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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.16  Ponta Grossa  2021  Epub 20-Oct-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.16.16602.011 

Dossiê: Paulo Freire (1921-2021): 100 anos de história e esperança

Paulo Freire e a Educação Profissional Técnica e Tecnológica

Paulo Freire and Technical and Technological Professional Education

Paulo Freire y la Educación Profesional Técnica y Tecnológica

Sandra Terezinha Urbanetz* 
http://orcid.org/0000-0003-0425-8538

Eliana Nunes Maciel Bastos** 
http://orcid.org/0000-0003-4009-8762

*Doutora em Educação – Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora do Instituto Federal do Paraná – Campus Curitiba. E-mail: <sandra.urbanetz@ifpr.edu.br>

**Mestre em Educação – Instituto Federal do Paraná. Professora e Pedagoga da Rede Municipal de Pinhais/PR. E-mail: <elianamaciel1982@gmail.com>


Resumo:

Este artigo teve como objetivo resgatar e refletir como os ensinamentos de Paulo Freire sobre os ideais de uma educação libertadora, dialógica e democrática podem auxiliar a efetivação dos pressupostos da Educação Profissional Técnica e Tecnológica. Buscou-se discutir os conceitos fundamentais nos estudos Freirianos para a execução de uma educação humanística nos ínterins das escolas contemporâneas, visando à formação omnilateral dos educandos, a fim de que estes possam ser capazes de construir suas sociabilidades como cidadãos autônomos e protagonistas de suas histórias. O legado Freiriano parece extremamente atual em função da realidade que tanto aflige os profissionais da educação brasileira. Dessa forma, o texto discute os pressupostos da educação profissional à luz dos ensinamentos do grande educador brasileiro.

Palabras-clave: Paulo Freire; Educação Profissional; Formação integral

Abstract:

This article aimed to rescue and reflect on how Paulo Freire’s teachings on the ideals of a liberating, dialogical and democratic education can help to implement the assumptions of the Technical and Technological Professional Education. It was sought to discuss the fundamental concepts in the Freirian studies for the implementation of humanistic education in the interim of contemporary schools, aiming at the omnilateral education of students, so that they may be able to build their sociability as autonomous citizens and protagonists of their stories. The Freirian legacy seems extremely current due to the reality that afflicts professionals in the Brazilian education. Thus, the text discusses the assumptions of professional education in the light of the teachings of the great Brazilian educator.

Keywords: Paulo Freire; Professional Education; Integral education

Resumen:

Este artículo tuvo como objetivo rescatar y reflexionar sobre cómo las enseñanzas de Paulo Freire sobre los ideales de una educación liberadora, dialógica y democrática pueden auxiliar la efectuación de las suposiciones de la Educación Profesional Técnica y Tecnológica. Se buscó discutir los conceptos fundamentales en los estudios Freirianos para la ejecución de una educación humanística en los interines de las escuelas contemporáneas, con miras en la formación omnilateral de los educandos, con la finalidad de que estos puedan ser capaces de construir sus sociabilidades como ciudadanos autónomos y protagonistas de sus historias. El legado Freiriano parece extremadamente actual en función de la realidad que tanto aflige a los profesionales de la educación brasileña. De esta forma, el texto discute las suposiciones de la educación profesional a la luz de las enseñanzas del gran educador brasileño.

Palabras claves: Paulo Freire; Educación Profesional; Formación integral

Introdução

A discussão proposta neste artigo tem como objetivo principal elucidar a relevância dos ideais propagados por Paulo Freire, os quais estão disponíveis nos registros dos seus tantos livros, como também são disseminados pelas vozes dos educadores libertadores que, incansavelmente, fazem e refazem a educação com amorosidade, respeitando, profundamente, o ser humano. Os desafios do fazer educacional imerso em contraditórias condições históricas brasileiras requer posicionamentos comprometidos dos e das profissionais da educação, os quais permanentemente, buscam ou devem buscar novas maneiras de lidar com as adversidades do cotidiano educativo.

Diante da realidade dos espaços educacionais, é extremamente necessário o ato de pensarmos e realizarmos ações educativas sob a égide do respeito mútuo, do valor à diversidade, à vida humana em todos os seus aspectos, e tais ações podem ser grandemente inspiradas ou mesmo estimuladas pelos ideais do legado Freiriano. Urge, assim, em nosso tempo e espaço, a prática pedagógica firmada no diálogo, na liberdade, na humanização, a fim de que o ambiente educacional seja constituído como um espaço democrático, que possa viabilizar a construção de cidadãos e cidadãs que estejam dispostos e capacitados para atuarem em suas sociabilidades com destreza.

Acreditamos na influência de Paulo Freire para que a educação seja realizada com mais humanismo. Nesse aspecto, Bastos (2020) explicita:

Educar pautados no humanismo é dar voz e vez aos sujeitos participantes dos processos educativos. Um educador humanista deve trabalhar em prol da humanização de todos, para que haja liberdade de criação no âmbito educacional, acreditando sempre no poder criador dos sujeitos humanos. (BASTOS, 2020, p. 35).

