SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16Ser Mais: coerência entre a vida e o conceito de Paulo FreireLiteratura sobre educação e tecnologia com referencial de Paulo Freire: um retrato e um recorte crítico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 20-Out-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.16588.040 

Dossiê: Paulo Freire (1921-2021): 100 anos de história e esperança

Pedagogia da Primeira Infância Oprimida: descolonizando a Educação Infantil com Paulo Freire

Pedagogy of the Oppressed Early Childhood: decolonizing Early Childhood Education with Paulo Freire

Pedagogía de la Primera Infancia Oprimida: descolonizando la Educación Infantil con Paulo Freire

Otavio Henrique Ferreira da Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-2754-4783

*Doutorando em Educação – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Ibirité. E-mail: <hotaferreira@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo é um ensaio teórico que pretende analisar como a obra de Paulo Freire pode contribuir com uma pedagogia da infância voltada para a emancipação humana desde a Educação Infantil, apontando para a construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida. Mesmo que não tenha acumulado produções teóricas e empíricas especificamente com crianças, a obra de Paulo Freire demonstra ser um território fértil para projetar a construção de uma Educação Infantil em diálogo com o emergente debate de descolonização do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 5 anos. A Pedagogia da Primeira Infância Oprimida é analisada em termos estruturais, no autoritarismo pedagógico com crianças, na relação entre autoridade e liberdade e no caminhar da curiosidade infantil. Entende-se, assim, que educar crianças só pode ser compreendido como um ato de amor se o potencial revolucionário delas for cultivado para que o mundo seja mais humanizado.

Palavras-chave: Pedagogia da Primeira Infância Oprimida; Educação Infantil.; Paulo Freire

Abstract:

This article is a theoretical essay that intends to analyze how Paulo Freire’s work can contribute to a childhood pedagogy focused on human emancipation from Early Childhood Education, pointing to the construction of a Pedagogy of the Oppressed Early Childhood. Even without having accumulated theoretical and empirical productions specifically with children, Paulo Freire’s work proves to be a fertile territory to project the construction of Early Childhood Education in dialogue with the emerging debate on the decolonization of pedagogical work with children from 0 to 5 years old. Pedagogy of the Oppressed Early Childhood is analyzed in structural terms, in the pedagogical authoritarianism with children, in the relationship between authority and freedom and in the path of children’s curiosity. It is understood, therefore, that educating children can only be understood as an act of love if their revolutionary potential is cultivated so that the world is more humanized.

Keywords: Pedagogy of the Oppressed Early Childhood; Early Childhood education; Paulo Freire

Resumen:

Este artículo es un ensayo teórico que pretende analizar cómo la obra de Paulo Freire puede contribuir a una pedagogía de la infancia centrada en la emancipación humana desde la Educación Infantil, apuntando a la construcción de una Pedagogía de la Primera Infancia Oprimida. Aún sin acumular producciones teóricas y empíricas específicamente con niños, la obra de Paulo Freire demuestra ser un territorio fértil para proyectar la construcción de una Educación Infantil en diálogo con el debate emergente sobre la descolonización del trabajo pedagógico con niños de 0 a 5 años. La Pedagogía de la Primera Infancia Oprimida es analizada en términos estructurales, en el autoritarismo pedagógico con niños, en la relación entre autoridad y libertad y en el caminar de la curiosidad infantil. Se entiende, por tanto, que educar a los niños sólo puede ser comprendido como un acto de amor si su potencial revolucionario es cultivado para que el mundo sea más humanizado.

Palabras clave: Pedagogía de la Primera Infancia Oprimida; Educación Infantil; Paulo Freire

Introdução

Paulo Reglus Neves Freire, o Patrono da Educação Brasileira (BRASIL, 2012), foi um educador (1921-1997) que dedicou sua vida e sua obra na construção de uma educação sustentada nos princípios da autonomia, conscientização e cidadania1. Entre os anos de 1944 e 1964, Paulo Freire trabalhou no Brasil como professor do Colégio Oswaldo Cruz, foi diretor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (SESI) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atuou, ainda, na construção do “Plano Nacional de Adultos” junto ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), até ser exilado após o Golpe Militar de 31 de março de 1964. Fora do Brasil, Paulo Freire esteve em diferentes países na América Latina, América do Norte, Europa, África, Ásia e Oceania. Foi professor em diversas universidades e coordenador do setor de educação do Conselho Mundial de Igrejas. Dentre todas as experiências profissionais que teve na vida, faltou uma especificamente, e ele, humildemente, foi-se dar conta disso quando já caminhando para a reta final de sua carreira. No livro Partir da Infância: diálogos sobre educação, resultado de uma entrevista com Sérgio Guimarães em 1982, Paulo Freire fala que estaria mais alegre se tivesse tido a oportunidade e a consciência da importância de se trabalhar com as crianças anteriormente (FREIRE; GUIMARÃES, 2020).

Como um educador revolucionário que pensou, trabalhou e lutou pela liberdade2 dos oprimidos no Brasil e no mundo, Paulo Freire sabia o quão grande era a opressão que as crianças viviam, e ainda vivem, em uma sociedade capitalista, nas escolas e na família, o que o torna um pensador em diálogo com o presente de nossa sociedade. No atual momento da humanidade, a pandemia da Covid-19 impôs-se ao mundo, obrigando a um total fechamento ou funcionamento restrito de serviços públicos essenciais às crianças, entre eles o direito à educação, o que pode também significar que “[...] o vírus decretou uma morte, pelo menos temporariamente, das escolas: as deixou sem vida interna, sem cheiros, sabores, sem ar” (KOHAN, 2020, p. 5). Percebemos, assim, que há uma grande tendência, sobretudo no Brasil de, neste momento de pandemia, aumentar as opressões sofridas pelas crianças e pelos jovens brasileiros. Alguns exemplos são: 1) Um menino de 11 anos, Rafael Winques, foi morto pela mãe em pleno período de pandemia depois de ela lhe aplicar uma dosagem excessiva de medicamento, versão que ainda está sob investigação.; 2) um menino de 5 anos, Miguel Otávio Santana da Silva, morreu ao cair do prédio em que a mãe trabalhava como empregada doméstica. A mãe teve de levar a criança para o seu trabalho e a sua patroa não cuidou devidamente de Miguel no período em que ela levou, a pedido da patroa, os cachorros para passearem na rua; 3) um menino de 3 anos foi morto a facadas pelo próprio pai em Betim/MG; 4) quatro meninas com idade entre 6 meses e 7 anos foram estrupadas e torturadas pelo próprio pai em Contagem/MG; 5) um menino de 11 anos foi acorrentado e posto em um barril pelo pai e pela madrasta em Campinas/SP; 6) e um jovem de 14 anos, de nome João Pedro, foi morto pela polícia em São Gonçalo/RJ quando brincava no terreiro de sua própria casa com os amigos, enquanto os pais trabalhavam.

Os casos citados são algumas das diferentes experiências adversas (MORAIS; SILVA, 2020) ocorridas na infância das crianças que estão passando por situações opressivas, o que tem se tornado ainda mais agravante com o fechamento das escolas, visto que ela é um lugar de educação, guarda, proteção, alimentação e formação humana das crianças. Outro agravamento do cenário opressivo às infâncias já tão oprimidas é que, com as mortes das avós e dos avôs pelo coronavírus, há um risco de aumento da desnutrição, da fome e até mesmo de morte das crianças que dependem do apoio e dos cuidados de seus avós (SANTOS, 2020).

A partir do legado de Paulo Freire é possível apreender que, além de se ter preocupação e postura de enfrentamento frente às situações opressivas enfrentadas pelas crianças e suas famílias, para estar e atuar pedagogicamente junto às crianças é preciso não perder a alegria que o adultecer friamente faz conosco, adultos. Paulo Freire tinha a consciência do quão revolucionário é estar junto às crianças. Por isso, durante o período que esteve exilado e diante de uma rotina turbulenta e atarefada, ele fazia questão de brincar na neve com os filhos, meninizando-se com eles para não perder a alegria, ainda que adulto, do menino feliz e curioso que foi um dia (KOHAN, 2018). Como referido anteriormente, embora Paulo Freire não tenha tido experiências práticas e teóricas exclusivamente com a educação de crianças, desde as suas primeiras obras, são nítidas no pensamento do autor as preocupações com as crianças no Brasil e no mundo (KOHAN, 2018; SANTOS NETO; ALVES; SILVA, 2011).

Visto as reflexões anteriores, este texto percorre o objetivo de analisar como a obra de Paulo Freire pode contribuir com uma pedagogia da infância voltada para a emancipação humana3 desde a Educação Infantil, apontando para a construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida. A escolha que fizemos de aproximar Paulo Freire do campo da Educação Infantil em diálogo com o emergente debate da descolonização da educação das crianças de 0 a 5 anos está relacionada à leitura sociológica sobre as desigualdades sociais que impactam as infâncias brasileiras (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA, 2012). Podemos afirmar, porém, que não há uma única infância, pois as condições de desenvolvimento humano não são iguais para todas as crianças brasileiras. A desigualdade social, no Brasil, perpassa, sobretudo, por questões raciais, de gênero e de classe social, podendo ser mais bem compreendida por meio de análise crítica-descolonial da colonialidade presente nas históricas e estruturais relações sociais estabelecidas entre os povos do Brasil e da América Latina e seus colonizadores europeus (BELLO, 2015; GOMES, 2017; QUIJANO, 2005).

Descolonização e Educação Infantil

De acordo com Bello (2015) e Gomes (2017), a colonialidade realiza um atravessamento entre as estruturas de poder, do saber e do ser. A colonialidade do poder refere-se às relações políticas e econômicas de dominação, em um sentido estrutural. A colonialidade do saber assenta-se na produção do conhecimento eurocêntrico como razão universal. E a colonialidade do ser estabelece uma hierarquia entre os povos, em que os europeus assumiram a função de colonizar/dominar os demais povos e, assim, os colonizados passaram a negar sua própria cultura originária e a reivindicar o modo de vida e cultural dos colonizadores (BELLO, 2015). Essas três perspectivas juntas formam o sistema de colonialidade que aliado ao projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico irá configurar o padrão mundial de poder que atinge toda a população mundial por meio do Estado, da empresa capitalista, da família e do eurocentrismo (QUIJANO, 2005).

