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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 10-Mar-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.18558.029 

Artigos

A Educação Ambiental na formação inicial de professores/as: contribuições da Pedagogia Crítica*

Environmental education in initial teacher education: contributions of the Critical Pedagogy

La educación ambiental en la formación inicial de profesores/as: contribuciones de la Pedagogía Crítica

Theóffillo da Silva Lopes** 
http://orcid.org/0000-0002-7775-4885

Francisco José Pegado Abílio*** 
http://orcid.org/0000-0002-7217-4849

**Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da UFPB; Doutorando em Educação pelo PPGE/UFPB. Servidor TAE (Pedagogo) da UFPB. Professor da Educação Básica I na Prefeitura Municipal de João Pessoa. E-mail: <theoffillo@outlook.com>.

***Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor titular do Departamento de Metodologia da Educação (DME) do Centro de Educação (CE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do PPGE/UFPB. E-mail: <chicopegado@yahoo.com.br>.


Resumo:

Este estudo teve como objetivo refletir sobre as contribuições da Pedagogia Crítica para a formação inicial de professores/as. Nesse sentido, buscou-se analisar a relação entre o currículo, a ideologia e a emancipação; em que prática pedagógica se ancora e se espera para alcançarem-se os objetivos almejados da Educação Ambiental; como a colaboração e a participação na produção do conhecimento e de saberes promovem emancipação nos sujeitos envolvidos; e como esses aspectos educacionais carecem de estar presentes na formação inicial de professores/as. Como conclusões, foi possível observar que os elementos educacionais da Pedagogia Crítica, como a compreensão da não neutralidade e dos aspectos políticos e ideológicos no campo curricular e nas práticas pedagógicas, assim como a colaboração na produção do conhecimento que proporciona autonomia e espírito crítico-reflexivo, favorecem as expectativas de uma Educação Ambiental para a emancipação.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Formação inicial de professores/as; Pedagogia Crítica

Abstract:

This study aimed to reflect on the contributions of the Critical Pedagogy to the initial training of teachers. In this sense, we sought to analyze the relationship between curriculum, ideology and emancipation; in which pedagogical practice is anchored and expected to achieve the desired goals of environmental education; how collaboration and participation in the production of knowledge and knowledge promote the emancipation of the subjects involved; and how these educational aspects need to be present in the initial training of teachers. As conclusions, it was possible to observe that the educational elements of critical pedagogy, such as the understanding of non-neutrality and political and ideological aspects in the curricular field and pedagogical practices, as well as collaboration in the production of knowledge, providing autonomy and a critical-reflective spirit, favor expectations of environmental education for emancipation.

Keywords: Environmental education; Initial teacher training; Critical Pedagogy

Resumen:

Este estudio tuvo como objetivo reflexionar sobre los aportes de la Pedagogía Crítica a la formación inicial de profesores/as. En este sentido, se buscó analizar la relación entre el currículo, la ideología y la emancipación; en el que la práctica pedagógica está anclada y se espera que alcance los objetivos deseados de la educación ambiental; cómo la colaboración y participación en la producción de conocimiento y de saberes promueven emancipación de los sujetos involucrados; y cómo estos aspectos educativos carecen de estar presentes en la formación inicial de profesores/as. Como conclusiones, fue posible observar que los elementos educativos de la pedagogía crítica, como la comprensión de la no neutralidad y de los aspectos políticos e ideológicos en el campo curricular y en las prácticas pedagógicas, así como la colaboración en la producción del conocimiento que proporciona autonomía y espíritu crítico-reflexivo, favorecen a las expectativas de una educación ambiental para la emancipación.

Palabras clave: Educación Ambiental; Formación inicial de profesores/as; Pedagogía Crítica

Introdução

Pensar a Educação Ambiental na formação inicial de professores/as a partir do olhar e das concepções teóricas e epistemológicas da Pedagogia Crítica requer a compreensão de que essa formação tem uma intencionalidade. Ela está fundamentada em aspectos e procedimentos pedagógicos que visam a romper e a superar formas de educação tradicionais ou supostamente críticas, mas que reproduzem saberes e ideais postos à sociedade. É preciso, assim, compreender a função política nos processos educacionais, enquanto práticas pedagógico-didáticas, assumindo o componente pedagógico como algo específico que se constrói para e a partir dos próprios processos educativos, assegurando, ainda, conforme aponta Libâneo (1985), a sua vinculação com a totalidade do social.

O elemento pedagógico para pensar-se essa formação surge como relacional entre os sujeitos. Nesse sentido, Franco (2012) afirma que esse elemento é concebido a partir de uma construção coletiva, ele não existe a priori, como um modelo pronto a ser perseguido e estabelecido entre educadores, mas é somente na dialogicidade dos sujeitos envolvidos na educação que se perfaz.

A assunção da dialogicidade no processo educativo, como elemento pedagógico essencial para a formação inicial de professores/as, caminha com a prerrogativa de uma Educação Ambiental que tem como teleologia a emancipação dos sujeitos envolvidos em suas práticas. Dessa forma, é primaz considerar que o ensino só se concretiza nas aprendizagens que produz em seus sujeitos, ainda que essas aprendizagens decorram “[...] de sínteses interpretativas realizadas nas relações dialéticas do sujeito com seu meio” (FRANCO, 2012, p. 150).

Nessa perspectiva, a Educação Ambiental Crítica na formação inicial de professores/as tem como objetivo formar cidadãos socialmente definidos e ambientalmente conscientes, capazes de intermediar ações educativas que facilitem esse processo a todos os sujeitos envolvidos, para que, juntos, se insiram no projeto coletivo de transformação da sociedade e dos determinantes opressores e exploradores.

Assim, o processo educativo – na formação inicial de professores/as e os que estes/as virão a intermediar – associa-se ao movimento da sociedade e centra-se na análise das condições de vida, de saúde, de trabalho, do ambiente, dos interesses e das necessidades concretas que perpassam a humanidade e a natureza, assim como das contradições que existem nessas relações (LIBÂNEO, 1985). Para isso, é solícito que todos os sujeitos envolvidos nesses processos educativos se reconheçam no mundo, como parte dele e, a partir disso, saibam que a forma pela qual se encontram nele condiciona suas próprias consciências. Nesse sentido, a conscientização que a Educação Ambiental Crítica objetiva é a metaconsciência da própria consciência, do condicionamento dos determinantes que a produzem (FREIRE, 2011) e, a partir dela, intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, diante de si, do outro e da natureza.

Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de “distanciar-se” dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por isso tudo, de comprometer-se. (FREIRE, 2011, p. 19-20).

A proposição dialética de compreender o seu contexto e sair dele, distanciando-se dele, para que se chegue a sua própria compreensão, caminha com pressupostos críticos de uma Educação Ambiental que almeja a emancipação humana e transformações não só individuais, mas coletivas, as quais acontecem a partir da participação de todos os sujeitos envolvidos, em um devir histórico. Guimarães (2004) ressalta que essa participação se inicia na formação de educadores ambientais, aqui pensada a partir da formação inicial de professores/as. A educação, na perspectiva de uma Pedagogia Crítica, não se propõe a formar multiplicadores de uma “consciência ecológica”, de forma pragmática ou reducionista, mas a contribuir para a formação de dinamizadores motivados pela reflexão crítica, que gerem mobilização (uma ação em movimento), o que se caracterizaria como uma práxis de processos de intervenção coletiva sobre as dinâmicas constituintes e constituídas da realidade.

