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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 10-Mar-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.18418.025 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, epaços e tempos

Da marginalização à centralidade: a importância da representatividade negra na literatura infantojuvenil

From marginalization to centrality: the importance of black representativeness in children’s and young adult literature

De la marginación a la centralidad: la importancia de la representatividad negra en la literatura infantil y juvenil

Janaína Oliveira Caetano* 
http://orcid.org/0000-0003-4338-852X

Suzete Araujo Oliveira Gomes** 
http://orcid.org/0000-0001-7130-8254

Helena Carla Castro*** 
http://orcid.org/0000-0001-5283-1541

*Mestre em Diversidade e Inclusão pela Universidade Federal Fluminense (CMPDI-UFF). Membro do Laboratório de Antibióticos, Bioquímica, Ensino e Modelagem Molecular (LABiEMol-UFF), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: <janaina.oliveira84@yahoo.com.br>.

**Doutora em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz. Professora Associada da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. Membro colaborador externo na Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia (PPBI-UFF). Docente permanente e Vice-coordenadora no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (CMPDI-UFF). Docente permanente e membro da CPG no Programa de Pós-Graduação em Ciências, Tecnologias e Inclusão (PGCTIn-UFF). E-mail: <suzetearaujo@id.uff.br>.

***Doutorado Sanduíche (concentração em Biologia e Modelagem Molecular) pelo Instituto de Bioquímica da UFRJ e pela Universidade da Califórnia (São Francisco-EUA). Coordenadora do Laboratório de Antibióticos, Bioquímica, Ensino e Modelagem Molecular (LABiEMol-UFF). Cientista do Nosso Estado (Faperj). Bolsista de produtividade em pesquisa (CNPq-Nível 1). Professora Titular e Vice-diretora do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (IB-UFF). Membro dos Programas de Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia (IB-UFF), em Patologia e de Ciências, Tecnologias e Inclusão (UFF). Membro colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Biociências e Saúde (Fiocruz-FJ) e do Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (CMPDI-UFF). E-mail: <hcastrorangel@yahoo.com.br>.


Resumo:

O papel da literatura infantojuvenil na construção identitária das crianças negras e no estabelecimento de relações étnico-raciais positivas ainda necessita de discussão e de reconhecimento. Para tanto, este artigo objetivou promover algumas considerações sobre a autoria negra e a caracterização dos personagens negros em obras literárias. Destacaram-se nele Zum Zum Zumbiiiiiiii e Olelê: uma antiga cantiga da África como narrativas potentes para a inclusão da diversidade. O estudo assentou-se na pesquisa bibliográfica, nas normas educacionais, na afrocentricidade (ASANTE, 2009) e nos valores civilizatórios afro-brasileiros (TRINDADE, 2010). Diante do que foi analisado, verificou-se a relevância da literatura infantojuvenil de temática negra na ampliação da percepção de mundo das crianças, no respeito às diferenças, na valorização da história da população negra e na identificação racial.

Palavras-chave: Identidade racial; Autoria negra; Temática negra

Abstract:

The role of children’s and young adult literature in the construction of black children’s identities and in the establishment of positive ethnic-racial relationships still needs discussion and recognition. Therefore, this article aimed to promote some considerations about black authorship and the characterization of black characters in literary works. As powerful narratives for the inclusion of diversity Zum Zum Zumbiiiiiiiii and Olelê: an ancient song from Africa stood out. The study was based on bibliographical research, educational norms, Afrocentricity (ASANTE, 2009) and Afro-Brazilian civilizing values (TRINDADE, 2010). Given what was analyzed, we verified the relevance of children’s and young adult literature on black themes in order to expand children’s perception of the world, respecting differences, valuing the history of the black population and racial identification.

Keywords: Racial identity; Black authorship; Black thematic

Resumen:

El papel de la literatura infantil y juvenil en la construcción de identidad de los niños negros y en el establecimiento de relaciones étnico-raciales positivas todavía necesita discusión y reconocimiento. Para ello, este artículo tuvo como objetivo promover algunas consideraciones sobre la autoría negra y la caracterización de los personajes negros en obras literarias. Se destacaron en él Zum Zum Zumbiiiiiiiii y Olelê: Uma antiga cantiga da África como narrativas potentes para la inclusión de la diversidad. El estudio se basó en investigación bibliográfica, en las normas educativas, en la afrocentricidad (ASANTE, 2009) y en los valores civilizadores afrobrasileños (TRINDADE, 2010). Ante lo que fue analizado, se verificó la relevancia de la literatura infantil y juvenil de temática negra en la ampliación de la percepción del mundo de los niños, en respeto a las diferencias, a la valoración de la historia de la población negra y a la identificación racial.

