio de todas as emissoras é parecido: democratizar a palavra para tornar mais democrática essa sociedade excludente à qual nos querem acostumar os senhores neoliberais. (VIGIL, 2003, p. 397).

Enfim, seja qual for o sobrenome que lhe dão (comunitária, livre, educativa, associativa, guardando as peculiaridades de cada experiência concreta), há um indicativo de que tais mídias tenham extrapolado o simples conceito de rádio, pois sua amplitude, complexidade e propósitos se estendem a outros campos que não apenas o da comunicação social. Nascem, de maneira geral, como alternativa. Configuram-se como um campo de lutas envolvendo atores diversos, comprometidos em práticas comunicativas e na construção de narrativas democratizadoras, de resistência, de rebeldia, de propostas discursivas mais ou menos independentes, mais ou menos plurais e transformadoras, mas que, via de regra, afloram do inconformismo frente a diversas situações de injustiça, opressão, exclusão e silenciamento.

O fenômeno da Radiodifusão Livre e, posteriormente, de cunho Comunitário emerge em meio a uma conjuntura de insatisfação por parte dos movimentos sociais organizados e de acentuadas restrições às liberdades de expressão, em boa parte do continente americano. Foi quase

[...] como se dissesse um “basta” à concentração absoluta dos veículos de comunicação de massa nas mãos dos grandes grupos controladores do poder econômico e político e, ao mesmo tempo, um “precisamos do rádio para fazermos programas voltados para o desenvolvimento de nossas comunidades”. (PERUZZO, 1999, p. 222).

Assim afirmara Vigil (2003), aproximando a genealogia do fenômeno ao cenário histórico latino-americano:

[...] porque nesses quinhentos anos o saque foi múltiplo: o ouro, a prata, as bananas, o petróleo... e a palavra. Os colonizadores de antigamente e os de hoje quiseram sugerir-nos inferioridade e assim reduzir-nos a mudos receptadores dos seus discursos. Não é por acaso que todos os ditadores ordenam silêncio. (VIGIL, 2003, p. 389).

É nesse cenário, em que vozes se encontram silenciadas, que o autor nos interpela:

[...] quem fará ecoar as vozes dos pobres [por exemplo], ou seja, de quatro em cada cinco latino-americanos, de quatro em cada cinco caribenhos? Não queremos ser a voz dos sem-voz, pois o povo não é mudo. Eles sabem muito melhor do que nós o que querem e de que necessitam. Só precisam do canal de expressão, o caramujo tecnológico, o rádio. (VIGIL, 2003, p. 389).

Não se trata de uma ação de dar a palavra aos sujeitos, mas de criar ambientes que sejam favoráveis para a sua manifestação. Com esses propósitos, surgem, na América Latina, o que assentimos denominar de Rádios Comunitárias ou simplesmente RadCom1.

A comunicação social via Radiodifusão de caráter comunitário, no Brasil, é um fenômeno relativamente recente. Instituída sob a égide da legislação de 1998, tem seu nascedouro algum tempo antes, mesmo às margens da lei, nas lutas de resistência dos movimentos sociais dos anos 1970 e na busca de grupos e sujeitos pela ampliação dos processos democráticos que possibilitariam, por meio de novas formas de comunicação e de canais alternativos e viáveis, maior participação popular, promoção da cidadania e formação do cidadão. Apesar dessa “mocidade”, as emissoras de Radiodifusão Comunitária configuram-se como tais depois de um longo itinerário percorrido pelas chamadas Rádios Livres, que colocavam sua programação no ar sem a concessão governamental.

No Brasil, as primeiras transmissões de rádios não-comerciais datam das décadas de 1970 e 1980. “Em 1971, no auge da ditadura, surge a Rádio Paranóica, em Vitória, no Espírito Santo, considerada a primeira emissora livre do Brasil” (SANTOS, 2014, p. 89), tendo sido fechada pela polícia sob a alegação de que mantinha ligação com grupos políticos contrários ao regime militar instaurado em 1964. Essas irradiações refletem, na opinião de pesquisadores, a exemplo de Cicilia Peruzzo (2004), as lutas sociais em uma realidade de carências e inconformidades com o controle centralizado da mídia e com as desigualdades sociais.

Muitas dessas experiências pioneiras são fruto da implantação de serviços de alto-falantes, instalados em pequenos municípios do interior do país ou em comunidades pobres de grandes cidades. Um número significativo dessas experiências materializou-se também em emissoras de baixa frequência, a partir das demandas de expansão no âmbito da informação, mobilização e auto-expressão de organizações comunitárias e populares, além da reflexão e da interação sociocomunicativa, ultrapassando os limites e os interesses da mídia convencional.

O movimento da comunicação radiofônica alternativa no Brasil inspirou-se nas experiências participativas e cooperativas do uso do rádio na Itália dos anos de 1970 e na França dos anos 1980, com um projeto de ampliar o acesso aos meios de comunicação social e a fim de que, ao sair do controle monopolista do capital e do Estado, pudessem ser instrumentos pedagógicos de promoção de aprendizagens e da cidadania por meio da palavra mediada tecnologicamente.

Malerba (2016) indica a existência de três vertentes que, na sua concepção, constituiriam a história da RadCom no Brasil: a eclesiástica, a livre e a comunitária. Em relação à vertente eclesiástica, o autor destaca a movimentação das forças políticas dentro da igreja católica que se alimentavam de ideias ecumênicas e progressistas, especialmente aquelas ventiladas pelo Concílio Vaticano II e que preconizava a possibilidade da utilização dos meios de comunicação com fins educativos e de mobilização social. A vertente livre é marcada por iniciativas juvenis e universitárias e tem também uma conotação fortemente política. Isso quer dizer que, mesmo as ações isoladas, como foi o caso daquela que é considerada a primeira Rádio livre do Brasil, a Rádio Paranóica2, colocada no ar em fevereiro de 1971 e fechada de forma violenta pela polícia seis dias depois de entrar em funcionamento, sob a alegação de que poderia ser uma ação comunista com o objetivo de desestabilizar o regime militar, e outras similares. Desse modo, mesmo as experimentações radiofônicas mais inocentes são ressignificadas “[...] política e verticalmente no momento em que o Estado reprime e nega um direito humano fundamental que, ao contrário, deveria promover” (MALERBA, 2016, p. 13). A eclosão das Rádios livres em finais da década de 1980 e início de 1990 gera, posteriormente, muitas tipologias de emissoras, que vão desde os grupos anarquistas que utilizam o rádio para divulgar suas ideias libertárias, até a proliferação em grande escala e em velocidade espantosa, das emissoras de caráter evangélico, que “[...] formam um grupo fechado, quase à parte de todo o movimento de Rádios livres, ainda que algumas se juntem ao movimento pela democratização da comunicação” (MALERBA, 2016, p. 15). Por fim o autor identifica uma vertente marcada por um projeto político consistente que foi capaz de desencadear experiências coletivas plurais e com um enfoque que vai trabalhar fundamentalmente no terreno da diversidade e sua possibilidade de expressão e reconhecimento. Uma matriz que extrapola os movimentos populares, embora eles continuem em muitos casos a se configurar como tais ou a representar um canal de comunicação, ou, ainda, no mínimo, a ter vínculos orgânicos com os mesmos. Nesse sentido, as experiências radiofônicas que passaram a ser denominadas “Comunitárias” abarcam um leque mais amplo de atores e bandeiras como participação, democratização da comunicação, pluralidade/diversidade e minorias.

Configuram-se, outrossim, de acordo com Cogo (1999, p. 32), em reações ao modelo convencional de comunicação assentado na ação mecânica de comunicação como mera transmissão de fontes ativas para receptores passivos, sistema cimentado em um processo comunicativo, invariavelmente rígido, verticalizado, unidirecional, verbalista e não participativo, características observadas nos convencionais meios de comunicação de massa.

Conforme afirmam Brock e Malerba (2013, p. 1), não se pode definir com uma resposta única a pergunta acerca do que é uma Rádio Comunitária; “[...] pelo contrário, Rádios Comunitárias são experiências sempre singulares e apresentam diferentes trajetórias de práticas e conceitos”. Assim sendo, não se pode reduzir as múltiplas experiências no campo da RadCom a um conceito pleno e acabado, até porque não é razoável diluir os sentidos em conceitos. Determinar uma identidade conclusiva pode configurar-se em uma armadilha.

Dizer, por exemplo, que Rádio Comunitária3 se trata de um serviço de radiodifusão sonora de frequência modulada, de baixa potência e cobertura restrita, como preconiza a legislação4, reflete apenas seu aspecto legal, técnico e/ou operacional, mas não dá conta de sua heterogeneidade, de seu ideário e de sua historicidade.