Para tanto, é mister que esteja presente na formação inicial de professores/as discussões e práticas educativas que promovam a reflexão sobre essas dinâmicas educacionais e sociais, sobre a constituição da realidade concreta e como ela se estabelece, e ainda sobre como a educação pode interferir nessa realidade, reforçando-a ou transformando-a. Nesse viés, da educação como prática social de transformação da realidade constituída, é necessário refletir sobre que aspectos pedagógicos e educacionais contribuem para o reforço do que está posto, ou para as mudanças esperadas de consciências e de posturas diante do outro e do restante da natureza.

Assim, este estudo teve como objetivo refletir sobre as contribuições da Pedagogia Crítica para a formação inicial de professores/as. Nesse sentido, buscou-se analisar a relação entre o currículo, a ideologia e a emancipação; em que prática pedagógica se ancora e se espera para alcançarem-se os objetivos almejados da Educação Ambiental; como a colaboração e a participação na produção do conhecimento e de saberes promovem a emancipação nos sujeitos envolvidos; e como esses aspectos educacionais carecem de estar presentes na formação inicial de professores/as.

Currículo, ideologia e emancipação

Trazer ao debate discussões sobre a formação inicial de professores/as e como a Educação Ambiental necessita se fazer presente nela predispõe refletir sobre características pedagógicas específicas que circundam essa formação. Na esteira dessas discussões e como debate inicial, encontra-se o currículo, um campo de orientações, de valores, de interesses, de conteúdos e de práticas se perfazendo como um dispositivo educacional, político, ideológico, social, cultural e histórico.

Dessa forma, reconhecendo a não neutralidade da educação e, por consequência, do próprio currículo, cabe pensar em que termos ele é construído, planejado e executado quanto às demandas de uma Educação Ambiental para a emancipação. Como projeto permeado por decisões que franquiam a formação humana e a colaboração na dinâmica social, o currículo tem o potencial de reproduzir os ideais e os valores das sociedades em que se encontram, assim como transformar as condições determinantes das mesmas sociedades.

Nesse contexto, compreender como a ideologia se faz presente no currículo e quais os impactos na formação de professores/as relativos às suas práticas e concepções sobre a Educação Ambiental e a aplicação desta, é primaz ao desenvolvimento de práticas educativas relacionais que visam a transformação das condições de vida, sociais, culturais e ambientais.

Chauí (2012) aponta a necessidade de compreender-se como o ideário social, político e histórico oculta a realidade concreta do que está posto e das verdadeiras causas das crises que enfrentamos. Esse ocultamento se estabelece como um instrumento eficaz de assegurar, de manter e de reproduzir as formas de exploração, de espoliação, de opressão e de expropriação da própria humanidade e do restante da natureza.

À Educação Ambiental Crítica cabe analisar e propor a construção de currículos que considerem as relações entre a humanidade e desta com o restante da natureza como constituintes das próprias relações sociais, uma vez que o trabalho, enquanto eixo norteador de tais relações, se realiza por meio da transformação da natureza. Quanto a isso, Chauí (2012) expressa:

A ciência moderna, fundamentada em Galileu, Bacon, Descartes, entre outros, excluiu a causa final da natureza, quando se baseou na dualidade causa x efeito. Nesses termos, a Natureza age de modo mecânico, ficando a finalidade, que diz respeito aos objetivos a serem alcançados, aos homens que agem por vontade livre, gerando assim a separação entre a Natureza (necessidade mecânica) e o Homem (pura liberdade e finalidade). (CHAUÍ, 2012, p. 15-16).

Um currículo circunscrito em perspectivas críticas da Educação Ambiental necessita, assim, superar as visões dualistas e reducionistas resultantes da modernidade e do pensamento cartesiano. É solícito compreender e incorporar a complexidade da totalidade da crise e das problemáticas ambientais, no que diz respeito a perceber as raízes históricas, sociais, culturais e políticas das ideias que as permeiam e se mostram como verdadeiras e consensuais.

Para isso, a própria compreensão do currículo como um campo político se torna o primeiro passo para a sua construção. Sacristán (2017) destaca o entendimento do currículo como uma construção cultural com acepções de um ponto de vista histórico, muitas vezes parciais e contraditórias entre si, o que caminha e corresponde ao movimento da sociedade. Essas concepções, conforme o autor, são dirigidas por um contexto científico, filosófico, político e cultural, e complementa: “Quando definimos o currículo estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama institucional, etc.” (SACRISTÁN, 2017, p. 15).

O entendimento de que o currículo descreve a concretização das funções educacionais de determinada prática, não sendo apenas um modelo ou uma grade de conteúdos a serem transmitidos, é essencial à prática educacional que busca emancipação dos sujeitos envolvidos e compreende que as transformações começam no currículo, no campo que estabelece as orientações, os meios, as práticas e os conceitos da atividade educacional.

Desde um enfoque processual ou prático, o currículo é um objeto que se constrói no processo de configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado das diversas intervenções que nele se operam. Seu valor real para os alunos, que aprendem seus conteúdos, depende desses processos de transformação aos quais se vê submetido. (SACRISTÁN, 2017, p. 99).

A compreensão de que, para a Educação Ambiental Crítica, o currículo expressa o seu valor a partir das transformações que proporciona nas concepções, nas ações, nas práticas pedagógicas e docentes, na aprendizagem e na conscientização dos sujeitos envolvidos nos processos educativos, é primaz para a busca da construção de currículos comprometidos com as premissas necessárias às mudanças que se esperam na sociedade a partir da educação quanto ao meio ambiente. Sem essa compreensão, na formação inicial de professores/as, dificilmente esses futuros profissionais poderão separar as suas atividades educacionais do que Apple (2006) pontua como diferentes reações dos sistemas institucionais e das formas de consciência que dominam as sociedades.

Essas diferentes formas de estruturação do conhecimento e de produção de consciência estão intimamente atreladas aos princípios culturais e de controle social das sociedades. Como ideais e valores atribuídos a todos, essas formas adentram os currículos e perfazem-se como consenso cultural, reproduzindo esses valores e esses objetivos sem permitir que os sujeitos envolvidos nos processos educativos, inclusive professores/as, percebam esse processo.

À Educação Ambiental Crítica, o não desvelamento dessas ideologias e desses valores em forma de consenso acaba se tornando uma via onerosa para as transformações individuais e coletivas, as quais são necessárias para as mudanças da crise ambiental, uma vez que surgem os valores verdes e as ações reducionistas ou individualistas como salvação para uma crise ambiental da qual as atividades de grandes corporações, multinacionais e da agropecuária são as mais danosas.

Chauí (2012) exorta especificamente nessa perspectiva quando expõe que, em sociedades divididas por classes e por grandes desigualdades, como as capitalistas, em que formas de exploração, de opressão e de espoliação da humanidade e da natureza são evidentes e implacáveis, os ideais e os valores das classes dominantes são produzidos e difundidos para legitimar e assegurar seus poderes e suas ações. A autora acrescenta: “Por esse motivo, essas ideias ou representações tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política” (CHAUÍ, 2012, p. 25).