Assim sendo, buscamos, neste texto, discutir como possibilidade para a Educação Profissional Técnica e Tecnológica (EPT) contemporânea trilhar os ensinamentos do educador Paulo Freire, a fim de que a educação seja, realmente, um instrumento em prol da transformação da vida das pessoas, encorajando estas a serem protagonistas de suas histórias, tornando-se sujeitos dos seus mundos.

A relevância dos ideários Freirianos

O contexto atual educativo encontra-se permeado de inúmeras adversidades, as quais só poderão ser desvencilhadas com muita esperança, pois essa virtude, segundo os ideários de Paulo Freire, faz-se primordial na luta pela aquisição de um mundo menos desigual aos seres humanos. Acreditamos que a “[...] esperança é uma necessidade ontológica” (FREIRE, 1992, p. 5). Desse modo, esperançar-se diante das adversidades é um ato natural do sujeito humano, que luta e acredita na construção de ambientes humanos favoráveis ao desenvolvimento social das pessoas com equidade.

Isso posto, faz-se necessário trazer à tona os ensinamentos Freirianos, de modo a percebermos a contribuição para a EPT. Ao pensarmos a possibilidade da formação técnica em uma perspectiva integrada, entendemos que, quando o sujeito está empenhado em participar do seu mundo histórico e político, utilizando suas habilidades para ser e estar em seus ambientes de vivência, é totalmente natural que tal sujeito renove sua esperança, periodicamente, por intermédio de suas ações com e no mundo. Isso significa superarmos a educação bancária, tão comum nas ofertas educativas em todos os níveis e modalidades de ensino, e muito mais comum ainda na educação profissional, cuja organização curricular ainda se mostra fragmentada e, muitas vezes, desarticulada, mesmo com toda a discussão e a proposta do Ensino Médio Integrado (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012).

O legado Freiriano proporciona múltiplas condições para aprimorarmos as visões de mundo que permeiam os entendimentos contemporâneos, e uma dessas contribuições está, certamente, explícita em sua obra Pedagogia da Esperança, que será elucidada no decorrer deste texto, vinculada aos preceitos de uma educação integrada como possibilidade da EPT. O termo ontológico usado por Paulo Freire consiste em enfatizar aquilo que é natural no sujeito humano, em suas interações intrínsecas de vivência em seus mundos. Lembramos, aqui, que o sujeito na visão Freiriana é totalmente ativo em suas relações educacionais, sobretudo em um âmbito profissional e tecnológico, que urge por uma formação omnilateral dos seus sujeitos educativos, vislumbrando, assim, uma participação plena dos cidadãos e das cidadãs, a fim de contribuir, efetivamente, na formação de um mundo mais igualitário.

Bastos (2020, p. 32), ao discutir a EPT pautada nos ideários Freirianos, lembra que: “Pensar e efetivar a educação omnilateral no âmbito educativo é sublinhar a boniteza do trabalho colaborativo e coletivo, no qual todos têm o direito e o dever de participar das relações pedagógicas [...]”; entendendo que todos, sem exceção, são coparticipantes nos processos de ensino e de aprendizagem. Isso porque “[...] praticar a didática de forma que enalteça o desenvolvimento omnilateral dos estudantes implica aguçar o conhecimento das habilidades individuais, sobretudo, exercitando as práticas coletivas [...]” (BASTOS, 2020, p. 32). É certo que todas as ações docentes em favor da formação omnilateral dos sujeitos estudantis devem estar pautadas na prática dialógica e libertadora, “[...] de maneira que os sujeitos possam se respeitar mutuamente à medida que vão formulando inovadoras maneiras de ver o mundo” (BASTOS, 2020, p. 32). Outrossim, naturalmente, os sujeitos são dotados de inquietudes em prol da comunicação, da convivência, do diálogo; desse modo, as pessoas são ontologicamente constituídas de características singulares que as impulsionam para a vida em sociedade.

Dessa feita, o ideário Freiriano instiga a entendermos essa premissa, a fim de que nossos atos educativos estejam baseados em reflexões e ações, as quais refletem o respeito profundo à essência das pessoas, entendendo que estas devem ser consideradas e respeitadas como sujeitos ativos em seus processos de ensino e de aprendizagem, por intermédio da liberdade do diálogo, da participação entusiástica em meio a uma convivência harmoniosa que celebre, constantemente, a boniteza da diversidade dos grupos humanos. Portanto, na perspectiva de respeito supremo à essência ontológica dos sujeitos humanos em serem e estarem diante de suas relações nas suas ambiências de vivência, bem como com os seus semelhantes, buscamos inspiração no legado Freiriano. O intuito é compreendermos mais do que nunca que, como professores e professoras contemporâneos(as), em um mundo em que os ideais do capitalismo têm afastado as pessoas de suas essências coletivas e/ou sociais, os sujeitos, muitas vezes, são privados de viverem com mais liberdade, pois estes são absorvidos pelos anseios do consumismo. Assim sendo, entendemos que a educação como instrumento de transformação social deve apregoar em seus âmbitos os ideários das práticas coletivas, da valorização das pessoas, do respeito à diversidade, ao diálogo, de praticar o ato de ouvir, de celebrar as humanidades das pessoas; enfim, urge, na atualidade, a defesa de uma educação libertadora.

