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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 23-Fev-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19356.017 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, epaços e tempos

Escola, ressignificação, descolonização: narrativas de estudantes Kaingang na fronteira Sul do Brasil

School, resignification, decolonization: narratives of Kaingang students on Brazil’s Southern border

Escuela, resignificación, descolonización: narrativas de estudiantes Kaingang en la frontera Sur de Brasil

Kanhnãn fã, aluno Kanhgág ag tỹ ẽg tan to vãmén, ẽg mũ há han je, Fronteira Sul Brasil ki

*Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó; Doutora em História. Colíder do Grupo de Pesquisa em Educação, Violência e Democracia (GRUPEVD/UFFS). Email: <renilda.vicenzi@uffs.edu.br>

**Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó; Doutor em Educação. Colíder do Grupo de Pesquisa em Educação, Violência e Democracia (GRUPEVD/UFFS). Email: <bruno.picoli@uffs.edu.br>


Resumo:

Este artigo mobiliza narrativas de estudantes indígenas de comunidades Kaingang localizadas no Noroeste do Rio Grande do Sul e Oeste catarinense, realizadas em ambiente universitário, quando estudantes de Graduação na Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó rememoraram suas experiências escolares na Educação Básica em escolas indígenas e/ou em escolas não indígenas. Problematiza-se a escola, a hegemonia epistemológica eurocêntrica e as possibilidades de que um grupo étnico vítima de epistemicídio e de genocídio se aproprie dessa instituição e, ao fazer isso, transforme-a em um lugar de “tempo liberto”, de proteção e de reafirmação de si, como um lugar de descolonização. Procurase contribuir na reflexão sobre o acesso aos processos educacionais formais de estudantes indígenas e os significados da escolarização com vistas à preservação de suas origens, cultura na perspectiva de uma educação para a pluralidade e para a alteridade balizada pela literatura descolonial e crítica.

Palavras-chave: Kaingang; Trajetórias escolares; Descolonização

Abstract:

This article mobilizes narratives of indigenous students from Kaingang communities located in the Northwest of Rio Grande do Sul and West of Santa Catarina, carried out in a university environment, when undergraduate students at the Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó recalled their school experiences in Basic Education in indigenous schools and/or in non-indigenous schools. It is problematized the school, the eurocentric epistemological hegemony and the possibilities that an ethnic group victim of epistemicide and genocide may appropriate this institution and, in doing so, transform it into a place of “freed time”, of protection and self-assertion, as a place of decolonization. It seeks to contribute to the reflection on access to formal educational processes for indigenous students and the meanings of schooling with a view to preserving their origins, culture in the perspective of an education for plurality and alterity guided by the decolonial and critical literature.

Keywords: Kaingang; School trajectories; Decolonization

Resumen:

El artículo moviliza narrativas de estudiantes indígenas de las comunidades Kaingang ubicadas en el Noroeste de Rio Grande do Sul y Oeste de Santa Catarina, realizadas en un ambiente universitario, cuando estudiantes de Graduación de la Universidad Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó recuerdan sus experiencias escolares en la Educación Primaria en escuelas indígenas y / o en escuelas no indígenas. Se problematiza la escuela, la hegemonía epistemológica eurocéntrica, y las posibilidades de que un grupo étnico víctima de epistemicidio y genocidio se apropie de esta institución y, al hacerlo, la transforme en un lugar de “tiempo libre”, de protección y reafirmación de sí, como lugar de descolonización. Se busca contribuir a la reflexión sobre el acceso a los procesos educativos formales de estudiantes indígenas y los significados de la escolarización con miras a la preservación de sus orígenes, cultura en la perspectiva de una educación para la pluralidad y para la alteridad guiada por la literatura descolonial y crítica.

Palabras clave: Kaingang; Trayectorias escolares; Descolonización

Resumo em Kaingang1:

Artigo tag vỹ estudante kanhgág tỹ Noroeste Rio Grande do Sul kar Oeste catarinense ty ke ag vãmer n ĩ, ag tỹ universidade kãke to vãmén kar rán ja vã, kanhgág tag ag vỹ tỹ kanhrãn rãn mũ nỹ tĩ graduação ki, Universidade Federal Fronteira Sul – campus Chapecó kãki, kar vỹ ver ag tỹ ag ga kãki escola mĩ mũja fã, kar fóg ag escola kã ke. Kar vỹ fóg ag tỹ pã’i kar ũn kanhró ag nénũ to kanhrãn ja tavĩn to vãmer ãn to rá. Kar fog ag tỹ ẽg jykre kar ẽg cultura tỹ tãty fan fã ã kĩ gé. Kar ver ëg si ag kãgtén já kĩ gé. Instituição Tag ki ẽg tỹ tu vãmén ka vỹ há tỹ vĩ n ĩ, mỹr vỹ kanhgág ag cultura tar kar ti tũ ke kamãg ti. Kar ver jykre há nỹ tĩ jé, ẽg tỹ nénũ há ty jujun jé.

Palabras clave: Kanhgág; Escola mĩmũ já; Jatun mỹ mũ

Introdução

A educação, na qualidade de atividade exclusivamente humana, possui duplo aspecto: de um lado, ela precisa apresentar o mundo às crianças e aos jovens; de outro, ela precisa proteger as crianças e os jovens das pressões e das violências do mundo. Pode-se afirmar que ela, a educação, precisa cuidar do mundo e cuidar do novo, da criança, concomitantemente (ARENDT, 2016; BIESTA, 2017; LARROSA, 2021; MASSCHELEIN; SIMONS, 2021). A educação existe porque as crianças nascem e, de algum modo, é preciso acolhê-las no mundo.

Educação e escola não são a mesma coisa. A escola é a instituição criada para que a educação, com sua dupla função, possa ocorrer (ARENDT, 2016; BIESTA, 2017; SAVATER, 1998); desse modo, a escola é a instituição que cuida e ajuda crianças e jovens a se inserirem no mundo ao mesmo tempo em que cuida para que o mundo ainda seja uma possibilidade para a inserção das crianças e dos jovens. O mundo é aqui entendido como o espaço em que os seres humanos habitam no plural (ARENDT, 2017), ou seja, como o espaço da pluralidade do que é humano. Isso não significa que a escola seja um lugar livre da interferência e das pressões políticas, ideológicas, epistêmicas, assim como um espaço imune às violências presentes no mundo. Ao contrário, é justamente em razão dessas pressões e da insegurança, comuns ao mundo, que a escola se faz necessária como uma instituição de educação: é um lugar seguro para errar e aprender com o erro no sentido de tentar construir outro mundo, mais hospitaleiro e democrático (PICOLI, 2020). Pode-se afirmar que a escola é, então, uma instituição dedicada ao cuidado, à proteção. Ou, pelo menos, deveria ser, mas, ao se tratar de educação e escola para crianças e jovens indígenas em territórios não indígena, há cuidado e proteção?

Quando aqui afirmamos que a escola é uma instituição que tem por função proteger as crianças e os jovens (assim como o mundo) e, assim, oferecer condições para experimentar formas novas de conviver com a alteridade (pluralidade no mundo), não estamos intentando afirmar que as escolas têm efetivamente assumido essa tarefa. Na literatura, são vastas as indicações de que a escola (e a educação) têm cumprido um papel bem distinto do afirmado anteriormente: ela é acusada de ser um aparelho ideológico do Estado (ALTHUSER, 1985); uma instituição para a reprodução e a legitimação das diferenças sociais (BOURDIEU; PASSERON, 1992); uma instituição danosa para a aquisição da autonomia e que, portanto, precisa ser extinta (ILLICH, 1973), dentre outras. Essas acusações fundamentadas factualmente, que se somam a tantas outras não tão factuais, como as que são empreendidas por grupos ultraconservadores e reacionários (APPLE, 2001; LILLA, 2018), corroboram a afirmação de Masschelein e Simons (2021, p. 27-28), para quem “[...] podemos ler a longa história da escola como uma história de esforços continuamente renovados para roubar da escola o seu caráter escolar”. A história da escola é acompanhada pela história de uma “antiescola”, ou seja, perturbações, pressões e ações que impedem que a escola assuma efetivamente a tarefa de ser um espaço de proteção, de zelo, um espaço de “educação”. A escola moderna, pós-iluminista, da racionalidade instrumental, é um exemplo poderoso desse processo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985; GUR-ZE’EV, 2010). Para essa reflexão, gostaríamos de reservar à escola, em oposição às antiescolas, a seguinte definição: “[...] uma forma específica de tempo livre ou não produtivo, tempo indefinido para o qual a pessoa não tem outra forma de acesso fora da escola” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2021, p. 28). Tempo livre como tempo de liberdade para experienciar ética e responsavelmente.