Fica evidente a necessidade do olhar da Pedagogia Crítica sobre o currículo da formação inicial de professores/as, no sentido de desvelar as ideologias presentes ou que possam se produzir durante a sua execução, e trabalhar na construção coletiva de campos curriculares em que a práxis e a conscientização sejam seus alicerces. Quanto a essas ideologias, Apple (2006) destaca que não existe apenas a propriedade econômica e seus ideais que podem ser preservados e distribuídos pela escola, ou nas práticas educativas. Existe, ainda, a propriedade simbólica, representada por meio da cultura, que cria e recria formas de consciências na sociedade capazes de manter o controle social existente de dominação, de exploração e de espoliação, ou de transformar esses determinantes.

Assim, o currículo pode ser um campo de orientação para as mudanças necessárias expostas pela Educação Ambiental Crítica, mas também um elemento de ampliação da dominação ideológica de algumas classes sobre outras e sobre a natureza, e, ainda, o controle do conhecimento que é produzido e transmitido à sociedade, preservando as determinações sociais e ambientais.

Por meio da definição, incorporação e seleção do que é considerado conhecimento legítimo ou “real”, por meio do estabelecimento de um consenso falso sobre o que são fatos, habilidades, esperanças e medos apropriados (e da maneira que devemos avaliálos), o sistema econômico e cultural estão dialeticamente ligados. Aqui o conhecimento é poder, mas principalmente nas mãos de quem já o tem, de quem controla o capital cultural e o capital econômico. (APPLE, 2006, p. 209).

Na formação inicial de professores/as, indivíduos que vão atuar diretamente na construção de currículos escolares ou disciplinares, a compreensão da dimensão política e ideológica do campo curricular é essencial para a efetivação de propostas educacionais sobre o ambiente, as quais são capazes de produzir conscientização e mudanças em todos os sujeitos envolvidos sobre a dinâmica social e ambiental da realidade concreta. Desse modo, cabe elucidar o caráter de práxis do currículo, uma vez que ele é pensado e se concretiza na ação, sem perder-se de vista as suas orientações teóricas. Conforme Sacristán (2017), o currículo não é um objeto estático de modelo coerente para pensar a educação e a aprendizagem, nem se esgota na socialização cultural, mas é uma expressão, uma função socializadora que reagrupa diversas práticas pedagógicas, docentes e educacionais.

Nesse contexto de práxis curricular, em que o campo de sua construção se dá entre os atores envolvidos em seu processo, as ações para sua criação e que serão emanadas a partir dela, e o produto dessas ações, torna-se necessário o entendimento de que todos esses aspectos estão intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros. Nesse viés, Chauí (2012) aponta que as ideologias são formas dessas práxis sociais, que partem das experiências imediatas dessas relações e constroem abstratamente o sistema de suas ideias e de suas representações sobre a realidade.

Sacristán (2017) reforça esse entendimento quando elucida que a concepção de currículo como práxis compreende a intervenção de vários tipos de ações em sua construção e em sua execução. Esse processo dá-se em condições concretas por meio das interações sociais e culturais que não são independentes de quem tem o poder para constituí-las.

A conscientização sobre os processos e as ideologias presentes no campo curricular, na formação inicial de professores/as, é o desenvolvimento necessário para a efetivação de uma Educação Ambiental, amparada em uma Pedagogia Crítica capaz de promover emancipação não somente a estes/as professores/as em formação, mas, por conseguinte, mediante suas práticas docentes, à sociedade.

A condição de emancipação aos sujeitos envolvidos nas práticas educativas, em especial professores/as, vem a ser a capacidade de enxergar e de compreender o verdadeiro funcionamento da educação e da complexidade de sua totalidade e da totalidade social na qual se encontra (APPLE, 2006). Dessa forma, elucidar as contradições e as formas de controle que permeiam o campo curricular se torna premissa às discussões sobre a Educação Ambiental na formação inicial de professores/as, para que estes/as, em suas atividades docentes, possam “[...] particularizar a ‘realidade’ que as escolas e outras instituições culturais selecionam, preservam e distribuem, de maneira que essa realidade possa ser vista como uma ‘construção social’ que não necessariamente serve aos interesses de todos os indivíduos e grupos da sociedade” (APPLE, 2006, p. 62).

Tendo em vista a conscientização e a emancipação a partir do campo curricular, professores/as que são conscientizados/as das ideologias determinantes nesse processo devem tomar posse da própria construção e execução curricular para transformá-la. Freire (2016) adverte para a necessidade de não contentar-se com mitificações das ideologias, nem com a denúncia moral de mitos e de erros, mas realizar uma crítica rigorosa deles. Nesse cenário de desvelamento do caráter político e ideológico do currículo na formação inicial de professores/as, a Educação Ambiental Crítica ganha força para realizar as premissas de emancipação humana e de cooperação na construção de sociedades socialmente justas e ambientalmente conscientes.

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída pela Lei N° 9.795, de 27 de abril de 1999, reforça essas premissas quando prevê que é de incumbência das instituições educativas uma Educação Ambiental com enfoque humanista, holístico, democrático e participativo, e de concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade (BRASIL, 1999).

A PNEA prevê, ainda, como objetivos fundamentais da Educação Ambiental, o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, a garantia de democratização das informações, o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social e o incentivo da participação individual e coletiva no equilíbrio do meio ambiente como um valor inseparável do exercício da cidadania.

Para além das especificações de fundamentos e de objetivos da Educação Ambiental abordadas pela PNEA, que dialogam com os pressupostos críticos de uma Educação Ambiental para emancipação, ela prevê a exigência de que a dimensão ambiental deve constar nos currículos de formação de professores/as em todos os níveis e em todas as disciplinas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA), instituídas pela Resolução Nº 2, de 15 de junho de 2012, retomam as características já apresentadas pela PNEA e ainda reforçam o reconhecimento do papel transformador e emancipatório da Educação Ambiental, expressando o contexto nacional e mundial de mudanças climáticas, a degradação da natureza, a redução de biodiversidade, os riscos socioambientais e as necessidades planetárias na prática social (BRASIL, 2012).

As DCNEA preveem, também, que a inserção dos conhecimentos concernentes à Educação Ambiental nos currículos da Educação Básica e da Educação Superior pode ocorrer pela transversalidade, por conteúdo dos componentes curriculares ou pela combinação dos dois. Isso caminha com a premissa instituída na PNEA, em seu artigo décimo, parágrafo primeiro, que estabelece que a Educação Ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.

Entretanto, em novo documento da Conferência Mundial Virtual da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário, a Declaração de Berlim, apresentada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (2021), descreve uma série de políticas para transformar a Educação Ambiental em componente curricular básico presente em todos os níveis de educação, por meio da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Isso se dá pela constatação de análise realizada em planos de cursos e de currículos de 50 países signatários da ONU, dos quais o estudo mostrou que mais da metade não abordam discussões sobre as mudanças climáticas e apenas 19% deles tratam sobre a biodiversidade (UNESCO, 2021).

Outros estudos têm demonstrado essa lacuna na formação inicial de professores/as, como os de Batista (2017), Guimarães (2000), Oliveira (2015) e Silva (2015), o que reforça a necessidade de implementação de componente curricular específico da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino, e especialmente na formação de agentes que irão atuar diretamente nas discussões ambientais escolares. Essas constatações e informações legais sobre a Educação Ambiental ratificam a necessidade de um olhar crítico e cuidadoso sobre o campo curricular, na perspectiva de que todo o processo de conscientização e de transformação necessário para a implementação de uma educação para a mudança de concepções, de ações e de posturas diante de si, do outro e da natureza, começa pelo currículo.