Freire (1992) diz que a desesperança tem o poder de deixar as pessoas sem forças para agirem em seus âmbitos de vivência, não conseguem pensar sobre sua realidade, sendo, assim, impedidas de desenvolverem um conhecimento crítico. Ele afirma que a falta de esperança “[...] nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo” (FREIRE, 1992, p. 5). Nesse sentido, é primordial que a esperança esteja presente nas ações que compõem o todo existencial educativo contemporâneo, pois os sujeitos são históricos, inacabados, assim, imperfeitos, em processos de formação constante enquanto existir o fôlego de vida. Ninguém é, portanto, detentor supremo do saber, ninguém pode se sentir superior aos seus semelhantes nos contextos educativos libertadores, que tanto apregoou Paulo Freire. É também sobre esse prisma que o legado Freiriano se faz tão relevante para a discussão da EPT em nossa contemporaneidade, posto que, mais do que nunca, o mundo clama por pessoas que estejam engajadas na propagação do bem comum, no interesse supremo de fazer do planeta um lugar mais harmônico para todos.

Em Freire (1987), o conceito da educação bancária faz refletir sobre a prática que precisamos reconstruir como educadores e educadoras contemporâneos(as) que objetivam interferir na formação de pessoas autônomas. A concepção bancária da educação implica a postura de depositar conteúdos frente aos alunos e às alunas, acreditando que estes(as) não possuem condições de dialogar com os professores e as professoras, sendo os(as) docentes considerados(as) supremos(as) em seus conhecimentos e devem ser respeitados(as) com uma plena submissão dos(as) seus(suas) aprendizes.

Paula (2020), em uma interpretação da educação bancária, diz que

[...] parte de uma concepção e uma prática imobilista, que enfatiza a permanência da história, a percepção fatalista das condições objetivas humanas, a negação dos seres humanos como sujeitos capazes de inteligir e criar, e provoca a imersão das pessoas na realidade como objetos, alienados de suas decisões e proibidos de ser, que apenas memorizam e reproduzem informações traduzidas como verdades incontestáveis. (PAULA, 2020, p. 16).

Transpormos as barreiras de práticas que limitam as possibilidades de uma formação integral dos sujeitos humanos, dando-lhes liberdade para interagirem com seus semelhantes por meio de suas palavras, dos seus olhares sobre o mundo, das suas percepções como sujeitos, que também fazem história, perpassa pela compreensão de uma prática libertadora, em que todos e todas tenham autonomia para expressar suas devidas opiniões, construindo, assim, processos de aprendizagens que sejam significativos.

Araújo et al. (2021) discorrem acerca do legado Freiriano afirmando que:

A educação bancária, cujos pressupostos estão presentes na educação tradicional, cumpre assim uma função de alienação, de reprodução do status quo dos grupos hegemônicos, mesmo que muitas vezes este tipo de defesa – a da educação tradicional – seja afirmado em diferentes âmbitos sociais, como uma teia de relações complexas, presentes em diversas classes, grupos e até mesmo entre os espaços escolares. Daí a relevância do legado de Paulo Freire, daí a urgência da compreensão e da difusão de sua visão de mundo e de educação, do diálogo e da práxis de seu legado como forma de instrumentalização e de luta. (ARAÚJO et al., 2020, p. 12).

Nessa linha de discussão, Freire (1987) nos inspira:

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo. (FREIRE, 1987, p. 44).

Em síntese, os conceitos Freirianos para a prática de uma educação contemporânea transformadora de vidas perpassam: pela prática do diálogo, do respeito contínuo ao outro, da participação constante e mútua de todos e todas as pessoas inseridas nos contextos educacionais, da desconstrução dos preconceitos, da humildade em atuar como humanos que estão em processos constantes de aprendizagens, nos quais ninguém sabe tudo; pela crítica constante frente às determinações dos sistemas autoritários e capitalistas; pela ação e reflexão perante as práticas libertadoras com as pessoas; pela esperança que não é ingênua, mas que se inspira na luta do povo e para o povo; pela democracia que deve ser respeitada pelos educadores e pelas educadoras que acreditam na formação de uma sociedade menos desigual. Sobretudo, a liberdade é o valor essencial que deve inspirar todas as ações dos educadores e das educadoras que se propõem em continuar trilhando os seus caminhos inspirados no legado de Paulo Freire.

A EPT enquanto possibilidades

A EPT foi se estruturando em nosso país sob a égide das contradições de uma sociedade que se firmou nas bases inconstantes da colonização e dos ideais capitalistas. Urbanetz (2011, p. 12) lembra que a EPT “[...] se estruturou a partir das necessidades geradas pela crescente industrialização, por meio da criação das escolas de aprendizes e artífices no início do século XX e da fundação do Senai em 1942 e do Senac em 1946”.

Sublinhamos a EPT como uma possibilidade contemporânea da e na educação nacional em criar condições concretas para o desenvolvimento do sujeito de forma integral, a fim de que este tenha maiores e melhores oportunidades de interferir em seu mundo social e politicamente. Compreendemos que o trabalho como princípio educativo, em que as ações educacionais se solidificam a partir da produção da vida e por meio da preparação dos sujeitos para serem protagonistas de suas histórias, possibilita que o ato de trabalhar não seja apenas uma ação alienante, mas um ato de criação da sua história, para que, assim, participe do seu mundo, interfira nas construções das sociabilidades presentes e vindouras – ainda que o Ensino Médio Integrado seja uma proposta de transição, dentro do que é possível em nossa realidade (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012).