Palabras clave: Identidad racial; Autoría negra; Temática negra

Introdução

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), a criança é concebida como um “sujeito histórico e de direitos” que “constrói sua identidade pessoal e coletiva” (BRASIL, 2010, p. 12), por meio das interações, das relações e das práticas que vivencia com seus pares e com os adultos.

Segundo Hall (2006), essas identidades são múltiplas (étnica, racial, linguística, religiosa, nacional, de gênero, de classe, entre outras) e podem ser alteradas no tempo e no espaço, de forma gradual e por intermédio de processos inconscientes. Ainda nesse sentido, para a formação identitária, faz-se essencial a relação estabelecida entre sujeito e sociedade, pois envolve a autoidentificação e a identificação feita pelos outros.

No caso específico da identidade negra, é possível observarmos um cenário bastante complexo, sobretudo em um país como o Brasil, marcado pela miscigenação. Em consonância com alguns estudos no campo da genética, todos os brasileiros, até mesmo os que apresentam características físicas europeias, têm algum percentual de marcadores genéticos africanos ou ameríndios, fator que comprova a inexistência de “raças puras” em terras brasileiras (MUNANGA, 2005-2006).

Além disso, é preciso considerarmos o ideal de branqueamento da população formulado após a abolição da escravatura, o qual foi introjetado por muitos indivíduos negros que não se reconhecem como tal. Como afirmou o antropólogo e professor congolês Kabengele Munanga, “[...] a questão da identidade do negro é um processo doloroso” (MUNANGA, 2004, p. 52), especialmente em uma sociedade como a nossa que sempre desvalorizou a cultura e os aspectos físicos legados pelos africanos. Desse modo, o ser negro, no Brasil, assume um conteúdo político e histórico, não biológico. Tal perspectiva se difere do contexto norte-americano, onde não há pardos, mulatos ou mestiços, e todo descendente de negro pode, assim, se denominar, mesmo que tenha um fenótipo branco.

É, portanto, fundamental, além de ser um direito garantido pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que as crianças negras tenham acesso à história e à cultura de seu povo em pé de igualdade com os demais grupos formadores da nação brasileira, e que estas sejam apresentadas de forma positiva, não estereotipada. Como realça Munanga (2015, p. 31), o conhecimento histórico é o ponto de partida para a construção da identidade de um povo, não sendo “[...] por acaso que todas as ideologias de dominação tentaram falsificar e destruir as histórias dos povos que dominaram”.

A partir do colonialismo imposto à Ásia, à África e à América, os europeus difundiram seus conhecimentos e sua cultura como um modelo único, superior e universal, marginalizando e silenciando as epistemologias, os saberes e as tradições dos demais grupos étnicos, os quais foram classificados como inferiores, primitivos e irracionais, por não pertencerem à raça branca (RAPOSO; ALMEIDA; SANTOS, 2021). O conhecimento da história e da cultura afro-brasileira é, por conseguinte, essencial, pois promove a independência de todos os brasileiros, sejam eles negros ou não, ao ampliar o pensamento crítico acerca da história e da cultura do país. Além disso, favorece uma postura em prol da garantia do acesso e da permanência do negro na política, na economia, na cultura, na academia, enfim, em todos os setores sociais, incluindo e valorizando as diversidades (PONCE; FERRARI, 2022).

Nesse processo de formação identitária, destaca-se, ainda, o reconhecimento da ancestralidade africana e da percepção da África como local de origem comum (LUCENA; LIMA, 2009). O discernimento da existência desses e de outros elementos semelhantes é imprescindível para a formação dos vínculos entre os membros de um grupo e para a criação de uma sensação de pertencimento, pois “[...] nenhuma identidade é construída no isolamento, mas a partir das nossas relações, da cultura que possuímos, da história que carregamos e dos lugares sociais e políticos que ocupamos” (SANTOS, 2012, p. 2).

Outro fator basilar diz respeito às características fenotípicas: a cor da pele, o tipo de cabelo, o formato da boca e do nariz. Em vista disso, Lucena e Lima (2009) verificaram que pessoas negras têm utilizado a aparência como mecanismo para a elaboração de uma imagem positiva do negro, contrapondo-se aos estigmas geralmente atribuídos pela sociedade. Logo, a valorização da aparência estaria entre os elementos direcionadores da formação identitária negra.

