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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 24-Maio-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19961.048 

Artigos

Análise textual pormenorizada da Lei Brasileira de Inclusão: perspectivas e avanços em relação aos direitos das pessoas com deficiência

Detailed textual analysis of the Brazilian Inclusion Law: perspectives and advances in relation to the rights of people with disabilities

Análisis textual pormenorizado de la Ley Brasileña de Inclusión: perspectivas y avances en relación a los derechos de las personas con discapacidad

Luiz Renato Martins da Rocha* 
http://orcid.org/0000-0002-2884-4956

Jáima Pinheiro de Oliveira** 
http://orcid.org/0000-0002-0156-3804

*Tradutor e Intérprete de Libras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Doutor em Educação Especial. E-mail: <luizrocha@utfpr.edu.br>.

**Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Educação. E-mail: <jaima.ufmg@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo teve como objetivo efetuar uma análise textual pormenorizada da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), com vistas a identificar perspectivas e avanços em relação aos direitos das pessoas com deficiência. A pesquisa, de abordagem qualitativa, utilizou um delineamento descritivo, cuja análise se deu por meio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ®). Identificou-se que a LBI é de suma importância para a construção de uma vida independente das pessoas com deficiência e foi estruturada de modo a trazer garantias de direitos, que, por anos, foram tidos como “favores” e/ou assistencialismo. Ela traz não só direitos sociais básicos, mas também civis e políticos, estimulando a retirada desses sujeitos da condição de extrema dependência que, em muitos casos, foram tratadas como incapazes.

Palavras-chave: Lei Brasileira de Inclusão; Pessoa com deficiência

Abstract:

This paper aimed to carry out a detailed textual analysis of the Brazilian Inclusion Law (known in Brazil by the anacronym LBI), with a view to identifying perspectives and advances in relation to the rights of people with disabilities. The research, with a qualitative approach, used a descriptive design, whose analysis was carried out using the software Interface de R pour les Analyzes Multidimensionnelles by Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ®). It was identified that the LBI is of paramount importance for the construction of an independent life for people with disabilities and was structured in order to bring guarantees of rights, which, for years, were considered “favors” and/or assistance. It brings not only basic social rights, but also civil and political rights, removing these people from the condition of extreme dependence that, in many cases, were treated as incapable.

Keywords: Brazilian Inclusion Law; People with disabilities

Resumen:

Este artículo tuvo como objetivo efectuar un análisis textual pormenorizado de la Ley Brasileña de Inclusión (LBI), con miras a identificar perspectivas y avances en relación a los derechos de las personas con discapacidad. La investigación, de enfoque cualitativo, utilizó un diseño descriptivo, cuyo análisis se realizó por medio del software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ®). Se identificó que la LBI es de suma importancia para la construcción de una vida independiente para las personas con discapacidad y fue estructurada de modo a brindar garantías de derechos, que durante años fueron considerados “favores” y/o asistencialismo. Ella trae no sólo derechos sociales básicos, sino también civiles y políticos, estimulando la retirada de estos sujetos de la condición de dependencia extrema que, en muchos casos, fueron tratados como incapaces.

Palabras clave: Ley Brasileña de Inclusión; Persona con discapacidad

Introdução

A Lei Brasileira da Inclusão (LBI) – Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – ou, também, Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), demorou cerca de 15 anos para sair do papel, um longo caminho iniciado no começo do segundo milênio. Em 2012, a deputada federal (atualmente, senadora) Mara Gabrilli (e pessoa com deficiência) foi designada relatora na Câmara dos Deputados do projeto de lei e, segundo ela, “[...] junto com a sociedade civil iniciamos um processo de construção coletiva, tendo como base a Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência” (GABRILLI, 2016, n.p.). Em 2015, a Lei foi aprovada no Senado, que teve como relator o senador Romário e, em janeiro de 2016, a referida legislação entrou em vigor no Brasil.

Nesse sentido, Lôbo (2016) esclarece que:

Desde sua proposição originária até a sanção presidencial foram necessários 15 anos de disputas e diálogos entre os movimentos sociais tradicionais mais favoráveis ao discurso da tutela e modelo biomédico e os movimentos sociais ligados aos direitos humanos e modelo social. Além desses dois segmentos sociais, participaram ativamente da arena política de decisão parlamentares, membros de governo, instituições e cidadãos influentes no tema. (LÔBO, 2016, p. 40).

Foi no ano 2000 que foi apresentado, pela primeira vez, o texto da LBI (PAIM, 2015b), pelo, até então, deputado federal Paulo Paim. Até sua aprovação, um longo caminho foi percorrido, desde ajustes em seu texto, para adequação à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência1, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 2006, à reescrita de várias partes do documento (PAIM, 2015). As disputas políticas e ideológicas para a publicação da LBI, em 2015, foram acirradas, pois, em jogo, estavam a vida de milhões de brasileiros com alguma deficiência. Atualmente, ainda existem movimentos a favor e contra a LBI, conforme pode ser identificado nas entrevistas realizadas por Lôbo (2016), ou, ainda, de acordo com Santana e Gomes (2019):

O principal problema é que a lei é criada visando amparar uma generalidade de deficientes, porém cada desigual deveria ser tratado desigualmente, no sentido de que um autista tem necessidades diferentes de um cadeirante, tornando o rol de auxílio que deve ser fornecido diferente também. Ao se aplicar um protocolo geral para indivíduos diferentes encontramos pormenores que geram a inviabilização do principal quesito da lei que é assegurar o máximo desenvolvimento desse indivíduo. (SANTANA; GOMES, 2019, p. 143).