Ao longo do século XX, emergiu o movimento descolonizador como uma organização das chamadas minorias para romper com a condição de invisibilização, negação e silenciamento provocada pelos colonizadores (BELLO, 2015; DANNER; DORRICO; DANNER, 2020). O movimento descolonizador composto por pensadores da América Latina, África e Ásia buscava compreender, por meio de epistemologias próprias, as epistemologias do Sul, “[...] calcadas nas suas ancestralidades e culturas, [...] em que medida categorias e instituições impostas à força pelos colonizadores devem persistir na normatividade e na realidade de seus países e comunidades” (BELLO, 2015, p. 50).

Conforme Abramowicz e Rodrigues (2014), de uma forma geral, o conceito de descolonização pode ser compreendido como a produção de novas possibilidades de experiências coletivas e individuais que vai ao encontro da diversidade de identidades que existem nas sociedades, rompendo com a centralização dos sentidos dos modelos hegemônicos e da lógica do capital. Quanto ao conceito de descolonização na perspectiva da Educação Infantil, este pode ser entendido “[...] nas possibilidades de constituir-se de maneira singular, produzindo e criando novas possibilidades de vida, de crianças(s), de infância(s) e pesquisa(s)” (ABRAMOWICZ; RODRIGUES, 2014, p. 462).

Assim, no trabalho pedagógico da Educação Infantil, é preciso considerar as crianças partindo das diferenças existentes entre elas, e, por isso, uma pedagogia que for compreendida como própria para as crianças da Educação Infantil não pode ser a mesma para as crianças que moram no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo que possui um elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e para as que moram no Morro do Alemão, bairro popular da cidade do Rio de Janeiro, que possui um baixo IDH (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA, 2012). Uma pedagogia que se diz igual para todas as crianças, mas nega as desigualdades socioculturais, étnicas e econômicas, pode acabar se tornando excludente.

Sobre o nosso compromisso social com a construção de uma agenda da Pedagogia da Primeira Infância Oprimida, é fundamental, desde já, considerar que, assim como Paulo Freire (2019b, p. 57) disse com outras palavras em Pedagogia do Oprimido, a Pedagogia da Primeira Infância Oprimida é uma pedagogia que, ao trazer as crianças oprimidas para o centro da investigação e da prática educativa, busca dar visibilidade às opressões e às condições subalternas em que as crianças estão imersas. Isso para que, no engajamento de um movimento pedagógico descolonizador, humanista e libertador, seja possível realizar o processo de transição de conscientizar, em um primeiro momento, as novas gerações de crianças e os adultos quanto à necessidade dos seres humanos serem mais amorosos uns com os outros e de estarem comprometidos(as) desde cedo na superação das opressões do mundo, para que, assim, em um segundo momento, quando se superar por completo a realidade opressora existente no mundo das crianças e dos adultos, essa pedagogia tornar-se-á uma pedagogia não mais da primeira infância oprimida, mas de crianças e de adultos em permanente processo de emancipação, de liberdade, de felicidade, vivendo em um mundo mais brincante, inventivo e amoroso e não mais submisso aos tempos de um projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico.

É caminhando que se aprende a caminhar

Ao longo deste texto ensaístico-teórico, que assim pode ser definido pela natureza reflexiva e interpretativa produzida nas análises (MENEGHETTI, 2011), como dito anteriormente, objetivamos analisar como a obra de Paulo Freire pode contribuir com uma pedagogia da infância voltada para a emancipação humana desde a Educação Infantil, apontando para a construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida.

A arquitetura metodológica do presente texto pauta-se na triangulação de três abordagens teóricas que se complementam para descolonizar a Educação Infantil a caminho da invencionática4, da cidadania e da emancipação humana: o método da dialética freiriana, o método da análise crítica-descolonial e o método da pesquisa participante. Começando pela última, entendemos por abordagem de pesquisa participante aquela caracterizada “[...] como um ato de compromisso de presença e de participação claro e assumido” (BRANDÃO; BORGES; 2007, p. 55), que, neste trabalho, se materializa pela proposição de uma pedagogia frente à realidade de opressão vivida pelas crianças com tempo etário da Educação Infantil, que aqui foi denominada de Pedagogia da Primeira Infância Oprimida. O método da dialética em Freire é consistente e inovador, pois alia o pensamento histórico à subjetividade humana, e, assim, potencializa a construção de novas sociabilidades em um mundo que funciona por meios estruturados. Mais do que assumir uma única posição e negar outra, em Freire é preciso colocá-las em diálogos para que possa surgir algo novo, o inédito viável, o devir (ZITKOSKI, 2018). E o que compreendemos como crítica-descolonial ou episteme descolonial, em articulação com os dois métodos citados anteriormente, se desenvolve na busca de uma nova epistemologia capaz de analisar criticamente as armadilhas impostas aos povos de países historicamente colonizados, por isso colonização do ser, bem como às estruturas sociais fundadas sobre prismas da democracia-liberal e do capitalismo, por isso colonização do poder; e a imposição da universalidade de matriz branca e eurocêntrica que irá impor linhas abissais aos povos dos países colonizados, por isso colonização do saber (ALMEIDA, 2020; BELLO, 2015; BORGES, 2017; GOMES, 2017; QUIJANO, 2005; RIBEIRO, 2020).

A triangulação entre a dialética freiriana, a crítica-descolonial e a pesquisa participante possibilita a construção de uma nova epistemologia analítica capaz de subsidiar a proposição de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida para pensar sobre as condições das crianças frente ao projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico e compreender os desafios e as possibilidades de descolonizar a Educação Infantil e de formar as crianças desde a mais tenra idade para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana.

Conforme Minayo (1994), a etapa que demarca o início de uma pesquisa científica é a fase exploratória de onde surgirão os primeiros questionamentos sobre o objeto teórico e/ou empírico. Ao seguir essa premissa, realizamos uma pesquisa exploratória mobilizados pela seguinte questão: Quais foram os livros de Paulo Freire com títulos publicados na Língua Portuguesa, língua oficial do Brasil?. Para melhor respondermos a essa pergunta e, também, construir o nosso banco de dados das obras de Paulo Freire, partimos de oito listas ampliadas produzidas por diferentes fontes, que indicavam os livros do autor, as quais foram elaboradas por: Soares (2020) 5, Revista Educação e Sociedade6, Wikipédia7, Universidade de Algarve8, Memorial Virtual Paulo Freire9, Coleção de Educadores do MEC – Paulo Freire (BEISIEGEL, 2010)10, Cátedra Paulo Freire da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)11, e os livros do autor disponíveis para venda na Estante Virtual. Esta última configura-se como um dos maiores portais de venda de livros novos e usados do Brasil12. Como resultado, foi obtida uma nova lista com 50 títulos de livros publicados em Língua Portuguesa e assinados por Paulo Freire13. Em um segundo momento da pesquisa exploratória, aplicamos um filtro a partir dos títulos dos livros e permanecemos com 15 livros potenciais para leitura. Após as leituras, aplicamos um terceiro filtro, que foi o de permanecer apenas com os livros que tivessem conteúdos potenciais e inéditos para a produção de diálogos entre os temas da educação infantil, infância, criança e cidadania, sendo esses temas objetos de nossa pesquisa mais ampla14. Assim, neste texto, serão trabalhados sete livros de Paulo Freire, conforme o Quadro 1.

Quadro 1 Obras de Paulo Freire abordadas no artigo 

Título Ano de publicação original/ seguido da edição utilizada
Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2019b)
A importância do ato de ler (FREIRE, 1989)
Partir da infância: diálogos sobre educação (FREIRE; GUIMARÃES, 2020)
Por uma Pedagogia da Pergunta (FREIRE; FAUNDEZ, 1985)
Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (FREIRE, 1997)
Política e educação: ensaios (FREIRE, 2001)
Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 2019a)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Em busca de dar densidade conceitual ao que estamos chamando de Pedagogia da Primeira Infância Oprimida, estruturamos as análises em quatro categorias: 1) Questões estruturais da Pedagogia da Primeira Infância Oprimida; 2) Autoritarismo pedagógico com crianças; 3) Autoridade e liberdade na Educação Infantil; e 4) Educar crianças pela curiosidade: ato revolucionário. Antes de apresentar as análises das categorias analíticas a partir da obra de Paulo Freire, serão tecidas breves considerações teórico-históricas sobre o que o campo da Educação Infantil vem chamando de Pedagogia da Educação Infantil e a sua interface com a Pedagogia da Primeira Infância Oprimida.

Da Pedagogia da Educação Infantil à Pedagogia da Primeira Infância Oprimida

No Brasil, a proposição de uma Pedagogia da Educação Infantil de modo a diferenciar-se da pedagogia tradicional voltada para a escolarização de crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental é um debate que ganhou corpo no início do século XXI, com o brilhante, inovador e potente artigo A pedagogia e a Educação Infantil, de Eloisa Rocha (2001), publicado na Revista Brasileira de Educação. A autora diferencia o tempo de vida e o tempo escolar entre as distintas crianças, para demarcar um novo olhar à formação em pedagogia:

Enquanto a escola se coloca como o espaço privilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põem sobretudo com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno, e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade (ou até o momento em que entra na escola). (ROCHA, 2001, p. 31, grifos nossos).

A autora destaca que termos como “aluno”, “escola” e “aula” são ideologicamente usados por pedagogias escolarizantes que vêm sendo adotadas na educação das crianças e dos jovens do Ensino Fundamental. Contrariamente, uma Pedagogia da Educação Infantil deveria propor outro tratamento às crianças e compreendê-las como sujeitos com especificidades. Nessa perspectiva, o tempo pedagógico deve ser compreendido como “tempo coletivo” e não o tempo restrito ao ensino (aulas).