Assim, a compreensão da relação entre o currículo, a ideologia, os valores, os interesses e os conflitos existentes no campo curricular torna-se essencial na formação inicial de professores/as, na perspectiva de uma Educação Ambiental que visa a identificar e a romper com os determinantes ambientais e sociais vigentes.

Por uma prática pedagógica crítica na Educação Ambiental

Assim como se compreende o campo curricular como uma construção transversalizada pelo político e pelo ideológico, cabe identificar em qual prática pedagógica o currículo se encontra, bem como as práticas docentes e educativas. Para a Educação Ambiental Crítica na formação inicial de professores/as, o entendimento de tais práticas e o ancoramento em uma prática emancipadora se fazem necessários para o seu desenredo.

Enquanto prática social que visa a transformação de concepções e de ações na humanidade diante da natureza e do outro, a Educação Ambiental Crítica precisa estar atenta e vinculada a uma prática pedagógica que se preocupe de fato com a aprendizagem dos discentes. Dessa forma, professores/as em formação poderão estar munidos de instrumentos formativos capazes de ajudar a ampliar não somente a si mesmos, mas também os atores sociais que estarão presentes em suas práticas docentes, bem como as oportunidades de poder de escolha e de transformação dos determinantes de sua existência e de suas condições sociais e ambientais (FRANCO, 2012).

Nesses termos, cabe ressaltar as diferenças entre prática educativa, prática docente e prática pedagógica. Franco (2012) apresenta esses termos discorrendo sobre cada um deles: as práticas educativas acontecem para a concretização de processos educacionais, sejam eles formais (escolares) ou não formais; a prática docente envolve os processos que o/a professor/a atravessa e elabora para suas aulas, como planejamento, avaliação, didática, metodologias etc.; e as práticas pedagógicas são práticas sociais com finalidade e intencionalidade de concretizar e de dirigir os processos pedagógicos. Em outras palavras, as práticas pedagógicas são “[...] práticas que se organizam intencionalmente para atender a determinadas expectativas educacionais solicitadas/requeridas por dada comunidade social” (FRANCO, 2012, p. 154). Elas permeiam decisões, princípios, ideologias e estratégias, de forma que perpassam toda a cultura escolar, expandindo-se para a cultura social e moldando ou modificando esta última. E ainda

[...] pressupõem um coletivo composto de adesão/negociação ou imposição; expressam interesses explícitos ou disfarçados; demonstram a qualidade dos processos educativos de uma sociedade, marcando uma intervenção nos processos educacionais mais espontaneístas; condicionam e instituem as práticas docentes. (FRANCO, 2012, p. 159).

Na Educação Ambiental Crítica e especificamente na formação inicial de professores/as, é significante sempre questionar: Em que complexo multifatorial pedagógico as práticas docentes estão ancoradas? Que enfoque teórico-epistemológico utilizar? Quais materiais didáticos? Que métodos? Em que contexto a prática educativa está inserida e a serviço de quem? Que objetivo a prática pedagógica da qual o docente está inserido apresenta: reprodutor ou transformador das condições existentes?

Sacristán (2017) elucida que tanto o currículo quanto a prática pedagógica que o envolve têm impacto significante para estabelecer e definir as ações pedagógicas, assim como regular as ações educativas e a socialização de conhecimento, de forma que prevaleça um alcance prolongado e eficaz das práticas docentes e educativas. Nesse contexto, na formação inicial de professores/as, é solícito uma Educação Ambiental que desenvolva saberes teóricos, práticos e conteúdos daquilo que vão lidar, mas também pedagógicos, a fim de compreender suas atividades educativas para além do ensinar e do aprender, na direção de uma prática consciente dos dispositivos instrucionais e determinantes da ação educativa e cultural.

Sem compreender esse contexto político-pedagógico, a prática docente vem a ser apenas a reprodução de hábitos ou a resposta de demandas externas, como exortam Gilberto e Franco (2017). Assim, para poderem atuar em suas atividades docentes no sentido da transformação, professores/as em formação necessitam ter consciência de todas as dimensões que entrecruzam suas práticas. Essas dimensões estão atravessadas por pressupostos críticos da prática educativa, entre elas a historicidade, enquanto condição para a compreensão do conhecimento, e a assunção da totalidade, sem a qual é inviável o entendimento da prática pedagógica na qual se encontram as atividades educativas.

A apreensão da realidade concreta por parte dos/as professores/as na qual se encontram e que conduz suas práticas docentes só pode ser efetivada a partir do entendimento das múltiplas determinações históricas que ocorrem na própria realidade e na perspectiva da totalidade social, na qual a prática pedagógica está envolvida. Essa observância é fundamental na formação inicial de professores/as, sobretudo quanto à efetivação de uma Educação Ambiental capaz de gerar transformações que começam nos próprios docentes. Dessa forma, esses/as professores/as em formação podem começar a construir e a transformar suas práticas docentes em práticas pedagógicas direcionadas. Quanto a isso, Franco (2012, p. 160) afirma que “[...] a prática docente é prática pedagógica quando esta se insere na intencionalidade prevista para sua ação”.

Essa intencionalidade, premissa da prática pedagógica, precisa estar disponibilizada a todos os sujeitos envolvidos na prática educativa, de forma que exista uma adesão por parte de todos, gerando ações conscientes e de participação. Franco (2016) observa a necessidade de incorporar a reflexão contínua e coletiva nas atividades educativas para que a prática docente seja concebida como uma prática pedagógica.

Uma prática docente que vem a ser uma prática pedagógica crítica requer, assim, saberes necessários à prática educativa. Entre eles, Freire (1996) aponta, para além da apreensão da realidade, considerando a sua totalidade e a sua historicidade, a reflexão crítica sobre a prática, a compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo e de que ela é ideológica e a convicção de que a mudança é possível.

Para a Educação Ambiental Crítica, esses saberes são essenciais na formação inicial de professores/as para que haja adesão ou a construção de práticas pedagógicas capazes de contornar a lógica capitalista que permeia tanto a educação quanto o pensamento ambiental na sociedade, que tem retirado os elementos criativos, participativos e críticos das práticas educativas.

Cabe pensar também que a formação de professores não se efetua no vazio, mas deve estar vinculada a uma intencionalidade, a uma política, a uma epistemologia, a pesquisas aprofundadas dos saberes pedagógicos. A formação de professores desvinculada de um projeto político só pode caracterizar uma concepção extremamente pragmatista, reprodutivista, tecnicista da ação docente. (FRANCO, 2012, p. 167).

Sendo a Educação Ambiental Crítica uma alternativa às propostas pragmatistas, reprodutivistas, tecnicistas e conservacionistas da educação, fica evidente, assim, a necessidade da discussão e a proposição de uma prática pedagógica crítica. Essa prática pedagógica necessita ser capaz de tornar os/as professores/as em indivíduos conscientes de suas práticas docentes, instrumentalizados/as para uma reflexão crítica sobre a realidade e uma ação criativa no processo de transformação social e ambiental a partir da educação (GUIMARÃES, 1995).