Apesar dos questionamentos desfavoráveis à LBI, a forma como a pessoa com deficiência passa a ser vista e seus benefícios são pontos em que se avança na temática e na construção de uma sociedade mais contemplativa das diferenças. Assim, pessoas que, por décadas, viram seus direitos sendo negados, inclusive de não poderem frequentar as mesmas escolas/lugares que pessoas sem deficiência, vislumbram conquistas de direitos.

De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (PAIM, 2015, p. 7): “Na década e meia de tramitação, foram realizados mais de 1500 encontros: audiências públicas, seminários, consultas, conferências nacionais e regionais, com ampla participação da sociedade, de entidades e do movimento de pessoas com deficiência”. A LBI foi, ainda, integralmente traduzida em Libras, com legenda e áudio, tornando o conteúdo acessível a vários públicos. O referido vídeo encontra-se no canal do YouTube, tanto da TV Senado2 como da Câmara dos Deputados3, e ambos têm mais de duas horas de duração (realizados de formas distintas entre as “casas”).

Em linhas gerais, a LBI não é um compilado de leis, mas, sim, um documento “único” que traz harmonia jurídica ao texto da Convenção para a legislação brasileira, porque, por algum motivo, poderia estar em desacordo com ela. Assim, houve alterações, por exemplo: no Código Eleitoral, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto das Cidades, no Código Civil, na Lei de Improbidade Administrativa, na Consolidação das Leis do Trabalho, e em outras, que foram ajustados na LBI à luz da Convenção. Nesse sentido, em seu discurso sobre a LBI, a ex-presidente da república Dilma Rousseff esclareceu que “[...] o estatuto resultou de um enorme esforço coletivo para reunir o conteúdo de mais de 430 documentos que tramitavam no Congresso em 2012 e que foram anexados (apensados) ao Projeto de Lei do Estatuto” (PAIM, 2015, p. 14).

A LBI apresenta a pessoa com deficiência sobre o viés da independência, da autonomia e do respeito as suas escolhas, não reduzindo-a a uma questão meramente clínica e patologizante, o que representa “[...] uma escolha normativa com elevado caráter axiológico e em consonância com uma moderna visão da pessoa com deficiência como sujeito dotado de dignidade e capaz de gerir o próprio destino” (VIANA, 2018, p. 94).

No Brasil, a convenção passou a ter um status de emenda constitucional, o que deixou de ser um instrumento infraconstitucional para tornar-se constitucional. Para Viana (2018, p. 93): “O Brasil, ao tornar-se signatário da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assumiu uma série de obrigações no plano internacional”. Segundo Araujo e Costa Filho (2015, p. 67): “Não se pode retirar, no entanto, da lei, a marca da novidade. Seria injusto. Mas, como disse, ela é apenas a execução da política determinada pela Convenção”. Para aqueles que haviam lido a Convenção, promulgada por meio do Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009), pouco se espantou com as mudanças e as novidades apresentadas. No entanto, não podemos tirar da LBI, pois seria até injusto, a sua marca de inovação, pois ela conseguiu reunir “[...] diversos pontos que estavam espalhados em diversas legislações, dando uma uniformidade de tratamento ao sistema legal” (ARAUJO; COSTA FILHO, 2015, p. 67).

Segundo Costa e Brandão (2016, p. 236-237), a partir da LBI, no tocante à curatela, por exemplo, o magistrado deve “[...] analisar cada caso, especificando, na sentença, a extensão da intervenção estatal, levando-se em consideração, sempre, as peculiaridades de cada requerido nas ações de interdição e sob a observância do princípio da dignidade da pessoa humana”. Segundo os autores, “[...] uma coisa nos parece ser certa a respeito do tema da teoria das incapacidades e da curatela: não mais subsiste a interdição total do curatelado ou interditando, como antigamente o era” (COSTA; BRANDÃO, 2016, p. 237, grifo nosso), o que marca, então, uma mudança entendida, aqui, como um avanço.

Em relação a outra inovação, no aspecto criminal, por exemplo, o Art. 88 da LBI “[...] traz novas configurações e tipificações que não existiam no nosso ordenamento jurídico” (ARAUJO; FILHO, 2015, p. 73), ao definir que quem “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência [...]”, será apenado com “[...] reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”, aumentando-se “[...] a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente [...]” (BRASIL, 2015, p. 7).

Segundo Viana (2018, p. 89), outra inovação trazida pela Convenção e ratificada pela LBI foi o conceito de desenho universal, que está “[...] assentado na ideia de que produtos, serviços e instalações devam ser desenvolvidos de modo a atender as necessidades de todos os seres humanos (inclusive os deficientes)”. Desse modo, adota-se a lógica da universalidade, em detrimento à adaptabilidade, amplamente disseminada em outros tempos.

Nos seus 127 parágrafos, a LBI traz luz a uma série de questões, nas quais nos debruçaremos neste artigo, a fim de apresentarmos uma visão geral dela4, trazendo esclarecimentos sobre seu teor. Nesse contexto, objetivamos, de forma específica, analisar a LBI e possibilitar aos leitores um entendimento macro e micro que tal importante legislação trouxe às pessoas com deficiência no Brasil, por meio de um software de análise textual, o Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires IRaMuTeQ®.