Considerando a definição de escola defendida e, também, as possibilidades de que a escola seja corrompida em antiescola, indagamos: É possível que um grupo étnico vítima de epistemicídio e de genocídio se aproprie dessa instituição e, ao fazer isso, avance no sentido de transformá-la em um lugar de “tempo livre”, de proteção, de cuidado e de superação da hegemonia ocidentalocêntrica, como um lugar de descolonização? Pretendemos responder a essa questão partindo de relatos de experiência de estudantes indígenas da etnia Kaingang, cujas trajetórias escolares se deram parte em escolas não-indígenas e parte em escolas indígenas. As narrativas que apresentaremos ao longo do texto foram escritas por estudantes da etnia Kaingang durante a disciplina optativa de História e Educação Étnico-racial ofertada no semestre 2020/01 na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – campus Chapecó. Essa disciplina foi ofertada para estudantes oriundos do Programa de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas (PIN). Foram 48 estudantes matriculados de diferentes Cursos de Graduação da UFFS – campus Chapecó, tendo como objetivo “pensar a educação das relações étnico-raciais a partir da temática indígena – Lei 11.645/2008”. A história, a memória desses estudantes e as reflexões teóricas entrelaçaram-se e conduziram as suas narrativas. E, ainda, aproximamos a atividade de ensino com a pesquisa acerca das relações étnico-raciais e educação antirracista do projeto guarda-chuva institucionalizado na UFFS – campus Chapecó intitulado “Formação de professores/as para Educação das relações étnico-raciais e Educação antirracista”, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Educação, Violência e Democracia (GRUPEVD).

As narrativas, portanto, são de estudantes que ingressaram na UFFS, no campus Chapecó, por meio do PIN. O PIN é um programa criado na UFFS, em 2014, com processo seletivo especial para estudantes indígenas e que tem como objetivo promover os

[...] valores democráticos, de respeito à diferença e à diversidade socioeconômica e étnico-racial, mediante a adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação e pós-graduação e de estímulo à cultura, ensino, pesquisa, extensão e permanência na Universidade (UFFS, 2013, p. 2).

Em 2014, ocorreu o primeiro processo seletivo para ingresso em 2015 nos Cursos de Graduação da UFFS, e, conforme informações da Diretoria de Políticas de Graduação (DPGRAD) da UFFS, entre 2015 e 2021, a universidade (abrangendo seus seis campi: Cerro Largo, Erechim e Passo Fundo, no Estado do Rio Grande do Sul; Laranjeiras do Sul e Realeza, no Estado do Paraná; e Chapecó, no Estado de Santa Catarina) ofertou, pelo PIN, um total de 598 vagas, com 2.049 candidatos inscritos e 339 matrículas realizadas nos Cursos de Graduação. Além destes, nesse período, 73 estudantes autodeclarados indígenas realizaram matrícula pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU). No campus Chapecó, desse total e nesse mesmo recorte temporal, foram ofertadas 206 vagas nos cursos de Graduação pelo PIN, com 1.236 candidatos inscritos e 172 matrículas efetivadas. Em sua maioria, os estudantes que realizaram os processos seletivos modalidade PIN são da etnia Kaingang e residem em Terras Indígenas (TI) no Oeste catarinense e Noroeste do Rio Grande do Sul. Como dito, as narrativas apresentadas, neste texto, mobilizam memórias sobre as experiências escolares desses estudantes em escolas indígenas e em escolas não indígenas. Para preservar suas identidades, optamos por utilizar apenas as iniciais, o curso de Graduação que frequentam na UFFS e a TI em que habitam.

Estruturamos o texto entrelaçado por três momentos, tendo como fios condutores a educação, a escola e o território em conexão com as narrativas dos estudantes indígenas Kaingang e o entendimento que outras epistemologias, descoloniais2 e críticas, aqui apresentadas, nos auxiliam na proposição de espaços democráticos, de pluralidade e de alteridade.

Genocídio e exclusão: resistências e territorialidade dos Kaingang no Sul do Brasil

Historicamente, as vivências e as experiências das comunidades indígenas no Brasil são marcadas pela defesa ininterrupta da vida, da terra, do território, da natureza e da defesa pela cidadania. Historicamente, também, são alvo de políticas públicas e de ações tomadas à revelia da Lei que promovem uma sistemática perseguição e violação de seus direitos. Esse processo, que já dura mais de 500 anos e tem como consequência o etnocídio e o epistemicídio, recebeu novos impulsos no início do século XXI. Entendemos por etnocídio o “[...] estabelecimento de uma relação de dominação (ou de poder) através do controle e da destruição do corpo, visando o extermínio de traços culturais responsáveis pela perpetuação de um grupo humano, que pode levar à extinção de uma etnia” (VIEIRA, 2011, p. 39). Por epistemicídio, apoiados em Souza Santos (1995), compreendemos o processo de destituição e de invalidação da civivilização, racionalidade, História e cultura do outro. A Declaracion de San Jose sobre el Etnocidio y el Etnodesarrollo, promulgada em 1981, oferece uma definição para etnocídio que também engloba o epistemicídio conforme definimos anteriormente, especialmente na reivindicação pelo “direito à diferença”:

El etnocidio significa que a un grupo étnico, colectiva o individualmente, se le niega su derecho de disfrutar, desarrollar y transmitir su propia cultura y su propia lengua. Esto implica una forma extrema de violación masiva de los derechos humanos, particularmente del de·recho de los grupos étnicos al respeto de su identidad cultural, […]

El desconocimiento de estos principios constituye una violación flagrante del derecho de todos los individuos y los pueblos a ser diferentes, y a considerarse, y a ser considerados como tales. (BONFIL et al., 1982, p. 23, 25).

Dentre essas renovações do velho (ou seja, do projeto colonizador) no Brasil, destacamos o Projeto de Lei (PL) 490, de 20 de março de 20073 que prevê a adoção do “marco temporal” como critério para a demarcação de terras indígenas. Esse PL representa um retrocesso, tendo em vista o histórico de exclusão, de expulsão e de violências associado ao avanço da fronteira agrícola, a exploração de recursos minerais, vegetais e hídricos que levou as populações indígenas brasileiras à desterritorialização. Em síntese, o referido PL propõe que as populações indígenas só teriam direito à terra se esta estivesse sobre sua posse no ato de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Em não estando mais no território, essas populações podem argumentar, por meio de disputa judicial ou conflito material, a comprovação da posse da área reivindicada na referida data, o que pode gerar morosidade, além do uso de violências, por parte de latifundiários, grileiros e mesmo do Estado, para a não demarcação. A defesa do “marco temporal” negligencia, por exemplo, o passado próximo dos massacres dos povos indígenas durante a Ditadura Civil Militar (1964-1985). Segundo o Relatório da Comissão Nacional da Verdade4, houve graves violações dos direitos humanos, como torturas, trabalhos forçados, dizimação de aldeias, sem direito a defesa, em nome do progresso empreendido por fazendeiros e mineradoras. Desse modo, muitas comunidades viram-se forçadas a retirar-se de seus territórios tradicionais e, assim, não o ocupavam no ato de promulgação da Constituição Federal.

Na Constituição Federal de 1988, definiu-se, no Art. 231, que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988, p. 150). Assim sendo, “marco temporal” vem sendo usado para contestar direito já adquirido, com a intenção de colocar em risco o território e a vida de milhares de indígenas, negando a existência da coletividade dos que já haviam sido desterritorializados, vítimas do processo de exclusão e de perseguição (CARNEIRO DA CUNHA; BARBOSA, 2018).

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), os Kaingang somam 37.470 pessoas, indicando que são um dos grupos com maior percentual populacional no Brasil. Dessas pessoas, 19.905 vivem em Terras Indígenas (TI). A partir da segunda metade do século XIX, a escrita da história dos Kaingang do Sul do Brasil evidencia os olhares do colonizador e as violências sofridas por esse povo. Denominados de bugres (MABILDE, 1983), eles sofreram as ofensivas dos “civilizados” para transformá-los em colonos por meio de ações do Estado. Dentre essas ações, destacamos a atuação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910, que os tutelava e, ao mesmo tempo, permitia que seus territórios fossem alvo de grileiros, o que conduzia a expropriação e a desterritorialização (CARINI, 2005). No Noroeste sul-riograndense e Oeste catarinense, as frentes de colonização estatais e privadas introduziram o retalhamento das terras, pois as consideravam “terras devolutas” ou “espaços vazios” para a comercialização, especialmente para homens descendentes de europeus, notadamente de alemães, italianos e poloneses (VICENZI, 2008). Com a comercialização, intensificou-se a limpeza do território com a extração de cobertura vegetal, de madeiras como a araucária, e a expulsão sistemática, não sem resistência, de famílias e comunidades indígenas. De acordo com Joziléia Daniza Kaingang, que vivenciou as dinâmicas de expropriação na TI Serrinha/RS:

A nossa Terra Indígena foi gradativamente invadida e ocupada pelos colonizadores que chegavam à nossa região durante um longo período de tempo, mas nos anos de 1960 foi totalmente loteada e vendida para imigrantes. Nesse período, meus parentes foram carregados e forçados a viver em outras áreas, como as aldeias de Nonoai, Guarita, Ligeiro e Carreteiro. (KAINGANG, 2020, p. 44).