A década de 1990 foi um período de novo olhar para as crianças no Brasil. Isso aconteceu após o reconhecimento delas como sujeitos de direitos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), por meio da aprovação do Estatuto das Crianças e Adolescentes (ECA) – Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que as reconheceu como cidadãs (BRASIL, 1990), e, depois, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que reconheceu a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 1996). Com a inclusão legal das creches e das pré-escolas no campo da educação e a partir do conceito de “Educação Infantil” na LDBEN de 1996, tornaram-se crescentes os debates sobre a ampliação da qualidade da formação dos/as profissionais que iriam atuar especificamente com as crianças de 0 a 5 anos15, previstos na LDBEN, conforme os artigos 61 e 62, os quais estabelecem a exigência de formação em nível superior em cursos de licenciatura, admitindo-se a formação em nível médio por meio da modalidade normal (BRASIL, 2014).

Nesse contexto, os debates educacionais do Brasil entram no século XXI marcados pela emergente demanda de uma Pedagogia da Educação Infantil “[...] que terá, pois, como objeto de preocupação a própria criança: seus processos de constituição como seres humanos em diferentes contextos sociais, sua cultura, suas capacidades intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais” (ROCHA, 2001, p. 31). Esse movimento em defesa de uma Pedagogia da Educação Infantil contribuiu para três importantes acontecimentos no início do século XXI: 1) a criação do pioneiro curso de Licenciatura em Educação Infantil da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em 2005, que se justifica pela necessidade de distinguir esse tipo de formação das demais, já que os outros níveis de ensino adotam perspectivas escolarizantes (UFV, 2017); 2) a publicação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) da Resolução Nº 1, de 15 de maio de 2006, que dispõe sobre a revisão dos currículos dos cursos de Pedagogia, de modo a valorizar a formação em Educação Infantil dos profissionais que neles são formados (BRASIL, 2006); e 3) a publicação do Parecer Nº 20, de 11 de novembro de 2009, do CNE, que dispõe sobre a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil instituídas em 1999 (BRASIL, 2009), o que apontou novos olhares sobre as crianças e valorizou ainda mais sua condição de sujeito de direitos políticos, éticos e estéticos (BRASIL, 2013b).

Colocar as crianças de 0 a 5 anos no centro do planejamento das políticas públicas e do currículo da formação de professoras16 é uma perspectiva que também se fortalece a partir das contribuições da Sociologia da Infância, como campo de estudos e de pesquisas responsável por desenvolver conceitos, tais como: “Protagonismo infantil, processos de socialização, estrutura social, infância/criança, autoria social/agência, cultura infantil, geração, etnografia, cultura de pares [...]” (ABRAMOWICZ, 2018, p. 375). Esses conceitos têm contribuído para que pesquisadores(as) e educadores(as) passem a projetar novos olhares e criem abordagens e análises quanto às relações que as crianças estabelecem com outras crianças e com os adultos. Além disso, a Sociologia da Infância tem resgatado um movimento de dar voz às crianças, contrariando o adultocentrismo17 e o colonialismo18 presentes na educação em que já se sabe previamente que “[...] são os adultos quem falam das/sobre as crianças e que isto faz parte de uma das linhas do processo que chamamos de socialização” (ABRAMOWICZ, 2018, p. 375). A socialização das crianças sob as lógicas adultocentradas e colonizadoras tende a castrar a curiosidade delas, e, assim, retira o seu protagonismo no ato de conhecer e do fazer pedagógico, educando-as em uma perspectiva eurocentrada que desconsidera os preconceitos étnico-culturais presentes no meio social, os quais foram herdados pelo longo processo de colonização vivido no Brasil (1500-1888).

Nesse sentido, é preciso reafirmar o protagonismo da criança na Pedagogia da Educação Infantil que esteja realmente comprometida com a superação das marginalidades do povo brasileiro. Garantir o direito de “[...] fala da criança é uma inversão nos processos de subalternização, é um movimento político [...]” (ABRAMOWICZ, 2018, p. 376). E mesmo que não haja “[...] algo na fala das crianças que seja excepcional ou diferente (apesar de que pode casualmente até haver), mas, a criança ao falar faz uma inversão hierárquica discursiva que faz falar aquelas cujas falas não são levadas em conta, não são consideradas” (ABRAMOWICZ, 2018, p. 376). Por haver crianças que nem sempre são consideradas em práticas pedagógicas generalistas, uma pedagogia que garanta voz a todas elas somente será possível se for pautada pelo respeito às diferenças e pela busca da equidade.

Na educação das crianças de 0 a 5 anos para a cidadania, para a invencionática e para a emancipação humana não basta apenas romper com o adultocentrismo, é preciso também romper com o colonialismo presente no fazer pedagógico. Reconhecer o direito de voz das crianças pode romper com o adultocentrismo, mas ouvi-las e a professora ignorar práticas culturais racistas em suas expressões na relação com outras crianças (como uma menina branca e outra negra brincar de casinha, a primeira é a patroa e a segunda é a babá), não é o suficiente para romper com as marcas colonizadoras presentes no comportamento delas e tão necessárias de ser superadas em vista a formar cidadãos comprometidos com a humanização do mundo. O trabalho pedagógico na Educação Infantil atento a essas marcas segregacionistas não pode se tornar uma licenciosidade, no sentido freiriano (FREIRE, 2019a), diante das discriminações que, por exemplo, as crianças negras vivem na própria cultura de pares.

Recentemente, Ana Paula Xongani compartilhou um relato acompanhado de imagem em sua página na rede social Instagram, o qual mostra que sua filha Ayoluwa de 4 anos é rejeitada por outras crianças brancas quando ela gostaria de fazer amizades e brincar. Xongani disse: “É muito triste ver a sua filha sendo rejeitada! Mesmo antes de dizer ‘Olá!’ ela chega perto e todas correm, ela se aproxima, e todas as outras se agrupam, ela chama e ninguém responde. Isolam-a, excluem-a, a machucam”19. Nesse sentido, no contexto de uma Pedagogia da Educação Infantil, apenas garantir voz às crianças e não se fazer intervenções eticamente necessárias frente às discriminações são ações mais voltadas para uma ressignificação do darwinismo social, em que crianças mais “aptas” e “fortes” sobrevivem e dominam as demais20, do que para uma pedagogia capaz de formar cidadãos comprometidos com a superação das marginalidades sociais e com a emancipação humana. Por isso, apesar dos imensos avanços trazidos pela Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), e pela Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008 (BRASIL, 2008), há um equívoco no que diz respeito à orientação de que “História e Cultura Afrobrasileira e Indígena” seja ministrada apenas nos currículos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, excluindo, assim, a Educação Infantil. O trabalho dessa temática não pode estar ausente de uma pedagogia comprometida com a superação do adultocetrismo e do colonialismo.

Ao caminhar na direção de uma pedagogia para as crianças de 0 a 5 anos que esteja comprometida com a formação cidadã e emancipatória, alguns trabalhos realizados anteriormente nos inspiram a pensar em uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida, tais como: Por uma Pedagogia da Infância Oprimida: as crianças e a infância na obra de Paulo Freire (SANTOS NETO; ALVES; SILVA, 2011) e Paulo Freire: outras infâncias para a infância (KOHAN, 2018). Ressaltamos que também há outros pressupostos adotados por nós para pensar a construção dessa pedagogia, que são: 1) a leitura sociológica que fazemos sobre as condições das infâncias no Brasil, assim como Abramowicz e Oliveira (2012); 2) a necessidade de uma pedagogia com as crianças que rompa com marcas coloniais e adultocêntricas em sua formação humana; e 3) as questões legais que implicam a educação no Brasil tratadas na Constituição Federal, em que: a) a educação deverá formar para a cidadania e para o trabalho (artigo 205), e b) os princípios que regulamentam nossa República Federativa (artigo 206) serem a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo, assim, as desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 2017).

A seguir, iremos analisar como Freire ajuda a pensar a Pedagogia da Educação Infantil rumo a uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida como um conjunto de reflexões sobre a Educação Infantil, a criança, a infância e a cidadania, que, pela consciência que temos de nosso inacabamento, é algo que não se limita apenas às questões debatidas nos próximos tópicos.

Questões estruturais da Pedagogia da Primeira Infância Oprimida

A fase mais revolucionária da vida do ser humano é a primeira infância, porque o processo de adultecer vai tornando os homens e as mulheres mais suscetíveis no endurecer da vida. O filme Alike, lançado em 201521, é capaz de nos mostrar em oito minutos o impacto que a sociedade contemporânea traz à vida do ser humano ao comparar uma criança e o seu pai. O filme problematiza como a forma do pai, do Estado e da sociedade educarem a criança acaba por reduzir a criatividade revolucionária dela, moldando-a, ao mesmo tempo, à imagem e à semelhança do pai, este caracterizado por um adulto frio, triste e pautado pela burocracia alienante de seu trabalho.

Uma pedagogia revolucionária, por isso libertadora, jamais pode castrar a curiosidade e a criatividade dos educandos. Desde a Educação Infantil, o cultivo do potencial revolucionário das crianças será o maior desafio a quem ousa educar para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação. Para Freire, (2019b), um cidadão a caminho da emancipação humana no Brasil só nasce por meio de um parto que pode ser até mesmo doloroso. Para o autor, parto vem de nascer, de vir à luz, logo, de liberdade. A criança que chega ao mundo pelo parto inicia sua caminhada como sujeito e como indivíduo no mundo. A criança politicamente brigará por sua liberdade de andar, de respirar, de alimentar, de olhar, de amar e de se manifestar ao mundo. O parto em Freire, pela essência revolucionária do que é o nascer ao mundo, também ganha sentido a qualquer pessoa que, em qualquer fase da vida, se liberta de amarras e não se sujeita a outras pessoas para ser, para manifestar-se ou para viver.

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. Superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se. (FREIRE, 2019b, p. 48).

O autor poeticamente aproxima o conceito de parto do de liberdade para mostrar o quão revolucionário é nascer para algo novo, para dar um novo sentido à vida no mundo. Há homens e mulheres que se libertam por partos que experienciam na vida. Primeiro, passam pela fecundação da libertação; depois, amadurecem, alimentam-se, fortalecem-se, crescem; e, por fim, libertam-se do ventre, vindo à luz humana. A criança, ao nascer para o mundo após os nove meses aproximados de gestação, nasce sem nenhuma amarra, em condição de liberdade, desde que não comece a ser impedida de inventar e de descobrir sobre as coisas do mundo.