Vigil (1995), por sua vez, assevera que uma emissora comunitária não pode ser definida pela baixa potência de seu transmissor ou pelo seu reduzido alcance geográfico. Além do mais, afirma o autor, “[…] independientemente del canal por el que se transmita, puede enriquecer la opinión pública y favorecer las relaciones sociales5” (VIGIL, 1995, p. 52). Para ele, tampouco se pode definir uma Rádio Comunitária por contar com uma licença para exercer tal serviço, pois, primeiro, em muitos casos, alguns grupos com interesses econômicos, religiosos ou político-partidários obtêm a concessão e passam a operar o serviço em benefício próprio. E, segundo, muitas experiências comunitárias capitaneadas por aqueles que reclamam o acesso à palavra pública exercendo o direito à comunicação, por questões burocráticas e/ou pressões dos meios audiovisuais comerciais, são postas às margens da lei. Para o autor, a propriedade do meio também não pode ser parâmetro exclusivo para se caracterizar um veículo como comunitário, visto que comunitárias podem ser tanto as emissoras públicas ou privadas, laicas ou confessionais, de propriedade cooperativa ou de organizações populares desde que “[...] haya libertad de expressión y pluralismo de ideas”6 (VIGIL, 1995, p. 53).

Um serviço comunitário de radiodifusão estaria ligado ao seu modo de produção? Para Vigil (1995), não. Segundo ele, para muitos o comunitário está ligado ao artesanal, espontâneo, caracterizado pelo voluntariado e pela presença de aficcionados por rádio e por projetos comunitários. Conforme o autor, o comunitário não se caracteriza pela oposição ao profissionalismo e pela baixa qualidade, pois, se assim fosse, “[...] esquivando la competencia, las radios comunitarias saldrían de la cancha [...], quedarían a la marginalidad”7 (VIGIL, 1995, p. 53). Por fim, uma emissora comunitária não pode ser definida unicamente pela metodologia que adota. Desse modo, não se imagina uma comunitária que não abra seus microfones para as mais variadas vozes da sociedade; no entanto, também emissoras comerciais fazem programas participativos: “No seria justo arrogarnos la invención ni mucho menos la exclusividad de la metodologia interativa”8 (VIGIL, 1995, p. 54).

Vigil (1995, p. 54) então se pergunta “¿Qué hace comunitaria a una radio comunitaria? ¿Cuando se puede dicir que una radio es comunitaria? ¿O que a identifica?”9. E assim responde:

Cuando una radio promueve la participación de los ciudadanos y defiende sus interesses; […] cuando ayuda a resolver los mil y un problemas de la vida cotidiana; cuando em sus programas se debaten todas las ideas y se repetan todas las opiniones; cuando se estimula la diversidad cultural y no la homogeneización mercantil; cuando la mujer protagoniza la comunicación e no es una simple voz decorativa o un reclamo publicitario; cuando no se tolera ninguna dictadura, ni siquiera la musica impuesta por las disquerias; cuando la palabra de todos vuela sin discriminaciones ni censuras; essa es una radio comunitaria.10 (VIGIL, 1995, p. 54).

O movimento de comunicação alternativo e de faceta popular caracteriza-se, portanto, em sua origem como um movimento imbuído de uma carga de enfrentamento em relação ao modelo comunicativo predominante da época, muito embora no seio dos grupos sociais que encabeçaram essas experiências possam ser notadas uma diversidade de motivações e de interesses em relação ao uso e à importância desses veículos. Configuram-se, em geral, como espaços políticos ocupados pelas classes subalternas (em oposição às classes dominantes e que têm o “povo” como protagonista principal e como destinatário) para externar suas concepções de mundo, seus anseios e seus compromissos, instigados por um ideal libertário e com vistas à construção de uma sociedade mais igualitária e de maior justiça social. Tal ideário passaria inevitavelmente pela ocupação ou criação de espaços de comunicação social.

A esses elementos que tomamos como tendo servido de insumo às iniciativas de comunicação alternativa e popular e, de forma especial, às experiências de radiodifusão livres e posteriormente caracterizadas como comunitárias, agrega-se estreitamente uma proposta de caráter educativo. Não se resumem a um movimento político-social ou comunicativo, mas têm raízes profundamente pedagógicas. Dessa forma, independentemente da matriz à qual a iniciativa ou a experiência esteja atrelada, é possível afirmar que o movimento carrega em seu projeto uma dimensão eminentemente política, social e educativa.

E é isso que nos interessa desenvolver neste momento. Não que isso seja alguma grande novidade, visto que, desde o ideal de Roquete-Pinto11, os meios de comunicação radiofônicos já eram pensados em certa medida em sua relação com a educação. No entanto, neste momento, face a essas experiências de RadCom, educação e comunicação cruzam-se e articulam-se de tal forma que não está em discussão apenas uma nova proposta de ensino a distância por meio das tecnologias da comunicação, mas o debate sobre a própria lógica discursivo-formativa presente nos processos comunicativos nos espaços escolares e não escolares e que desencadeiam determinados processos educativos para os quais convergem as propostas político-sociais e comunicativas anteriores.

Admitamos que o que se viu em muitas práticas de RadCom, em parte ou integralmente, tenha sido a reprodução dos padrões da mídia comercial em termos de interesses econômicos e políticos, o que teria distanciado muitas experiências das perspectivas que marcaram suas origens e seus ideários. Em outras tantas, mesmo que a partir de uma extensa pluralidade de estilos e formatos, pode-se constatar a geração de experiências e de espaços que possibilitaram o desenvolvimento de uma das mais vitais necessidades dos seres humanos, sua expressividade. Trata-se de um movimento que reconhece o vigor da palavra e a importância nevrálgica da comunicação enquanto partes essenciais de qualquer processo educativo. Parece-nos pertinente e necessário, então, identificar e descrever os pressupostos epistemológicos e teóricos que nortearam tais processos comunicativos em sua gênese e que, em muitos casos, ainda os orientam. Tomando como estratégia metodológica a pesquisa bibliográfica, o artigo tem como objetivo analisar as contribuições do pensamento educacional de Paulo Freire para a formulação de uma proposta de comunicação potencialmente mais horizontal e participativa no Brasil e na América Latina e para os processos comunicativo-educativos da Radiodifusão Comunitária.

Paulo Freire: um olhar crítico a respeito dos processos de comunicação e extensão

As concepções Freireanas de educação estiveram nas bases dos movimentos de comunicação popular, mesmo que ele não tenha tido pessoalmente uma preocupação ostensiva e direta com o tema. Para Cogo (1999, p. 30), a proposta pedagógica de Paulo Freire não fica restrita à educação formal, sendo a principal inspiradora de experiências de comunicação popular e comunitária, especialmente aquelas vinculadas a movimentos sociais, sindicais e a comunidades eclesiais de base nas décadas de 1970 e 1980. Martín-Barbero (2000) também aponta o autor brasileiro como o teórico mais importante para o pensamento latino-americano na área, destacando que suas contribuições deixaram ressonâncias, no sentido pedagógico e político, em diversas práticas sociais. Para Káplun (1999b), as concepções Freireanas acerca da comunicação estão na raiz das propostas e das experiências de comunicação popular na América Latina. Burgos (2012) também salienta que o pensamento pedagógico de Freire contribuiu de maneira decisiva para a formulação de uma proposta de comunicação potencialmente mais horizontal e democrática e suas proposições formuladas a partir da educação tiveram, especialmente na América Latina, impacto significativo nas teorias da comunicação em geral. A comunicação e a educação, segundo o autor, (re)adquiriram com Freire uma dimensão política. Para Peruzzo (2017), inúmeros conceitos Freireanos possuem aderência à práxis de comunicação popular e comunitária, visto que seus principais escritos, notadamente entre 1960 e 1980, referem-se ao contexto vivido no Brasil, marcado pela “[...] opressão política vigorante na ditadura militar, pelo analfabetismo acentuado, pela extrema pobreza e desigualdade social crescente, além da condição de manipulação político-ideológica da população” (PERUZZO, 2017, p. 3).

Freire referiu-se explicitamente à comunicação no texto Extensão ou Comunicação?12, escrito no Chile em 1969, onde se encontrava na condição de exilado. Nele tratou acerca da postura do agrônomo e do professor em geral e os processos comunicativos e educativos acionados em suas práticas. Posteriormente, ao tratar especificamente do uso dos meios de comunicação na educação, no texto Sobre educação: diálogos II (1984)13, Freire considerou os Meios de Comunicação Social em sua teoria. Assim afirmou Freire: “[...] mesmo quando não falo diretamente sobre eles, eu os considero, por exemplo, dentro do horizonte geral da teoria do conhecimento que venho desenvolvendo nos meus trabalhos sobre educação” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 17). Freire não se preocupou em estudar especificamente os fenômenos e as práticas midiáticas. No entanto, refere-se explicitamente à problemática mais ampla da comunicação humana, de modo que é possível inferir, de suas concepções pedagógicas, uma crítica às formas sob as quais se configuram os meios de comunicação de massa e indicações acerca das possibilidades pedagógicas abertas pelos meios alternativos e comunitários.