Nessa conjectura de entendimentos sobre a EPT, Saviani (2007) nos inspira, e as suas ideias dão forças à nossa discussão de interligar os anseios da formação omnilateral na EPT com a ideia de uma formação libertadora, humanizadora e também dialógica proposta por Paulo Freire. Compreendermos o trabalho como princípio educativo na EPT é também um respeito às características ontológicas dos sujeitos humanos, pois o homem, historicamente, sempre interferiu por intermédio do seu trabalho em seus espaços de vivência no mundo; dessa maneira, entendemos que o trabalho é, então, a constituição ontológica do ser humano. As bases conceituais da EPT na atualidade demonstram, portanto, respeito pela essência do ser humano, como visto em Saviani (2007), fato também defendido por Paulo Freire. Sob essa óptica, o legado Freiriano converge com os ideários da EPT contemporânea, com o intuito de proporcionar aos estudantes condições reais de desenvolvimento pleno, na qualidade de seres humanos dotados de possibilidades para conquistarem seus espaços no mundo com liberdade e autonomia.

Atuar na EPT como docentes engajados em uma concepção Freiriana de educação libertadora exige primar pela liberdade dos discentes; desse modo, os estudantes devem ser estimulados a participarem dos processos de aprendizagem, desenvolvendo seus sentimentos de pertença para com a instituição de ensino, identificando o sentido e o significado naquilo que estão aprendendo. A educação libertadora “[...] é uma educação instigadora da curiosidade, da criticidade, da pergunta, comprometida com as relações igualitárias, respeitosas, tolerantes, dialógicas e, portanto, transformadoras da realidade opressora” (PAULA, 2020, p. 16).

A desconstrução de práticas depositárias de conteúdos (educação bancária) na EPT, pelas quais os alunos e as alunas são considerados(as) objetos que devem estar em sala de aula prontos(as) para receberem os conhecimentos dos professores e das professoras, os quais possuem um saber supremo, só podem e devem ser desconstruídas pelas posturas libertadoras de professores e de professoras engajados(as) na constituição de saberes coletivos, participativos, democráticos, humanizados; em suma, dialógicos com todos os partícipes do contexto escolar, fazendo da escola um lugar realmente sociável, em que todos os semelhantes, sem exceção, sintam-se em evolução, percebam os seus crescimentos como pessoas em seus aspectos, intelectivos, emocionais, físicos; enfim, que os sujeitos se desenvolvam integralmente.

Garcia e Lima Filho (2004) aguçam a compreensão sobre os anseios da EPT na atualidade:

É, portanto, dirigindo nossa atenção para a história, para as condições materiais do presente e para o enfrentamento desse conjunto de desafios, que por certo não esgotam a complexidade dos problemas, que buscamos contribuir para a construção de uma nova política pública de educação profissional integrada à educação básica e que tenha por objetivo a formação de sujeitos educandos autônomos e cidadãos, comprometidos com a construção da democracia e da justiça social. São essas, por certo, algumas das preocupações e problemas que devem estar presentes nas políticas de organização e gestão da educação e das organizações educacionais, se queremos pensar em uma educação integral e cidadã, à altura dos desafios de nosso tempo e que busque contribuir para a superação de suas enormes e instigantes contradições. (GARCIA; LIMA FILHO, 2004, p. 31).

Para a construção de educandos e educandas autônomos(as), os quais serão capazes de atuar de forma consciente e ética, contribuindo com veemência para a formação de ambientes mais democráticos, são relevantes os ideários contidos na pedagogia libertadora apregoada por Paulo Freire, entendendo que o ato de aprender consiste em “construir, reconstruir, constatar para mudar” (FREIRE, 1996, p. 28). Os processos de ensino e de aprendizagem são intensos, mútuos, devem ser realizados com muito diálogo e respeito pelo outro, a fim de que todos e todas se sintam coparticipantes do processo, construindo e reconstruindo saberes que sejam verdadeiramente compreendidos, assimilados e utilizados na vida profissional.

Entendemos a educação como uma ferramenta capaz de mudar a vida das pessoas, por intermédio das mudanças em seus pensamentos, suas maneiras de compreender e agir em seus mundos. Assim, busca-se, por meio da educação, a construção de sociabilidades que sejam mais fraternas, envoltas em vivências humanas que se importem com as interações dos seres com os seus ambientes em todos os aspectos, conjecturando inovadoras maneiras de ser e de estar no planeta, em busca da configuração de relações humanas cada vez mais voltadas à convivência harmônica entre os semelhantes, aprimorando o valor da coletividade.