A criança recebe um determinado tipo de educação desde os primeiros contatos com o mundo exterior no ventre, seja em uma perspectiva colonizadora/autoritária22 ou para a liberdade. Ao considerar que o mundo ocidental em sua hegemonia é estruturalmente autoritário e individualista, o desafio para as famílias e educadoras que queiram contrariar essa realidade reside em educar as crianças para a liberdade e para a solidariedade (FREIRE; GUIMARÃES, 2020), para serem “ensinadas a amar” como diz Nelson Mandela23, para aprender o respeito, a não julgar e a não violentar.

As instituições como a família e a escola, nas quais desde a tenra idade o ser humano está inserido, são espaços sociais em que as identidades vão sendo construídas. No entanto, essas instituições “[...] não existem no ar, mas no tempo e no espaço, não podem escapar às influências das condições objetivas estruturais”. Funcionam, em grande medida, nas estruturas dominadoras, como agências formadoras de futuros “invasores” (FREIRE, 2019b, p. 208). Esses invasores irão continuar o ciclo da colonização dos “Outros” do ser, do saber e do poder. Só não formarão futuros invasores, mas, sim, formarão para a emancipação humana, se a escola e a família educarem desde a primeira infância o ser humano para a solidariedade e para amar o mundo.

Quando a criança nasce para o mundo após sair do ventre materno, inicia-se o período de sua maturação que implica: crescer fisicamente desenvolvendo seu organismo; adquirir equilíbrio em seu engatinhar, andar, sentar e nas relações com os outros seres humanos; crescer intelectualmente com sua participação nas práticas educativas; crescer criando identidade com o mundo e dele aprendendo a gostar, a transformá-lo e a humanizá-lo; e “[...] crescer no respeito mútuo, na superação de todos os obstáculos que proíbem hoje o crescimento integral a milhões de seres humanos espalhados pelos diferentes mundos em que o mundo se divide, mas, sobretudo, no Terceiro” (FREIRE, 1997, p. 84). Para Paulo Freire, crescer e saber “tem tudo a ver”, e, por isso, a criança vai se humanizando por meio da compreensão das injustiças que sofrem os povos do terceiro mundo e do não silenciamento diante das discriminações. A educação, seja ela para a liberdade ou colonizadora, é um ato político.

A professora que não enxerga sua tarefa como uma ação política não tem clareza de qual é de fato a sua prática, e, assim, facilmente será dominada pelo pensamento colonizador disseminado na sociedade brasileira. Segundo Paulo Freire, ao fazer-se uma análise crítica da educação “[...] é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político” (FREIRE, 1989, p. 15). Quando a professora compreende que a educação é um ato político, para ela não passará despercebido que o que acontece fora do espaço da escola interfere em seu trabalho com as crianças, como, por exemplo, as condições materiais desfavoráveis que muitas delas possuem, principalmente aquelas que estudam em instituições e escolas localizadas em regiões periféricas das cidades. Em um contexto de pandemia, como o que estamos vivendo atualmente por conta do coronavírus, há aqueles que ainda insistem em defender a implementação do ensino a distância na Educação Básica, até mesmo na Educação Infantil, desconsiderando totalmente a realidade vivida pela maior parte das crianças brasileiras e de suas famílias.

No Brasil, 87,9% da população é de baixa renda; assim, ela passa o mês com menos de três salários-mínimos. E, ainda, aproximadamente 24% da população declara ter alguma deficiência, o que condiciona essa grande parcela de pessoas a necessitar de recursos e de acessibilidade para sua inclusão social (SILVA, 2016). Além disso, há também as precárias habitações, a má alimentação, o pouco estímulo à leitura, o limitado acompanhamento escolar das famílias, o convívio com a violência e com a morte de pessoas próximas (FREIRE, 1997). Para a vida das crianças e dos jovens brasileiros, o atendimento presencial das instituições de Educação Infantil e das escolas representam mais do que ter acesso ao conhecimento. É também um lugar de educação, guarda, cuidado, proteção, alimentação e inclusão, em que as crianças são reconhecidas como sujeitos de direitos, como cidadãos. Paulo Freire ressalta que tudo “[...] isso é, de modo geral, pouco levado em consideração não apenas pela escola básica, de primeiro grau, em que essas crianças estudam, mas também nas escolas de formação para o magistério” (FREIRE, 1997, p. 70).

E por que as escolas, as professoras e as universidades insistem em pouco considerar a realidade sociocultural das crianças em suas ações pedagógicas? Esse é um problema que tem a ver com o caráter colonial e autoritário da estrutura da educação brasileira, a qual uma elite branca-colonial-capitalista ainda domina os postos estratégicos na regulamentação e no planejamento da educação nacional. Quando há crianças nas escolas que apresentam problemas, estas geralmente estão expressando os impactos da estruturação desigual de nossa sociedade e da colonialidade presente na educação que recebem. Uma professora que, ao olhar para os problemas de comportamento das crianças na escola e tende a culpá-las pelo fracasso da ação pedagógica está fazendo uma leitura incompleta do fazer pedagógico. Nesse ponto, em conversa com Sérgio Guimarães, Paulo Freire diz:

No fundo, quem é mais problema? É a criança ou é a escola? Até que ponto certo tipo de escola... Eu não digo a escola, pois, como já disse num papo nosso anterior, para mim toda crítica à educação que se centra na escola, e que a toma como se fosse uma categoria metafísica, é ingênua. Eu não estou contra a escola, mas contra esta escola que está aí. Retomando o veio da questão, vê bem: uma escola, por exemplo, e, quando eu digo agora “uma escola”, estou dizendo uma educação sistemática, agentes dessa educação... uma escola que não é capaz de sensibilizar-se e de procurar entender a tristeza, a tragédia dos alunos, a tragicidade de crianças que se experimentam dramaticamente na periferia, por exemplo, dos grandes centros; de crianças que têm medo; de crianças que não se vestem; de crianças que têm um sapato no pé direito, nunca no pé esquerdo; de crianças cujas famílias se dilaceram, se desestruturam em função mesmo da necessidade fundamental de sobreviver. Uma escola que não é capaz de compreender a dor, que não é capaz de compreender a infelicidade dessas crianças, e que não é capaz também de entender os momentos aparentemente absurdos de suas alegrias apesar de todo um mundo de infelicidades, essa escola facilmente é levada a considerar grande parte dessas crianças como crianças-problemas. (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 123-124).

Nessa reflexão, o autor aponta que não podemos compreender a escola como um problema na vida do ser humano, porque ela parte da responsabilidade do poder público na efetivação de direitos. O problema é o tipo de escola que está colocada para educar as crianças, que é muitas vezes insensível aos problemas sociais nas comunidades onde elas moram. É como se a escola estivesse “[...] superposta ao mundo da criança, ela é uma instituição só por isso já autoritária. Ela se impõe de cima para baixo, despreocupada com o que ocorre naquele mundo” (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 55). Uma escola que é indiferente à realidade social e às desigualdades sociais é uma escola autoritária, com um Projeto Político Pedagógico (PPP) colonizado, burocrata e excludente.

As escolas da Educação Infantil precisam de uma leitura crítica e descolonial da realidade de seus educandos e de suas famílias, para, então, estabelecerem metas humanizadoras em seu PPP e democratizarem-se efetivamente. Isso só será possível quando caminharem em direção a serem mais sensíveis, a escutarem pacientemente seus sujeitos, conectando conhecimento escolar com conhecimento cultural e social, para, assim, estarem dispostas a confrontar o autoritarismo da sociedade brasileira24 com suas facetas discriminatórias. Uma escola que queira se descolonizar e proporcionar às crianças, aos profissionais e aos familiares uma pedagogia revolucionária tem de reinventar-se junto às crianças, embelezar o seu projeto arquitetônico com a produção cultural local, meninizar-se, ser propulsora da curiosidade e ressignificar seus valores de acordo com as mudanças que acontecem no decorrer do tempo. Assim, a escola que desejamos e que só é possível de se fazer com luta política, deve ser exigente e criteriosa, para que possa ser capaz de produzir análises e relatórios sobre suas crianças em que estas não sejam mais vistas como as culpadas pelos problemas que lhes afetam, mas, sim, como sujeitos de direitos que precisam de uma escola que caminhe junto aos seus familiares e aos demais órgãos estatais, para orientá-las em seu percurso de vida, em sua formação humana e cidadã.

Nesse contexto, as universidades nacionais que são responsáveis pela formação das pedagogas que irão trabalhar com as crianças nas escolas públicas brasileiras não podem mais deixar a formação político-social passar despercebida no processo de formação das graduandas. Não se pode admitir que, ainda hoje, na segunda década do século XXI, 33 anos após a aprovação da Constituição Cidadã de 1988, 31 anos após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 18 anos após a aprovação da Lei Nº 10.639/2003, haja professoras que cheguem às redes públicas com preconceito em trabalhar nas escolas de regiões periféricas e que falem “[...] da favela como o recanto do desvio ético e como o sítio dos perdidos. E me [nos] falavam [falam] das meninas e dos meninos favelados quase sem esperança” (FREIRE, 1997, p. 71). É preciso fazer a crítica a essa pedagogia colonizadora que continua a sair das universidades brasileiras, formando profissionais que pensam que a favela foi gerada a partir de si mesma e não como resultado da luta pela sobrevivência em uma sociedade moderna-capitalista-colonizadora-eurocêntrica. Se as universidades optarem por atuar de forma licenciosa quanto às compreensões colonizadas que os graduados e pós-graduandos ainda têm sobre a realidade social, como diz Paulo Freire, “[...] cairemos no risco de, mais uma vez, ver as classes trabalhadoras a serviço dos sonhos dos intelectuais” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 38).

Por isso, para além de uma pedagogia que fale de crianças, nossas universidades precisam trabalhar na formação de professoras de crianças na perspectiva de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida, das infâncias oprimidas. Se hoje, eu pedagogo(a) e/ou professor(a) recém-formado(a) estou chegando para trabalhar em uma instituição com crianças pertencentes às classes populares, deverei saber que em meu ofício pedagógico preciso caminhar com as crianças na leitura crítica da realidade social, para que, assim, elas possam tomar consciência dos desafios que temos no mundo e, a seu tempo, assumir suas responsabilidades na transformação dessa triste realidade que torna muitas vidas banais.