Caminhos metodológicos percorridos

A presente pesquisa é um estudo do tipo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa. A análise teve como base/apoio, o software IRaMuTeQ®, que é “[...] gratuito (código aberto) e ancorado no software estatístico R e na linguagem de programação python” (ROCHA; MENDES; LACERDA, 2021, p. 8). Nesse sentido, sobre o uso do IRaMuTeQ®, Rocha et al. (2021, p. 8) asseveram: “O uso de softwares de análises textuais não é de forma alguma uma substituição dos pesquisadores e de suas interpretações, pois o software não analisa os resultados, mas, sim, sistematiza-os, entregando um produto garimpado para favorecer o trabalho [...]” dos pesquisadores.

O IRaMuTeQ® realiza desde análises complexas até aquelas mais básicas. Para isso, os 127 artigos da LBI foram ajustados/preparados, seguindo os passos descritos no manual, entre eles: a) algumas palavras foram unidas por um underline, por exemplo: Parágrafo único, que ficou Parágrafo_único; b) outras palavras foram abreviadas, como pessoa com deficiência, que ficou no, texto, PcD; Artigo ficou Art.; Lei Brasileira de Inclusão ficou LBI, entre várias outras; c) símbolos gráficos foram retirados (-, §, % e outros) e/ou substituídos; e d) alguns elementos foram retirados, por não serem essenciais à análise, como numerações: I, II, dentre outros.

O processo de garimpagem dos dados é bastante trabalhoso, pois é preciso que o pesquisador tenha similaridade com a temática para um melhor aproveitamento do texto, além de demandar atenção a detalhes, como os supracitados, mas que podem prejudicar o processamento dos dados pelo IRaMuTeQ®. Assim, investiu-se, na presente pesquisa, dezenas de horas até o material formatado ser colocado no software, para, assim, gerar os produtos que serão utilizados na apresentação dos resultados e das discussões.

O software IRaMuTeQ® apresenta rigor estatístico e qualitativo, permitindo aos pesquisadores utilizarem diferentes recursos técnicos de análise lexical. Esse programa permite, também, fazer análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas individuais/palavras. O software é gratuito e muito utilizado na área de Ciências Humanas e Sociais. Ele também proporciona variados tipos de análises, com apoio em elementos gráficos e em análises multivariadas. Além disso, é uma ferramenta que permite um maior rigor metodológico do processo de análise (CAMARGO; JUSTO, 2013).

Valemo-nos dos seguintes recursos do IRaMuTeQ® que irão constituir a presente pesquisa: a) nuvem de palavras; b) análise de similitude; e c) Classificação Hierárquica Descendente. Esse tipo de análise baseia-se na teoria dos grafos (MARCHAND; RATINAUD, 2012) e é utilizada frequentemente por pesquisadores das representações sociais (cognição social). Possibilita identificar as coocorrências entre as palavras, e seu resultado traz indicações da conexidade entre as palavras, auxiliando na identificação da estrutura da representação. A fim de compor os recursos “a” e “b”, selecionamos as palavras com frequência igual ou superior a 20. A palavra com maior frequência em todo o texto da LBI foi PcD, que apareceu 193 vezes.

O texto da LBI apresentou 1.314 palavras que apareceram uma única vez (Hápax). O número de textos foi 127 (que é o número de artigos), divididos em 410 segmentos de textos, 2.598 formas distintas e teve um aproveitamento de mais de 80%, o que é bastante positivo para a análise. Durante a escrita dos resultados e das discussões, ao fazer menção às palavras selecionadas que compuseram a análise, iremos nos utilizar do itálico, por exemplo: PcD, acesso, direto e outras, para colaborar visualmente com a fluidez da leitura e com a identificação das palavras recortadas para essa análise, que são aquelas com mais frequência presentes na LBI.

Resultados e discussões

O primeiro produto que geramos no IRaMuTeQ® foi a nuvem de palavras, que “[...] é considerada uma análise lexical simples, porém muito interessante no tocante aos resultados” (ROCHA; MENDES; LACERDA, 2021, p. 11), pois, de forma visual, ela apresenta ao leitor, didaticamente, as palavras que compõem os resultados da análise em questão. Assim, conforme mencionado na metodologia, as palavras que compuseram esse recurso visual foram aquelas com frequência igual ou superior a 20, conforme podemos verificar na Figura 1 a seguir.

Fonte: Elaboração própria com base no texto da LBI, a partir do IRaMuTeQ®.

Figura 1 Nuvem de palavras gerada com o texto da LBI 

De modo geral, a nuvem de palavras permite-nos visualizar no que a LBI dá mais enfoque nos seus 127 artigos e, assim, construir um caminho para compreendermos as contribuições (ou, para alguns, retrocessos) que tal legislação trouxe às pessoas com deficiência no Brasil. Com essa nuvem de palavras, foi possível identificarmos, visualmente, os elementos/as palavras com mais frequência (mais de 20 menções no texto da LBI) e que dão o norte do seu teor.