Freire frequentemente mostrava-se indignado com a mídia convencional brasileira e sua visão conservadora no trato das questões sociais e com o parco espaço que ela dedicava às questões ligadas à educação, a ponto de, diversas vezes, “[...] negar-se a dar entrevistas, por ver suas respostas desfiguradas no contexto da programação comercial” (MEDITSCH; FARACO, 2003, p. 33). A crítica de Freire sempre esteve muito mais relacionada às formas de utilização e de transmissão das mensagens do que aos meios em si, dado que as mídias não são consideradas em suas reflexões como instrumentos puramente técnicos, mas políticos, pelo uso que se faz delas. Por isso, a necessidade de encarar-se o universo dos meios de comunicação social enlaçado na conjuntura política e socioeconômica. Em uma nota de rodapé na Pedagogia do Oprimido, ele afirma: “[...] não criticamos os meios em si mesmos, mas o uso que se lhes dá” (FREIRE, 2017, p. 189). Ao mesmo tempo que não os demoniza, também não os diviniza. Nas vezes em que se referiu diretamente a eles, por exemplo, em uma das cartas que compõe o texto Pedagogia da Indignação (FREIRE, 2000, p. 47-50), intitulada Alfabetização em Televisão, Freire atribui uma conotação ideológica aos meios de comunicação social, afirmando que, assim como qualquer atividade pedagógica, também eles não são neutros, mas se encontram envoltos por orientações e opções políticas. Não são bons nem ruins em si mesmos. São expressões da criatividade humana, o resultado do avanço da tecnologia. Tanto no ato político quanto no ato educativo trata-se de compreender em torno de que ou a favor de que e do quê, a quem servem, enfim, “[...] a serviço de quem se acham, e, portanto, contra quem e contra o quê desenvolvem suas atividades políticas” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 32). Não se trata de empreender uma luta contra a mídia, para ele “[...] uma luta sem sentido, mas [um esforço em] como estimular o desenvolvimento da curiosidade e do pensar críticos” (FREIRE, 2000, p. 49).

Embora a crítica Freireana atribua um papel decisivo e ideológico aos emissores na construção da comunicação, ele ressalta que, nesse cenário, uma postura crítica e desperta do receptor não pode faltar, tendo em vista que é do que, em um primeiro momento, nós dispomos, mediante o fato de que a mídia, quando em poder de grupos dominantes, busca estabelecer “verdades sonoras e coloridamente proclamadas” (FREIRE, 2000, p. 49). Freire afirma, se referindo à televisão, mas que, de todo o modo, se estende para nossa relação com outros meios de comunicação de massa, que

[...] não podemos nos dispor diante de um aparelho de televisão “entregues” ou “disponíveis” ao que vier [...] e isso não é fácil. Mas, se não é fácil estar em permanente estado de alerta, é possível saber que, não sendo um demônio que nos espreita para nos esmagar, o televisor diante do qual nos achamos não é tampouco um instrumento que nos salva. (FREIRE, 2000, p. 50).

Em Paulo Freire, parece-nos que a afirmação de que comunicação é um ato pedagógico e a educação é um ato comunicativo pode encaminhar a uma compreensão da complexidade e, ao mesmo tempo, das inter-relações entre comunicação e educação e, de modo especial, no cenário da Radiodifusão Comunitária. Isso significa dizer que, para o autor, todo o ato comunicativo é um ato pedagógico por excelência, e toda a ação pedagógica reclama um ato comunicativo. Trata-se de um movimento de criação, de partilha, de sujeitos que falam e, ao mesmo tempo, se constituem a partir desse processo de comunicação discursiva. Essa cumplicidade entre os dois campos ultrapassa as instituições de ensino para penetrar no universo dos meios de comunicação de massa, mas também nas experiências de comunicação engendradas no contexto das práticas associativas, alternativas e comunitárias.

Mesmo que, ao falar de mídia, Freire ainda comumente se referisse aos meios, se pode extrair de sua teoria do conhecimento, ao longo de toda a sua obra, mais precisamente em Extensão ou Comunicação? (1977) e Pedagogia do Oprimido (201714), elementos que nos auxiliam a tecer reflexões acerca dos processos de comunicação15, a fim de compreendermos o quanto suas posições epistemológicas inspiraram as práticas comunicativas no campo da Comunicação e da Radiodifusão popular e comunitária.

Sua crítica versava sobre a utilização da mídia não como meio de comunicação, mas quando se prestava e se reduzia à transmissão de informações e comunicados. O fenômeno comunicativo, para o autor, não se esgota em conceitos ou critérios como canais, meios, códigos, mensagens ou informações, mas se configura a partir do modo como os homens, por meio da palavra, instauram o mundo e a si mesmos. Propunha, dessa forma, a necessidade de pensar-se epistemologicamente, quer dizer, considerar a matriz dialogal como ancoragem normativa para o processo de comunicação, seja ela mediada tecnologicamente ou não. Tal perspectiva abriria caminhos para legitimar a construção e a sustentação de processos comunicativos coletivos e comunitários nos quais os sujeitos pudessem “[...] re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer sua palavra” (FIORI, 2017, p. 17).

Freire atribui um peso incomensurável à palavra, com a qual o homem, segundo ele, se faz homem. Ela tem um poder criador, um dinamismo semântico e uma força pragmática. É por meio dela que o homem assume sua condição humana, cria cultura, expressa e elabora o mundo. “A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa [...], não é no silenciar que os homens se fazem” (FREIRE, 2017, p. 108). No entanto, muito além de um instrumento, é a palavra a origem de toda a comunicação. E comunicação, como ele a entende, é um “[...] encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 2017, p. 69). Isso quer dizer que comunicação implica uma reciprocidade, um encontro de homens que, mediatizados pela realidade que os cerca, pronunciam o mundo do qual compartilham. O mundo social e humano não existiria se não fosse um mundo de comunicabilidade, fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano. Inteligibilidade e comunicação dão-se simultaneamente. Não há inteligibilidade que não seja na comunicação e a tessitura de todo processo comunicativo funda-se na intersubjetividade. Não é possível, para o autor, pensar ou conhecer no isolamento, no silêncio, uma vez que não há homem isolado, tampouco vazio.

Os sujeitos envolvidos no diálogo pronunciam o mundo e a si mesmos trazendo-o à significação. A inteligibilidade do mundo não vem à tona por um processo mágico ou puramente individual, mesmo que não se descarte que haja um esforço pessoal em todo e qualquer processo cognoscente, mas este é eminentemente coletivo, interacionista, intersubjetivo. A palavra é diálogo, é lugar de encontro, expressa e elabora o mundo em comunicação e colaboração. A palavra cria um espaço de constituição dos sujeitos e de seus saberes. O homem é um ser da palavra. O homem constitui-se ao dizer a palavra. Ao mesmo tempo, ela é algo mais do que um meio capaz de desencadear o diálogo, é ela própria diálogo existencial. Dessa forma, o monólogo é a negação do homem, uma vez que, para Freire, “[...] os homens não podem ser fora da comunicação, pois que são comunicação” (FREIRE, 2017, p. 172). Só o diálogo comunica, o monólogo transmite. A comunicação, para Freire, configura-se na coparticipação e no protagonismo dos sujeitos no ato de compreender a significação dos significados. Como diz Riccordi (2000, p. 1), “[...] o falar é estruturador da própria realidade. É da essência da linguagem estar ancorada ao cotidiano, à vida diária, expressando e dando sentido às vivências”. Freire considera que o homem não existe fora do diálogo, e este consiste no movimento que impulsiona o próprio existir humano que se constitui no estabelecimento de relações com outros homens e com suas circunstâncias (a temporalidade e a historicidade). O diálogo, para Freire (2017, p. 109), “[...] é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, (que se encontram) para pronunciá-lo”.

Nessa perspectiva, para Paulo Freire, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens. Nessa direção, Burini, Moura e Affini (2011, p. 171) afirmam que ela é “[...] utilizada por todas as classes”. Ocorre que, em um cenário de luta de classe, ela é transformada em instrumento “[...] de que fazem uso os componentes da classe dominantes para exercer sua hegemonia” (BURINI; MOURA; AFFINI, 2011, p. 171). Em uma relação em que dominadores mantêm o monopólio da palavra e dizem sua palavra, fazendo uso dos diversos mecanismos dos quais se apropriaram, inclusive da mídia de massa, sem considerar a palavra do outro, se institui uma “cultura do silêncio” (FREIRE, 2017, p. 82). Para Freire, nessa condição, encontrar-se-iam as camadas subalternas, sobre quem recai o peso dos comunicados, orientadas pela prescrição de uma palavra transmissora de uma ideologia da acomodação, da passividade e do imobilismo.