Com os corpos embebecidos pela resistência, pela existência, pelos elos com a ancestralidade e na manutenção de suas culturas, esses povos sobreviveram e se dispersaram, fixando-se em outras aldeias e, também, permanecendo desaldeados. Na década de 1970, iniciaram os processos de retorno e retomada dos territórios. Há especificidade na demarcação de cada TI do Noroeste do Rio Grande do Sul e Oeste de Santa Catarina (D’ANGELIS, 1984; FERNANDES; PIOVEZANA, 2015; MARCON, 1994; NÖTZOLD; ROSA; BRINGMANN, 2012), isto é, cada TI tem sua história no resgate e na ocupação e assentamento das famílias nos territórios, mas imprescindível afirmar que as retomadas são fruto da luta permanente Kaingang. Conforme Kaingang (2020, p. 51): “A partir de 1970 foi marcada pela luta e autodemarcação das terras indígenas no Sul, na TI Nonoai, houve a retomada da terra que estava intrusada pelos colonos, movimento feito pelos Kaingang”.

A história da retomada das terras é presente na memória dos Kofá (mais velhos, anciãos):

Meu pai reunia todos os meus irmãos mais grande e contava que os brancos quando invadiram, chegavam e atiravam em crianças e mulheres, e quem conseguia se escapar na mata adentro fugia para outra Aldeia próxima, levou muito tempo assim, onde chegou um tempo em que os índios estavam cansados de andar fugindo e se reuniram todos os homens e começaram a planejar uma forma de expulsar os brancos de suas terras. (O. F.; Curso de Letras, TI Pinhalzinho-RS).

O branco compreende a terra como um bem, como um capital alienável e apropriável. Com o legado histórico de superioridade, aciona seus privilégios (recursos simbólicos) e os materializa com armas, com violência, com a morte. O que restava ao indígena era viver em fuga e ser acolhido pelos seus – os parentes. Contudo, os processos históricos têm demonstrado que a liberdade e a defesa da vida pulsam nos corpos expropriados, significando que os silêncios e os traumas da violência seriam transpostos em estratégias para voltar a viver no território. Histórias contadas e recontadas constituem momentos de aprendizagem e de valorização àqueles que viveram o processo de retomada.

A experiência com a violência, a exclusão e o epistemicídio fizeram com que a retomada das terras não fosse lida apenas como acesso ao território tradicional, embora essa é, sem dúvidas, uma condição precípua. Com a terra também emerge a perspectiva de retomada das tradições, dos valores, dos saberes, não como restauração, mas como ressignificação. No processo de luta, emergem novos saberes, forjados na própria luta (SOUSA SANTOS, 2019), que demandam uma reorganização mais ampla do que “apenas” o acesso a sua terra. Na narrativa da estudante a seguir, há indicação de que a retomada de território viria acompanhada de discussões em torno da instituição escola e da escolarização para as crianças:

No dia 6 de novembro de 1996, a minha família se mudou para fazer a retomada da área indígena de Serrinha/RS [...]. Durante a retomada que não foi amigável, como a retomada foi em novembro os pais sentiram a necessidades dos filhos estudassem, então procuraram ajuda na FUNAI para que tomasse providência em questão da educação para os indígenas que estavam no acampamento na localidade do Alto Recreio, município de Ronda Alta para abrir vaga na escola mais próxima de onde os indígenas estavam acampados. (E. N., curso de História, TI Serrinha - RS).

A retomada do território foi/é conflituosa, indígenas versus colonos (TEDESCO, 2015) e, mesmo com as demarcações das TI sendo realizadas parcialmente, há o desejo, e a percepção da necessidade, de que as crianças frequentem a escola. O contato ocorreu em um primeiro momento com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada em 1967, órgão institucional com o dever de representação e defesa dos povos indígenas que, naquele momento, mediava a demarcação da TI e poderia acionar instituições educacionais com vistas ao ingresso das crianças em escolas. Podemos perceber a preocupação das lideranças indígenas com as crianças e seus processos de escolarização, quiçá este era um dos caminhos para inclusão e a manutenção cultural. E à medida que as TI tomavam forma, com as desapropriações dos que ocupavam esses territórios, as famílias indígenas começaram a se estabelecer em suas casas, cultivando suas roças. Nesse processo de estabelecimento, as crianças começavam a frequentar escolas próximas de suas residências. Em um primeiro momento, as escolas de brancos já existentes e após, por meio de solicitações e de mobilizações, a transformação das já existentes em escolas indígenas e a criação de novas. Para exemplificar, citamos a TI Toldo Chimbangue (Chapecó – SC), demarcada em 1985 e a transformação da escola de EF Irani, em escola de EF Fen’nó em 2004, em homenagem a liderança Ana da Luz Fortes do Nascimento – a índia Fen’nó (BRIGHENTI, 2014).

Com mais de cinco séculos de exclusões e violações, povos indígenas resistem e, segundo a indígena historiadora Diádiney Helena de Almeida (2020, p. 102): “Continuar existindo e resistindo para que muitos possam percorrer também seus caminhos. Honrar os que vieram antes e continuar remando e fazendo histórias”. Pautados pela compreensão da existência e da resistência por intermédio do acesso e da permanência de crianças indígenas em escolas formais indígenas e não indígenas, e vislumbrando a circulação e a apropriação de saberes para o fortalecimento na luta contra as injustiças a que são submetidas essas populações, analisamos narrativas de estudantes Kaingang acerca de sua trajetória escolar.

A escola não é algo natural, é uma “escolha” da sociedade historicamente situada (ARENDT, 2016). Como ela é algo “inventado”, criada pelos seres humanos, ela não está condenada a ser sempre a mesma coisa e, como historicamente situada, também reflete as pressões e os projetos, muitos dos quais tinham como objetivo, declarado ou não, sua desescolarização (MASSCHELEIN; SIMONS, 2021). A instituição escolar, embora seja muito anterior ao Iluminismo e à colonização, foi por esses movimentos afetada e, em grande medida, carrega seus vícios e seus problemas. É esse o modelo de escola que foi transposto para o Brasil durante o empreendimento colonial: formatada para indivíduos tidos como “universais”, isto é, as suas estruturas materiais e imateriais são pensadas a partir do conhecimento de culturas ocidentais brancas, no padrão iluminista de “ser humano”, com ênfase na imagem do colonizador, que negam ou invisibilizam identidades, diversidades e saberes daqueles que são os outros, como populações indígenas e negras. O outro, conforme analisado por Butler (2016), a partir de condições em guerra (vida e morte), nos auxilia para a compreensão utilizada pelos colonizadores ao não reconhecimento dos povos indígenas:

Afirmar que uma vida pode ser lesada, por exemplo, ou que pode ser perdida, destruída ou sistematicamente negligenciada até a morte é sublinhar não somente a finitude de uma vida (a morte é certa), mas também sua precariedade (a vida requer que várias condições sociais e econômicas sejam atendidas para ser mantida como uma vida). A precariedade implica viver socialmente, isto é, o fato de que a vida de alguém está sempre, de alguma forma, nas mãos de outro. (BUTLER, 2015, p. 31).

Essa universalidade reproduz a precariedade, a dicotomia entre inferiores e superiores, mas, sobretudo, os que “estão no lugar” – corpos que podem falar, e os que estão “fora do lugar” – corpos proibidos de falar (KILOMBA, 2019; SPIVAK, 2010). Aqui, direcionamo-nos à porosidade da instituição escolar e às ressignificações e resistências dos corpos racializados de crianças e de adolescentes indígenas Kaingang do Sul do Brasil para permanecerem nessas instituições. Mais do que isso, encontraram na porosidade, na ocupação dessa instituição, a possibilidade de efetivação de escolas indígenas em Terras Indígenas (TI). Contudo, faz-se necessário, antes disso, pensar as disputas epistemológicas que envolvem a educação, a escola e o lugar do outro, e a opção que fazemos para compreender as importâncias dos processos educacionais na formação de crianças e de adolescentes indígenas no sentido de resistirem às opressões e, ao mesmo tempo, experienciar de maneira positivada sua ancestralidade, identidade, cultura e território. Sobre isso nos dedicamos na parte seguinte.