A principal palavra e com maior destaque, na Figura , é pessoa com deficiência (PcD), que aparece cerca de 200 vezes, uma vez que toda a LBI é relacionada a tal público. Como já mencionado anteriormente, algumas legislações foram adequadas à luz da LBI; assim, observamos, em vários trechos dela, citações a artigos (art), leis, incisos, caputs e parágrafos únicos, o que pode ser evidenciado na Figura anterior e que, segundo Costa e Brandão (2016, p. 218), Juízes de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a LBI “[...] teve por objetivo promover os direitos humanos das pessoas com deficiência, propiciando a integração e inclusão destas na sociedade”.

Já, nas palavras de Borges e Souza (2019, p. 78): “Em certo sentido o legislador quer mostrar que o ser humano não pode ser reduzido simplesmente a uma doença ou a uma deficiência”; assim, a LBI “[...] consiste em diminuir as barreiras para as pessoas que possuem algum tipo de deficiência com vistas a torná-las mais independentes” (BORGES; SOUZA, 2019, p. 78). Aqui vale destacarmos que essa foi e ainda é uma das maiores lutas dessas pessoas, qual seja: viver de maneira independente. Apontamos, também, a importância do Movimento de Vida Independente (MVI), que tem como marco legal o dia 14 de dezembro de 1988. Esse movimento, constituído por pessoas com deficiência, trata-se, portanto, de um movimento “de” e não “para” pessoas com deficiência, sendo um dos movimentos de maior impacto e que deu abertura para vislumbrar conquistas como essa presente na LBI.

A dignidade humana daqueles com deficiência é encontrada constantemente na LBI. Notamos, por exemplo, a centralidade da pessoa em detrimento à sua condição, como pode ser identificado ao referir-se a: sujeitos de direitos, respeitando suas especificidades, seja aos serviços, recursos e/ou tecnologias assistivas e de acessibilidade e que devem estar presentes na sociedade (social), seja no sistema público e/ou privado, pois: “Ser sujeito de direito significa que, uma vez que as pessoas constituem a sociedade, elas se relacionam entre si criando direitos e assumindo obrigações” (SANTANNA; GOMES, 2019, p. 147). Nessa perspectiva, Santos (2016, p. 3007) pontua que: “A mudança de compreensão sobre a deficiência de uma perspectiva meramente biomédica, para uma compreensão como desigualdade social reforça a ideia da deficiência não como atributo individual, mas como resultado de uma sociedade despreparada para a diversidade humana”.

Com mudanças na concepção sobre a pessoa com deficiência e que passa, assim, a ser vista com sujeito de direito, é que a LBI vai se constituindo e tomando forma. Nas palavras de Borges e Souza (2019, p. 74): “A dignidade está ligada à pessoa humana”, e, desse modo, atualmente, “[...] é pessoa o indivíduo físico ou jurídico que possui direitos, direitos que são adquiridos quando o indivíduo nasce com vida” (BORGES; SOUZA, 2019, p. 175).

Nesse contexto, podemos trazer também o conceito de capacitismo, o qual tem sido bastante difundido hoje, principalmente pelas pessoas com deficiência. O termo “capacitismo” expressa ações, expressões e experiências que implicam exclusão, discriminação e negação de direito às pessoas com deficiência. Essa construção social é tão forte que resulta em pensamentos comuns de incapacidade e de desigualdade dessas pessoas, diante daquelas que não possuem deficiência. Infelizmente, isso é levado para várias esferas ou dimensões da sociedade e, especialmente, para a escola. No dia a dia, algumas pessoas julgam que, se a pessoa tem uma deficiência, ela não é capaz de cuidar de sua própria vida ou de tomar decisões importantes para si, traduzindo em uma condição de dependência.

Ainda nesse contexto, o apoio e o atendimento especializado devem vigorar como norma, no imperativo da inclusão, garantindo, em igualdade de condições com as demais pessoas, o acesso, a participação e a permanência nos mais diversos espaços, eliminando as barreiras, seja a comunicacional, na informação, no transporte coletivo, entre outras, assegurando, assim, o uso dos espaços (meio) com autonomia e funcionalidade no desempenho de atividades, sejam as de vida diárias, sejam aquelas de cunho profissional. Tudo isso reforça o conceito de equidade.

Nesse sentido, assevera Santos (2016, p. 3009), que deficiência deve ser tratada “[...] no arcabouço dos direitos humanos não mais como um atributo individual, imutável e morfo-biológico, mas que resulta das interações entre um corpo com uma condição de saúde específica e as diversas barreiras ambientais e atitudinais”. A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) caracteriza as barreiras em cinco dimensões, são elas: “barreiras no acesso a Produtos e Tecnologias, em Apoios e Relacionamentos, no Ambiente natural, nas Atitudes e no acesso a Serviços, Sistemas e Políticas” (SANTOS, 2016, p. 3009). O Art. 3º da LBI caracteriza barreiras como

[...] qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros [...]. (BRASIL, 2015, p. 2).

Outra análise realizada foi a de similitude que foi gerada pelo IRaMuTeQ®. Assim como na nuvem de palavras, compuseram a análise palavras com frequência igual ou superior a 20. Nesse tipo de análise, “[...] é possível a identificação das coocorrências existentes entre as palavras e a figura formada, indicando a conexidade entre as palavras e auxiliando, assim, na identificação do conteúdo do corpus analisado” (ROCHA; MENDES; LACERDA, 2021, p. 12). Dessa forma, na Figura 1 a seguir, podemos identificar algumas raízes mais fortes e outras com menor conectividade entre si, apontando, dessa maneira, um caminho de análise no que se refere à construção do texto da LBI.