Nessa relação dual entre dominantes e dominados, assim entendida por Freire, alguns dizem a palavra e outros, docilmente, enquanto espectadores, tendem a ouvir, a esperar pacientemente. Aos oprimidos é-lhes negada a palavra, ou os espaços para que sua palavra venha a tornar-se socialmente audível. Expropriados de seu bem mais precioso, daquilo que o faz homem, a palavra, o indivíduo apequena-se e é transformado em depósito da palavra do outro, do conhecimento do outro, dos sentidos dados ao mundo pelo opressor. Quanto mais controlam os oprimidos, mais os transformam em coisa, em algo como se fossem inanimados. Coisas porque, despidos de sua dimensão mais própria, convertem-se em depósitos de “comunicados”. Para Freire (2017, p. 79), “[...] quanto mais analisamos as relações educador-educando, na escola, em qualquer um dos níveis [ou fora dela16], parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras e dissertadoras”. Narração ou dissertação que implica um sujeito, o narrador e objetos pacientes, ouvintes, “vasilhas”, “recipientes a serem enchidos”. O saber “[...] é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber” (FREIRE, 2017, p. 81). Nessa concepção, que Freire denomina de bancária, em lugar de comunicar-se, os homens fazem comunicados e a margem de ação dos que são silenciados pela voz do opressor, “[...] é a de receberem os depósitos, guardá-los, arquivá-los” (FREIRE, 2017, p. 81) e repeti-los como verdades absolutas. Para Lahni (2008, p. 36), parafraseando Freire, “[...] na cultura do silêncio, pensar é difícil, dizer a palavra impossível”. Essa concepção bancária é aplicável a uma mídia de massa que anseia transformar seu público em meras “[...] latas vazias que vão sendo enchidas de conteúdos” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 154).

O Patrono da Educação brasileira17 destaca que a ação antidialógica que não reconhece os indivíduos como sujeitos do conhecimento ignora e impede o desenvolvimento do potencial criativo dos homens, obrigando-os a unicamente memorizar e a reproduzir o que lhes foi narrado. Essa situação contribui, em alguma medida, para que eles desenvolvam, em relação ao seu mundo e aos outros, uma postura apática, não crítica, e permaneçam mergulhados no senso comum, na opinião fragmentada e superficial, não alcançando um conhecimento de conjunto, radical e constantemente revisitado. A aposta é na “absolutização da ignorância” (FREIRE, 1977, p. 46).

Os sistemas educativos e midiáticos que se orientam sob a égide da transmissão e as práticas pedagógicas que se baseiam nela se desenvolvem em meio a um formalismo oco, constituindo-se em uma espécie de “assistencialismo educativo” (FREIRE, 1977, p. 80). O narrador, nessa perspectiva, esforça-se para entregar um produto, no caso um conhecimento, um saber, uma informação, como se tratasse de algo já feito, pronto, elaborado, acabado, terminado. Este, do ponto de vista de Freire, é o grave equívoco gnosiológico da extensão: “[...] o conteúdo estendido se torna estático” (FREIRE, 1977, p. 26). O esforço do assistido, do ouvinte, por sua vez, estaria concentrado em guardar e em reproduzir passivamente aquilo que recebe. Esse movimento unilateral, de um emissor que fala e um receptor que escuta e reproduz o que recebe da forma como recebe, e que considera os sujeitos sociais e pedagógicos como fixos, essenciais ou inflexíveis, para Freire, tende a gerar um efeito anestésico nos envolvidos no processo. Em tal narrativa verbalista, tanto receptor, na condição de assistido ou assistente, quanto emissor, dissertador de um saber, distanciam-se e alienam-se de suas práticas cotidianas e históricas e a elas não voltam suas reflexões e esforços a fim de compreendê-las de forma esclarecida e crítica.

Ademais, práticas assistencialistas implicam, no fundo, obstáculos à transformação; constituem-se, assim, em instrumento de dominação, frustrando as expectativas de que os dominados se reconheçam como dominados e tomem consciência da condição em que se encontram. De fato, material e intelectualmente, tal concepção que rejeita a educação como uma situação gnosiológica “[...] é rígida, dogmática e autoritária [...], para dominar, o dominador não tem outro caminho senão negar às massas populares o direito de dizer sua palavra” (FREIRE, 2017, p. 170).

Freire ressalta, por inúmeras vezes, que a ação antidialógica da qual se servem os invasores para lograrem seus objetivos e persuadirem os invadidos não se faz pela comunicação, mas centra-se em propagandas, slogans e comunicados, “significados” que se esgotam em seu dinamismo transformando-se em conteúdos estáticos, cristalizados. A crítica dirigida aos que se valem dos veículos denominados por ele de “meios de comunicação com as massas” (FREIRE, 2017, p. 189), ou “meios de comunicados às massas” (FREIRE, 1977, p. 72), consiste na crença inabalável de que a inteligibilidade do mundo é uma doação, uma concessão, levada às massas por propagandas bem organizadas, bem embaladas, técnicas de propaganda e de persuasão e slogans que obedecem uma verticalidade aparentemente inquebrantável de emissor-receptor. Uma pedagogia dos depósitos, “[...] como se o depósito deste conteúdo nelas [nas massas] fosse realmente comunicação” (FREIRE, 2017, p. 189). Para Freire, os meios de comunicação de massa tendem ao extensionismo, ao reduzirem sua ação a um ato de transmissão ou de extensão sistemática de um saber.

Se um sujeito é transformado em paciente de comunicados, não há comunicação. “É indispensável ao ato comunicativo, o acordo entre sujeitos, reciprocamente comunicantes. A expressão verbal dos sujeitos tem de ser percebida” (FREIRE, 1977, p. 67), ouvida, respeitada, considerada no encontro em que sujeitos buscam a significação dos significados, e não silenciada, aviltada, dirigida ou ignorada. No processo de extensão, “[...] o máximo que se pode fazer é ‘mostrar’, [...] aos indivíduos, uma presença nova: a presença dos conteúdos estendidos” (FREIRE, 1977, p. 28).

A estrutura da ação antidialógica, marcada pela extensão como um fazer em que está implícita a “[...] ação de levar, de transferir, de entregar, de depositar algo em alguém” (FREIRE, 1977, p. 26) e que ressalta uma conotação visivelmente mecanicista, é descrita por Freire (1977) conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1 Análise de Paulo Freire ao termo “Extensão” 

Extensão............................Transmissão.
Extensão...........................Sujeito ativo (o que estende).
Extensão...........................Conteúdo (o que é escolhido por quem estende).
Extensão...........................Recipiente (do conteúdo).
Extensão.........................Entrega (de algo que é levado por um sujeito que se encontra “atrás do muro” àqueles que se encontram “além do muro”, “fora do muro”. Daí que se fala em atividades extramuros).
Extensão ……………….Messianismo (por parte de quem estende).
Extensão ………………Superioridade (do conteúdo de quem entrega).
Extensão ………………Inferioridade (dos que recebem).
Extensão ………………Mecanicismo (na ação de quem estende).
Extensão ………..……Invasão Cultural (através do conteúdo levado, que reflete a visão do mundo daqueles que levam, que se superpõe à daqueles que passivamente recebem).

Fonte:Freire (1977, p. 22).

A ação que Freire intitula antidialógica assenta-se, segundo o autor, em alguns elementos, a saber: conquista; dividir para manter a opressão; manipulação e invasão cultural.

O primeiro caráter é a necessidade da conquista: massas conquistadas, massas espectadoras seriam, para ele, passivas. Essa conquista poderia dar-se de muitas formas, “[...] desde as mais repressivas às mais adocicadas como o paternalismo” (FREIRE, 2017, p. 186). Para ele, uma situação de opressão perpetua-se quando o opressor propõe às massas um conjunto de “verdades” e mitos como algo dado ao qual todos devem se ajustar. Os meios de comunicação, que invariavelmente estão sob o controle das classes dominantes, tenderiam a reforçar essa “sloganização” ao tornarem-se instrumentos de propagação desse “mundo de engodos” (FREIRE, 2017, p. 187).

O segundo caráter da ação antidialógica diz respeito à mecânica de dividir as massas para enfraquecê-las e, assim, manter a opressão. Conceitos de “[...] união, organização, de luta, são timbrados, sem demora, como perigosos” (FREIRE, 2017, p. 190) e, portanto, não incentivados e até reprimidos, ou por uma maquinaria burocrática estatal, ou por ações culturais e midiáticas por meio das quais as massas são manejadas. Aqui há uma conotação messiânica por meio da qual os dominadores se apresentam como salvadores dos homens a quem desumanizam. Diz Freire (2017, p. 196), “[...] o que eles querem é salvar-se a si mesmos (manter o status quo). É salvar sua riqueza, seu poder, seu estilo de vida, com que esmagam os demais”.

Uma terceira característica da ação antidialógica é a manipulação. Por meio de táticas de manejo, inclusive com a utilização dos meios de comunicação de massa, as elites dominadoras distraem as massas, fazem com que os dominados aceitem sua palavra, sua versão sobre a realidade, de tal forma a “[...] anestesiar as massas populares para que não pensem” (FREIRE, 2017, p. 2000) e inoculando no oprimido o sonho do êxito pessoal do burguês. Por fim, aqueles que propagam a ideia de que são “superiores” penetram no universo cultural dos considerados “inferiores”, impondo a estes sua visão de mundo, de modo que o invadido adere ao invasor a ponto de querer “[...] parecer com aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo” (FREIRE, 2017, p. 207). As próprias instituições (família, escola, meios de comunicação) acabam funcionando como agências formadoras de futuros “invasores” e reafirmando o fato de que apenas alguns têm o privilégio ou a capacidade de ter visão de mundo e expressá-la aos outros18.