Processos educacionais: a educação, a escola e a questão do outro

Com base na sucinta definição que dedicamos à escola e à educação, é possível afirmarmos que a principal atribuição dessa instituição não é a de instrumentalizar crianças e jovens em termos de conhecimentos, habilidades, competências, nem fornecer qualificações para o ingresso no mercado de trabalho, embora essas demandas não possam ser desconsideradas no processo educativo. Assume-se aqui que a questão mais importante para a educação (e para a vida) é como podemos responder responsavelmente a quem é outro (BIESTA, 2017, p. 31), ao seu chamado, que se manifesta não apenas pela sua voz, mas pelo seu sofrimento (LEVINAS, 2009). A forma como respondemos a esse chamado faz toda a diferença, é a própria possibilidade de resistir à indiferença ao apelo que emana do rosto dos que sofrem pelas diversas formas de opressão no nosso tempo. Opressão que não é natural, mas historicamente constituída (QUIJANO, 2019; SPIVAK, 2010). Esse “tempo liberto” precisa ser o lugar do “encontro”. Para Biesta (2018):

Tais encontros são sempre interrupções – nos modos de como se é, nos desejos, nos questionamentos sobre esses desejos, ou seja, se o que se deseja é desejável. Enfrentar essa questão, levantá-la, dar-lhe um lugar, respondê-la, é menos um assunto de aprendizagem e, talvez, mais um encontro com o ensino, com a experiência de ser ensinado, de ser abordado pelo que está fora de si mesmo e não construído por si. (BIESTA, 2018, p. 28).

Em sociedades marcadas pela diversidade étnico-racial e religiosa, como é o caso da brasileira, a Educação escolar exerce um papel significativo e, mesmo, insubstituível, na apresentação do mundo. Foi em razão da complexidade da sociedade brasileira que diversas formulações legais foram estabelecidas para que a diversidade cultural, em algum momento da vida escolar, fosse diretamente abordada, das quais destacamos a Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e a Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008, as quais tornam obrigatório o ensino da história e da cultura africanas, dos afro-brasileiros e das populações indígenas brasileiras (BRASIL, 2003; BRASIL, 2008). No Brasil, a pluralidade que marca o mundo (habitado pelos seres humanos no plural) toma, muitas vezes, a forma de violências, opressões e de privilégios que não podem ser negligenciados. Para deixar claro, não se quer afirmar aqui que o encontro com o outro é algo que se dá sem conflitos, ao contrário, é degradável, repleto de armadilhas (BAUMAN, 2013), ruídos, mal-entendidos (GUILHERME, 2015). Viver em paz não é viver sem conflito (GALTUNG, 1996). O encontro é sempre tenso, inseguro e instável e, por isso mesmo, oferece certo risco, certa ameaça, a todos os envolvidos em educação. Esse contato tenso, mas que procura se comunicar com o outro, supera a ideia de tolerância, no sentido de tentar construir um entendimento, uma forma de compreensão mútua que é, segundo Bauman (2013), uma prolífica fonte de criatividade cultural. Essa criatividade precisa estar aberta para o outro, para o imprevisto, precisa improvisar responsavelmente (GUR-ZE’EV, 2005).

Se a escola deve apresentar o mundo, uma das formas de a escola falhar nessa tarefa é na assunção, consciente ou não, de perspectivas epistemológicas que naturalizam ou justificam as desigualdades historicamente constituídas e negam a validade de formas de elaboração e de validação do conhecimento, assim como de significação do real, outras que não a hegemônica, eurocêntrica ou ocidentalocêntrica (QUIJANO, 2019; SOUSA SANTOS, 2019). Se o mundo é o lugar da pluralidade é também o lugar da pluriversalidade, da pluralidade das formas de atribuir sentido ao mundo, da pluralidade das formas de ser um ser humano. É sempre importante não perder de vista que a escola moderna é, também, uma criação ocidental e serviu sobremaneira aos interesses coloniais, não apenas do colonialismo em sentido econômico, mas da colonialidade, da colonização do imaginário – que afeta tanto os grupos dominantes quanto os oprimidos, embora de maneiras bem distintas uns dos outros – que sobreviveu ao fim dos sistemas políticos coloniais. Assim, em vez de ser um lugar de proteção, de hospitalidade, de experienciar o mundo, a escola torna-se um lugar de violência simbólica e física, de opressão e de chancela da opressão. Uma das formas da escola corromper-se em uma antiescola que não cuida dos estudantes é quando ela se transforma em cúmplice de epistemicídio, quando ela assume uma abordagem que coloniza os indivíduos, suas mentes e seus corpos, que os modela de acordo com interesses imperialistas e desumanizadores, que nega aos estudantes de culturas oprimidas e colonizadas o estatuto de humano em plenitude (BIESTA, 2017; GUR-ZE’EV, 2005; SPIVAK, 2010).

Diante desse cenário, tematizar a diversidade incorre na desumanização do outro, em sua subversão em mero conteúdo. A outridade do outro, aquilo que faz do outro o que ele é, pode ser incompreensível. Responder responsavelmente ao outro e à outridade é aceitar o desafio do incognoscível sem procurar enquadrá-lo em critérios racionais, cognoscíveis, porque responder o outro não é conhecer o outro. Uma educação que procura conhecer o outro pode levar à anulação da alteridade, ou seja, não assume o problema de responder ao outro porque o absorve, o mutila. Tudo conhecer, tudo enquadrar em critérios da racionalidade, é um dos pressupostos do paradigma cognitivo hegemônico (SOUSA SANTOS, 2019), da racionalidade moderna, eurocêntrica/ocidentalocêntrica (QUIJANO, 2019).

O que se quer dizer com o exposto nos parágrafos acima é que, se por um lado, é demasiado importante que os e as estudantes tenham acesso a conhecimentos (por meio de temas/conteúdos escolares) sobre grupos étnico-raciais vítimas de opressão, de epistemicídio e de genocídio, que isso pode muito contribuir para o reconhecimento e a valorização da pluralidade e para a autoestima de indivíduos que fazem parte desses grupos; por outro lado, isso não é o suficiente. O que está disposto em leis como a Lei Nº 10.639/2003 e a Lei Nº 11.645/2008, embora tenha representado grandes avanços no campo das relações étnico-raciais, pode ser subvertido em mais uma forma de afirmação, mesmo que de modo inaudito e sem explícita intenção, da superioridade de uma forma de conhecer e de ser frente às demais manifestações do humano. Isso pode ocorrer se, para além do conteúdo tratado, não se prestar atenção, no processo educacional (na apresentação do mundo), aos pressupostos epistemológicos de elaboração e validação dos saberes. Conhecer o outro pode ser um ponto de partida para o difícil trabalho de descolonização do imaginário (tanto dos que gozam dos privilégios quanto daqueles que sofrem a opressão), mas isso implica uma necessária virada epistemológica (questão que retomaremos adiante).

Queremos afirmar que existe uma dimensão necessariamente perigosa na educação, um tipo de perigo que é característico do “encontro”, um perigo que é, inclusive, condição para a educação. O perigo de envolver-se com educação implica estar sujeito a um tipo específico de violência, que Biesta (2017) chama de transcendental. É um tipo de violência que provoca a sair de uma zona de conforto epistêmico: pode ser que nesse encontro com o outro aprenda algo que não gostaria de aprender, algo sobre as injustiças de que é vítima ou algo sobre os privilégios que desfruta em razão de injustiças cometidas para com o outro (PICOLI, 2021a). Biesta (2017), em seu esforço de construção de uma linguagem da educação “para além da aprendizagem”, afirma:

Não só existe o risco de que você não aprenda o que queria aprender [...]. Existe também o risco de que você aprenda coisas que nem teria imaginado que aprenderia, ou que você nem teria imaginado que desejaria aprender. E existe o risco de que você aprenda algo que preferiria não aprender [...]. Isso significa que a educação só começa quando o aprendente está disposto a correr um risco. (BIESTA, 2017, p. 44-45).

Nesse sentido, a escola é a instituição que possibilita que os perigos da educação sejam experimentados com certa margem de segurança, porque, como afirmado, tem por tarefa cuidar para que crianças e jovens possam crescer e se inserir de forma responsável no mundo. O que enceta a outra dimensão do cuidado da educação/escola: o cuidado para que o mundo ainda exista (ARENDT, 2016; LARROSA, 2021).

Entretanto, aqui, vemo-nos diante de um grave problema: alguns indivíduos, ainda na condição de crianças e jovens, já têm muito claro, porque sentem na pele, as injustiças que seu grupo e, por consequência, eles e elas individualmente sofrem. As crianças e os e as jovens indígenas, por exemplo, já convivem cotidianamente com manifestações diversas de violências: estigmatizações, preconceitos, desvalorização de sua visão de mundo e de seus saberes tradicionais (epistemicídio), violências físicas, desumanização e, inclusive, genocídio. Por serem indígenas são, o tempo todo, chamados e chamadas a deixarem de ser, a assumirem como sua a cultura eurocêntrica. Eles e elas precisam também dessa violência transcendental, sendo que não são os algozes, ao mesmo tempo em que são chamados a abandonar sua cultura, são lembrados o tempo todo, por diversas formas: Quem eles e elas são? Faz mais sentido, nesses casos, que a escola seja mais um espaço de proteção (uma escola de fato, de tempo liberto das pressões externas e das violências externas) e de desaprendizagem do que se aprendeu com a violência modeladora da colonização e da colonialidade.