Esse movimento ainda se dá na luta cotidiana do povo negro contra a discriminação racial e nas ações sociais, políticas, culturais e educacionais que realiza visando à difusão do conhecimento e à valorização da identidade negra. Entre elas, é possível mencionarmos as produções literárias, que servem como um importante instrumento na promoção dessa conscientização, sobretudo no ambiente escolar.

Consoante Kiusam de Oliveira, a literatura atua como “[...] ferramenta para fortalecer identidades, para combater as diversas discriminações, como alimento estratégico para o corpo e a alma” (BENTO, 2020, p. 361). Para ela, uma narrativa que apresenta personagens negros fortes e conscientes de sua identidade é capaz de revigorar a autoestima de crianças e de jovens como negros e contribuir para sua construção identitária. Por conseguinte, as obras literárias podem motivar relações étnico-raciais igualitárias que permitam a apropriação, pelas crianças negras e não-negras, do legado histórico-cultural africano e afro-brasileiro, o combate ao racismo e às discriminações presentes na escola e na sociedade como um todo; além do respeito às diferentes culturas, identidades e singularidades, como estabelecem as DCNEI, fortalecendo entre os negros e fazendo surgir entre os não negros a consciência negra (BRASIL, 2004).

Na sociedade contemporânea, é significativo o papel desempenhado pela literatura infantojuvenil na formação do leitor crítico. Contudo, cabe acentuarmos que nem sempre foi assim. Estreitamente vinculado ao público infantil, sua evolução acompanhou as mudanças na percepção sobre as infâncias. Se hoje a criança é reconhecida como protagonista e cidadã, com direitos e deveres expressos em lei, antes vivia no anonimato e no silêncio, à sombra dos adultos (COSTA, 2016). Desse modo, a literatura a ela destinada teve início de forma limitada e com função domesticadora. Os textos possuíam conteúdos didáticos, moralizantes e civilizatórios alinhados com os princípios, as ideologias e os modelos de comportamento da burguesia, os quais foram fixados como paradigmas a serem ensinados e reproduzidos passivamente pelas crianças (COSTA, 2016).

Os contos de fadas e seus personagens estereotipados são um exemplo disso. Os mocinhos, representantes do bem e praticantes de ações boas e justas, são modelos a serem seguidos. Já os vilões, cujo comportamento é repudiado por fugir do padrão, são símbolos do mal. Como afirmou Costa (2016), essas narrativas eram ideologicamente arquitetadas com o objetivo de introjetar na mente das crianças a conduta esperada na fase adulta e garantir a manutenção do poder e dos privilégios da classe dominante, assim como a estrutura social, marcada pelas desigualdades sociais e econômicas e pelo racismo.

Posto isso, ressaltamos a importância do contato diário e não apenas esporádico, como nas datas comemorativas, com as histórias e as culturas africanas e afro-brasileiras e com personalidades e/ou seres ficcionais negros, pois eles ajudam a ampliar os modelos de referências positivas e de identidades das crianças no conhecimento da diversidade étnico-cultural de nosso país (BRASIL, 2010). Ademais, rompem com a “única história” dos negros e do continente africano, contada a partir do ponto de vista do homem branco europeu e marcada pela escravização, pela passividade, pela inferioridade (ADICHIE, 2013).

Ao mesmo tempo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana recomendam a produção (BRASIL, 2004) e a difusão de conhecimentos e o desenvolvimento de condutas, de comportamentos e de valores que criem cidadãos orgulhosos de sua origem étnico-racial. Dessa maneira, o documento busca superar os preconceitos raciais que atingem a população negra e formar indivíduos aptos para atuarem na constituição de um país democrático, no qual todos tenham seus direitos respeitados e sua identidade dignificada.

Nessa perspectiva, o presente artigo tem por intuito pensar sobre o papel da literatura infantojuvenil na elaboração identitária da criança negra, assim como no estabelecimento de relações étnico-raciais positivas. Para tanto, fizemos uma breve reflexão sobre a questão da autoria negra no âmbito literário e um sucinto levantamento a respeito da representação dos personagens negros na literatura destinada ao público infantojuvenil. Nesse último ponto, duas obras de temática e de criação negra da atualidade ganham destaque: Zum Zum Zumbiiiiiiii (ROSA, 2016) e Olelê: Uma antiga cantiga da África (SIMÕES, 2015), as quais serão apresentadas em tópicos específicos.