Paulo Freire adota uma postura política muito clara em defesa de um processo educativo-comunicativo que gere transformação social, e que propicie ambiente favorável à formação do sujeito autônomo, capaz de pensar criticamente e não somente memorizar e repetir. Para ele, um processo educativo que alcance tal intento só é possível na medida em que se reconheça a educação e a comunicação como situações gnosiológicas, fundamentadas em uma relação marcada pelo respeito e pela consideração aos saberes do outro e em torno de situações reais, concretas e existenciais. Ao propor o rompimento dos fluxos unilaterais de comunicação, a interação (emissor-receptor) tende a converter-se em uma situação epistêmica, abrindo caminhos para um pensar problematizador, que se dá a partir do diálogo comunicativo, no campo da comunicação. Somente na comunicação – e não na extensão – a vida humana tem sentido. Interação não se dá por um emissor que fala e um receptor que escuta, mas significa encontro entre sujeitos que compartilham experiências, de forma presencial, ou mesmo hoje, ainda que seja a distância, por meios artificiais e mediados pelo objeto de conhecimento, ressignificado constantemente.

Freire destaca que o esforço exigido no processo de problematização deriva de uma decisão, de uma opção político-pedagógica dos sujeitos; desse modo, não é oriundo de uma iluminação ou de qualquer forma de doação ou concessão, e não se configura como um entretenimento intelectualista ou uma fuga da ação. Ao contrário, revela-se como um compromisso com a reflexão e com a ação, pois é inseparável tanto do ato cognoscente quanto das situações humanas concretas. Parte da ação e a ela retorna com um olhar crítico, capaz de transformá-la. Não se pode falar em problematização e comunicação sem a presença visceral da realidade vivida, do mundo da cultura, da história, enfim, daquilo que resulta das relações homem-mundo e que condiciona seus próprios criadores, os homens.

No entanto, a atitude problematizadora em torno do homem-mundo, além de exigir um compromisso político, uma opção pela transformação social e um engajamento sócio-histórico, pressupõe uma postura de humildade. Uma atitude humilde não significa subserviência ou passividade, mas pressupõe fundamentalmente o reconhecimento da ignorância e o respeito aos saberes e vozes dos outros. Mais do que isso, implica um posicionamento de abertura ao diferente, ao diálogo, uma ativa e reflexiva posição de re-admirar-se constantemente a partir daquilo que é problematizado. Os sujeitos, nessa perspectiva, estariam sempre aprendendo, e sempre haveria algo a aprender e a significar.

Freire então aponta o que considera como sendo os princípios de uma ação dialógica: co-laboração, união, organização e síntese cultural. Esses elementos tiveram grande repercussão nas propostas e nas práticas político-pedagógicas e comunicativas do movimento de comunicação popular e de Radiodifusão Comunitária. Para Freire, é na co-laboração (FREIRE, 2017, p. 226) que pode realizar-se a comunicação. Sujeitos encontram-se para pronunciar o mundo, sem que haja imposições, manejo, domesticação ou sloganização. Essa postura co-laborativa desencadeia uma aproximação entre os oprimidos que compartilham de situações concretas semelhantes. “Para que os oprimidos se unam entre si é preciso que cortem o cordão umbilical, de caráter mágico e mítico, através do qual se encontram ligados ao mundo da opressão” (FREIRE, 2017, p. 239). Para o autor, pronunciar o mundo é um aprendizado e não é possível que se faça com autoritarismo, nem com licenciosidade, mas é um momento “[...] altamente pedagógico em que a liderança e o povo fazem juntos” (FREIRE, 2017, p. 245). Uma ação cultural dialógica pressupõe a superação de qualquer ação dirigida ou induzida. Isso, por outro lado, não implica a supressão de toda e qualquer diferença em termos de autoridade e nível de consciência dos envolvidos. Entretanto, é uma ação em que não se entrega nada, não há espectadores, não há modelos impostos, não se nega as diferentes visões de mundo, os sujeitos co-participam no ato de compreender a significação dos significados.

Pressupostos Freireanos ressonantes na Comunicação e na Radiodifusão Comunitária

Para cumprir seus objetivos, todo processo que se quer educativo deveria, segundo Freire (1977), dar lugar à manifestação interativa dos sujeitos que ora se convertem em educandos e, ao mesmo tempo, em educadores, em lugar de confiná-los a um mero papel de espectadores, receptores ou ouvintes. Nesse sentido, segundo o autor, se a educação configura-se como uma relação entre sujeitos cognoscente, mediados pelo objeto cognoscível, necessariamente ela é um “quefazer problematizador” (FREIRE, 1977, p. 81), em que ambos reconstroem e re-significam igual e permanentemente seus saberes e como sujeitos no mundo permanentemente, na interação face aos sentidos daquilo que foi problematizado. Mudança de postura, de uma “cultura do silêncio” das maiorias, ou de uma cultura da submissão, do cidadão ausente, de um cidadão sem voz, para uma cidadania ativa, participativa e dialogada. Tal processo criaria condições favoráveis para esses sujeitos gerarem suas próprias mensagens, de forma autônoma, não individual, mas coletivamente, a fim de que pudessem apresentar, por sua vez, outras formas de representar o mundo acerca do qual e no qual nos comunicamos. Nesse sentido, o autor entende que a chamada unidirecionalidade de um canal de comunicação é discutível. Segundo ele, “[...] a televisão, por exemplo, não é necessariamente, imutável, unidirecional. E é evidente o que estou dizendo: pode-se usar a televisão com ida e volta” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 32), e isso se estende a todos os outros meios de comunicação social.

No que diz respeito aos pressupostos basilares da teoria Freireana, Peruzzo (2017) identifica elementos que podem ter deixado ressonâncias, em sentido político e pedagógico, nas práticas sociais ao longo das últimas décadas, especialmente àquelas ligadas aos movimentos de comunicação alternativos, populares e comunitários. A autora começa identificando a crença de Freire na capacidade do ser humano como “realizador e protagonista” (PERUZZO, 2017, p. 6). Para ela, Freire destaca-se pelo fato de insistir na ideia de que aprendemos uns com os outros, em uma relação de sujeitos que agem a partir de suas condições objetivas de vida e a partir de sua vocação para serem sujeitos que se realizam na comunicação dialógica. A autora afirma que, no interior da dinâmica da sociedade e ao longo da história, além de situações de conformidade e submissão, fazem parte atitudes críticas e as reações perante cenários de opressão. Por exemplo, antes mesmo do esgotamento do regime militar no Brasil, “[...] paralelamente ao controle dos grandes meios de comunicação pelas forças econômicas e políticas do exercício do poder, surgem manifestações de comunicação do próprio povo” (PERUZZO, 2017, p. 7), apontando para os movimentos de comunicação alternativos, populares e comunitários, inclusive no campo da radiodifusão, que passaram a produzir e a difundir mensagens que não encontravam espaço nas mídias convencionais.

Peruzzo (2017) ainda nos reporta ao que ela considera ser a perspectiva epistemológica do conceito de comunicação em Paulo Freire: a comunicação como diálogo. É reconhecer o outro como sujeito para além de uma ação interior do indivíduo, que nos remete à reciprocidade em direção a uma ação social que visa à compreensão e à transformação da realidade. A questão do diálogo está no núcleo fundamental das ideias de Freire. Todo e qualquer processo educativo deveria ser encarado, desse modo, como uma relação entre homens que se encontram em uma busca pela inteligibilidade de um mundo que ambos partilham e para o qual ambos estão voltados. A possibilidade de leitura e de compreensão do entorno permite um reconhecimento da própria situação, uma reapropriação do que tradicionalmente tem estado marginalizado. Nesse ponto, Freire e Guimarães (2011, p. 154) afirmam que “[....] o meio de comunicação é a forma, a maneira, a ponte que o indivíduo tem para se apresentar ao outro, para mediatizar a relação entre um e outro”.

Para Burgos (2012, p. 2), o que Freire faz é “[...] defender que o desafio fundamental para os oprimidos do Terceiro Mundo, consistia em ‘seu direito à voz’ ou seu ‘direito de pronunciar sua palavra’, ‘direito de auto expressão e expressão do mundo’, de participar, em definitivo, do processo histórico da sociedade”. Dessa matriz de pensamento, segundo ele, decorrem as lutas de comunicadores, educadores e grupos latino-americanos para configurar uma proposta de comunicação mais horizontal, democrática e participativa. A matriz teórica da comunicação como diálogo é impensável no contexto da comunicação de massa, invariavelmente unidirecional e centralizada. O que Freire aponta é que os meios de comunicação social atrelados aos interesses mercadológicos tendem a não favorecer um processo de comunicação que se funda no diálogo. “Os dominadores mantêm o monopólio da palavra com que mistificam, massificam e dominam. Nesta situação, os dominados, para dizerem sua palavra, têm que lutar para tomá-la” (FIORI, 2017, p. 30). Para Freire, só haverá diálogo no momento que aqueles que se encontram negados no direito de dizer sua palavra reconquistem esse direito, pois “[...] não é possível o diálogo entre os homens que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados neste direito” (FREIRE, 2017, p. 109). É no diálogo, e não na imposição de “verdades” de uns sobre os outros, nem ao menos no ato de depositar ideias de um sujeito no outro, que os homens significam e compreendem a si próprios e ao mundo que os cerca.