A verdade de que “[...] ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra” (FREIRE, 1996, p. 30) nos instiga cada vez mais à prática educacional baseada no valor do diálogo, na participação ativa de todos no ambiente pedagógico, entendendo que educandos e educandas e professores e professoras são e estão sujeitos nos processos de ensinar e de aprender, que ninguém sabe tudo, que todos estão aprendendo no que-fazer da vida. Para tanto, todos têm suas influências culturais e chegam ao ambiente educativo com formações e/ou conhecimentos que precisam ser valorizados. Dessa maneira, não tem como haver neutralidade nas discussões, as pessoas precisam manifestar suas visões de mundo, para que sejam renovadas, aprimoradas ou, às vezes, modificadas, por intermédio das construções de conhecimentos inovadores, um movimento intenso e incessante, à medida que vão acontecendo processos educacionais libertadores nos ínterins das escolas contemporâneas.

Na obra Pedagogia da Autonomia, Freire (1996) sublinha que:

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. No próprio mundo físico minha constatação não me leva à impotência. O conhecimento sobre os terremotos desenvolveu toda uma engenharia que nos ajuda a sobreviver a eles. Não podemos eliminá-los mas podemos diminuir os danos que nos causam. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela. É por isso também que não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. (FREIRE, 1996, p. 30).

Destarte, é inconcebível uma prática em EPT embasada no desrespeito pela curiosidade, pela participação de todos, pela criticidade em meio às relações com os sujeitos. É necessário considerarmos os educandos e as educandas da EPT como um público apto à participação efetiva em todos os processos que envolvem o aprendizado. Assim, professores e professoras e estudantes precisam ter consciência da relevância do papel de cada um(a) dentro da instituição de ensino, a fim de que seja realmente construída uma educação emancipatória.

Os desafios de uma prática consciente, democrática, libertadora e humana são constantes na lida com os(as) adolescentes e jovens que permeiam os âmbitos da EPT, pois estes(as) são humanos em processos de desenvolvimento e precisam ser estimulados(as) a desvendarem os seus mundos com criticidade. Para tanto, os professores e as professoras necessitam das inspirações Freirianas, que tanto indicam caminhos para o diálogo incessante, pelo qual se faz possível encontrar meios de fazer uma práxis revolucionária frente aos(às) estudantes, instigando-os(as) a descobrirem seus potenciais, suas habilidades, em busca de um desenvolvimento integral.

Garcia e Lima Filho (2004, p. 29) sublinham que a EPT “[...] constitui um processo formativo integral que busca compreender a problemática social do jovem como sujeito de direito e de ações na sociedade”. Para tanto, depreendemos que os conceitos Freirianos mais uma vez conversam diretamente com os ideários que fundamentam a EPT, pois os(as) estudantes devem ser considerados(as) como sujeitos, e estão sendo formados(as) para atuarem em suas sociedades com autonomia, vislumbrando a constituição de uma ambiência social mais igualitária para todos os partícipes (GARCIA; LIMA FILHO, 2004).

O movimento de ensinar e aprender ao convergir para caminhos que intensificam um conhecimento de mundo que contribua para as mudanças necessárias nos ambientes sociais, em busca de transformações na e com a vida dos sujeitos em seus processos íntegros e integrais de desenvolverem-se com humanidade, apresenta-se como uma possibilidade para a EPT.

A concepção de uma educação libertadora faz-se mais do que nunca atualíssima, pois sublinha o respeito profundo pelo ser humano em toda a conjectura do fazer pedagógico, levando em consideração as características singulares dos sujeitos, enfatizando sempre que estes são seres de conhecimentos diversos e difusos, que precisam ser valorizados nos processos de construção dos conhecimentos acadêmicos. Desse modo, os saberes populares não são neutros, como também não são insignificantes, porém devem ser valorizados nos processos de ensino e de aprendizagem que visam à libertação das consciências das pessoas, instigando-as a constatarem as deficiências de seus mundos e, progressivamente, encontrarem, por meio de seus saberes revolucionários, possibilidades de melhorar os seus ambientes de convivência humana por intermédio de suas ações cidadãs conscientes.

O processo de uma educação libertadora é algo que se dá de maneira dolorida, pois trata-se do homem ter consciência de sua realidade, dos meios que a sociedade capitalista foi posta, por exemplo no decorrer dos seus aspectos históricos e políticos. Consiste em compreender as realidades de suas gentes, é a consolidação de entendimentos que demonstram as origens das mazelas que permeiam os semelhantes, entre outros fatores que estão intrínsecos aos mundos capitalistas contemporâneos. Tal processo é muito doído, comparado a um “parto doloroso” por Paulo Freire em sua obra prima Pedagogia do Oprimido.

Isso posto, encontramos mais argumentos para embasar a prática da EPT nos ideários de Paulo Freire, pois trata-se de uma pedagogia centrada no desvelamento da realidade, no despertar da consciência dos sujeitos. Esses fatos estão entrelaçados aos anseios de uma educação tecnológica pautada nos ideais marxistas de conhecer e de transformar as realidades sociais, porque entendemos que “[...] transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE, 1987, p. 24).

Modificar as ações tradicionais de repassar conteúdos prontos e acríticos aos(às) estudantes é tarefa de professores e de professoras. É, portanto, uma tarefa de humanos, de recriar condições em que os sujeitos sejam considerados coparticipantes nos processos de ensino e de aprendizagem, expressando suas palavras, suas visões de mundo, suas leituras diante das realidades vivenciadas, de modo a transformar os conceitos postos. Assim, é possível transpor as barreiras impostas historicamente, pela educação bancária, que impedem a constituição de aprendizagens revolucionárias.