Esse desaprendizado, essa libertação da colonialidade, compreende a dimensão específica da violência transcendental da educação para os grupos oprimidos: reconhecer e orgulhar-se de si, de sua história e de sua cultura é muito difícil e, mesmo, doloroso para aquelas e aqueles que foram ensinadas e ensinados que suas tradições deveriam ser abandonadas porque eram inferiores e, até mesmo, não plenamente humanas. A própria instituição escolar é uma interferência da cultura ocidental. Com isso não se quer afirmar aqui o fim da escola. Antes, o contrário. Propõe-se aqui uma apropriação (não em sentido capitalista), uma ressignificação da escola, de transformar uma instituição que foi parte importante do epistemicídio (que foi/é, portanto, uma antiescola) em uma escola de fato, no sentido de proteger as possibilidades de que ainda haja culturas indígenas. Propomos, aqui, a escola como tempo-espaço para a profanação (MASSCHELEIN; SIMON, 2021). Desaprender o que se aprendeu com a colonialização do imaginário é profanar. É destituir da condição de sacralidade (de naturalidade) as formas colonialistas de relações entre seres humanos. É destronar a racionalidade iluminista da condição de padrão humano universal. É combater (não tratar por natural) os dispositivos que fazem da escola um instrumento da colonização, do capitalismo e do patriarcado, daquilo que a transforma em antiescola. Tomar a escola como um tempo-espaço de profanação significa que “[...] é desligado de seu uso habitual, não mais sagrado ou ocupado por um significado específico, e, portanto, algo no mundo que é, ao mesmo tempo, acessível a todos e sujeito à (re)apropriação de significado” (MASSCHELEIN; SIMON, 2021, p. 39). A escola, dessa forma, constitui-se em um espaço de proteção, de valorização de formas outras de saberes e de experiências, de elevação da autoestima por meio de uma virada epistemológica que encampa abordagens descoloniais frente a uma sociedade narcisista que colonialmente desvaloriza e desconsidera o que não é seu espelho.

Estudantes indígenas: saberes, conhecimentos, experiências, vivências

Como o território fora e é local de disputas entre indígenas e não-indígenas, as escolas de brancos e para brancos também o são, e ali a negação à permanência de crianças indígenas é sentida nas atitudes, nas posturas e nas normas institucionais colonialistas, como afirma um dos estudantes:

[...] ganhamos o direito de estudar junto com os brancos na escola Tancredo Neves no final dos anos 1990, o que me lembro daqui (TI Serrinha) era uma diretora não muito sociável ela fazia nos rezar todos os dias antes de começar as aulas e ela cuidava nós indiozinhos que não sabíamos rezar, para dar bronca em nós. (G. F., Letras, TI Serrinha).

Passados 500 anos do início do processo colonialista português, crianças Kaingang sofrem a imposição da cultura eurocêntrica-cristã para “salvar suas almas” em uma escola pública que deveria estar pautada pelo laicidade. E, ainda, nega, conforme disposto na Constituição de 1988, o direito dos povos indígenas de viverem de acordo com suas próprias culturas. Segundo Ferreira (2020, p. 75), ao longo da história, a “escola para o índio” fomentou a extinção de povos com culturas diferentes, “[...] as línguas, as tradições, os conhecimentos, os valores foram negados pela escola. Os sábios indígenas perseguidos e seus conhecimentos negados”.

Relatos de exclusão são presentes nas memórias de estudantes indígenas que frequentaram escolas não-indígenas, marcando um passado/presente imerso em preconceitos:

Na aldeia estudei até a 4ª série, do 5ª ano ao ensino médio em escola não indígena. Nesse distanciamento da vida escolar fora da aldeia, foi se perdendo o aprendizado da língua Kaingang, a língua materna de um povo filho dos herdeiros da teimosia, passando a estudar o que os não índios estudavam. Na escola onde nós indígenas estudávamos, éramos minoria passando por momentos dolorosos que são lembrados até nos dias de hoje, com bastante dor sofríamos com preconceitos. (Z. A., Pedagogia, TI Toldo Pinhal - SC)

A não existência do diálogo, da alteridade, anula a possibilidade de inclusão das crianças e dos saberes/conhecimentos de seu pertencimento étnico, como a língua. Ao estudar somente visões de universalidade eurocêntrica, ou processos pedagógicos exclusivamente para os não índios, naturaliza-se e sacraliza-se a visão do colonizador, da sociedade e da cultura do homem branco, de modo indiferente à presença de alunos indígenas, cujas tradições são invisibilizadas. Concomitante ao período em que ocorriam as demarcações havia o debate, a redação e a posterior promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil (LDB) – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que destaca:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

  1. I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

  2. II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. (BRASIL, 1996, n.p.).

Instituiu-se com a legislação uma educação escolar diferenciada aos povos indígenas. No relato anterior, a estudante frequentou a escola fora da Aldeia em período posterior à promulgação da LDB e pontuou que a escola de brancos não realiza projetos integrados para valorização e positivação da identidade, língua e da história das sociedades indígenas como previsto na legislação. A memória da vida escolar fora da Aldeia causa dor, sofrimento, que tem como causa o fato de se ter nascido indígena em um país de privilégios de branquitude, forjado pela democracia racial e com suas estruturas e seu cotidiano marcado pelo racismo e pelo preconceito. De acordo com Edson Kayapó (2019, p. 59), “[...] as diversas formas de discriminação, o silenciamento e o escamoteamento da violência histórica contra os povos indígenas estão expressos na composição das memórias ou no esquecimento a que tais povos foram condenados”.

A estudante enfatiza sua ancestralidade como sustentáculo para ressignificar os momentos dolorosos, por meio da resistência na memória de luta de João Maria Rodrigues, o “cacique Teimoso”5. Em 1996, o cacique Teimoso liderou a retomada e a demarcação da TI Toldo Pinhal (Seara/SC), local onde ele e seu pai, o cacique Gregório, estão enterrados. Para Ferreira (2020):

A visão de mundo, Ũn si ag tũ pẽ, próprio dos Kaingang, traz as memórias dos velhos para mostrar o comportamento neste mundo, que está baseado nas relações com o outro, esse outro representado no conjunto de elementos, artefatos do povo, seus territórios, suas relações de afeto com a natureza. (FERREIRA, 2020, p. 106).

As narrativas de ser estudante indígena fora da Aldeia, em geral, rememoram experiências negativas e dolorosas. Já nas memórias de ser estudante em escolas localizadas nas TI são de lembranças saudáveis e positivadas:

Sempre estudei na comunidade indígena e aprendi muito com meus professores indígenas e não indígenas, quando tinha alguma apresentação na escola, sempre tinha algum aluno que fazia em português e em Kaingang, sempre tinha o dia da comida típica, as vezes nós íamos com os professores procurar fuá e kumi6 para fazer e nós ajudávamos a limpar e ver como fazia, porque não se faz de qualquer jeito. (K. T., curso de Administração, TI Nonoai-RS)

Historicamente, o povo Kaingang possui, em sua organização econômica, a coleta, a caça, o cultivo e o artesanato como sustentáculo de sobrevivência, quer de maneira coletiva ou individual, e mantém, em sua identidade étnica, o elo entre natureza e homem. Evidencia-se o vínculo da escola com os costumes, a tradição, a construção do conhecimento/saberes envoltos pelo cotidiano das crianças, possibilitando o reconhecimento da existência dos saberes produzidos historicamente por esse povo, e, assim, “[...] os conhecimentos kaingang precisam estar presentes na escola, de forma destacada ou, pelo menos, em igualdade de condições” (FERREIRA, 2020, p. 119). E, ainda, há momentos para além da sala de aula:

Nas semanas culturais, nós podíamos levar de casa alguma comida típica para dividir com os demais, tinha as apresentações e gincanas, nos desfiles as meninas tinham que procurar um par para participar e era feita a votação do casal que estava mais caracterizado, tinha as brincadeiras com milho e feijão para mostrar como brincavam antigamente, tinha também tiro ao alvo com arco e flecha, e vinham alunos de outras escolas para participar também, alguns pais traziam filtros dos sonhos para vender, tinha exposição de artesanatos também, alguns de animais feito com madeira que eram lindos. (K. T., curso de Administração, TI Nonoai-RS)

A educação escolar indígena, a partir das experiências narradas, implica pensarmos acerca da descolonização do currículo eurocêntrico que é permeado pela episteme de subordinação de povos, linguagens e conhecimentos. Significa avançarmos e transgredirmos as fronteiras epistemológicas do colonizador e do colonialismo para uma educação com ações pedagógicas para a diversidade, educação das relações-raciais e interculturalidade que inclui os conhecimentos, os saberes tradicionais e as dinâmicas sociais de cada cultura. Como pontuado por Walsh (2007), ao estudar os povos indígenas andinos, deve ocorrer a “virada epistemológica” associada ao conceito de interculturalidade – conceito que parte do “lugar de enunciação do movimento/luta social indígena”, a saber, um campo epistemológico construído em realidades e estruturas do passado e do presente.