Autoritarismo pedagógico com crianças

O problema do autoritarismo brasileiro, além de estar presente no tratamento de grande parte dos ocupantes de cargos políticos com o povo, na relação da criança com sua família, na estrutura da escola com seus estudantes e profissionais, afeta, também, a relação dos meninos e das meninas com suas professoras. Quando uma prática pedagógica com as crianças faz com que elas sejam passivas diante de um pacote de conhecimento pronto e acabado, que apenas exige delas repetir o que a professora faz ou fala, é sinal de que a colonialidade que produz também a violência do autoritarismo está ali, viva, buscando novas crianças para dominá-las. Em vez de essa prática convidar a criança a pensar, abstrair ou aprender, “[...] o que se faz é docilizar a criança, para que ela receba o pacote do conhecimento transferido. E eu estou totalmente convencido de que isso é um ato político também, e tem uma repercussão política enorme” (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 55). Os grandes efeitos colaterais dessa prática é que ela educa as mentes e os corpos das crianças para estarem a serviço do projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico, de silenciamento, excludente e antidemocrático, que é a castração da curiosidade humana.

Paulo Freire, quando escreveu a Pedagogia do Oprimido, foi atento ao dizer que, em uma prática educativa que torna os educandos passivos, “[...] qualquer que seja o seu nível, dificilmente [eles] ultrapassam os modelos que lhes prescrevem os invasores” (FREIRE, 2019b, p. 249). Nesse caso, o nível que estamos analisando trata-se de crianças que, desde a Educação Infantil, estão sujeitas a uma prática pedagógica colonizadora que conduz à subalternidade. Infelizmente, na Educação Infantil ainda há uma forte cultura de usar matrizes de atividades pré-elaboradas com as crianças. Há professoras que não cantam com elas, que as deixam brincar sozinhas e com elas não brincam, que não trocam fraldas por achar que não é sua função, que gritam e maltratam as crianças, mas tiram fotos com elas e suas famílias nas festas escolares, dentre outros exemplos. Algumas docentes tentam mascarar esse desdém com as crianças ao fazer uso das atividades de papel e das tarefas para casa e, assim, mostrar serviço e/ou receber elogios “de que são competentes”, porque exigem muito das pequenas.

Em sua contraditória ação, a professora autoritária e colonizada chega a pensar que passar muitas atividades para as crianças recompensa a sua falta em assumir uma prática democrática e de cuidado com elas. Essa professora adultocêntrica, que pouca sensibilidade demonstra ter com as crianças pequeninas, tem menos ainda para avaliá-las. Em reuniões pedagógicas na escola ou na Secretaria de Educação, costuma dizer que suas crianças são disciplinadas, livres, críticas e criativas, porém, na prática, desenvolve uma pedagogia passiva, que se acomoda em ser “[...] escrava do pacote, domesticada a seus guias, limitada na aventura de criar, contida em sua autonomia e na autonomia de sua escola e o que se espera da prática dos pacotes: crianças livres, críticas, criadoras” (FREIRE, 1997, p. 12). Infelizmente, há professoras que são assim, autoritárias, porque aprenderam dessa forma a ser, e esse é o seu errado parâmetro do que é certo. Contudo, o autoritarismo sendo ingênuo ou proposital é violento, invasor, castrador da curiosidade e do potencial revolucionário das crianças.

Quando a criança começa a ser castrada e colonizada na Educação Infantil, desde “[...] cedo percebe que sua imaginação não joga: é quase algo proibido, uma espécie de pecado. Por outro lado, sua capacidade cognitiva é desafiada de maneira distorcida” (FREIRE, 1997, p. 30). Por exemplo, ao realizar uma atividade de contação de história, é preciso ir além da leitura do livro para as crianças e do mostrar as ilustrações. Uma história de literatura infantil que com elas se trabalha precisa ser vivida e revivida calorosamente. As crianças precisam reviver usando a própria imaginação para recontar a história do livro, inventar algumas falas, personagens, e, também, aos poucos, irem se apropriando do sentido da história, das imagens que a tornam lúdica, das letras que estão no livro. Seria “[...] certamente através da experiência de recontar a estória, deixando sua imaginação, seus sentimentos, seus sonhos e seus desejos livres para criar que a criança terminaria por arriscar-se a produzir a inteligência mais complexa dos textos” (FREIRE, 1997, p. 30).

Esse exemplo da contação de história, por mais simples que seja, é ótimo para ilustrar que para se romper com o autoritarismo pedagógico a professora pode perguntar a si mesma, durante o momento de planejamento, questões como: Onde na atividade proposta a criança vai atuar sozinha? Em que momento a professora vai estar atenta aos gestos dela, às suas expressões, à sua voz? Se isso o(a) professor(a) não fizer, infelizmente “[...] corre um risco muito grande de fazer-se um pouco autoritário[a], no momento em que ele[a] tome como já não passível de uma pergunta o seu caminhar” (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 111).

Silenciar-se, aquietar-se e amedrontar-se diante da liberdade das crianças nas atividades que são desenvolvidas no ambiente educativo são facetas da professora autoritária/colonizada, que representa, essencialmente, seu próprio medo de conhecer o novo, de gerar mais trabalho e de arriscar-se. Desse modo, educar crianças para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana requer da professora ousadia, criatividade e abertura para o inesperado, já que é preciso ouvir a criança e conectar-se a ela, assumindo, então, que nem tudo estará sob controle do adulto (FREIRE; GUIMARÃES, 2020). Ouvir as crianças pode revelar suas angústias, seus medos e as opressões sofridas.

Ter professoras que assumam a postura autoritária e colonizadora é mais fácil e mais comum. Professoras que adotam uma perspectiva revolucionária ainda são um quantitativo menor, pois requer romper com dogmas, fundamentalismos, preconceitos, indiferenças, preguiça de estudar e sair da inércia. Paulo Freire, ao defender uma educação para a liberdade e para a autonomia, não quer dizer com isso não fazer nada. Pelo contrário, é necessário que a professora seja rigorosa em seu planejamento, na sua formação e em sua prática, não se colocando na posição de quem tem preguiça de ler e refletir sobre as novidades da área da educação, do contexto sociocultural, político e econômico. O autor afirma que: “A minha posição é a da comunhão entre o senso comum e a rigorosidade” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 31).

Ao falar de sua própria experiência, Paulo Freire fala também de sua teoria, bem como de princípios e de ideias que são importantes para os(as) educadores(as). A partir dos princípios freirianos, é possível pensar que a professora que trabalha e acredita verdadeiramente nas crianças sabe que muitas coisas elas aprendem e que muitas curiosidades infantis surgem diariamente nos momentos pedagógicos vividos na instituição de Educação Infantil. Por isso, é que a professora deve articular as experiências que as crianças trazem com o que precisa ser apresentado para a sua formação cidadã e humana.

A professora que trabalha na Educação Infantil somente conseguirá ouvir as crianças de modo real e profundo se tiver tolerância e respeito ao tempo e ao vocabulário delas. Dessa forma, poderão desconstruir juntas o tempo alienante e cronometrado das instituições que tendem a burocratizar a rotina pedagógica. É fundamental ser tolerante com as crianças e radicalizar os tempos pedagógicos, visto que estes são previamente estabelecidos pela rotina do trabalho das famílias, das vans escolares, por órgãos gestores e pelo grupo de profissionais. Aprender a revolucionar o tempo escolar é necessário para a educadora que queira romper com o autoritarismo pedagógico. Se o tempo das experiências com as crianças estiver voltado ao interesse de terceiros, dificilmente estará compatível com as necessidades delas. O tempo dos empregos, dos gestores e das vans escolares tem sido o tempo do capitalismo. É o tempo de educar para a servidão, a subalternidade, a superficialidade, o consumo, a colonização e o autoritarismo. Não é, de fato, o tempo de educação para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana.

O tempo de formar as crianças para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana nada mais é do que o tempo de deixá-las serem quem são, bebês ou crianças; é o tempo da liberdade, da criatividade, da imaginação, de meninizar-se, de ter curiosidade, de revolucionar-se, de criar, de inventar e reinventar. Nesse sentido, a professora que reinventa o tempo dos tempos pedagógicos entende que tal esforço “[...] deve começar na pré-escola, intensificar-se no período da alfabetização e continuar sem jamais parar” (FREIRE, 1997, p. 26).

Quanto mais o ser humano cresce e avança nas etapas da Educação Básica no Brasil, mais o tempo dele vai se tornando o tempo do capital, do vestibular, do emprego, do menor aprendiz, dos cursos profissionalizantes, do curso de inglês, de não se perder tempo, de ser um tempo produtivo economicamente e- pouco humanamente. A professora que tem amor às suas crianças e ao ofício de educar saberá que o tempo de humanizar-se é pouco valorizado aos olhos do capital, mas tempo primordial para aprender a viver de forma mais respeitosa e tolerante em uma sociedade que necessita desses valores, como é o caso do Brasil. Saberá, ainda, que não pode reinventar o tempo sozinha, visto que “[...] este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (FREIRE, 2019b, p. 111).

Autoridade e liberdade na Educação Infantil

Um trabalho pedagógico que cultive a curiosidade das crianças, educando-as para a cidadania e para a liberdade, não pode ser realizado sem forte senso de responsabilidade (FREIRE, 2001). Para longe de qualquer adultocentrismo na relação com as crianças, a professora precisa assumir a sua autoridade junto a elas, orientá-las da maneira mais humana possível, corrigi-las sempre que os princípios humanos e o direito de outras crianças e de outros adultos for negligenciado. Permitir que uma criança faça o que quiser é licenciosidade. Ao contrário de educá-la, está, na verdade, deseducando-a e indisciplinando-a. Autoridade não é autoritarismo, e não significa agir com violência, oprimir ou controlar. A relação autoridade-liberdade possui uma tensão não muito bem resolvida, pois ainda se confunde, muitas vezes, autoridade com autoritarismo e liberdade com licenciosidade. Para Freire (2001, p. 36), é o bom senso da professora que permitirá exercer a sua autoridade, seja “[...] tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo [...]”, para que assim ela possa cumprir o seu dever de educar.