O estudo foi de caráter qualitativo-descritivo e teve como base a pesquisa bibliográfica. Nas considerações sobre os referidos livros, tomamos como assento o paradigma da afrocentricidade, conceito desenvolvido pelo professor e filósofo afro-americano Molefi Kete Asante (2009), e os valores civilizatórios afro-brasileiros (energia vital/axé, oralidade, ancestralidade, memória, circularidade, ludicidade, corporeidade, musicalidade e corporativismo/comunitarismo), sistematizados pela professora Azoilda Loretto Trindade (2010). Desse modo, pautado nas normas educacionais vigentes, sobretudo na Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que, alterando a LDB, inclui, no currículo escolar, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira (BRASIL, 2003), o objetivo foi contribuir para as reflexões e as práticas docentes no estabelecimento de uma educação que contemple a diversidade, os interesses e as necessidades do público discente, variado em sua constituição.

Negros escritores: “A mente ninguém pode escravizar1

“Pode o negro falar? Expressar seu ser e existir negros em prosa ou verso? Publicar?”, questionou Eduardo de Assis Duarte (2011, p. 11), para, em seguida, responder: “nem sempre”.

Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas pelos negros, seja no passado, como escravizado ou como homem livre em uma sociedade escravocrata, seja no século XX, como trabalhador assalariado submetido a péssimas condições de trabalho, como indivíduo excluído e marginalizado socialmente, vítima de preconceito racial, muitos falaram, escreveram e publicaram, não só no Brasil, mas em vários outros países (DUARTE, 2011), rompendo com o silêncio que sempre lhes foi imposto.

Phillis Wheatley foi a primeira descendente de africanos a publicar poesias, na coletânea Poems on Various Subjects, Religious and Moral, em um momento em que se discutia sobre a humanidade dos negros. Por meio de seus versos, a escritora questionou as ideias racistas presentes nos textos bíblicos e as teorias ditas científicas que identificavam o negro como intelectual e culturalmente inferior ao euro-americano (SANTOS, 2018).

Tendo chegado como escravizada aos Estados Unidos ainda criança, foi vendida a um rico mercador de Boston, John Wheatley, que a chamou de Phillis, nome do navio que a trouxera para a América. Rapidamente aprendeu a língua inglesa e foi estimulada por seus senhores a ler a Bíblia. Com as crianças da família, desenvolveu a escrita e a leitura de obras clássicas da literatura ocidental. Sem demora, começou a escrever seus próprios poemas, conseguindo divulgá-los, individualmente, em panfletos na cidade, com o auxílio de seus proprietários. Contudo, sua capacidade intelectual foi questionada pela sociedade local que a submeteu a um exame oral, ao qual foi aprovada sem restrições (SANTOS, 2018).

Mesmo considerada apta, Phillis Wheatley não conseguiu obter recursos para publicar seus escritos. Seu sonho se realizaria somente em 1773, em Londres, graças ao patrocínio da condessa de Huntington, uma abolicionista. Desse modo, ela se tornou a primeira mulher negra a produzir um livro de poemas e a receber reconhecimento internacional, dando início a uma tradição literária afro-americana. Ao retornar aos Estados Unidos, conquistou sua liberdade, mas apenas em 1788 sua obra foi publicada no país (SANTOS, 2018).

No século seguinte, outro escravizado, também pouco conhecido nos meios acadêmicos, escreveu sua autobiografia. Mahommah Gardo Baquaqua, nascido no reino de Bergoo, atual Benin, foi capturado em sua terra natal e, alguns anos depois, entre 1843 e 1845, foi trazido à força para o Brasil, onde foi vendido para um padeiro de Olinda, Pernambuco (SILVA, 2015). Posteriormente, foi adquirido pelo capitão Clemente José da Costa para prestar serviços no Rio de Janeiro, na embarcação comercial Lembrança. No ano de 1847, quando o navio foi contratado para levar um carregamento de café para Nova Iorque, cidade onde a escravização já havia sido abolida, em 1799, Baquaqua conseguiu fugir incitado por abolicionistas da região (SILVA, 2015).

Em pouco tempo, foi capturado e enviado para a prisão, da qual escapou com o auxílio de um grupo antiescravagista, seguindo para Porto Príncipe, no Haiti, onde enfrentou sérias dificuldades. Sem entender os idiomas falados no país, o francês e o crioulo, não conseguiu garantir sua subsistência. Por sorte, foi amparado pela Sociedade da Missão Livre Batista Americana, na qual se converteu ao Cristianismo e se tornou missionário, em 1848, mesmo sendo islâmico (SILVA, 2015). Devido à tensa conjuntura política do Haiti na época, retornou a Nova Iorque, em 1849, onde estudou e manteve ligação com lideranças abolicionistas. Em 1854, no Canadá, editou sua autobiografia, a qual foi divulgada no mesmo ano, nos Estados Unidos, com o título An interesting narrative. Biography of Mahommah G. Baquaqua (SILVA, 2015).