Y es a través de ese conocimiento que se genera un conocimiento “otro”. Un pensamiento “otro” que orienta el programa del movimiento en las esferas política, social y cultural, mientras opera afectando (y descolonizando), tanto las estructuras y paradigmas domi nantes como la estandarización cultural que construye el conocimiento “universal” de Occidente. (WALSH, 2007, p. 51)

Quando se fala em “virada epistemológica” não se está afirmando a criação de uma concepção de mundo, de verdade e validação do crível oposta diametralmente à epistemologia eurocêntrica. Sousa Santos (2019, p. 11) afirma que as “epistemologias do Sul”, ou seja, as formas de concepção do mundo e da própria vida que emergem da e na luta contra as opressões do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado, “ocupam” as concepções hegemônicas de epistemologia (as epistemologias do Norte). Conforme o autor:

As epistemologias do Sul referem-se à produção e à validação de conhecimentos ancorados nas experiências de resistência de todos os grupos sociais que têm sido sistematicamente vítimas da injustiça, da opressão e da destruição causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado. Chamo o vasto e muito diverso âmbito dessas experiências de Sul anti-imperial. Trata-se de um Sul epistemológico, nãogeográfico, composto por muitos suis epistemológicos que têm em comum o fato de serem conhecimentos nascidos em lutas contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. São produzidos onde quer que ocorram essas lutas, tanto no norte geográfico como no sul geográfico. O objetivo das epistemologias do Sul é permitir que os grupos sociais oprimidos representem o mundo como seu e nos seus próprios termos, pois apenas desse modo serão capazes de o transformar de acordo com suas próprias aspirações. (SOUSA SANTOS, 2019, p. 17).

Trata-se de uma busca de alternativas (SOUSA SANTOS, 2019), para além das concepções modernas eurocêntricas e iluministas de alternativas, como o socialismo ou, mesmo, o humanismo (BIESTA, 2017; LEVINAS, 2009). Uma busca de alternativas sem garantias de sucesso, mas que se faz necessária diante da hegemonia da barbárie do capitalismo, diante do aparente consenso de que “não temos alternativas”. As epistemologias do Sul, como contra-hegemônicas, não oferecem uma utopia nos moldes tradicionais: como um caminho a ser seguido. Antes disso, constituem-se como iluminação frente à crise permanente (e, por isso, conformadora sobre a impossibilidade de superação – diferente de uma crise ocasional – e legitimadora de injustiças e de sofrimentos) do capitalismo; indicam, assim, caminhos possíveis ou, ainda, testemunham a possibilidade de outros caminhos que não o do epistemicídio e da anulação do outro. Anulação que primeiro é teórica, como invisibilização do outro, para só então ser física (ARENDT, 2012). Essa luz fraca (SOUSA SANTOS, 2019, p. 11), por vezes bruxuleante, (ARENDT, 2008), como testemunho da possibilidade de luta contra a violência sem sentido do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado, compreendem manifestação de uma forma de amor politicamente situada, que é ao mesmo tempo um amor pelo mundo enquanto espaço da pluralidade do que é humano (ARENDT, 2017) e um amor pelo outro, que reitera, como diz Freire nas linhas finais de Pedagogia do Oprimido, “[...] nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar” (FREIRE, 1983, p. 218).

Para Sousa Santos (2019, p. 19-20), as epistemologias do Sul implicam, pelo menos, dois níveis de desafios às epistemologias hegemônicas. No primeiro, procuram identificar e discutir a validade de conhecimentos “inexistentes”, ou melhor, de saberes desconsiderados a partir de uma visada ocidentalocêntrica. Esses saberes são assim tomados (como inexistentes) porque são produtos de métodos distintos aos da ciência moderna ou porque são produzidos por sujeitos “ausentes”, concebidos como incapazes de produzir conhecimentos em razão de sua formação ou, mesmo, de sua condição humana incompleta a partir da perspectiva moderna/humanista. No segundo, dá-se pelo fato de que, muitas vezes, esse sujeito é coletivo e os conhecimentos produzidos são vividos de forma performativa. Isso de um lado altera a concepção tradicional de “autoria” e, de outro, rejeita a separação entre mente e corpo, sentidos e intelecto. São conhecimentos que se formam, produzem, reproduzem, se inventam, e se reinventam na luta contra a opressão e estão incorporados nas práticas sociais, culturais, religiosas, na relação com a natureza e com o outro dos diferentes sujeitos (não raro, coletivos).

Em outras palavras, as epistemologias do Sul realizam a denúncia e provocam alternativas (de alternativas) no sentido que autores, de algum modo vinculados à tradição do pensamento ocidental, já apontavam como urgentes: a denúncia do humanismo como insuficientemente humano. Dentre esses autores, destacamos Biesta (2017) e Levinas (2009) e, na questão específica sobre o humanismo, até mesmo Heidegger (1966). Biesta (2017, p. 57) nos lembra que o humanismo influenciou sobremaneira a concepção ocidental de educação e definiu os papéis da escola e dos professores ao estabelecer a priori o que era um ser humano em plenitude: aquele que atingia a “autonomia intelectual”, ou melhor, aquilo que era assim entendido pela tradição europeia. E, a partir do Iluminismo, especialmente desde “O que é o Esclarecimento?”, de 1784, de Kant, assumiu-se que essa condição, embora potencial em “todo” ser humano, só poderia ser liberada (adquirida) pelo processo educativo (KANT, 2012). A perseguição a tal objetivo reverberou em perspectivas liberais, socialistas e, mesmo, anarquistas de educação, cada uma com uma própria definição do que seria, ou de como se manifestaria no mundo, a “autonomia racional”. Conforme Biesta (2017, p. 18-19): “A educação moderna tornou-se assim baseada numa verdade particular sobre a natureza e o destino do ser humano, enquanto a conexão entre a racionalidade, a autonomia e a educação se tornou a ‘Santíssima Trindade’ do projeto do Iluminismo”. Essas crenças, em diferentes níveis, infiltraram-se nas alternativas europeias ao capitalismo e às outras formas de opressão (SOUSA SANTOS, 2019).

Para Quijano (2019), não é coincidência que os postulados do Iluminismo tenham se desenvolvido e se tornado a perspectiva hegemônica no pensamento ocidental no mesmo período em que o projeto colonial estava em curso. É possível afirmar que o humanismo iluminista ofereceu a sustentação teórica para a expansão colonial, e, após os processos de emancipação política, para a mentalidade colonial (FANON, 2008; MEMMI, 2016). A cultura europeia foi alçada à condição de modelo cultural universal. O que não era europeu era “exótico”.

En consecuencia, las otras culturas son diferentes en el sentido de ser desiguales, de hecho inferiores, por naturaleza. Sólo pueden ser “objetos” de conocimiento o de prácticas de dominación. En esa perspectiva , la relación entre la cultura europea y las otras culturas se estableció y desde entonces se mantiene como una relación entre “sujeto” y “objeto”. (QUIJANO, 2019, p. 110).

No campo das artes, por exemplo, o “exótico” era admitido com ponto de partida ou como fonte inspiradora, e não como uma forma própria de expressão artística do humano: era o objeto. Essa forma de aproximação com o outro se dá de um modo capitalista, como apropriação do outro, o que é, como lembra Quijano (2019), uma perspectiva colonial.

Para Quijano (2019, p. 104), as estruturas coloniais de poder produziram discriminações sociais que foram qualificadas como “raciais”, “étnicas”, “nacionais”, “antropológicas”, de acordo com os interesses, agentes e povos envolvidos. Mais do que isso, para o autor, essas construções históricas intersubjetivas foram assumidas como categorias pretensamente científicas e objetivas, oferecendo o suporte legitimador da própria dominação, tanto para os colonizadores, quanto para os colonizados. A educação, ou melhor, a escolarização teve um papel importante nesse empreendimento de “colonização do imaginário” (FANON, 2008; MEMMI, 2016; QUIJANO, 2019) e de modelagem dos indivíduos de acordo com os interesses dos dominadores (GURZE’EV, 2005), especialmente pela imposição mistificada dos padrões de conhecimento, de validação do conhecimento e de significação europeus. Conforme Quijano (2019):

Eso fue producto, al comienzo, de una sistemática represión no sólo de específicas creencias, ideas, imágenes, símbolos y conocimientos que no sirvieran para la dominación colonial global. La represión cayó sobre todo, sobre los modos de conocer, de producir conocimiento, de producir perspectivas, imágenes y sistemas de imágenes, símbolos, modos de significación, sobre los recursos, patrones e instrumentos de expresión formalizada e objetivada, intelectual o visual. Fue seguida por la imposición del uso de los propios patrones de expresión de los dominantes, así como sus creencias e imágenes referidas a lo sobrenatural, las cuales sirvieran no solamente para impedir la producción cultural de los dominados sino también como medios muy eficaces de control social y cultural, cuando la represión inmediata dejó de ser constante y sistemática. (QUIJANO, 2019, p. 105).