Fonte: Elaboração própria com base no texto da LBI, a partir do IRaMuTeQ®.

Figura 1 Análise de Similitude gerada com o texto da LBI 

Na análise de similitude da LBI, é possível identificarmos que a centralidade de toda a Lei é a pessoa com deficiência, como já era de se esperar, uma vez que essa Lei é denominada de “Estatuto da Pessoa com Deficiência”; dessa forma, seu nome já traz consigo a centralidade à que se destina tal legislação. Há várias ramificações a partir da PcD; no entanto, deter-nos-emos sobre as três ramificações mais fortes, devidamente marcadas na Figura 1 e indicadas por meio das setas (1, 2 e 3).

Em sentido horário, a primeira ramificação (primeiro quadrante) é aquela que está ligada ao direto e aos serviços. Na LBI, fica evidente que o acesso da PcD, seja a espaços, a informações, a políticas públicas, à educação, à justiça, a produtos, a serviços, a transporte coletivo, e outros, é um direito e condição sine qua non para sua participação com vistas à eliminação de barreiras e à acessibilidade como máxima do processo de inclusão desses sujeitos na sociedade. Nesse contexto: “A deficiência deixou de ser vista como sinônimo de desvantagem natural ao transferir para as sociedades a responsabilidade em promover igualdade entre pessoas com e sem deficiência” (SANTOS, 2016, p. 3010, grifo nosso). Para Santanna e Gomes (2019, p. 146), “[...] a palavra ‘inclusão’ se torna densa e necessária, visto que a tutela do estado deve buscar linhas antidiscriminatórias para que a liberdade e a efetiva inserção dos portadores de alguma deficiência na sociedade se concretize”. Alertamos, no entanto, para o fato de ser necessário dar maior ênfase à equidade, pois são exatamente as diferenças e a diversidade humana que enriquecem o desenvolvimento e a formação humana. Nas palavras de Santos (2003), precisamos ter igualdade se a nossa diferença nos inferiorizar e ser diferentes se essa igualdade nos descaracterizar.

Para exemplificar isso, no Art. 79 da LBI, é declarado que: “O poder público deve assegurar o acesso da pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2015, p. 7); e, no Art. 80: “Devem ser oferecidos todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que a pessoa com deficiência tenha garantido o acesso à justiça” (BRASIL, 2015, p. 7). Colocamos, aqui, trechos relativos à justiça, porém os direitos são extensivos a diversas outras áreas, dentre as quais destacamos a Educação. Afinal, é a efetivação do direito à Educação que abrirá portas para as demais esferas da vida social, desde que essa efetivação ocorra desde a sua primeira etapa, a saber: a Educação Infantil.

A segunda ramificação analisada está atrelada a questões mais legais (de Lei), artigos e incisos, uma vez que, conforme já citamos, a LBI harmonizou várias legislações e altera algumas, à luz da convenção, que passam a vigorar a partir da publicação de tal. Para Borges e Souza (2019, p. 76): “As mudanças provocadas pela lei interessavam diretamente a diversas áreas do direito, em especial ao Direito Civil”. Nesse viés, é interessante notarmos avanços, por exemplo, em relação ao direito que essas pessoas passaram a ter de “[...] casar ou constituir união estável e exercer direitos sexuais e reprodutivos em igualdade de condições com as demais pessoas” (FRANCO, 2016, n.p.). Além disso, também foi garantida a possibilidade de fazer adesão ao processo de tomada de decisão apoiada, pois, caso necessitem de um apoio ou suporte de alguém de confiança para tomarem uma decisão, isso é possível, especialmente em relação aos negócios patrimoniais.

A terceira ramificação aponta fortemente os serviços e os apoios em prol das PcD, como forma de trazer igualdade de oportunidades com relação às demais pessoas (conceito atual de deficiência proclamado pela Convenção), entre os serviços estão: saúde, mobilidade e outros, que são assegurados a esse público, por vezes alijados de tais. Ainda é garantido o atendimento com qualidade, no que se refere ao acesso aos sistemas de informação e comunicação. Nesse sentido, destacamos um entre os vários serviços que são garantidos pela LBI, o do Art. 18: “É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário” (BRASIL, 2015, p. 3). Um outro é o do Art. 74 da LBI, o qual assevera: “É garantido à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida” (BRASIL, 2015, p. 6).

Cabe destacarmos, aqui, o conceito de intersetorialidade, extremamente importante para que esses direitos sejam garantidos e para que as ações entre os principais setores (Saúde, Educação e Assistência Social) sejam, de fato, efetivadas. Quando consideramos as ações intersetoriais voltadas a esse grupo, especialmente às crianças com deficiência, notamos que, embora estejam garantidos no plano legal, existem ainda muitos desafios para as ações intersetoriais voltadas a esse público, que tenham como objetivo um compromisso de justiça social para que, especialmente, os direitos sociais sejam efetivados.