No contexto da Educação Infantil, por um lado, a autoridade identifica-se com a figura da professora, que carrega uma responsabilidade com a educação da criança e, a partir de sua experiência humana e científica, deverá ensiná-la o seu saber e, ao mesmo tempo, aprender a conhecer a realidade e a ouvir a criança. Por outro lado, a criança, por estar em uma fase natal, é um ser curioso e instigado a aprender, tendo a liberdade de questionar a professora, de dizer “por quê?”, e, concomitantemente, procurar estabelecer uma relação de respeito com a autoridade e a experiência de mundo trazida por sua educadora. Paulo Freire, ao defender uma Pedagogia da Autonomia, pontua enfaticamente que: “A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada” (FREIRE, 2019a, p. 65).

Não há autonomia que seja construída em um ser humano sem que haja a presença de uma autoridade por perto. A necessidade da autoridade na educação dos mais novos dá-se, sobretudo, quanto à imprescindibilidade de alertá-los sobre os perigos do mundo e os cuidados necessários à preservação da vida. Mesmo que não haja maldade na ação das crianças, há maldade no mundo, e o adulto deve assumir sua responsabilidade ética-política de delas cuidar e proteger. Cuidar das crianças é amá-las e protegê-las sem sufocar, é cultivar o potencial revolucionário das meninas e dos meninos para que aos poucos possam desabrochar nos jardins do mundo. Para Paulo Freire, em toda prática educativa há uma diretividade:

A educação, qualquer que seja ela – a educação autoritária como a educação democrática – ambas implicam uma certa diretividade. Para mim, o problema que se coloca é que uma educação democrática tem uma diretividade que se limita. A diretividade do educador numa postura democrática é limitada pela capacidade criadora do educando. Quer dizer: no momento em que a diretividade do educador interfere na capacidade criadora, formuladora, indagadora do educando, então a diretividade mínima necessária se converte em manipulação. E aí, então, a diretividade que vira manipulação constitui exatamente caráter fundamental da educação autoritária. (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 120).

A criança por ser nova no mundo está disponível para viver as experiências culturais, políticas e sociais que os mais velhos já viveram. Assim, ela necessita ser educada para que possa direcionar da melhor maneira possível suas escolhas em sua liberdade. No entanto, o adulto não pode não deixar a criança correr riscos em suas escolhas, não pode querer decidir tudo pela criança sem que ela também aprenda a decidir e a escolher. Se a criança não escolhe, não diz, não se expressa, está sendo castrada, e, por isso, aprendendo a ser autoritária e colonizada. A autoridade e a diretividade que buscam guiar coerentemente as crianças na formação para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana precisam ter limites e deixá-las respirar livremente. Ao olhar para a instituição de Educação Infantil, os momentos de brincadeiras livres entre as crianças são primordiais, assim como o momento de desenhos livres, de elas sugerirem as músicas para cantar e dar significados a diferentes objetos e acessórios que estão dispostos na sala educativa e em outros espaços da instituição. Como destacado por Paulo Freire, se a diretividade da professora começa a interferir na capacidade criadora das crianças é sinal de que há nessa ação a manipulação e o autoritarismo pedagógico.

A autoridade da professora que trabalha com crianças só amadurece ao praticar, estudar e entender mais sobre como são as crianças, onde vivem, do que gostam e o jeitinho de cada uma ser. Não é possível saber disso sem com elas verdadeiramente estar, abraçar e olhar. É no diálogo que se constrói com as crianças uma relação de confiança, e, assim, aos poucos, elas vão aderindo ao projeto pedagógico revolucionário. É impossível querer educar as crianças para serem criativas, independentes e curiosas se nos primeiros dias de convívio a professora queira mostrar-se imponente, autoritária e zeladora da ordem e da disciplina. Educar crianças para a emancipação humana requer começar pela sensibilidade, pelo diálogo, pela liberdade e pela curiosidade, de modo a desenvolver e criar com elas, gradativamente, o senso de disciplina necessário ao ambiente escolar, mas sem ter como finalidade escolarizá-las, castrá-las ou apassivá-las.

É preciso começar corporificando pelo exemplo e não pelo que não deve se tornar o ambiente pedagógico, pois, se está “[...] num lado da rua, ninguém estará em seguida no outro, a não ser atravessando a rua. Se estou no lado de cá, não posso chegar ao lado de lá, partindo de lá, mas de cá” (FREIRE, 1989, p. 17). Educar crianças para a invencionática, para a cidadania e para a emancipação humana não é educá-las como cidadãos plenos de direitos políticos e expressos como se faz na educação de jovens ou de adultos, por exemplo. Essa condição ainda irá chegar em outro momento. Educar crianças para a cidadania e para a emancipação humana é educá-las como crianças, na curiosidade, na invencionática, no revolucionismo infantil, é ir construindo junto a elas as regras do jogo, sendo a professora uma mediadora do processo e da articulação entre o mundo das crianças e o mundo humano no qual elas são recém-chegadas.

O senso de autoridade da professora, para longe de qualquer neutralidade, é uma qualidade política de seu ofício. A professora que, junto às crianças, assume a responsabilidade com o mundo e se fundamenta no respeito à diversidade e à democracia tem uma autoridade ética, uma virtude amorosa com as crianças e com a humanidade (FREIRE, 2019a). A prática dessa professa não cria dicotomias entre aquilo que ela diz e faz, nem entre a experiência das crianças e o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.

A prática de uma professora que possui ética e senso de autoridade é problematizadora, uma vez que as crianças vão “[...] desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo” (FREIRE, 2019b, p. 100). A prática problematizadora é o que mantém o mundo vivo para as crianças e elas vivas para o mundo. Se elas compreendem que há a existência da vida, perceberão que há motivo para serem felizes e terem mais curiosidade, como, por exemplo, querer saber a origem delas mesmas. Uma criança que pergunta à mãe, ao pai ou à professora sobre como ela nasceu, está aprendendo a filosofar sobre a vida, está tomando conta de sua própria existência.

Educar crianças pela curiosidade: ato revolucionário

Nenhuma “ordem” opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: “Por quê?”

(FREIRE, 2019b, p. 106).

Uma instituição de Educação Infantil que realiza um sério trabalho na formação de crianças precisa se tornar um ambiente do “por quê?”, em que todos os seus espaços estimulam a curiosidade das crianças. O “por quê?” vindo da criança é uma virtude revolucionária essencial ao mundo em que vivemos, ao Brasil, às vilas e às favelas, aos quilombos, ao interior, aos campos, às aldeias, ao primeiro, ao segundo e ao terceiro mundo. A palavra “por quê” tem seu significado carregado de meninice, de algo novo, daquilo que não se satisfaz com o velho e com aquilo que já não mais é visto por quem se acostumou com o mundo do jeito que é e com suas injustiças.

A sociedade da dominação masculina (BOURDIEU, 2002) estremece com o “por quê?”. O autoritarismo e a colonialidade se enfraquecem com o “por quê?”. A elite branca brasileira se desespera quando os trabalhadores dizem “por quê?”. As famílias autoritárias e colonizadas são convidadas a repensarem o tratamento dado aos(às) filhos(as) quando estes(as) aprendem a dizer “por quê?” ou quando alguém questiona o porquê de assim tratá-los(as). A professora indiferente e castradora da curiosidade é convidada a repensar sua prática quando as crianças dizem “por quê?”. Uma escola ou uma instituição de Educação Infantil não será a mesma quando todos que ali estão aprenderem a dizer “por quê?”. Como diz Freire, a maior radicalidade que há na existência humana “[...] é a radicalidade do ato de perguntar [...]”, essa sim é capaz de promover a transformação do mundo (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 27).

Nem todo “por quê?” que a criança direciona à professora precisa ser respondido naquele momento. Contudo, uma professora comprometida com a formação de cidadãos e com a emancipação humana pode propor caminhos para buscar respostas ou fazer novas descobertas a partir da curiosidade da criança. O “por quê” da criança não pode ser castrado ou ignorado. Pelo contrário, é preciso ser cultivado para que a criança continue a pensar e a questionar o mundo ao longo de seu caminhar. Se o interesse da criança é por saber mais sobre minhocas, pipas, cabelos crespos, brinquedos e comidas, é importante a professora construir estratégias para a inclusão desses temas no dia a dia da turma, em busca de valorizar o que a criança diz. Se isso for feito, cada vez mais a criança irá sentir confiança no trabalho pedagógico e será estimulada a propor novos “por quês?” em um ambiente de boas e diferentes experiências. Alimentar a curiosidade infantil é romper com a educação adultocêntrica, colonial e autoritária; logo, é estar junto às crianças na construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida.

Quando se observa o comportamento das crianças, há aquelas que aparentam ser rebeldes. Isso pode ser aproveitado para uma formação humana, desde que a rebeldia se promova em posturas revolucionárias. Não será “[...] na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos” (FREIRE, 2019a, p. 47), sejam adultos ou crianças. A rebeldia por si só não é suficiente para a inclusão das crianças na sociedade. No entanto, sem a essência da rebeldia as crianças continuarão sendo excluídas de uma série de espaços sociais. Lembro-me de uma conversa que tive com uma professora revolucionária que atua na Educação Infantil de São Paulo, em que ela disse que, para trabalhar na periferia com as crianças, é necessário ocupar com elas os espaços que existem na periferia. Se na periferia não tem calçada para andar protegidas nas ruas, é preciso levar as crianças para dar uma volta no bairro, pois somente ao levar as crianças para ocuparem os espaços onde faltam as políticas públicas urbanas voltadas à primeira infância é que o poder público irá enxergá-las e valorizá-las; caso contrário, as crianças continuarão presas e resignadas. Com essa ação, a professora revolucionária também mostrará às crianças como é importante aprender a dizer “por quê?”. Paulo Freire também diz o mesmo sobre a Pedagogia da Autonomia:

Por que não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? (FREIRE, 2019a, p. 16).

Na prática de uma professora compromissada com a formação cidadã e humana, não se pode deixar de fazer uma leitura crítica com as crianças de suas respectivas realidades que, muitas vezes, são “descuidadas pelo poder público”. Esse aspecto pode ser trabalhado, por exemplo, em projetos de “identidade” que costumam ser desenvolvidos em instituições de Educação Infantil, para que as crianças reflitam sobre suas famílias e os bairros onde moram.