A questão central aqui é que essa ideia de educação implica que, antes mesmo de que os sujeitos se engajem em projetos educativos, o “produto” já estava desenhado: o ser humano emancipado por atingir a autonomia racional. O humanismo, portanto, não admite a outridade, ou seja, outras formas de ser um ser humano que não aquelas implicadas no Mesmo totalizante (LEVINAS, 1988). Não promove a pergunta sobre o sentido de ser um ser humano em suas incontáveis manifestações e o próprio significado de “experiência” porque não entende a validade dessa pergunta, haja vista já oferecer de antemão a resposta normatizada sobre o que ele é (HEIDEGGER, 1966).

Nesse sentido, é, dentro dos marcos do humanismo, possível questionar a humanidade do outro. As categorias “humanidade” e “sociedade” não eram extensivas aos não europeus, ou só eram de modo formal: como aspirantes à humanidade (QUIJANO, 2019). E Biesta (2017) nos lembra que isso não é apenas uma possibilidade teórica, mas uma terrível realidade prática: os absurdos do século XX, a escravidão e o genocídio indígena no continente americano que já se alonga para mais de cinco séculos estavam assentados em uma definição apriorística sobre o que era um ser humano, aquele que deveria sobrepor-se aos demais. O humanismo precisa ser denunciado, porque, além de não ser suficientemente humano, é totalitário (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) e desumanizador (GUR-ZE’EV, 2005).

Ao estabelecer que a racionalidade autônoma é o padrão humano por excelência, o humanismo deixou em maus lençóis aqueles que ainda não eram capazes (como os recém-chegados que só tornar-se-iam humanos após o processo educativo), os que já não eram mais capazes e aqueles que viviam suas vidas fora do padrão humano ocidental, aquele que é Outro. (PICOLI, 2021a, p. 222).

Concordamos com Biesta (2017) quando afirma que o problema do humanismo, o mote de sua crise, não está localizado nessas atrocidades em si (o capitalismo, o colonialismo, o imperialismo, a anulação do outro etc.), mas, sobretudo, no que diz respeito à incapacidade do humanismo em fazer frente a essas desumanidades, em oferecer as possibilidades de uma resposta efetivamente nova, de oferecer uma alternativa. Isso ocorre porque esse humanismo é uma epistemologia do Norte. Biesta (2017), preocupado com a implicação educacional do humanismo, sustenta que ele, de modo geral, representa e apresenta o pressuposto de que é possível conhecer e articular a natureza do ser humano antes do início do empreendimento educacional e, a partir daí, “[...] usar esse conhecimento como um fundamento para nossos esforços políticos e educacionais” (BIESTA, 2017, p. 20-21). Faz-se necessário buscar alternativas de alternativas, a questão não é mais sobre uma teoria da revolução, mas de revolucionar a teoria. Conforme Sousa Santos (2019):

As epistemologias do Sul pretendem mostrar que aquilo que são os critérios dominantes do conhecimento válido na modernidade ocidental, ao não reconhecerem como válidos outros tipos de conhecimento para além daqueles que são produzidos pela ciência moderna, deram origem a um epistemicídio massivo, ou seja, à destruição de uma imensa variedade de saberes. (SOUSA SANTOS, 2019, p. 27).

Essas “[...] epistemologias outras, denunciam, assim, as formas de construção do saber que favorecem o silenciamento do Outro, o silenciamento de sua visão do mundo, e, dessa forma, ao ignorar os subalternos e suas formas de saber, dão continuidade ao projeto imperialista do colonialismo” (SPIVAK, 2010, p. 127). Isso, nos lembra Arendt (2012), oferece as condições para a eliminação do outro. Contudo, as Epistemologias do Sul não se limitam à denúncia, para além disso, elas se constituem como alternativas (de alternativas) para um mundo outro, mais hospitaleiro, mais cuidadoso, enfim, mais humano.

As epistemologias do Sul, como chave de leitura do mundo, não compreendem uma simples inversão das epistemologias do Norte. Assim, o conhecimento científico, metodicamente produzido, e que é critério de poder e de criação discursiva do mundo não é rejeitado. Ao contrário, a ciência moderna é compreendida como uma das formas de criação de conhecimento das mais importantes, uma forma de conhecimento que os grupos que sofrem opressão precisam acessar. Ela tão somente, e isso não é pouco, não é tida como a única forma de constituição do conhecimento (SOUSA SANTOS, 2019). Não rejeitar a tradição ocidental não significa não discutir sua “posicionalidade” (SPIVAK, 2010, p. 117), ou seja, as relações que mantém, mesmo que de forma não declarada e até não reconhecida, com a perspectiva colonial. Conforme Spivak (2010, p. 118, grifos da autora): “Como sou uma intelectual pós-colonial, também sou influenciada por essa formação. Articular essa formação ideológica – medindo silêncios, se necessário – no objeto de investigação é parte do nosso projeto de ‘desaprendizagem’”. Conforme Gur-Ze’ev (2005, p. 160), “desaprender” é até mais importante do que aprender: desaprender o que aprendemos com a educação modeladora que recusa o outro. “Lo que hay es algo mui distinto: liberar la producción del conocimiento, de la comunicación y de la reflexión, de los baches de racionalid-modernidad europea” (QUIJANO, 2019, p. 114). Assim, podemos dar início ao aprendizado hospitaleiro da alteridade, aquele que não trata o outro como objeto do conhecimento, mas como ser humano, como companheiro no mundo (PICOLI, 2021b).

As epistemologias do Sul, que em grande medida advém dos grupos que há séculos sofrem o epistemicídio e o genocídio, como os grupos indígenas americanos, não se propõem a apagar as diferenças entre Norte e Sul, mas as hierarquias de poder. As diferenças, ao contrário, são valorizadas. Em vez da unidade abstrata – do ser humano como “intelectualmente autônomo” no sentido do humanismo –, a pluriversalidade da abertura para as infinitas possibilidades de manifestação do que é humano, do mundo como a comunidade dos que não tem nada em comum (ARENDT, 2017; BIESTA, 2017; SOUSA SANTOS, 2019). Esta é uma demanda para todas as escolas, para toda a educação, não apenas para as escolas indígenas:

A busca de reconhecimento e a celebração da diversidade epistemológica do mundo subjacente às epistemologias do Sul exigem que esses novos repertórios (de fato, ancestrais ou recentemente reinventados, em muitos casos) de dignidade humana e de emancipação social sejam entendidos como relevantes para muito além dos grupos sociais que protagonizaram seu aparecimento a partir de suas lutas contra a opressão ou mesmo fora de contextos de luta. Longe de os aprisionarem em essencialismos identitários, esses repertórios devem ser vistos como contributos para a renovação e para a diversificação das narrativas e dos repertórios das utopias concretas de um outro mundo possível, um mundo mais justo (justo no sentido mais amplo do termo). (SOUSA SANTOS, 2019, p. 33).

Nas memórias de quando criança e adolescente morando e TI e frequentando a escola da comunidade, tem-se a interação, as trocas que extrapolam os limites escolares e são conhecimentos construídos e dialogados na coletividade, sem a dicotomia excludente de quem deve ser objeto e de quem deve ser sujeito. Esse “outro” conhecimento proporciona um lugar de pertencimento, de identidade com significados e sentidos para as crianças indígenas.

A LDB de 1996 (BRASIL, 1996) indicou para a mudança no formato e na metodologia de como os conhecimentos deveriam ser dialogados para que ocorra o respeito à diversidade. Também, cabe destacar a Lei Nº 11.645/2008 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e a cultura indígena nos currículos escolares da Educação Básica (BRASIL, 2008), o que ampliou as possibilidades de (re)conhecer a importância desses povos para os não indígenas.

Naquela época não tinha nem um professor indígena que atuava naquela escola, então apenas esse professor dava aula do pré-escolar até o 5 ano. Do 6º ano ao 9º ano estudei em outra escola, pois na minha escola havia somente as séries iniciais, então, passei para a Escola Estadual Indígena Kaingang de Ensino Médio Cacique Sygre, esta é uma ótima escola. Quando passei para o 6º ano tive dificuldade pois a cada instante trocava de professores, isso me deixava muito confusa, mas ali comecei a ler e escrever na língua Kaingang e aprendi muito sobre minha cultura. Nesta instituição eu fui aprendendo mais, pois sempre me mostrava interessada, gostava muito das aulas dos professores, aprendia sempre coisas novas em todas as matérias. As duas escolas em que estudei ficam na Aldeia Pinhalzinho, onde com muito esforço foi conseguida uma escola de Ensino Médio. (A. F., Geografia, TI Pinhalzinho - RS).