Em outro aspecto de compreensão da prática educacional libertadora, é importante salientarmos o envolvimento necessário com as pessoas, considerando-as como parte primordial de todo o processo, valorizando-as, compreendendo-as, respeitando-as em todas as circunstâncias, pois “[...] dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco” (FREIRE, 1987, p. 31). Nesse sentido, sublinhamos a prática humana como uma premissa dos contextos da EPT contemporânea, entendendo que nossos(as) adolescentes, jovens ou adultos(as) precisam ser compreendidos(as) em suas circunstâncias singulares de vida, tendo voz e vez nos processos educativos, a fim de que haja veementemente uma prática dialógica, pela qual todos e todas possam expressar-se, desenvolver-se com liberdade e autonomia. Segundo Freire (1987, p. 35): “Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase ‘coisas’, com eles estabelece uma relação dialógica permanente”.

Compreendemos uma prática humanizadora como parte intrínseca de uma pedagogia libertadora, em que os sujeitos humanos são considerados participantes de seus processos de construção de conhecimentos, pois são fundamentais na prática dialógica em que todos e todas possuem liberdade para expressarem suas opiniões, criando e recriando seus saberes em conjunto com os seus semelhantes, valorizando os seus saberes individuais e coletivos em um ambiente harmônico e propício às práticas democráticas e revolucionárias. Em outras palavras, Freire (1987) inspira ainda mais essa inferência posta quando diz: “Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudoparticipação, é o que deve ser: engajamento” (FREIRE, 1987, p. 36).

A utilização do termo “engajamento” por Paulo Freire remete-se à participação militante na educação, à colaboração efetiva na constituição de uma educação transformadora de vidas, à conscientização de que todos e todas precisam partilhar os seus saberes em uma luta coletiva de criar conhecimentos, os quais sejam revolucionários e contribuam com mudanças efetivas para a melhoria da vida das pessoas, à propagação de ideários que deem forças aos propósitos de uma emancipação política para os sujeitos que estão nos processos de aprendizagem educativa, levando-os a se tornarem cidadãos e cidadãs atuantes em suas sociabilidades. Todos esses aspectos que compreendem os processos libertadores da pedagogia propagada por Paulo Freire devem ou precisam delinear as práticas em EPT, tendo em vista os objetivos de formar cidadãos e cidadãs capazes de participarem de suas sociedades com plena autonomia.

O engajamento das pessoas nos processos de aprendizagem configura verdades esplêndidas para as formações de todos e de todas, pois quanto mais envolvimento, mais liberdade, mais democratização dos processos, mais humanização de todos os contextos que compreendem o fazer educacional, mais será possível a concretização de uma educação libertadora, pois “[...] só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também” (FREIRE, 1987, p. 38).

A premissa Freiriana de que “[...] ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 44) precisa ser compreendida entre os sujeitos da EPT (docentes e estudantes), a fim de que se consiga o entendimento da necessidade sobre a valorização e a relevância do engajamento de todos na feitura de uma educação que pode transformar vidas humanas. Tais pessoas humanas transformadas podem e devem interferir na feitura de um mundo mais humanizado.

Quanto mais engajados nos ideários de uma educação dialógica, libertadora, humanizadora, mais dispostos estarão a buscar o aprender, entendendo que, como sujeitos do mundo, a condição de inacabamento é algo intrínseco dos sujeitos humanos, pois, enquanto há fôlego de vida, há condições novas para aprender ou para continuar descobrindo novas formas de ser e estar no mundo. Tais saberes dão condições para que as pessoas tomem consciência de suas reais necessidades de interagir com os seus semelhantes, de buscar sempre o saber mais, de continuamente exercer a humildade de que não são detentoras dos saberes absolutos, e, assim, valorizarem a coletividade, a participação efetiva de todos os semelhantes nos processos educativos, etc. Como explica Freire (1987, p. 48), “[...] esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se ao isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos”.

A primazia pela coletividade é algo valoroso na concepção de uma educação libertadora e humana pelo viés do legado Freiriano. Portanto, como docentes contemporâneos(as) na EPT devemos estimular os educandos e as educandas a compreenderem o essencial valor em dar oportunidades para que as pessoas participem dos seus processos educativos, que sejam ouvidas, que tenham liberdade para agir, para expressar suas opiniões, seus valores construídos cultural e historicamente; enfim, que todos e todas estejam realmente engajados e engajadas na participação coletiva, vendo verdade nos atos instaurados na ambiência educacional, em que todos e todas, sem exceção, sejam respeitados e respeitadas em suas características como sujeitos de uma coletividade, que não pode ser concebida de forma alguma como homogênea, mas, sim heterogênea, como todos os espaços que são constituídos por pessoas, e que são compreendidos por toda a diversidade comum em grupos humanos, os quais são complexos e difusos.

Paulo Freire e a EPT

Os espaços educativos não são lineares, mas, sim, dicotômicos, pois existem pessoas com diferentes formações e/ou influências culturais, históricas e políticas que se diferem uma das outras. Assim sendo, os diálogos devem ser mediados por professores e professoras que compreendam toda essa intensidade, ao mesmo tempo que tenha humanidade em seus atos para lidar com as diferenças, respeitando-as e conduzindo as pessoas para processos de aprendizagens que sejam frutíferos ou favoráveis às formações revolucionárias que almejam a constituição de uma sociabilidade mais fraterna.