Para que isso seja exequível, além das categorias totalidade e historicidade já discutidas, é solícito, novamente, que a práxis seja o aspecto central dessa prática pedagógica, uma vez que esta se realiza por meio da reflexão sobre a própria práxis educativa, para, então, compreendê-la, evidenciá-la e transformá-la a partir da conscientização de todos os sujeitos envolvidos (FRANCO, 2012). Dessa forma, uma prática pedagógica crítica na Educação Ambiental estabelece suporte para teorizar com todos os sujeitos envolvidos na prática educativa sobre as próprias ações realizadas e, assim, poder encontrar os conteúdos e as possibilidades não expressos nas práticas e na própria teoria que são qualificados para as transformações necessárias quanto às problemáticas sociais e ambientais.

A prática pedagógica crítica, baseada na práxis, é competente para promover novas concepções e ações nos indivíduos envolvidos nas práticas educativas, capazes de transformar a realidade a partir da dialogicidade, da ação e da reflexão. Para Guimarães (2011), ela é estabelecida a partir de uma prática diferenciada entre a teoria e a prática, da diversidade na unidade e da unidade na diversidade realizada no e pelo coletivo.

Loureiro (2019) pontua a necessidade de práticas educativas na Educação Ambiental que compreendam a totalidade da problemática ambiental e a unidade na diversidade, uma vez que as disjunções epistemológicas, teóricas e conceituais são reproduzidas nas escolas, ao disciplinar discentes para o mercado e disciplinas em conteúdos dissociados e hierarquizados. Essa característica presente na educação formal revela a prática pedagógica mercadológica que adentra nela, sendo necessário, dessa forma, a adesão na formação inicial de professores/as a práticas pedagógicas críticas que atuem no individual, mas também no coletivo, de forma relacional e engajada, tensionando esses docentes em direção às mudanças necessárias.

Assim, a ação formativa da dimensão ambiental na formação inicial de professores/as vai além da proposição de mudanças de comportamento, de aquisição de informações e de sensibilização. A formação, nesse caso, está vinculada a uma prática pedagógica de problematização das determinações culturais, sociais e ambientais. Nesse sentido, Gilberto e Franco (2017) afirmam que a prática pedagógica enquanto práxis vem a ser um exercício contínuo que permite aos sujeitos envolvidos no processo educacional acessar as possibilidades de sua própria autonomia para, assim, construir os caminhos para as transformações.

Dessa forma, para que a atividade docente alcance o sentido de prática pedagógica ou de práxis, as autoras indagam a possibilidade de transformação das práticas docentes sem conhecer os condicionantes históricos, sociais e ideológicos de suas práticas. E ainda apresentam características para o sentido de práxis que se organizam em processos educacionais coletivos de autoformação e de transformação da realidade:

1) a explicitação e a negociação de uma intencionalidade coletiva, que dirige e dá sentido à ação individual; 2) o conhecimento do objeto que se quer transformar, na direção da intencionalidade coletivamente organizada; 3) a intervenção planejada e científica sobre o objeto, com vistas à transformação da realidade social. (GILBERTO; FRANCO, 2017, p. 23-24).

A Educação Ambiental na formação inicial de professores/as ganha, dessa maneira, aparato para realizar os objetivos de uma ação educativa para emancipação e transformação da realidade concreta, quando se ancora e se propõe a uma prática pedagógica crítica, que toma como base das práticas educativas e docentes a práxis, em uma ação relacional de reflexão e de ação sobre a posição da humanidade diante de si mesma, do outro e do restante da natureza.

Assim, o que torna uma prática pedagógica crítica consiste em não ser normativa. Ela é dialética, relacional e práxis e não linear ou um treinamento (FRANCO, 2016). A prática pedagógica crítica dá subsídios para que a prática docente aconteça a partir do diálogo entre os sujeitos envolvidos e também dos seus contextos. Ela contribui para que a prática docente aconteça com base na reflexão crítica de sua própria prática e da consciência das determinações e das intencionalidades que a perfaz.

Isso exige, na formação inicial de professores/as, a compreensão da prática educativa em sua totalidade social, de forma que o pensamento, a reflexão e a ação das práticas docentes desses/as professores/as em formação estejam centrados na intencionalidade do ato educativo e na concepção de uma educação que compreenda o conhecimento como condição para a emancipação humana (LIBÂNEO, 1985).

O elemento pedagógico que direciona a prática docente a uma prática pedagógica crítica, necessário para a formação inicial de professores/as e que auxilia a Educação Ambiental que tem como objetivo a emancipação humana, é a consciência da intencionalidade da prática educativa e a adesão individual e coletiva a essa intencionalidade.

A lógica da prática só começa a ser desvelada com a consideração desse lugar que o docente “escolheu” para ocupar ou para o qual foi escolhido. Para tanto, é preciso reconhecer que a ação de ensinar é prática social permeada por múltiplas articulações entre professores, alunos, instituição e comunidade, influenciadas pelos contextos socioculturais a que pertencem, formando um jogo de múltiplas confluências que se multideterminam em dado tempo e espaço social e que impregnam e configuram a realidade existencial do docente. (FRANCO, 2012, p. 186-187).

Assim, é necessário à formação inicial de professores/as a inserção de discussões que promovam a compreensão de como as práticas pedagógicas que permeiam a sociedade interferem direta e indiretamente nas práticas docentes, fazendo com que suas práticas educativas reforcem os determinantes já existentes na sociedade de fortalecimento do ideário explorador, espoliador e expropriador dos recursos humanos e ambientais, ou transformem as concepções e as ações dos sujeitos envolvidos em direção às mudanças necessárias.

Para a Educação Ambiental Crítica, o entendimento do caráter político e ideológico do currículo e o papel que ele desempenha na educação, assim como a proposição e a adesão de professores/as a uma prática pedagógica crítica se torna essencial na promoção de cidadania e de emancipação em suas práticas educativas.

Um outro elemento pedagógico que auxilia os objetivos da Educação Ambiental Crítica diz respeito à compreensão de como a colaboração na produção do conhecimento é um aparato considerável na promoção de emancipação dos sujeitos envolvidos. A condição de diálogo de saberes e de perspectivas advindos dos contextos e das realidades dos sujeitos envolvidos favorece a construção de autonomia para a reflexão e a ação, assim como para a produção do conhecimento.

A colaboração na produção de conhecimento como via de emancipação na formação inicial de professores/as

Trazer a pesquisa e a produção do conhecimento para a formação inicial de professores/as não é tarefa fácil, tendo em vista os desafios já existentes da própria formação e a pouca oferta de iniciação à pesquisa na Graduação. No entanto, pensar e abrir discussões sobre as possibilidades formativas e emancipatórias da colaboração na produção do conhecimento para a formação inicial de professores/as e também para a formação humana é significante para a compreensão e a construção das práticas docentes desses profissionais, assim como a reflexão sobre a teoria e a prática.

Para a Educação Ambiental Crítica, que objetiva levar emancipação a todos os sujeitos envolvidos em suas práticas educativas a fim de estabelecer autonomia nesses sujeitos, no sentido de refletir criticamente sobre os determinantes e as possibilidades de mudanças individuais e coletivas quanto às problemáticas sociais e ambientais, essa autonomia não poderia começar em outro lugar que não na formação inicial de sujeitos que atuarão diretamente em suas práticas.