Ressaltamos, ainda, que o Art. 2º da LBI apresenta o conceito de deficiência e esclarece sobre o fato de esta ser avaliada de forma biopsicossocial, em que tal avaliação deve ser realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, para que haja, assim, igualdade de oportunidades a esse público. Segundo Santos (2016, p. 3013): “Desse modo, a interdisciplinaridade tem melhores condições para executar avaliações que descrevam a deficiência como ausência da funcionalidade”. Atualmente, discute-se, no Brasil, um modelo para tal avaliação e, recentemente, vários documentos foram publicados como resultado da produção do grupo de trabalho interinstitucional sobre o modelo único de avaliação biopsicossocial da deficiência5, designado pelo Governo Federal. Esse trabalho foi duramente criticado pela falta de transparência, justamente pela necessidade de uma ampla discussão, junto à sociedade ou, no mínimo, junto às entidades representativas desse público e, principalmente, porque o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com atividades paralisadas, esteve impedido de participar dos debates antes da publicação de decreto que contemplará o modelo de avaliação resultante desses relatórios.

Outro produto gerado pelo IRaMuTeQ® é a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), a qual permite “[...] uma análise lexical do material textual, oferece contextos (classes lexicais), caracterizados por um vocabulário específico e pelos segmentos de textos que compartilham este vocabulário” (CAMARGO; JUSTO, 2013, p. 515). Nesse caso, o software classifica “[...] segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles é repartido com base na frequência das formas reduzidas (palavras já lematizadas)” (CAMARGO; JUSTO, 2013, p. 516). Na Figura 2, o filograma foi dividido em cinco classes, com as palavras mais representativas de cada uma dessas classes. Ressaltamos que, nesse caso, foi utilizado todo o texto para gerar tal figura e não somente palavras com frequência igual ou superior a 20.

Fonte: Elaboração própria com base no texto da LBI, a partir do IRaMuTeQ®.

Figura 2 Classificação Hierárquica Descendente gerada com o texto da LBI 

A Classe 1 representa 15,4% do corpus da LBI e está relacionada a questões ligadas: à saúde, à situação, ao risco, à violação, ao Ministério Público, à Defensoria e afins. Ressaltamos que o Capítulo III da LBI, que vai do Art. 18 ao 26, versa especificamente sobre questões relacionadas à saúde da pessoa com deficiência. De acordo com o Art. 79, § 3º, da LBI: “A Defensoria Pública e o Ministério Público tomarão as medidas necessárias à garantia dos direitos previstos nesta Lei” (BRASIL, 2015, p. 7) . No Parágrafo único do Art. 10, a LBI pontua ainda que: “Em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança” (BRASIL, 2015, p. 3).

A Classe 2 representa 21,4% do corpus e apresenta palavras como: profissional, reabilitação, habilitação, tecnologia assistiva, recurso, oferta e afins, as quais estão em destaque na Figura 2. De imediato, algumas dessas palavras, tais como reabilitação e habilitação, podem nos remeter à compreensão biomédica sobre deficiência, assim como algumas palavras relacionadas à saúde, que também aparecem na Classe 1. Nessa compreensão, a deficiência é vista como um fenômeno biológico, ou seja: uma consequência natural de uma lesão que ocorreu naquele corpo e, para algumas pessoas, essa lesão seria a responsável pelo surgimento de qualquer tipo de desvantagem social. Por isso, a necessidade de reabilitação e de habilitação desse corpo.

Contudo, em uma visão biopsicossocial ou interacionista, que leva em consideração aspectos funcionais desse corpo, existe a compreensão de que os avanços médicos e tecnológicos são importantes para a população com deficiência, respeitando e fornecendo suportes para a eliminação dos mais diversos tipos de barreiras que podem impedir a sua participação social. E, desse modo, nessa compreensão, são apontadas formas de enfrentar essa condição, também por meio de mudanças sociais e estruturais que garantam uma assistência integral a essas pessoas. Nesse sentido, os processos de reabilitação seriam necessários para promover a funcionalidade de algumas pessoas com as mais distintas condições de deficiência. Nesse caso, a presença das palavras tecnologia assistiva, recurso e oferta é fundamental.

A Classe 2 é a mais representativa da LBI e mostra uma centralidade, como na Classe 1, de questões relacionadas à saúde, mas, neste caso, também a profissionalização/formação do sujeito com deficiência para uma vida com independência. Assim, o Art. 14, Parágrafo único, esclarece que:

O processo de habilitação e de reabilitação tem por objetivo o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2015, p. 3).

Nesse mesmo contexto e voltado ao mundo do trabalho, a LBI, no Art. 37, enfatiza que deve haver “[...] provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho” (BRASIL, 2015, p. 5, grifo nosso). Em 2012, foi publicada a Portaria Interministerial Nº 362, de 24 de outubro de 2012 (Ministérios da Fazenda, da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Secretaria de Direitos Humanos), que versa sobre “[...] o limite de renda mensal dos tomadores de recursos [...] para aquisição de bens e serviços de Tecnologia Assistiva destinados às pessoas com deficiência e sobre o rol6 dos bens e serviços” (BRASIL, 2012, p. 44), que são objetos das operações de crédito. Essa foi uma das últimas ações principais do Comitê de Ajudas Técnicas, com completa reestruturação atual, passando à Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva (CITA).