Sobre a boniteza da prática dialógica, Freire (1987) explica e nos inspira:

A existência porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que homens transformam o mundo. Existir humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais. O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue. Se é dizendo a palavra com que, pronunciando o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. (FREIRE, 1987, p. 50-51).

Depreendemos que ninguém é dono da verdade, que, no âmbito educacional, professor e professora e educando e educanda são sujeitos que aprendem no decorrer das suas existências. O diálogo faz-se, portanto, primordial para a aquisição de uma aprendizagem que seja significativa para a vida dos sujeitos, os quais estejam engajados em processos de ensino e de aprendizagem libertadores.

Acreditamos no diálogo como uma prática em que as pessoas possam se respeitar mutuamente, aprendendo a ouvir o próximo com profundo respeito, falando com empatia e competência teórica e/ou técnica, de acordo com as realidades pungentes dos seus aprendizados. Assim, o ato de dialogar deve ser feito com humildade e gentileza, buscando sempre enaltecer os saberes construídos, valorizando os discursos dos seus semelhantes. Por sua vez, o professor e a professora devem mediar tais atos dialógicos com muita sabedoria, colocando-se sempre no lugar do outro antes de proferir suas considerações sobre as discussões propagadas pelos educandos e pelas educandas nas ambiências de suas salas de aula.

Na ambiência da EPT, faz sentido a prática dialógica, tendo em vista os ideários de uma formação omnilateral, em que os sujeitos educandos(as) devem ser atendidos(as) em suas totalidades, de maneira que sejam ensinados(as) a agirem em seus mundos com integralidade, conhecendo as nuances históricas, políticas, tecnológicas, culturais, entre outras, de seus ambientes sociais. O ato de dialogar implica também a postura docente em olhar nos olhos dos(as) estudantes, denotando autonomia em seus processos de aprendizagem, no sentido de que sejam protagonistas de suas constituições de conhecimentos.

A realidade da EPT, em que tantos jovens estão em uma fase de desenvolvimento tão intensa, construindo suas identidades como sujeitos cidadãos de seus mundos, faz-se muito relevante a ação constante do(a) docente pelo viés de uma prática dialógica, em que o(a) estudante se sinta coparticipante do processo, compreendendo e agindo como sujeito do seu processo de construção do conhecimento.

Dialogar com os(as) estudantes na ambiência da EPT consiste em configurar um ambiente propício à liberdade, pela qual seja possível a concepção de conhecimentos úteis para as vidas das pessoas que estão em formação nessa etapa de vida acadêmica, as quais serão submersas em um mundo de oportunidades inovadoras, por intermédio de diálogos respeitosos e prudentes, que buscam a construção de aprendizagens, as quais tenham sentido e significado para os(as) estudantes. Essa possibilidade torna-se mais concreta à medida que todos(as) têm a liberdade de expressarem-se por meio do diálogo intenso entre os seus semelhantes, em um ambiente pleno de respeito e democracia.

Garcia e Lima Filho (2004), a respeito das relações estabelecidas na EPT, as quais devem primar pela formação científica e tecnológica dos(as) estudantes, dizem que estas “[...] não são autônomas, nem neutras e nem somente experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas: são saberes, trabalhos e relações sociais objetivadas” (GARCIA; LIMA FILHO, 2004, p. 30). Desse modo, as teorias que fundamentam as práticas em EPT contemporâneas vão totalmente ao encontro dos ideários propagados por Paulo Freire em suas obras sobre a prática dialógica, na qual as pessoas são valorizadas em suas essências, tendo oportunidade de expressarem-se com suas verdades nos ambientes escolares democráticos e libertadores. A EPT é compreendida como uma fase educacional em que os sujeitos devem ser preparados para atuarem em seu mundo de vivência com conhecimento e capacidades teóricas, técnicas, culturais, históricas e políticas; em outras palavras, os educandos e as educandas devem ser formados(as) de forma integral, tendo condições de dialogar em seus mundos como cidadãos e cidadãs protagonistas de suas histórias, que tenham consciência plena de suas condições individuais e coletivas com e para o mundo.

Freire (1987, p. 51) é ainda mais categórico em seu ensinamento sobre a postura dialógica quando diz que: “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade”. Amar os sujeitos nos ínterins das práxis educacionais contemporâneas requer atos de dialogicidade, pelos quais os(as) docentes comprometidos(as) com a missão de exercer uma educação libertadora proporcionam liberdade para os seus educandos e suas educandas anunciarem suas palavras, sendo, então, protagonistas de suas histórias, pois, conforme Freire (1987), dar continuidade ao seu discorrer sobre a prática do diálogo, “[...] a pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante” (FREIRE, 1987, p. 51).