Dentre os vários pesquisadores latino-americanos envolvidos no tema da Comunicação e da Radiodifusão Comunitária e inspiradores desses movimentos, o argentino Mário Kaplún se destaca como um estudioso da vertente comunicacional Freireana. Ao referir-se ao fenômeno da comunicação do tipo alternativa e popular que se proliferou na América Latina a partir da década de 1980, o autor afirma tratar-se de uma comunicação potencialmente “[...] libertadora, transformadora, e que tem o povo como gerador e protagonista” (KAPLÚN, 1985, p. 7). Ao ressaltar os aspectos educativos desse tipo de processo comunicativo, o autor esclarece que as mensagens são produzidas “[...] para que o povo tome consciência de sua realidade ou para suscitar uma reflexão, ou ainda para gerar uma discussão” (KAPLÚN, 1985, p. 17). Eles poderiam, nessa perspectiva, ser concebidos como “[...] instrumentos para uma educação popular, como alimentadores de um processo educativo transformador”. Ao refletir sobre o emprego dos meios de comunicação na educação, Kaplún (1999a) afirma:

[...] bem-vindos sejam, desde que aplicados crítica e criativamente, a serviço de um projeto pedagógico, ultrapassando a mera racionalidade tecnológica; como meios de comunicação e não de simples transmissão; como promotores do diálogo e da participação; para gerar e potencializar novos emissores mais que para continuar fazendo crescer a multidão de receptores passivos. Enfim, não meios que falam, e sim meios para falar. (KAPLÚN, 1999a, p. 74).

Em uma pesquisa apresentada em 2015 no 24º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), intitulada Ideias de Paulo Freire aplicadas à comunicação popular e comunitária, Peruzzo (2017) aponta o que considera como pressupostos e princípios Freireanos aderentes à práxis da comunicação libertadora e que foram incorporados pela comunicação popular. Esses elementos parecem-nos constituir uma contribuição muito significativa para pensarmos a ancoragem das propostas pedagógicas Freireanas às práticas sociais levadas à cabo pelo movimento de comunicação popular e pelas RadCom.

Para a autora, fica claro que um dos mais explícitos pressupostos Freireanos aderentes à comunicação popular é a democratização da cultura. Isso não significa dizer que ele defendia uma vulgarização ou popularização dos bens culturais, ou de que seja necessário doar ao povo aquilo que é produzido em ambientes acadêmicos. Trata-se, isso sim, do reconhecimento de que “[...] o povo também é produtor de cultura” (PERUZZO, 2017, p. 3), pois cultura é toda a criação humana. Não bastam, portanto, palavras bonitas sobre comunicação e educação se elas não forem incorporadas às práticas sociais.

Não menos importante, outro pressuposto citado pela autora refere-se à consciência crítica –a necessidade de que os sujeitos se tornem protagonistas da cultura e da história a partir de um processo educativo que “[...] ultrapasse o ler e o escrever palavras, mas possibilite também a leitura de mundo” (PERUZZO, 2017, p. 4), de modo que o conhecimento tende a aperfeiçoar-se na problematização crítica da realidade. Peruzzo aponta para o fato de que Freire insiste na crítica à cultura do silêncio e ao mudismo instituído na cultura brasileira desde os tempos coloniais. Considera que a educação das massas não tenha uma roupagem domesticadora, mas que favoreça aos sujeitos “[...] sair da condição da desinformação, manipulação e ignorância” (PERUZZO, 2017, p. 5), a fim de que possam libertar-se da condição de pensar com a cabeça das classes dominantes. Por fim, ao tratar dos pressupostos Freireanos aderentes à práxis da comunicação libertadora, Peruzzo lembra a fala de uma senhora que participou de um curso de alfabetização popular no Recife, no qual ela afirmou que ler e escrever lhe permitiria “deixar de ser sombra dos outros” (PERUZZO, 2017, p. 5). A leitura do mundo e da palavra tem a ver com a re-escrita do mundo e sua transformação.

Peruzzo ainda destaca que alguns dos princípios Freireanos foram incorporados pelas diversas práticas de comunicação popular, inclusive pelas RadCom, mesmo que isso não tenha sido realizado de forma generalizada. Para a autora, a comunicação popular incorporou o princípio do diálogo “[...] ao introduzir a horizontalidade, ao transformar receptores em emissores-receptores e ultrapassar a ideia de que existe comunicação apenas quando ela se dá por intermédio de artefatos tecnológicos ou de ‘meios’ de comunicação” (PERUZZO, 2017, p. 9-10). Ela reafirma a ideia de que a interlocução com a sociedade se amplia com a apropriação das tecnologias da comunicação que podem fazer ressoar as vozes dos segmentos subalternos quando estes os usam para falar dos seus problemas, anseios, conquistas, demandas, e concepções de mundo advindas de fontes diversas, não apenas com a finalidade de construir consensos, mas de produzir espaços de diálogo na diferença.

A comunicação comunitária pode ser um ambiente de produção de conhecimento, um lugar de encontro na dinâmica da vida cotidiana, quando, segundo a autora, atende ao princípio da pessoa-sujeito. Peruzzo argumenta ainda que a comunicação, no contexto dos movimentos populares e comunitários, se ancora no direito do sujeito de comunicar a partir de sua própria voz, de seus saberes e de seu contexto. Segundo a autora, “[...] o próprio resgate da voz, do poder de se manifestar e de ser ouvido, antecede e vai além da utilização dos aparatos tecnológicos, mas os inclui” (PERUZZO, 2017, p. 11). Além disso, o que ocorre são processos comunicativos imersos em práticas sociais, o que nos leva a inferir que nos processos de comunicação está implicado sempre o princípio da comunicação-ação (o que ultrapassa a noção do uso que se faz dos meios de comunicação ou da noção de que eles são instrumentos para determinados fins), pressupondo que os meios são espaços onde se entrelaçam práticas pedagógicas, porque comunicação e educação são dimensões indissociáveis.

Por fim, merecem destaque, na pesquisa (PERUZZO, 2017), os princípios da aderência à realidade e da comunicação e transformação social. Quando fala em aderência à realidade, a autora aponta que é observável em práticas de trabalho comunitário, tanto em conceitos como em dinâmicas de trabalho, o respeito e a sintonia com a realidade das pessoas envolvidas, além do vínculo local como ponto de partida, sempre atento ao alerta Freireano em relação à “[....] ênfase localista dos problemas e não na visão deles como dimensão de uma totalidade” (FREIRE, 2017, p. 191). No que tange ao princípio da comunicação e transformação social, Peruzzo (2017) destaca que a comunicação popular, alternativa e comunitária só pode ser compreendida tendo como mirante as dinâmicas mais amplas de mobilização social.

Não é possível entendê-la se a tomamos apenas como meio, como instrumento, que serve para transmitir mensagens aos outros, apesar de esta ser a noção predominante nos estudos do campo da Comunicação, compreensão derivada de teorias que a entendem como um ciclo que interconecta emissor, canal e receptor. Também não é oportuno esperar uma comunicação popular e comunitária apenas mediática, que se vale de instrumentos tecnológicos, como, em geral, os estudos identificam. (PERUZZO, 2017, p. 14).

O que está em jogo são visões de mundo e dimensões distintas em relação ao lugar do ser humano na história e o tipo de sociedade que se quer e que se defende. Para Freire, há de escolher-se entre duas opções que se opõem e estão em constante conflito. Uma ação cultural que se funda no diálogo e outra na dominação. Segundo Peruzzo (2017, p. 15), é importante a tomada de posição em favor da transformação social,

[...] mas caberia perguntar: a transformação realmente ocorre? Ao se engajar no processo de comunicação, a pessoa se desenvolve e ajuda a desenvolver a comunidade. Aprende a compreender o seu entorno. Do relacionamento com o poder público municipal compreende o funcionamento do poder. Aprende a falar em público. Desenvolve a autoestima. Aprende a se relacionar em grupo. Apreende as possibilidades de manipulação da mídia. Aprende sobre o poder dos meios e assim por diante. Do ponto de vista coletivo, há melhoria nas condições de vida, no desenvolvimento do conhecimento e do poder popular, aspectos que se somam ao próprio desenvolvimento comunitário.