Santos (2012) apresenta a ideia de que a problematização crítica sobre a realidade e a atitude de questionamento da própria prática docente torna o/a professor/a competente, criativo/a e comprometido/a com os ideias emancipatórios, por meio do desenvolvimento de sua autonomia, fazendo com que seja o sujeito principal da atividade pedagógica, buscando, a partir da sua prática e da realidade concreta, as transformações necessárias. Ainda acrescenta que

[...] é necessário entender que essa proposta colocou novas perspectivas no campo da formação docente, ou seja, a compreensão de que o trabalho docente exige questionamentos constantes e a busca de soluções criativas para os problemas levantados. A ênfase nesse tipo de formação está no desenvolvimento de uma atitude investigativa por parte do professor, detectando problemas, procurando, na literatura educacional, na troca de experiência com os colegas e na utilização de diferentes recursos, soluções para encontrar formas de responder aos desafios da prática, independentemente de se atribuir ou não o rótulo de pesquisa a esse tipo de atividade. (SANTOS, 2012, p. 24).

O contexto de imersão, em um movimento de questionamento e de problematização da própria prática e da realidade na formação inicial de professores/as, na busca de soluções e de respostas aos desafios encontrados, promove o espírito reflexivo e crítico necessário à prática educativa ambiental que busca mudanças. Isso garante o desenvolvimento de capacidades de análise e de investigação das problemáticas apresentadas na realidade, sem confundir as evidências com fatos demonstrados (BEILLEROT, 2012). Dessa forma, a colaboração na produção do conhecimento torna-se considerável na formação de professores/as críticos/as, conscientes tanto das suas subjetividades nas práticas educativas, quanto da relevância de se ter um pensamento problematizador sobre a realidade.

A colaboração na produção de conhecimento e na pesquisa contribui, assim, para o desenvolvimento de saberes teóricos, mas também práticos. Franco (2012) defende que, em seu processo de formação, professores/as poderão ampliar esses conhecimentos e saberes, assim como munir-se dos conhecimentos pedagógicos necessários às suas atividades docentes. Isso se dá pelo fato da ressignificação e da reinterpretação dos próprios saberes desses docentes em formação, quando se questionam e questionam a realidade que discutem, produzindo novos conhecimentos. Franco (2012, p. 107) ainda afirma que, “[...] para bem formar um professor, não basta que lhes repassemos conhecimentos das diversas ciências; é preciso que o formando reelabore esses conhecimentos, transformando-os em saberes, estes, sim, elaborados com base na prática”.

Os novos saberes e conhecimentos elaborados a partir da investigação e da reflexão crítica na formação inicial de professores/as contribuem para a promoção de um espírito autônomo na prática docente, colaborando na prática de uma Educação Ambiental que não se contenta com a assertiva da sensibilização e das mudanças individuais sem as mudanças coletivas e a problematização dos determinantes históricos e ideológicos da realidade.

Nesse sentido, a emancipação faz-se presente na formação inicial de professores/as, quando a produção de conhecimento sobre as próprias práticas docentes se estabelece de forma dialógica e colaborativa, compreendendo e, ao mesmo tempo, transformando o mundo em que se encontram. Streck et al. (2018) afirmam que essa relação de compreender e de transformar a realidade não é de causa e de efeito, mas é uma relação dialética em que se conhece ao se transformar – nesse caso, colaborar na produção de conhecimento e transformar a própria prática educativa – e se transforma ao conhecer.

Essa dialética permite ações educativas conscientes sobre as práticas e sobre a realidade, permitindo a abertura para a formação de professores/as capazes de problematizar as relações sociais e ambientais, por meio da autonomia que a emancipação proporciona nesse contexto. Para que haja essa autonomia, é necessário que a postura crítica e reflexiva esteja presente na prática docente, de forma que o questionamento quanto aos resultados dessa prática e a própria prática sejam um referencial constante. Dessa forma, transformando não somente suas práticas, mas seus pensamentos e produzindo novos conhecimentos. É solícito ainda elucidar que esse é um processo eminentemente participativo, não cabendo aos/às professores/as em formação observar os problemas de fora da situação, mas estarem inseridos colaborativamente na produção de conhecimento.

A influência da pesquisa na formação do professor estará, assim, não apenas, e talvez até nem sobretudo, na presença, nessa formação, da pesquisa com a finalidade de proporcionar acesso aos produtos mais recentes e atualizados da produção do conhecimento na área, mas na possibilidade de, pela convivência com a pesquisa e, mais que isso, da vivência dela, o professor apreender e aprender os processos de produção de conhecimento em sua área específica. Porque apreendendo e aprendendo esses processos, mais que apreendendo e aprendendo os produtos do conhecimento em sua área específica, que o professor estará habilitado a ensinar, atividade que deve visar, fundamentalmente, aos processos de aquisição do conhecimento, não apenas os produtos. (SOARES, 2012, p. 101).

Esse vem a ser, especificamente, o elemento pedagógico da colaboração na produção do conhecimento que torna o processo uma via de emancipação na formação inicial de professores/as. Assim, para além de participar da produção de conhecimento em suas áreas e, especialmente, na contribuição de uma Educação Ambiental Crítica para a transformação dos problemas sociais e ambientais, professores/as em formação podem apreender e aprender como se produz o conhecimento, como podem investigar os problemas encontrados em suas práticas e nas problemáticas de suas aulas e como propor alternativas e discussões para as transformações necessárias. Dessa forma, professores/as em formação podem construir sentido sobre suas práticas docentes e como transformá-las na direção de práticas pedagógicas críticas, realizando a apreensão dos conhecimentos teóricos e práticos do processo e estabelecendo a relação necessária entre esses conhecimentos e como eles podem intervir ou direcionar novas práticas na realidade e nos discentes.

Para a Educação Ambiental Crítica, essa característica emancipatória da colaboração na produção do conhecimento, dentro da formação inicial de professores/as, proporciona pensamentos e propostas educativas compatíveis com as premissas de uma prática social para emancipação e transformação da crise social e ambiental que nos encontramos, colocando todos os sujeitos envolvidos nessa prática em condição de autonomia para a reflexão crítica sobre a realidade e seus determinantes. Na formação inicial de professores/as, essa autonomia que a reflexão crítica e a colaboração na produção de conhecimento proporcionam, além de uma melhor compreensão de suas práticas, promove

[...] condições de compreender sua prática na totalidade de seus condicionantes, a fim de que, no coletivo, sejam engendradas transformações nos contextos e condições que a constituem. A prática só pode ser compreendida na perspectiva da totalidade e da construção partilhada de saberes que se organiza em seu processo. (FRANCO, 2012, p. 176).

Novamente, retomam-se as categorias presentes na Educação Ambiental Crítica e na Pedagogia Crítica: a totalidade, sem qual se torna inviável a compreensão e a apreensão da realidade concreta, e a práxis, condição essencial para uma prática educativa que pretende compreender a teoria a partir da prática e, com base nesta, produzir e revisitar a teoria.

A práxis educativa que se estabelece na colaboração na produção do conhecimento, dentro da formação inicial de professores/as, contribui para um ambiente favorável de emancipação de concepções e de ações dos sujeitos envolvidos quanto a mudanças de posturas e de propostas educativas que são relevantes à Educação Ambiental Crítica. Assim como a compreensão dos determinantes ideológicos e políticos do campo curricular e a necessidade de adesão a uma prática pedagógica crítica, a colaboração na produção do conhecimento perfaz-se como uma via de emancipação na formação inicial de professores/as, tornando estes/as capazes de atuar em práticas educativas conscientes e transformadoras.