Pensar com as crianças desde a tenra idade as contradições que afetam o entorno da instituição de Educação Infantil significa não colonizá-las e não domesticá-las: “Pensar com elas significaria já não dominar” (FREIRE, 2019b, p. 177). Se a professora e a instituição solicitam autorização das famílias com mais frequência para levar as crianças ao shopping e/ou dar brinquedos e guloseimas em datas comemorativas, como, por exemplo, na semana das crianças e na Páscoa, em detrimento de levá-las a conhecer e refletir criticamente sobre o próprio território em que habitam, estarão mais engajadas na formação de consumidores do que de cidadãos que poderão contribuir com a mudança da realidade local. Não que não seja importante as crianças assistirem a um filme no cinema do shopping junto aos colegas de sua turma e/ou ganhar um presente que as façam felizes, mas dar ênfase a esse tipo de ação não é, efetivamente, formar e construir uma consciência mais crítica junto às crianças. É preciso ter cuidado e atenção a certas escolhas constantes que estão na prática pedagógica de algumas instituições e professoras e que pouco contribuem para a formação cidadã e humana. A Educação Infantil não pode virar assistencialismo em detrimento da formação humana. É preciso criar práticas de diálogos constantes com as crianças, conversar com elas sobre a realidade em que vivem, o que tende a potencializar criticamente os diálogos entre crianças e professoras.

Professoras da Educação Infantil precisam compreender que educar ou ensinar crianças não pode se resumir a dar respostas a elas, mas trabalhar com elas o aprender a perguntar (FREIRE; FAUNDEZ, 1985). A curiosidade necessária às crianças envolvidas em uma prática pedagógica revolucionária “[...] não deve ser estimulada apenas a nível individual, mas a nível de grupo. O que vale dizer: o convite à assunção da curiosidade na busca da leitura do real, do concreto, deve ser um convite não apenas ao menininho A, ao menininho B, mas ao grupo de estudantes, de crianças” (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 72). É preciso que a curiosidade cresça com elas coletivamente, que haja diálogos entre as crianças sobre as diferenças culturais, religiosas, de gostos ou opiniões, por exemplo, já que o conhecimento é também social e não apenas individual. Como destaca Freire, não se nega que seja possível alcançar “[...] resultados extraordinários com o menino A, B, C, ou D! Mas, para mim, o fundamental não é isso. O fundamental é o crescimento do social, no qual o individual cresce necessariamente” (FREIRE; GUIMARÃES, 2020, p. 134).

O papel da professora na promoção de uma educação curiosa, longe de tratar as crianças com ironia ou indiferença, é ajudá-las a repensarem em suas perguntas, sempre buscando com elas a melhor maneira de perguntar. As crianças precisam ir aprendendo “[...] a relação dinâmica, forte, viva, entre palavra e ação, entre palavra-ação-reflexão” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 26). Para que caminhem juntas as ações de agir (ação), falar (palavra) e conhecer (reflexão) na prática pedagógica, Paulo Freire sugere que a professora, por exemplo, aproveite-se da “[...] própria experiência dos alunos durante uma manhã de trabalho dentro da escola, no caso de uma escola de crianças, [para] estimulá-los a fazer perguntas em torno da sua própria prática e as respostas, então, envolveriam a ação que provocou a pergunta” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 26).

Uma prática pedagógica revolucionária que se meniniza, que desperte a curiosidade, está empenhada para que perguntas e respostas estejam conectadas, acessíveis aos olhos, às mãos e às vozes das crianças. Assim, as pequenas vão também se descobrindo como curiosas e revolucionárias, que podem alimentar sonhos, utopias e o desejo de viver em um mundo mais feliz.

Considerações finais

A tinta pinta o asfalto/Enfeita a alma motorista/É a cor na cor da cidade/Batom no lábio nortista/O olhar vê tons tão sudeste/E o beijo que vós me nordestes/Arranha céu da boca paulista [...]/Os sem paixão sem alqueire/ No peito dos sem peito uma seta/E a cigana analfabeta/Lendo a mão de Paulo Freire/[...] Bari bari/Tem uma bala no meu corpo/Bari bari/E não é bala de côco

Chico César (1995, n.p.).

O brincar com a melodia, sonorizar as palavras com gosto de rebeldia e reinventar o educador dos oprimidos no ritmo da poesia são ensinamentos artísticos que Chico Cesár traz na música Beradêro, escrita em 1995, em homenagem a Paulo Freire. O cantor e o educador têm duas coisas em comuns: ambos se meninizam, um na pedagogia e o outro na cantoria; são, também, originais em suas produções, pois assumem um posicionamento claramente politizado e a favor dos povos oprimidos.

Inspirados em Paulo Freire e inspirados em Chico César, apontamos, ao longo deste texto, possibilidades para a construção de uma Pedagogia da Primeira Infância Oprimida. Cientes das desigualdades sociais que assolam o Brasil, defendemos que, para além de uma Pedagogia da Educação Infantil, precisamos de uma pedagogia que trabalhe desde a primeira infância a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a favor da erradicação da pobreza e no combate à marginalização dos oprimidos da terra, a favor da inclusão de todos(as) sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação. Pedagogia esta que só é possível se for revolucionária, propulsora da curiosidade e da criatividade nas crianças, e, por isso, construída junto a elas.

Mesmo que ainda não estejam em plena condição de cidadania e de liberdade, as crianças precisam ser educadas para elas, o que requer que as professoras sejam destemidas, ousadas, criativas e abertas para o imprevisível – ainda que estejam conectadas às crianças e radicalizem os tempos pedagógicos tão submissos aos tempos de terceiros. É preciso que professoras que atuam na Educação Infantil estejam atentas aos vestígios coloniais presentes nas relações que estabelecem com as crianças e nas relações que estas estabelecem entre si. Quando em atividades pedagógicas as crianças apenas repetem o que a professora faz ou fala, é sinal de que o autoritarismo e a colonialidade estão ali, vivos, atuando nas mentes das crianças e de suas professoras, dominando-as.

Amar as crianças é cultivar seu potencial revolucionário para que reinventem as cidades, os tempos e continuem a mostrar à pedagogia e à ciência que há coisas novas e possíveis de serem feitas para humanizar o mundo, deixando-o mais fraterno e esperançoso. Cada criança que habita o solo desta “Pátria amada Brasil” precisa ser incentivada a ter curiosidade sobre o mundo, sobre si mesma, sobre qual é o caminho para a felicidade, sobre a origem da vida, a compreender as raízes das injustiças que nos assombram e a se arrepiar desde a tenra idade perante estas.

Uma pedagogia construída na perspectiva das crianças oprimidas e que vise combater a opressão vivida por elas e por seus antepassados possibilitará com que elas caminhem ao encontro de identidades que a pedagogia colonizadora e epistemicida eliminou nas vidas de seus antepassados. Por isso, é uma pedagogia em direção à reafricanização, já que a maioria das crianças que vivem nas periferias tem ancestralidade africana e integram a comunidade afrobrasileira. Se assim como Chico Cesár (1995) acreditamos que a Cigana analfabeta tem conhecimento lendo as mãos de Paulo Freire, assim como Paulo Freire (1997, p. 56), no que diz respeito a uma pedagogia revolucionária e a favor dos oprimidos, estamos convencidos, “[...] de que tal experiência formadora poderia ser feita, com nível de exigência adequado à idade das crianças, entre aquelas que ainda não escrevem”.

Notes

1Sempre que considerarmos, neste texto, a cidadania articulada com uma educação descolonizadora, estamos nos referindo, assim como Santos (2016) e Tonet (2016) fizeram, à cidadania compreendida de forma estratégica para o alcance de uma liberdade maior que é a emancipação humana.

2Em Freire, liberdade, conforme aponta Comblin (apud SUNG, 2018, p. 289) “[...] não se alcança satisfazendo os desejos imediatos e alienantes, mas no encontro com outras pessoas, no serviço da vida do próximo e da libertação”.

3Compreendemos emancipação humana em uma perspectiva marxiana como “[...] aquela que permite a absorção do cidadão abstrato pelo homem individual, que faz deste, em sua vida cotidiana, um ser genérico solidário com os seus semelhantes” (FREDERICO apud SANTOS, 2016, p. 18). Já Noguera (2018, n.p.) aponta que o filósofo camaronês Mbembe apresenta outra proposta de saída emancipatória frente aos desafios da civilização planetária: “[...] que a população negra mundial, assim como os povos indígenas, abandone o estatuto da vítima (o que não podemos confundir com vitimização) e a população branca deixe de negar os privilégios e a responsabilidade histórica”.

4O termo invencionática foi apresentado por Barros (2008) no poema “O apanhador de desperdícios”, o qual quer dizer ser alguém que jamais perde o potencial curioso e brincante de estar no mundo, com as pessoas e as coisas do mundo.

6Disponível em: https://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/ESC10/10-obras.pdf. Acesso em: 7 mar. 2021.

7Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire#Obras. Acesso em: 7 mar. 2021.

9Disponível em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/3634. Acesso em: 7 mar. 2021.

10Este texto também está disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4713.pdf. Acesso em: 7 mar. 2021.

11Disponível em: https://www.pucsp.br/paulofreire/sobre-obras.php. Acesso em: 7 mar. 2021.

12Disponível em: https://www.estantevirtual.com.br/busca?q=paulo%20freire. Acesso em: 7 mar. 2021.

13A lista completa dos livros de Paulo Freire encontrados em nossa pesquisa pode ser acessada em: https://drive.google.com/file/d/1wjQN9tvOp9b2b-Bn-NVwgkyLjOMlF3eI/view?usp=sharing. Acesso em: 7 mar. 2021.

14Este texto é parte da minha de tese de Doutorado em Educação pela UFMG, sob a orientação do Prof. Dr. Ademilson de Sousa Soares a quem muito agradeço pelas preciosas contribuições. Agradeço também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa.

15Na época, ainda eram crianças de 0 a 6 anos. Para mais informações, ver as alterações na LBDEN com a Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013 (BRASIL, 2013a).

16Ao longo deste texto, adotaremos os substantivos no feminino para referirmo-nos às professoras em formação e formadas nos cursos de licenciatura em Pedagogia, que, de modo geral, é composto por mulheres. Esperamos que dessa forma, possamos aproximar esses sujeitos das reflexões propostas, assim como Paulo Freire (1997) fez no livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. Em alguns casos, haverá exceção.