A matriz pedagógica-epistemológica do projeto comunitário de comunicação poderia ser assim traduzida, tendo em vista as palavras de Kaplún (1998, p. 64), o qual diferencia os processos de comunicação e os de transmissão/informação. Ele afirma que “[…] comunicación es el processo por el cual un individuo entra en cooperación mental con otro hasta que ambos alcanzan una conciencia común. Información, por el contrario, es cualquier transmisión unilateral de mensajes de un emisor a un receptor19”. Por isso, o autor

[...] rechaza que esa irradiación de mensajes procedentes de informantes centralizados y sin retorno de diálogo pueda ser identificada con la comunicación humana. Para los teóricos e investigadores latinoamericanos, los medios masivos tal como operan actualmente en su casi totalidad no son ‘medios de comunicación’, sino ‘medios de información’ o ‘de difusión’. [...] Así como Freire cuestionó la educación ‘bancaria’, la verdadera comunicación no está dada por un emisor que habla y un receptor que escucha, sino por dos o más seres o comunidades humanas que intercambian y comparten experiencias, conocimientos, sentimientos (aunque sea a distancia a través de medios artificiales). Es a través de ese proceso de intercambio como los seres humanos establecen relaciones entre sí y pasan de la existencia individual aislada a la existencia social comunitaria.20 (KAPLÚN, 1998, p. 64).

Acrescenta Kaplún (1999a, p. 74), que “[...] educar-se é envolver-se em um processo de múltiplos fluxos comunicativos. O sistema será tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicacionais que saiba abrir e por à disposição dos educandos”. Uma comunicação educativa e comunitária concebida a partir dessa matriz pedagógica teria como uma de suas funções capitais a provisão de estratégias, meios e métodos destinados a promover a geração de vias mais horizontais de interlocução entre os sujeitos.

Epílogo

Comunicar, informar e educar não podem ser compreendidos como instâncias separadas, antagônicas ou momentos distintos de um processo hierárquico. Freire e Guimarães (2011, p. 152) afirmam que não há uma “[...] fronteira geográfica do tipo ‘até aqui eu informo, a partir daqui eu passo a educar [...]. Não existe essa questão do ‘eu simplesmente informo’, ou ‘eu faço mais do que isso, eu educo”. Comunicar, informar e educar constituem-se, de uma forma ou outra, para os autores, como partes de um amplo e complexo processo pedagógico. Isso quer dizer que, mesmo não considerando os meios de comunicação como formalmente educativos, na realidade eles estão de sobremaneira, ainda que não de forma sistemática como a escola o faz, desenvolvendo um papel educativo, seja ele de que forma for.

Isso posto, cabe encerrar este artigo apontando alguns elementos que corroboram a tese de que Freire foi e ainda hoje é uma das mais sentidas influências no que diz respeito à construção de uma epistemologia no campo da educação e que inspirou fortemente boa parte das experiências de comunicação comunitária no Brasil e na América Latina. Inicialmente porque ele denuncia o efeito silenciador dos discursos dos grupos que controlam os meios de comunicação de massa e que enfatizam uma percepção fatalista da história e imobilista do homem. É contrário a qualquer fatalismo: “destino, sina, fado, vontade divina” (FREIRE, 2017, p. 67). Práticas bancárias de educação e comunicação, segundo ele, tendem a enfatizar tal dimensão fatalista. Defendeu a propagação de práticas educativas e comunicativas que proponham aos homens sua situação como problema, a partir da perspectiva de um homem que tem voz, produz cultura e que é histórico. “Homens em situação” (FREIRE, 2017, p. 117), existencial, concreta, presente, como problema e pauta das preocupações.

Além do mais, para Freire (2017), a educação e a comunicação que se pretendem problematizadoras configuram-se como um movimento de luta pela palavra. Em uma realidade excludente, propõe um “enfrentamento ao monopólio da palavra dos dominadores” (FREIRE, 2017, p. 30) e um encorajamento aos dominados para que se esforcem para dizerem sua palavra, nem que para isso tenham de lutar para conquistá-la, construindo alternativas para que ela tenha eco e visibilidade e possa ressoar nos debates públicos pela significabilidade do mundo. Incontáveis são as experiências de RadCom no Brasil que carregam esse propósito, inclusive em seus próprios nomes ou em seus lemas de trabalho. A título de exemplo cita-se aqui algumas emissoras que portam essa perspectiva em seus nomes ou lemas: Rádio A Voz das Comunidades das Zonas Norte e Leste, de Manaus; Rádio Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro; Rádio Comunitária A Voz do Povo, de Quilombo, Santa Catarina; Rádio Comunitária A Voz: a voz da comunidade, de Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul; Rádio Comunitária Macaíba: a voz da comunidade, de Macaíba, no Rio Grande do Norte; Rádio Cidade Amiga: a voz da comunidade, de Armazém, Santa Catarina; Rádio Voz Soledadense, de Soledade, no Rio Grande do Sul; Rádio Comunitária Santa Rita de Cássia: a voz do subúrbio, de Salvador, na Bahia; Rádio A Voz do Morro, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Rádio Comunitária Liberdade: a voz do povo, a voz da comunidade, de Três Palmeiras, no Rio Grande do Sul.

Desse modo justificam-se os próprios “atos de rebelião dos oprimidos” (FREIRE, 2017, p. 59), visto que podem ser compreendidos a partir de um processo de humanização que se apresenta “como subversão” (FREIRE, 2017, p. 63) da ordem estabelecida, do status quo, quando este se presta a negar aos homens o direito de dizer sua palavra ou que os condena a apenas ouvir e repetir o que outros dizem. “Renunciar, resistir ao ato invasor” (FREIRE, 2017, p. 212). A luta destes se trava “[...] entre dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder de criar e recriar” (FREIRE, 2017, p. 48). Verifica-se, especialmente nos primórdios do movimento de RadCom, a atuação de uma grande quantidade de emissoras (hertizianas21 e rádio-poste22) às margens de qualquer legislação, chamadas de “piratas”23, tendo em vista que até 1998 não havia uma legislação específica no Brasil para o serviço e o fato de que os movimentos sociais organizados começam a ocupar espaços de comunicação social antes restritos a grupos de alto poder aquisitivo que ainda hoje controlam as principais mídias, no intuito de contraporem-se aos discursos hegemônicos, mesmo sob um imensurável número de ameaças e pressões.

Freire ressalta a necessidade de valorização do universo cultural e do cotidiano dos sujeitos envolvidos nos processos educativos e comunicativos, premissa que se mostra extremamente cara para os processos de RadCom. O homem e o que ele anuncia não podem ser considerados e compreendidos fora de suas relações com o mundo. O conhecimento e a inteligibilidade do mundo constituem-se na interação entre os homens e com o mundo. Os sujeitos encontram-se mediatizados pelo mundo, na intenção de pronunciá-lo. “Mundo que impressiona e desafia uns e outros, originando visões de mundo ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicitam temas significativos” (FREIRE, 2017, p. 116), que servem de base para os conteúdos programáticos das experiências de comunicação comunitária.

Riccordi (2000) afirma que o papel básico da comunicação comunitária é o de encadear essas vidas privadas com a história e o meio onde elas são vividas, articulando sentidos e compreensões. A incorporação pela comunidade de meios de comunicação populares permite-lhe multiplicar as leituras da própria vila, do bairro, da cidade, da vida, melhor percebê-las, lançar perguntas mais agudas à sua própria realidade, favorecer trocas de saberes. Nas palavras do autor: “[...] a possibilidade de leitura do entorno permite um reconhecimento da própria situação, uma reapropriação do que tradicionalmente tem estado marginalizado” (RICCORDI, 2000, p. 2-3).

Por fim, parece-nos fundamental o fato de que toda a teoria do conhecimento de Freire tem por base o conceito de comunicação como diálogo. Diálogo como “ato de criação” (FREIRE, 2017, p. 110). O diálogo tem um caráter pedagógico. E, para além dessa constatação, ele fez a defesa do diálogo como elemento essencial nos processos pedagógicos, reforçando o caráter interacionista da comunicação humana e das mídias em geral. Essa postura abre a possibilidade para pensar uma mídia que não esteja apenas orientada pela lógica do mercado, do capital, mas a comunicação social como um processo multilateral, multidirecional. O campo da comunicação alternativa e popular parece ter se mostrado aderente a essa matriz pedagógica, quando assumiu essa postura, tendo ao longo do tempo reafirmado seu potencial para a promoção de processos comunicativos fundamentados na pluralidade, na democracia e no diálogo.

O campo da comunicação alternativa e comunitária parece ter se mostrado aderente a essa matriz pedagógica e assumido essa postura ao longo do tempo. Para Burgos (2012, p. 2), o que Freire fez foi “[...] defender que o desafio fundamental para os oprimidos do Terceiro Mundo, consistia em ‘seu direito à voz’ ou seu ‘direito de pronunciar sua palavra’, ‘direito de auto-expressão e expressão do mundo’, de participar, em definitivo, do processo histórico da sociedade”. Desse pensamento, segundo ele, decorrem as lutas de comunicadores, educadores e grupos latino-americanos para configurar uma proposta de comunicação mais horizontal, democrática e participativa.

Notes

1Utilizaremos a abreviatura RadCom para designar a Radiodifusão Comunitária. A abreviatura é utilizada pelos documentos legais que se referem à Radiodifusão Comunitária e adotada no interior dos movimentos que se empenham nessa atividade.