Não é possível concebermos uma educação pautada nos ideários Freirianos negando o direito incessante ao diálogo, enfatizando que as pessoas têm toda a liberdade de dizerem suas palavras, de propagarem seus saberes assistemáticos, a fim de que, coletivamente, sejam construídos conhecimentos sistematizados, os quais são mediados por professores e professoras comprometidos(as) e competentes, que se preparam constantemente, com responsabilidade para atuarem frente aos seus educandos e às suas educandas com maestria. Sem esquecerem do valor da humildade em seus atos, lembrando que todos estão em processos de “Ser Mais” sob à luz dos saberes Freirianos. Sob essa perspectiva, Freire (1987) explicita:

Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu que-fazer já, não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso. Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade. (FREIRE, 1987, p. 53).

Considerações

Propagar os atos dialógicos nas ambiências da EPT implica intensificar as oportunidades dos e das estudantes consolidarem suas construções protagonistas individuais e coletivas de conhecimentos significativos, pois farão suas apreensões de mundo com liberdade. Assim, eles(as) intensamente exercem suas habilidades de sujeitos humanos em interagir consigo mesmos e com os seus semelhantes, organizam suas ideias para elaborar os seus argumentos, verbalizam sobre os seus ideais, ou sobre suas compreensões acerca dos conhecimentos adquiridos, socializam e aprendem a compartilhar com os outros suas visões de mundo, a fim de construir com sentido e significado saberes inovadores para suas sociabilidades presentes e vindouras.

As práticas educativas na EPT são consolidadas por pessoas, assim como toda e qualquer ambiência educacional humana. Dessa maneira, a educação acontece com e para as pessoas. Sob essa óptica, não tem como exercer a educação sem amar as pessoas e suas singulares características como sujeitos de um mundo; e, nessa perspectiva de amar os semelhantes no mundo educativo, é contundente à prática dialógica, pois, para Freire (1987, p. 51), “[...] não há diálogo, porém, se não há profundo amor ao mundo e aos homens”.

Contudo, esse amor, que não pode ser ingênuo, deve ser consciente do mundo e de suas adversidades, dos sujeitos e de suas limitações e habilidades, configurando também um profundo respeito às diferenças entre os semelhantes que são tão comuns e notórias nos âmbitos pedagógicos. Assim, a prática do diálogo se faz mais do que relevante, é algo ontológico, como bem nos inspira Paulo Freire, de todo e qualquer ambiente humano em que se dão interações entre os iguais. Em outras palavras, Freire (1987, p. 51) nos diz: “Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo”. Se realmente existe amor nas relações, damos possibilidades e/ou espaços para que o outro seja, para que o outro se sinta participante de seus ambientes, interaja com maestria, demonstrando sua liberdade de ser humano por intermédio da sua palavra.

Cabe salientarmos que “[...] falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 1987, p. 53). Promover a participação dos(as) estudantes no âmbito da EPT é, portanto, dinamizar as ações em prol de processos que sejam favoráveis à formação integral dos educandos e das educandas, possibilitando, assim, maiores e melhores condições concretas à democratização dos espaços educacionais, nos quais e pelos quais seja possível a feitura de uma educação revolucionária e libertadora.

Freire (1987, p. 84) ainda nos diz: “O diálogo, como encontro dos homens para a pronúncia do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização”. Não podemos conceber uma educação omnilateral sem a prática dialógica, humilde, solidária, generosa, amorosa, em suma, libertadora. Os ideários de liberdade e diálogo dão maiores condições para que os educandos e as educandas sejam encorajados(as) e capacitados(as) a agirem em seus mundos de vivência como protagonistas de suas histórias. Essa é uma premissa que está promulgada nas bases teóricas da EPT, como também nos ideários da educação que vislumbra uma formação integral dos e das estudantes, buscando a transformação da vida das pessoas, pelas quais o mundo pode se tornar um lugar melhor para viver. Assim, defendemos o legado Freiriano como uma ferramenta capaz de ajudar os trabalhadores e as trabalhadoras educacionais contemporâneos(as) a realizarem-se como sujeitos, na qualidade de profissionais desenvolvendo seus papéis com maestria. Sobretudo, têm-se como uma verdade singular esta premissa de Freire (1996), que contribui para a prática em EPT:

Como educador preciso de ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede sempre a “leitura da palavra”. (FREIRE, 1996, p. 32).

É tão necessária a postura humilde e corajosa, solidária e perspicaz, revolucionária e compreensiva dos e das profissionais da educação que estão, na contemporaneidade, lidando com vidas o tempo todo, vidas que, no caso da EPT, se tornam cidadãos e cidadãs dos seus mundos por meio de suas atividades profissionais, para as quais estão se preparando. A responsabilidade e a relevância do papel educacional nos fazem ter a inquietude de que estamos e devemos aprender sempre como professores e professoras que veementemente se preocupam com a formação humana e integral dos seus e das suas estudantes. Sobremaneira, prossigamos com o processo do “saber mais” que tanto insistiu e continua a insistir em nos ensinar Paulo Freire por meio do seu intenso e singular legado.

Finalizamos essa discussão, a fim de aguçar outras, utilizando as últimas palavras do livro Pedagogia do Oprimido, em que Freire (1987, p. 115) nos diz: “Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar”.

Referências

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Recebido: 10 de Agosto de 2020; Revisado: 15 de Dezembro de 2020; Aceito: 16 de Dezembro de 2020; Publicado: 29 de Dezembro de 2020

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