Não podemos perder de vista que a tecnologia, de um modo geral, avança de maneira muito rápida. Então, esses aspectos não podem ser esquecidos, pois os recursos também vão avançar na mesma velocidade, e a tendência de modernização dos produtos é inerente, o que faz com que, em alguns anos, um determinado recurso de tecnologia assistiva venha a se tornar obsoleto e, assim, as pessoas com deficiência estão, constantemente, em busca da modernização dos equipamentos, os quais visam “[...] à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (BRASIL, 2015, p. 9).

Mais recentemente, cumprindo o que estabelece no art. 75 da LBI, que determina que o poder público deveria desenvolver plano específico de medidas sobre Tecnologia Assistiva, tivemos a publicação do Decreto Nº 10.645, de 11 de março de 2021, que regulamentou o Plano Nacional de Tecnologia Assistiva (BRASIL, 2021a). Esse plano foi construído pelo CITA, instituído pelo Decreto Nº 10.094, de e de novembro de 2019, aparecendo como

[...] órgão destinado a assessorar na estruturação, na formulação, na articulação, na implementação e no acompanhamento de plano de tecnologia assistiva, com vistas a garantir à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos e serviços que maximizem sua autonomia, sua mobilidade pessoal e sua qualidade de vida [...]. (BRASIL, 2019, n.p.).

Em 2021, foi publicada a Resolução Nº 205, de 17 de maio de 2021, que aprova o regimento interno do CITA, instituído por meio do Decreto Nº 10.094/2019, que, dentre outras atribuições, destaca “[...] propor procedimentos e orientar a elaboração do plano específico de tecnologia assistiva, nos termos do disposto na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência” (BRASIL, 2021b, p. 146). Portanto, o Plano Nacional de Tecnologia Assistiva foi publicado também em 2021, cumprindo uma das atribuições do CITA. Esse plano possui diretrizes, objetivos, metas, indicadores e formas de acompanhamento. Nesse contexto, ainda podemos destacar a Portaria de consolidação das normas de instituição da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência – Portaria de Consolidação Nº 5, de 28 de setembro de 2017 –, visando a ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência no Sistema Único de Saúde – SUS (BRASIL, 2017). Nessa Portaria, é destacada a ampliação do acesso a alguns tipos de recursos de Tecnologia Assistiva, tais como órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção (BRASIL, 2017).

Essas ações, sem dúvida, são de extrema necessidade para garantir esses direitos das pessoas com deficiência em relação às ações, aos recursos, às estratégias e aos serviços voltados à Tecnologia Assistiva, que ainda está restrita a poucas pessoas, pois, por vezes, seus custos são altos e os recursos limitados.

A Classe 3 representa 18,1% da análise e é composta por palavras como coletivo, transporte, circulação, espaço, urbanístico e afins. Nessa classe, percebemos a grande ênfase que é dada às barreiras urbanísticas, definida, no Art. 3º da LBI, como aquelas “[...] existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo” (BRASIL, 2015, p. 2). O Capítulo X, seção III, da LBI trata, exclusivamente, sobre o direito ao transporte e à mobilidade, destinando sete artigos para tratar sobre a temática. Nessa senda, acessibilidade, no Art. 3º é cunhada como a

[...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida […]. (BRASIL, 2015, p. 2, grifos nossos).

A Classe 4 representa 15,4% nas análises realizadas e apresenta palavras-destaque como: artigos, caput, incisos, legislação, observar e afins, que, como anteriormente analisado e descrito, houve uma harmonização de diversas leis e que, a partir da LBI, foram assim reformuladas, além de essa divisão apontar a própria estrutura de uma lei, constituída de parágrafos únicos, incisos, caput etc. Ressaltamos, ainda, que a partir do Art. 95 da LBI, várias são as alterações referendadas em outras legislações.

A Classe 5 constituiu 15,4% do corpus, e a ela estão ligadas palavras como: direito, oportunidade, igualdade, PcD, cadastro, eletrônico e afins. A LBI apresenta-nos, no Art. 92, algo que, atualmente, na prática, ainda não se efetiva, mas que poderia ser uma forma de trazer igualdade de oportunidades, que é a criação do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão), que é um “[...] registro público eletrônico com a finalidade de coletar, processar, sistematizar e disseminar informações georreferenciadas que permitam a identificação e a caracterização socioeconômica da pessoa com deficiência, bem como das barreiras que impedem a realização de seus direitos” (BRASIL, 2015, p. 7).

A sexta e última classe representa 13,9% do corpus e está representada por palavras como: juiz, apoiar, decisão, curador, vontade e afins, que vem reafirmar algo que já discutimos no tocante à curatela, que, de acordo com o Art. 84 da LBI: “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015, p. 7). Nesse contexto: “Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano” (BRASIL, 2015, p. 7). Os juízes aparecem em destaque nessa classe, pois são figuras essenciais no julgamento e na decisão referente ao cumprimento da LBI.

O uso da CHD foi mais um elemento utilizado na análise e que nos permitiu compreender como o texto foi estruturado. As seis Classes da divisão realizada pelo IRaMuTeQ® representam temas principais e, em certa medida, bem delineados na LBI, que nos permitem compreender como está a lei dividida (eixos principais) e que poderiam servir, cada um desses, a um estudo mais aprofundado sobre a temática.