Para Franco (2012), a colaboração na produção de conhecimento permite a descoberta de novos saberes, a partir da ressignificação do que já foi construído ou está em construção. Esses novos saberes darão novos significados às práticas docentes que desenvolverão, podendo proporcionar a recriação de procedimentos didáticos e o enriquecimento de suas práticas mediante vivências coletivas, além da percepção da necessidade de constante autoformação e novas produções de conhecimento.

A participação e a colaboração tornam-se, assim, elementos relevantes para práticas educativas que buscam alcançar emancipação e transformação nos sujeitos envolvidos. Proporcionar a colaboração na produção de conhecimentos na formação inicial de professores/as, apesar de ser um desafio, é um elemento pedagógico significante para o desenvolvimento de uma Educação Ambiental Crítica.

Formação inicial de professores/as e Educação Ambiental Crítica

Na esteira da compreensão dos elementos da Pedagogia Crítica que contribuem para a realização da Educação Ambiental Crítica na formação inicial de professores/as, é solícito, ainda, refletir como essa formação se dá e como ela pode caminhar junto aos pressupostos críticos de uma Educação Ambiental para a emancipação.

A primeira proposição que se apresenta, nesse sentido, é a construção de posturas de comprometimento com as mudanças que são necessárias e objetivadas pela Educação Ambiental Crítica. O entendimento de que não há neutralidade na educação assim como na atividade docente é fundamental, revelando a necessidade de posicionamento para, assim, evitar a reprodução dos determinantes ideológicos, sociais e ambientais, ainda que por omissão.

Vasconcellos (2007) aponta que esse posicionamento, que é um posicionamento de busca de transformação da realidade vigente, implica compromissos históricos e concretos por parte de docentes, e esses compromissos necessitam se expressar em termos pessoais, pedagógicos, institucionais e sociais. Sem esse comprometimento com a mudança e a certeza de que ela é possível, as práticas docentes e pedagógicas tornam-se vazias diante das problemáticas sociais e ambientais da realidade. Esse comprometimento é viável quando se transpõe a consciência ingênua da realidade, a qual a analisa isoladamente, de forma reducionista ou conservadora, e se alcança uma consciência crítica, pensando a realidade na sua totalidade, como adverte Freire (2011):

Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade, e com os homens concretos que nela e com ela estão, se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua. Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação. Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas, pensando que assim transforma a realidade, mas sobre a totalidade. É transformando a totalidade que se transforma as partes e não o contrário. (FREIRE, 2011, p. 26).

Assim, superar perspectivas educativas ingênuas, tradicionais, reducionistas, conservadoras, comportamentalistas, que põem a resolução dos problemas ambientais e sociais em atitudes individuais é essencial a uma prática educativa que busca transformar a realidade. Não que as mudanças individuais não sejam necessárias, porém, sem as mudanças coletivas e em sua totalidade, aquelas se tornam ecos em um espaço sem ressonância.

Guimarães (2004) observa que essas mudanças e a construção desse devir histórico são motivadas por reflexões críticas sobre a realidade e sobre as múltiplas determinações do modo de produção capitalista, entre elas as epistemológicas, as ético-políticas e as materiais. O autor destaca, ainda, que tanto as transformações individuais quanto da totalidade, quer dizer, da realidade concreta, passam pela transformação recíproca dessas múltiplas determinações. Para tanto, compreender como esses determinantes atuam sobre a sociedade e sobre a própria educação é significante na formação de sujeitos que atuarão diretamente na sociedade, em busca das transformações solicitadas. A Educação Ambiental na formação inicial de professores/as precisa estar atenta à superação da realidade imediata dos problemas apresentados e construir, de forma participativa, a compreensão da realidade concreta em sua totalidade.

A participação na construção de possibilidades de mudança e na Educação Ambiental Crítica é outra proposição necessária, uma vez que é a partir dela que se pode promover emancipação e cidadania aos sujeitos envolvidos, tornando a prática educativa um projeto em construção de democracia e de transformação ambiental e social. Nepomuceno (2018) ressalta que não há Educação Ambiental sem a participação política de todos os sujeitos envolvidos, dado que a própria Educação Ambiental é uma pedagogia em ação. Dessa forma, são necessárias a participação e a formação de cidadania como elementos essenciais para a prática educativa ambiental que se entende como um campo de ação para transformações.

Cabe salientar o papel fundamental da Educação Ambiental Crítica na busca de cidadania, de emancipação e de transformações, sem confundi-la com a salvação da humanidade. Na formação inicial de professores/as, essa concepção deve se fazer presente, assim como a esperança e a proposição de ações concretas sobre a realidade.

Assim, deve-se evitar a reprodução do velho discurso simplista de que “a educação é a solução”. A EA [Educação Ambiental] é elemento inserido em um contexto maior, que produz e reproduz as relações da sociedade, inclusive o embate hegemônico, as quais, para serem transformadas, dependem de uma educação crítica e de uma série de outras modificações nos planos político, social, econômico e cultural. (NEPOMUCENO, 2018, p. 163).

A compreensão de que as mudanças individuais devem caminhar com as mudanças coletivas é outro elemento necessário à formação inicial de professores/as, tendo em vista que, para situar e significar as mudanças que ocorrem nas práticas educativas e nos sujeitos envolvidos, é necessário compreendê-las a partir das relações e das contradições que se estabelecem socialmente na materialidade histórica, nas estruturas sociais, econômicas e culturais e nas conjunturas da realidade na qual esses sujeitos se encontram (LOUREIRO et al., 2009).

A reflexão sobre como as mudanças se efetivam é altamente relevante para Vasconcellos (2007), visto que permite aos/às professores/as em formação não somente participar e observar as mudanças eventuais, mas compreendê-las. Isso permite o aumento da autonomia desses docentes em formação, caracterizando suas emancipações e a possibilidade de promoção de emancipação em suas futuras práticas docentes.

Vale ressaltar, também, a figura desses docentes em formação como dinamizadores nas práticas educativas e não como multiplicadores de consciência, como se o processo de conscientização fosse uma transmissão de pensamentos verdes nos sujeitos envolvidos. Considerando que a conscientização passa pela autonomia entre a reflexão e a ação e pela emancipação, o que se espera em práticas educativas ambientais é a dinamização da reflexão crítica sobre os determinantes e as ideologias que perfazem a realidade. Quanto a isso, Guimarães (2004) exorta:

A educação em uma perspectiva crítica se propõe a formar dinamizadores de ambientes educativos (e não multiplicadores), que, ao compreenderem a complexidade dos processos (movimentos) sociais, motivados pela reflexão crítica, mobilizem (mobilização = ação em movimento – práxis), com sinergia, processos de intervenção sobre as dinâmicas constituídas e constituintes da realidade socioambiental. Portanto, reciprocamente, esses movimentos são ambientes educativos e ambientes educativos são movimentos e os dinamizadores (educadores ambientais) os alimentam. (GUIMARÃES, 2004, p. 134-135).