Escolas indígenas com professores indígenas e não-indígenas nos é apresentado, isso nos leva a refletir acerca de como se organizou a instituição escola em áreas demarcadas. A escola com estrutura Ocidental, onde já existia (materialização), permaneceu nas terras retomadas e demarcadas a partir de 1988 como TI. No entanto, houve a necessidade da escola (espaço de representação de poder na cultura Ocidental e espaço de socialização de saberes na cultura indígena) e dos/as professores/as não-indígenas se perceberem inseridos em um novo local, para pensar e repensar com outras visões de humanidade e mundo, rompendo fronteiras com práticas de ensino que mediam conflitos e desenvolvam empatia com vistas a alteridade. Para hooks (2017, p. 25) o professor deve participar do crescimento do aluno, no que denominou de “educação como prática da liberdade”: “Ensinar de um jeito que respeite e proteja as almas de nossos alunos é essencial para criar condições necessárias para que o aprendizado possa começar do modo mais profundo e mais íntimo”.

Quando as aulas são ministradas por professores do grupo étnico, sua língua de pertencimento étnico faz parte do aprendizado (escrever e ler), ampliando a compreensão de mundo a partir de seu cotidiano. Para Ferreira (2019, p. 87), “[...] as crianças, ao incorporarem seu cotidiano, construindo e transmitindo saberes, vão tomando consciência de sua importância e não são apenas crianças, mas sim parte efetiva de uma construção dentro de sua cultura”. Propicia que dialoguem e pensem acerca de conteúdos redigidos por não-indígenas, mas que se sintam valorizados e sabedores que o conhecimento também pode ser compreendido e narrado/escrito em sua língua. A língua é o contato com as memórias dos Kofá, com o valor e a dignidade de sua ancestralidade.

São mais de cinco séculos de violações, é urgente a visibilidade, a voz, o protagonismo dos povos tradicionais sem amarras e armadilhas, mas por meio da interação dialógica, de uma educação para as relações étnico-raciais (metodologias descolonizadoras) como premissa para o pertencimento, a solidariedade. A virada epistemológica não é uma necessidade apenas para as escolas indígenas ou de outros grupos oprimidos pelo capitalismo, pela colonização e pelo patriarcado, ou para as escolas que indivíduos desses grupos frequentem. O enfrentamento à colonização do imaginário (à colonialidade) é uma questão de humanização, de enfrentamento à barbarização do capitalismo contemporâneo. A virada epistemológica é, inclusive, condição para que a escola seja de fato uma escola, ou seja, como tempo-espaço liberto das pressões e da violência, tempo para experimentar formas outras de ser, de se relacionar, espaço para o diálogo, como lugar de proteção, de hospitalidade, como um tempo-espaço que oferece oportunidades de tentar formas outras de responder ao outro (BIESTA, 2017), como um tempo-espaço liberto e de liberdade (MASSCHELEIN; SIMONS, 2021), como uma oportunidade para renovar e salvar o mundo da ruína (ARENDT, 2016; LARROSA, 2021). A assunção de abordagens descoloniais é condição, inclusive, para o tipo de violência que é característica da educação, a que provoca os envolvidos no processo educativo aos desafios da alteridade. Contudo, isso não pode ocorrer às custas das crianças e dos e das jovens dos grupos oprimidos. Para estes, a escola precisa, mais do que nunca, ser um espaço de hospitalidade, de cuidado, de afirmação. Um espaço-tempo livre e de autorreconhecimento da humanidade de que são portadores.

Conclusão

Iniciamos este texto definindo escola como “[...] uma forma específica de tempo livre ou não produtivo, tempo indefinido para o qual a pessoa não tem outra forma de acesso fora da escola” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2021, p. 28), e, ao longo deste texto, procuramos evidenciar a influência da educação escolar para crianças e adolescentes indígenas. Sabedores que os povos tradicionais são historicamente violados em seus direitos fundamentais e desrespeitados em seus saberes/conhecimentos, eles resistem cotidianamente para que as ancestralidades, as memórias, os saberes se façam presentes na vida de crianças e de adolescentes, para que se tornem adultos conhecedores de seu passado e para que esses saberes ainda tenham um futuro. Cabe enfatizarmos que as crianças indígenas antes do contato com a aprendizagem em instituição escolar têm a transmissão de conhecimentos na família, na coletividade, “[...] os bons exemplos dos pais, dos irmãos mais velhos e dos líderes comunitários são fundamentais para o desenvolvimento do caráter, das atitudes, dos comportamentos, das virtudes e das habilidades de uma pessoa, indispensáveis para a vida individual e boa convivência social” (LUCIANO, 2006, p. 130).

O já difícil desafio de sair de suas comunidades para estudar em escolas de e para brancos torna-se traumático, porque, em geral, nos currículos escolares “regulares”, contribui-se para o desaparecimento das culturas dos povos indígenas. Os processos educacionais, e aqui especificamente, o modelo de educação e de escolas que se estruturam a partir de concepções epistemológicas ocidentalocêntricas, são guiados pelo conhecimento tido como universal, para homens universais com olhar de si em superioridade ao outro. A ocidentalocêntrica nega as vivências das sociedades indígenas e das sociedades que estão na periferia do capitalismo nortista. A proposição de virada epistemológica com narrativas e reflexões descoloniais possibilitam repensar relações de poder nas instituições educacionais e na maneira como produzem conhecimento. A (re)escrita com abordagem “da história vista de baixo”, dos povos oprimidos tem na perspectiva de epistemologias do sul o posicionamento à contrapelo de narrativas excludentes do colonialismo e do colonizador. Ainda, e de suma importância, propicia que a história das sociedades indígenas seja redigida por mulheres e homens indígenas, que suas experiências e conhecimentos estejam presentes em materiais escolares, em livros de bibliotecas universitárias e em todos os espaços onde há circulação de saberes/conhecimentos.

A escola hospitaleira para esses estudantes é aquela que interage com a identidade, com a cultura, que valoriza os conhecimentos ancestrais. “Conhecimentos universais” estão presentes e são apreendidos nas salas de aula das escolas indígenas, mas com abordagens que permitam questionamentos e análises críticas que fortaleçam e positivem sua interpretação acerca de si e do mundo. As escolas não indígenas têm a responsabilidade de quebrar paradigmas em relação aos indígenas, promover intercâmbios culturais e não fazer uso de datas comemorativas para fantasiar povos e suas culturas. Construir estratégias, apropriar-se e implementar em seus currículos literaturas descoloniais e críticas trazendo a luz para a superação da exclusão e do racismo.

A defesa de territórios, a manutenção dos saberes/conhecimentos tradicionais e os produzidos a partir destes não é tarefa somente das comunidades e das escolas indígenas, mas de educadores/as, de universidades e da sociedade civil que defendem a democracia, a pluralidade, a educação antirracista, a alteridade, a diversidade e que dizem não as violências materiais e simbólicas sofridas por povos marginalizados: “Ouçam a luta dos corpos territórios aqui desde antes do mundo ser. Presta atenção em quem mantém o firmamento” (TAVARES, 2020, p. 80).

Os desafios que se seguem, neste período conturbado e antidemocrático que vivemos na história do nosso país, das universidades, com ataques à ciência, ao conhecimento, aos povos tradicionais, são para esses estudantes a continuidade das vivências com a permanência no Ensino Superior. Para isso, as políticas de permanência (auxílios socioeconômicos), o acompanhamento pedagógico, a sensibilização para o avanço no debate e proposição de currículos com abordagens descoloniais, a aproximação com as TI não podem ser negligenciadas e constituem-se em disputas e lutas permanentes.

1Tradução: Sẽm Daniel Cadete.

2O uso de descolonial (em português) e não de decolonial (inglês) é também uma forma de resistir a outro tipo de colonização, intimamente articulada à colonialidade típica: o imperialismo da língua inglesa (CANAGARAJAH; SAID, 2011).

4Ver Comissão Nacional da Verdade e Indígenas. Disponível em: https://memoriasdaditadura.org.br/cnv-e-indigenas/. Acesso em: 5 jun. 2020.

5Indicamos o documentário: Herdeiros da teimosia: a retomada do Toldo Pinhal pelo povo Kaingang. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Hq1iIux25eI. Acesso em: 10 abr. 2019.

6Segundo Mũtẽ (2021, p. 28): o fuá (erva moura) e o kumĩ (folha de mandioca brava).

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Recebido: 09 de Agosto de 2021; Revisado: 12 de Janeiro de 2022; Aceito: 13 de Janeiro de 2022; Publicado: 26 de Janeiro de 2022

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