17Sobre o conceito de adultocentrismo, concordamos com a definição de Santiago e Faria (2015, p. 73), que dizem: “O adultocentrismo é um dos preconceitos mais naturalizados pela sociedade contemporânea. Ele atribui capacidades e fazeres às crianças para que se tornem adultas no futuro, desconsiderando os aspectos singulares da própria infância, tornando esse momento da vida apenas uma passagem, apenas um vir a ser, em que aprendemos a nos relacionar e a nos integrar à sociedade [...]. A infância, na perspectiva adultocêntrica, é somente um período de transição e de aquisição dos elementos simbólicos presentes na sociedade, tendo a criança, assim, uma condição de ser menor, ser inferior, lugar que lhe é dado pelo grupo dominante correspondente: os adultos e as adultas” (SANTIAGO; FARIA, 2015, p. 73).

18Como destaca Lewis (2019), na origem colonizadora da educação, os povos que não tinham cidadania reconhecida socialmente, por exemplo, os escravizados e os nativos de determinadas regiões, como os indígenas no Brasil, foram cristianizados por seus colonizadores para que se tornassem “dóceis”, domesticados e vivessem na pobreza. Essas marcas ainda existem nos dias de hoje e estão fortemente presentes na Educação Básica de um modo geral, o que inclui também a Educação Infantil.

19A publicação de Ana Paula Xongani está disponível em: https://www.instagram.com/p/Bix4h-xgyw2/?utm_source=ig_embed. Acesso em: 7 mar. 2021.

20Para ver mais sobre o darwinismo social, veja os estudos de Heilborn, Araújo e Barreto (2010).

21O filme Alike está disponível em: https://m.youtube.com/watch?v=33vZGW7WH9Q. Acesso em: 7 mar. 2021.

22Sobre o autoritarismo, “[...] Freire parte de uma constatação: o diálogo proposto pelas elites é vertical, forma o educando passivo, impossibilitando-o de reação e criação, ao impor silêncio e obediência. [...] Freire (1982) avança na demarcação conceitual em torno de suas concepções acerca de diferenças entre a pedagogia do colonizador e a pedagogia do oprimido, momento em que a sua ótica de classe é explicitada e a pedagogia burguesa e colonizadora é bancária. A consciência do oprimido encontra-se imersa no mundo organizado pelo opressor, um mundo sustentado pelo autoritarismo, razão pela qual há uma duplicidade que o envolve: por um lado, o opressor encontra-se hospedado na consciência do dominado, o que produz medo de ser livre e, por outro, há o desejo e a necessidade de liberdade” (GHIGGI, 2018, p. 64).

23Uma das frases célebres de Nelson Mandela é: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/10-frasescoisas-que-aprendi-com-nelson-mandela/. Acesso em: 8 jun. 2020.

24Podemos observar, a partir de Schwarcz (2019), que o autoritarismo brasileiro, além de ser uma forma de governabilidade, que também está representada atualmente no Poder Executivo do Brasil, é, portanto, produto do projeto moderno-capitalista-colonizador-eurocêntrico para dominação e negação dos “Outros”, que são os povos subalternos: negros e índios (DUSSEL, 1993; QUIJANO, 2005). Por isso, autoritarismo e colonialidade possuem relação intrínseca.

Referências

ABRAMOWICZ, A. Sociologia da Infância: traçando algumas linhas. Contemporânea, São Carlos, v. 8, n. 2, p. 371-383, jul./dez. 2018. DOI: https://doi.org/10.4322/2316-1329.064Links ]

ABRAMOWICZ, A.; OLIVEIRA, F. As relações étnico-raciais e a sociologia da infância no Brasil: alguns aportes. In: BENTO, M. A. S. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: CEERT, 2012. p. 47-64. [ Links ]

ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T. C. Descolonizando as pesquisas com crianças e três obstáculos. Educação & Sociedade, Campinas, v. 35, n. 127, p. 461-474, abr./jun. 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/s0101-73302014000200007Links ]

ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Editora Jandaíra, 2020. [ Links ]

BARROS, M. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2008. [ Links ]

BEISIEGEL, C. R. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. [ Links ]

BELLO, E. O pensamento descolonial e o modelo de cidadania do novo constitucionalismo latino-americano. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, São Leopoldo, v. 7, n. 1, p. 49-61, jan./abr. 2015. DOI: https://doi.org/10.4013/rechtd.2015.71.05Links ]

BORGES, N. G. Cidadania e democracia no Brasil pós-colonial: abordagem crítica. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017. [ Links ]

BOURDIEU, P. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. [ Links ]

BRANDÃO, C. R.; BORGES, M. C. A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 6, p. 51-62, jan./dez. 2007. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Edições Câmara, 2014. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação, 2018. Atualizada até a EC n. 99/2017. [ Links ]

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2013a. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 135, p. 13563, 16 jul. 1990. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 248, p. 27833-27841, 23 dez. 1996. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 8, p. 1, 10 jan. 2003. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 48, p. 1, 11 mar. 2008. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 12.612, 13 de abril de 2012. Declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12612.htm. Acesso em: 8 mar. 2018. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 65, p. 1-2, 5 abr. 2013b. [ Links ]

BRASIL. Parecer Nº 20, de 11 de novembro de 2009. Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica, [2009]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pceb020_09.pdf. Acesso em: 10 set. 2019. [ Links ]

BRASIL. Resolução Nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 92, p. 11-12, 16 maio 2006. [ Links ]

CÉSAR, C. Beradêro. 1995. Disponível em: https://www.letras.mus.br/chico-cesar/128518/. Acesso em: 4 ago. 2020. [ Links ]

DANNER, L.; DORRICO, J.; DANNER, F. Decolonialidade, lugar de fala e voz-práxis estético-literária: reflexões desde a literatura indígena brasileira. ALEA, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 59-74, jan./abr. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1517-106x/20202215974Links ]

DUSSEL, E. 1492 - O encobrimento do outro: a origem do “mito da Modernidade”. Tradução, Jaime Clasen. Petrópolis: Vozes, 1993. [ Links ]

FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 58. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019a. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 68. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019b. [ Links ]

FREIRE, P. Política e educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. [ Links ]

FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d´Água, 1997. [ Links ]

FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. [ Links ]

FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Partir da infância: diálogos sobre educação. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. [ Links ]

GHIGGI, G. Autoridade. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 62-63. [ Links ]

GOMES, N. L. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017. [ Links ]

HEILBORN, M. L.; ARAÚJO, L.; BARRETO, A. Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça III – Políticas Públicas e Raça. Rio de Janeiro: CEPESC/Brasília: SPM, 2010. [ Links ]

KOHAN, W. O. Paulo Freire: outras infâncias para a infância. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, p. 1-33, 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-4698x199059Links ]

KOHAN, W. O. Tempos da escola em tempo de pandemia e necropolítica. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 15, e2016212, p. 1-9, 2020. DOI: https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.16212.067Links ]

LEWIS, I. W. Violência histórica na sociedade brasileira colonizada. Manaus: Editora Mundo Novo, 2019. [ Links ]

MENEGHETTI, F. K. O que é um Ensaio-Teórico? Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 15, n. 2, p. 320-332, mar./abr. 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/s1415-65552011000200010Links ]

MINAYO, M. C. de S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. de S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. p. 9-29. [ Links ]

MORAIS, W. B.; SILVA, O. H. F. Traumas afortalezados pela pandemia da Covid-19: as experiências adversas na infância e a relação criança-trauma. Revista Interdisciplinar Sulear, Ibirité, v. 3, n. 7, p. 81-88, jul. 2020. [ Links ]

NOGUERA, R. A democracia é possível? CULT, 2018. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/democracia-e-possivel/. Acesso em: 13 mar. 2021. [ Links ]

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e Ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 117-142. [ Links ]

RIBEIRO, D. Lugar de fala. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020. [ Links ]

ROCHA, E. A. C. A pedagogia e a Educação Infantil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 16, p. 27-34, jan./abr. 2001. DOI: https://doi.org/10.1590/s1413-24782001000100004Links ]

SANTIAGO, F.; FARIA, A. L. G. de. Para além do adultocetrismo: uma outra formação docente descolonizadora é preciso. Educação e Fronteiras Online, Dourados, v. 5, n. 13, p. 72-85, jan./abr. 2015. [ Links ]

SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020. [ Links ]

SANTOS, P. R. F. “Cidadania Crítica” ou “Crítica da Cidadania”?: Um debate a partir das categorias de emancipação política e emancipação humana nos escritos do “Jovem Marx”. Emancipação, Ponta Grossa, v. 16, n. 1, p. 9-22, 2016. DOI: https://doi.org/10.5212/emancipacao.v.16i1.0001Links ]

SANTOS NETO, E.; ALVES, M. L.; SILVA, M. R. P. Por uma Pedagogia da Infância Oprimida: as crianças e a infância nas obras de Paulo Freire. EccoS, São Paulo, n. 26, p. 37-58, jul./dez. 2011. DOI: https://doi.org/10.5585/eccos.n26.3214Links ]

SCHWARCZ, L. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. [ Links ]

SILVA, O. H. F. da. Educação Infantil em Betim (1958-2016). Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Synergia, 2016. [ Links ]

SOARES, A. de S. Obras de Paulo Freire citadas em dissertações e teses publicadas entre os anos de 2006 a 2016. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1BflZ-zGoF-s8q0AlnPILILZlKSQO6oJ8/view?usp=sharing. Acesso em: 13 mar. 2021. [ Links ]

SUNG, J. M. Liberdade. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 288-290. [ Links ]

TONET, I. Educação contra o capital. 3. ed. São Paulo: Instituto Lukács, 2016. [ Links ]

UFV. Universidade Federal de Viçosa. Projeto Pedagógico do Curso de Educação Infantil – Licenciatura. Viçosa: UFV, 2017. [ Links ]

ZITKOSKI, J. J. Dialética. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 138-139. [ Links ]

Recebido: 08 de Agosto de 2020; Revisado: 18 de Março de 2021; Aceito: 19 de Março de 2021; Publicado: 30 de Março de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.