No geral, o software apontou importantes itinerários para compreendermos a legislação supracitada, em que tal trouxe várias garantias legais às pessoas com deficiência, sejam aos serviços, aos recursos, aos produtos, e afins, na eliminação das barreiras de acessibilidade, trazendo, assim, oportunidades para uma vida mais digna em uma sociedade pouco atenta (ou até então) às pessoas com deficiência.

Considerações finais

A LBI trouxe contribuições às pessoas com deficiência no Brasil, seja reunindo legislações já existentes, seja adequando-as à luz da Convenção, ou, também, inovando no ordenamento jurídico. Essa ação, junto às demais legislações no campo da Educação Especial, deixou o Brasil em situação diferenciada em relação a nações desenvolvidas, tais como a Inglaterra (BRACKEN; OLIVEIRA, 2016), pois avançou, legalmente, para garantir aspectos da inclusão da pessoa com deficiência e de uma compreensão de deficiência como um “produto” de sua interação com a sociedade, por sua vez, como uma produtora de barreiras. Na Inglaterra, as ações que possibilitam esses avanços na área de Educação, por exemplo, ainda estão vinculadas a instituições filantrópicas, com caráter fortemente assistencial e não com uma visão de direito legal que essas pessoas possuem de frequentar a escola regular ou o Ensino Superior e ter oportunidades de aprendizagem como os cidadãos sem necessidades educacionais especiais, expressão utilizada lá para se referir, também, às pessoas com deficiência.

A construção da LBI, conforme identificado nas análises geradas pelo software IRaMuTeQ®, aponta a garantia de direitos e a necessidade de disponibilização de recursos e de serviços, buscando, para esses sujeitos, as mesmas oportunidades de condições em relação às pessoas sem deficiência, ampliando sua independência e sua participação social. Ainda que haja ações nessa direção, tais como a retomada do Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva, com a construção e a publicação do Plano Nacional de Tecnologia Assistiva, por exemplo, é preciso ponderar que a efetivação desses direitos ainda é um longo desafio, pois requer maior atenção de políticas econômicas.

Em síntese, a LBI avança no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e, com isso, toma corpo e forma na materialização de diferentes tipos de inclusão, apresentando a esses sujeitos possibilidades de participação social e independência, respaldadas por direitos que outrora foram negados por uma sociedade pouco atenta às diferenças. Ponderamos, no entanto, que, há mais de três décadas, o país vem tentando avançar, por exemplo, em relação ao processo de inclusão escolar, com inúmeros documentos e diretrizes publicados desde a década de 1990. Todavia, esse processo encontra inúmeros desafios todos os dias, seja em uma escola, negando a matrícula de uma criança com deficiência, seja na falta de suporte especializado dentro das escolas regulares, seja em ações governamentais que retrocedem os avanços conquistados. O arcabouço legal, portanto, não garante por si só a efetivação desses direitos. Nesse sentido, lançamos mão de falas recorrentes de vários pesquisadores do campo da Educação Especial, dentre as quais destacamos a de Mendes (2019), que sempre reforça que política pública sem financiamento ou legislação sem diretrizes para efetivá-la não traz benefícios na prática.

Enfim, o uso do IRaMuTeQ® mostrou-se efetivo para compreendermos os aspectos principais presentes na LBI, trazendo resultados visuais sobre diferentes temáticas dos direitos das pessoas com deficiência. No entanto, ainda há muito o que se investigar e avançar, e a presente pesquisa é um pontapé inicial na análise da LBI ao usar um software de análise textual, o que não esgota milhares de outras possibilidades na compreensão de tal legislação e na leitura integral para uma compreensão ainda mais pormenorizada. Por fim, alertamos para o fato de que, mesmo garantidos os direitos das pessoas com deficiência na legislação aqui estudada, a efetivação deles ainda permanece como um intenso desafio, nas mais distintas áreas, com destaque para a Educação, tendo em vista que o respeito e a garantia do direito à Educação abrem portas para a participação social. Outro desafio que se impõe e que não depende apenas de aspectos legais, é o respeito à diferença. Quando mencionamos sobre as barreiras atitudinais, uma das maiores dificuldades a serem superadas em âmbito mundial, de um modo geral, é a compreensão de que a diferença é o que constitui o ser humano. Nesse sentido, os aspectos legais podem ajudar a avançar, quando proporcionam a convivência com as diferenças nos mais distintos ambientes da sociedade.

1Iremos nominar a partir de agora como Convenção.

2Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4IWxmWRZ9TA. Acesso em: 30 mar. 2022.

3Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fWF7QhP424g. Acesso em: 30 mar. 2022.

4A análise pormenorizada aqui anunciada refere-se à identificação de singularidades da LBI. Ela não é pormenorizada no sentido de tratarmos de todas as suas nuances, dadas a delimitação dos objetivos e da natureza de nosso texto. Por isso, apresentaremos, ao leitor, a Lei e algumas de suas contribuições, porém, em cada um desses eixos aqui deixados, será possível propor análises ainda mais pormenorizadas.

5Os documentos publicados sobre a avaliação biopsicossocial podem ser encontrados em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/pessoa-com-deficiencia/publicacoes/relatorio-final-gti-avaliacao-biopsicossocial. Acesso em: 30 mar. 2022.

6Esse rol aparece em forma de Anexos.

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Recebido: 18 de Setembro de 2021; Revisado: 24 de Março de 2022; Aceito: 25 de Março de 2022; Publicado: 05 de Abril de 2022

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