Dessa forma, compreendendo a realidade em suas próprias práticas docentes, professores/as e sujeitos envolvidos podem levantar hipóteses e discutir possibilidades sobre as mudanças necessárias (FREIRE, 2011); mudanças a partir da práxis educativa, com base na reflexão e na ação sobre a realidade. Mudanças que transcendem a perspectiva da conservação da biodiversidade, da diminuição de gases do efeito estufa, da coleta seletiva de lixo, abraçando-as e também se apoiando em uma Pedagogia Crítica, em propostas educativas que se comprometam com a formação de sujeitos ambientalmente responsáveis com todos os aspectos mencionados anteriormente, mas também com o social, o histórico, o político e o cultural (LOUREIRO et al., 2009).

Desse modo, a formação inicial de professores/as pressupõe a compreensão da prática educativa na totalidade, na reflexão sobre a realidade concreta, com sua multidimensionalidade e multidiversidade de aspectos e de determinantes. Libâneo (1985) compreende essa formação mediante a tomada de partido por professores/as em formação, no sentido de reconhecer o valor dos conhecimentos como condição para a emancipação humana. O conhecimento, dentro de uma práxis educativa de reflexão e de ação para a emancipação humana, não se dá em qualquer perspectiva pedagógica. Para Delizoicov e Delizoicov (2014), é preciso que a prática educativa esteja aderida a uma intencionalidade, em uma perspectiva político-pedagógica, que promova uma leitura crítica do mundo e das contradições sociais e ambientais.

Na formação inicial de professores/as, isso requer a compreensão de que as mudanças esperadas e objetivadas pela Educação Ambiental Crítica ocorrem por meio de ações políticas, da participação, da promoção de cidadania, da democratização do conhecimento, dos direitos ambientais, da coparticipação na tomada de decisões, a partir dos quais as mudanças individuais ocorrem dialética e juntamente às mudanças sociais, coletivas, culturais e estruturais. Assim, fica evidente que a promoção da “consciência ecológica” não deve substituir a promoção da consciência política, da mesma forma que as mudanças individuais não suplantem as mudanças coletivas. Layrargues (2011) ratifica isso expressando:

Se é desejo do educador ambiental construir uma sociedade ao mesmo tempo ecologicamente equilibrada, culturalmente diversa, socialmente justa e politicamente atuante, ele pode fazê-lo também por intermédio da própria educação ambiental. Mas para isso, os educadores ambientais precisam romper a opressão da violência simbólica acometida pela ideologia hegemônica, que sobrepõe a dimensão ética sobre a política, os valores sobre os interesses, e que se concentra na mudança cultural, silenciando a sua participação na mudança social. (LAYRARGUES, 2011, p. 96).

A quebra dos dualismos e dos reducionismos nas práticas educativas é um elemento essencial para a efetivação de uma Educação Ambiental que busca promover a emancipação humana e a transformação da realidade concreta. Sem esse exercício na formação inicial de professores/as, dificilmente as práticas docentes destes/as conseguirão romper com posicionamentos comportamentalistas e conservadores da educação.

A consciência ecológica que a Educação Ambiental, amparada na Pedagogia Crítica, busca efetivar em suas práticas educativas é enfrentar a padronização cultural, comportamental e do pensamento. É uma consciência que compreende que os problemas ambientais estão intimamente atrelados aos problemas sociais, à exclusão social, à concentração de renda, à alienação política e ideológica, à extrema desigualdade.

Guimarães (2004) defende que nessas práticas educativas, ao desvelar-se a realidade ambiental e social, que são constituídas pelas relações entre indivíduos, sociedade e natureza, as discussões adquirem estrutura para refletir criticamente e buscar ações para intervir nos processos sociais e ambientais, em suas múltiplas determinações. Reflexões e ações que possam transformar as condições materiais, epistemológicas, ético-políticas e estruturais.

Na busca dos objetivos da Educação Ambiental Crítica, o que se evidencia é o papel do/a professor/a nesse processo de emancipação. Enquanto dinamizadores/as do processo de conscientização, estes/as se tornam sujeitos da promoção de características fundamentais para a transformação da realidade. Entretanto, para isso, é necessário que essas características iniciem sua construção na formação inicial desses sujeitos, projetando um horizonte em que as utopias sejam possíveis por meio da participação e da colaboração, em uma práxis educativa que, a partir da problemática existente, potencialize as possibilidades de emancipação de concepções e de ações diante do mundo, do outro e do restante da natureza.

Assim, é necessário que a atividade docente esteja centrada na capacidade de elaboração simbólica e caminhe com o que Vasconcellos (2007) pontua como poderes do/a professor/a, a saber: a crença na possibilidade de mudança, o poder de rede, a participação na mediação sistema-realidade local, a autocrítica e a superação de argumentos inibidores e da idealização das alternativas.

Considerações finais

A Educação Ambiental Crítica na formação inicial de professores/as amparada em uma Pedagogia Crítica compreende os elementos pedagógicos necessários para a promoção de emancipação humana. Esses elementos são relacionais, dialéticos, associam-se ao movimento da sociedade e estabelecem-se a partir da participação, da dialogicidade e da formação de uma consciência crítica.

A compreensão de que a formação de professores/as se inicia na construção do campo curricular é essencial, assim como o entendimento deste como um lugar de conflito de interesses e de valores, no qual o desvelamento das ideologias e dos determinantes sociais, ambientais e culturais é imprescindível para essa formação.

É indispensável, ainda, a compreensão da não neutralidade do currículo e de que ele é um campo político, bem como a superação de visões e de posicionamentos dualistas e reducionistas em sua construção. Dessa forma, o currículo expressa-se e concretiza-se nas transformações que proporcionam nas práticas educativas e na aprendizagem dos discentes. Assim como, na compreensão política e ideológica do currículo, é necessária uma prática pedagógica crítica para a promoção de emancipação humana, que proporcione adesão à intencionalidade da Educação Ambiental Crítica, que desenvolva nos/as professores/as em formação, além de saberes teóricos e práticos, saberes pedagógicos. Uma prática pedagógica que elucide as dimensões que atravessam as práticas docentes, entre elas: a historicidade, a totalidade, a práxis, o contraditório e os determinantes políticos e ideológicos que se fazem presentes nas práticas educativas. Essa observância torna-se essencial para a contribuição de uma Educação Ambiental que busca gerar transformações que começam nos/as próprios/as professores/as.

Na formação inicial de professores/as, são necessários o debate e a promoção da colaboração na produção de conhecimento, o que garante o desenvolvimento de capacidades de análise e de problematização da realidade concreta nesses/as professores/as em formação, assim como para o desenvolvimento de saberes teóricos e práticos.

A participação e a colaboração na produção do conhecimento para professores/as em formação contribuem para a sua autonomia, no caminho de suas próprias emancipações. Isso se dá na medida em que, além de aprenderem e apreenderem como se produz o conhecimento, aqueles/as também aprendem e apreendem como investigar e analisar os problemas da realidade, assim como propor alternativas para as transformações necessárias.

Por fim, é preciso a construção, na formação inicial de professores/as, de posicionamentos de comprometimento com a mudança, de redes de participação, da compreensão de seus papéis como dinamizadores das práticas educativas, de consciência crítica e de que as mudanças ocorrem por meio de ações políticas, individuais e coletivas. Assim, essas mudanças são possíveis.

*Este trabalho se trata de uma publicação derivada dos estudos teóricos do Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Recebido: 29 de Julho de 2021; Revisado: 06 de Fevereiro de 2022; Aceito: 08 de Fevereiro de 2022; Publicado: 18 de Fevereiro de 2022

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