2Conforme Girardi e Jacobus (2009, p. 18), a emissora foi criada por dois jovens, um de 16 e outro de 15 anos, e utilizava o bordão “Paranóica, a única que não entra em cadeia com a Agência Nacional”. Como resultado, o mais novo foi preso e acusado de subversão, embora nem soubesse direito o que isso significava. A Paranóica foi interditada, mas voltou a funcionar em 1983 e se manteve no ar até a segunda metade dos anos de 1990 com o nome de Rádio Sempre Livre.

3Uma relação publicada pela Coordenação Geral de Radiodifusão (órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações), em 8 de maio de 2018, aponta que o número de emissoras de RadCom no Brasil já chegava então a 4.852. Documento disponível em http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/comunicacao/SERAD/radiofusao/detalhe_tema/radiodifusao_comunitaria.html. Acesso em: 5 mar. 2019.

4Referimo-nos à Lei Nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o serviço de Radiodifusão Comunitária no Brasil e dá outras providências (BRASIL, 1998).

5“Independentemente do canal pelo qual se transmita, pode-se enriquecer a opinião pública e favorecer as relações sociais” (VIGIL, 1995, p. 52, tradução nossa).

6“Haja liberdade de expressão e pluralismo de ideias” (VIGIL, 1995, p. 53, tradução nossa).

7“Esquivando-se da competência, as rádios comunitárias deixariam o páreo [...], elas seriam marginalizadas” (VIGIL, 1995, p. 53, tradução nossa).

8“Não seria justo nos arrogar a invenção, muito menos a exclusividade da metodologia interativa” (VIGIL, 1995, p. 54, tradução nossa).

9“O que faz comunitária uma rádio comunitária? Quando se pode dizer que uma rádio é comunitária? O que a identifica?” (VIGIL, 1995, p. 54, tradução nossa).

10“Quando uma rádio promove a participação dos cidadãos e defende seus interesses; quando responde aos gostos da maioria e faz do bom humor e da esperança sua primeira proposta; quando ajuda a resolver os mil e um problemas da vida cotidiana; quando em seus programas se debatem todas as ideias e todas as opiniões são respeitadas; quando a diversidade cultural é encorajada e não a homogeneização comercial; quando a mulher é protagonista da comunicação e não é uma simples voz decorativa ou um anúncio publicitário; quando nenhuma ditadura é tolerada, nem mesmo a música imposta pelo mercado dos discos; quando a palavra de todos voa sem discriminações nem censuras; essa é uma Rádio Comunitária” (VIGIL, 1995, p. 54, tradução nossa).

11Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) foi médico legista, professor, escritor, antropólogo, etnólogo, ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras e é considerado o pai da radiodifusão no Brasil. No início de 1923, convicto da importância educativo-cultural do rádio, fundou a primeira estação de rádio no Brasil, a Sociedade Rádio do Rio de Janeiro, instituição de caráter basicamente educativo-cultural que funcionava como uma sociedade real, sobrevivendo das doações de seus sócios. Em 1934, fundou a Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro, emissora de caráter estritamente educacional atuando nos vários níveis de ensino. Em 1946, a Rádio Escola passou a se denominar Rádio Roquette-Pinto. Disponível em: http://www.radioroquettepinto.rj.gov.br/index.php/controladorhistorico. Acesso em: 25 ago. 2019.

12O livro foi publicado sob o título ¿Extención o Comunicación? pelo Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária, em Santiago de Chile. Em nossa exposição, utilizaremos a 13ª edição, com tradução de Rosisca Darcy de Oliveira, publicada em 1977 pela Paz e Terra.

13O livro foi publicado em parceria com Sérgio Guimarães (FREIRE; GUIMARÃES, 2011). Na terceira edição, o texto ficou com o título Educar com a mídia: Novos diálogos sobre educação. À esta edição foram acrescidos dois capítulos, a saber, “Diante da mídia e do jornalismo” e “Internet, telefone celular … E agora?”, escritos com Sérgio Guimarães e um anexo “A alfabetização em televisão”: texto elaborado para uma conferência ministrada por Freire em 1996 e posteriormente publicado originalmente na segunda parte do Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos (FREIRE, 2000).

14O texto original foi escrito em 1970. Nós utilizaremos a 64ª edição, publicada pela Paz e Terra em 2017.

15Em entrevista concedida a Faraco (MEDITSCH; FARACO, 2003, p. 41), Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire e depositária de sua obra, ao ser perguntada se Paulo teria se dedicado teoricamente à questão da comunicação social, ela afirma que “[...] quando ele fala na escola, na educação, ele está falando também nos meios de comunicação de massa”.

16Acréscimo nosso. Freire reconhece e identifica que esse cenário também é característico de ambientes não escolares, como, por exemplo, nos meios de comunicação de massa.

17Paulo Freire foi declarado Patrono da Educação brasileira pela Lei Nº 12.612, de 13 de abril de 2012, assinada pela presidenta Dilma Rousseff e pelo então ministro da Educação Aloísio Mercadante, publicada no Diário Oficial da União de 16 de abril de 2012, Seção 1, página 1. Publicação disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=10562-16-04-12-link-leipaulofreire&category_slug=abril-2012-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 20 out. 2020.

18Freire dedica uma nota de rodapé em Extensão ou Comunicação? (FREIRE, 1977, p. 80-81) para indicar que, mesmo nessas condições, a esperança se mantém viva, ao afirmar que a condição de “assistidos” dos indivíduos não é eterna ou imutável. Cita, então, os movimentos sociais e populares, especialmente os considerados rebeldes encabeçados pela juventude como questionadores deste modelo e que colocam em xeque a validade dos “comunicados feitos assistencialisticamente”, além de exigirem uma educação que vá além do conhecimento do como, mas que se preocupe com o quê, o porquê e o para quê das coisas, da ação e da existência.

19“A comunicação é o processo pelo qual um indivíduo entra em cooperação mental com o outro até que ambos atinjam uma consciência comum. A informação, por outro lado, é qualquer transmissão unilateral de mensagens de um emissor para um receptor” (KAPLÚN, 1998, p. 64, tradução nossa).

20“[...] rejeita que essa irradiação de mensagens de informantes centralizados e sem um retorno ao diálogo possa ser identificada com a comunicação humana. Para os teóricos e pesquisadores latino-americanos, os meios de comunicação de massa, como atualmente operam em sua quase totalidade, não são ‘meios de comunicação’, mas ‘meios de informação’ ou ‘de difusão’. [...]. Assim como Freire questionou a educação ‘bancária’, a comunicação não é dada por um falante que fala e um receptor que escuta, mas por dois ou mais seres humanos ou comunidades que trocam e compartilham experiências, conhecimentos, sentimentos (ainda que seja a distância através de meios artificiais). É por meio desse processo de troca que os seres humanos estabelecem relações entre si e passam da existência individual isolada para a existência social comunitária” (KAPLÚN, 1998, p. 64, tradução nossa).

21É o formato utilizado pela radiodifusão convencional. Baseada em uma estação de rádio (transmissora) que possui estúdios, equipamentos, técnicos e um aparelho chamado transmissor que se encarrega de transformar as emissões dos locutores, músicas e outros sons em ondas eletromagnéticas que são enviadas para a atmosfera por meio de uma antena. O rádio (receptor) é um aparelho que tem a função de receber essas ondas eletromagnéticas por intermédio de sua antena e transformá-las em sons compreensíveis ao ouvido humano. Ambas têm alcance limitado de sinal. Atualmente, podemos falar ainda das Web Rádios. São rádios digitais que realizam sua transmissão exclusivamente via Internet.

22Experiências de comunicação sonora alternativa que se caracterizaram por transmitir a programação radiofônica por meio de caixas de som e bocas amplificadoras instaladas geralmente em postes. Modelo praticamente extinto nos dias atuais. O sistema de alto-falantes era chamado ainda de Rádio-corneta.

23A diferença de Rádio Livre e Rádio Pirata é discutida por diversos autores. Santos (2014) afirma que “[...] as nominadas ‘piratas’ eram aquelas que emitiam sinais de rádio diretamente de barcos na costa de países europeus onde a publicidade era proibida nas emissoras estatais – as únicas existentes até então. Como os transmissores ficavam situados dentro de barcos, e estes estampavam bandeiras, acabavam lembrando os antigos navios piratas. Daí surgiu este rótulo” (SANTOS, 2014, p. 87). Conforme Machado, Magri e Masagão (1986), essas emissoras eram piratas também em um outro sentido: buscavam o ouro por meio da conversão do rádio em um veículo comercialmente lucrativo. Eram financiadas basicamente por multinacionais como a Ford, Lever ou a American Tabaco, que tinham interesses no mercado europeu e precisavam fazer com que seus informes publicitários perfurassem o todo poderoso monopólio estatal das telecomunicações vigentes na Europa em meados do século XX.

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Recebido: 09 de Julho de 2020; Revisado: 05 de Novembro de 2020; Aceito: 06 de Novembro de 2020; Publicado: 30 de Novembro de 2020

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