No Brasil, a maranhense Maria Firmina dos Reis publicou, em 1859, Ùrsula, primeiro romance escrito por uma mulher negra na América Latina. Na obra, a autora analisou a relação existente entre senhores e escravizados e trouxe o cativo Túlio como referência moral. Em outros momentos, ela fez seu texto falar por meio da personagem Mãe Suzana. Em uma época em que muitos negavam aos negros sua humanidade, Maria Firmina atuou de forma revolucionária ao escrever sobre a escravização, expondo em seu livro um ponto de vista identificado com sua afrodescendência e se posicionando como uma voz abolicionista (DUARTE, 2014).

Maria Firmina dos Reis nasceu em 1822, na cidade de São Luís do Maranhão. Aos cinco anos de idade, perdeu a mãe e foi acolhida na casa de uma tia materna. Formou-se como professora e, em 1847, passou em um concurso público para a Cadeira de Instrução Primária da cidade de Guimarães. Na década de 1880, fundou, em Maçaricó, a primeira escola mista e gratuita do Maranhão, que funcionou por apenas dois anos devido ao grande rebuliço que causou (LITERAFRO, 2021).

Dedicou sua vida a ler, escrever, pesquisar e ensinar. Ficou bastante conhecida na imprensa da região, tendo escrito para jornais literários e publicado poesias, crônicas e ficção. Também foi folclorista, atuando na preservação da tradição oral, e compositora, sendo de sua autoria um hino em prol do fim da escravização (LITERAFRO, 2021). Além de Úrsula, escreveu Gupeva (1861), narrativa curta de temática indianista; Cantos à beira-mar (1871), poemas marcados por grande inquietação e melancolia diante do patriarcalismo e do regime escravocrata que predominavam na sociedade brasileira; e A escrava (1887), texto de cunho abolicionista (LITERAFRO, 2021). A escritora faleceu em 1917, pobre e cega. Lamentavelmente, os documentos de seu arquivo pessoal foram perdidos, o que demonstra o descaso com os registros da história dos negros e seus descendentes.

Esses autores foram apenas alguns exemplos para ressaltarmos os nomes de importantes escritores negros ou afrodescendentes muitas vezes ignorados pelo meio acadêmico. Entretanto, vários outros poderiam ser mencionados aqui, como Rosa Maria Egipcíaca, Cruz e Sousa, Luís Gama, Machado de Assis, Teixeira e Souza, Luís Delfino, Lima Barreto, grandes autores dos séculos XVIII e XIX, assim como outros dos séculos XX e XXI, como Carolina Maria de Jesus, Solano Trindade, Conceição Evaristo, Nei Lopes, Ana Maria Gonçalves etc.

De tal forma, verificamos que, apesar das grandes dificuldades encontradas, muitos negros e afrodescendentes ousaram falar. Dentre esses obstáculos, existia, principalmente, o pensamento racista imbuído na sociedade brasileira que impediu os autores negros e afrodescendentes de serem mencionados nas obras de crítica e de historiografia literárias. Ou, quando o eram, passavam pelo processo de “embranquecimento”, tendo seu texto desvinculado do lugar histórico-social do qual faziam parte ou sendo despido da consciência de sua condição de afrodescendente, como tentou-se fazer com Machado de Assis (DUARTE, 2011).

Contudo, embora a literatura de temática e de autoria negra venha alcançando, recentemente, crescente legitimidade, sobretudo em cursos de Graduação e de Pós-Graduação, como requisito para o acesso a universidades públicas e particulares e no espaço editorial, o número de autores negros publicados pelas grandes editoras ainda é ínfimo, principalmente quando se trata de mulheres.

De acordo com Massuela (2018), uma pesquisa realizada por Regina Dalcastagnè, a partir da análise dos romances publicados pela Record, Companhia das Letras e Rocco, trouxe, em números, uma realidade fácil de percebermos na sociedade. Organizando o estudo em três períodos, 1965 a 1979, 1990 a 2004 e 2005 a 2014, a pesquisadora constatou que, respectivamente, 93%, 93,9% e 97,5% dos autores eram brancos, enquanto os não-brancos eram apenas 7%, 2,4%2 e 2,5%. Quanto ao sexo dos escritores, considerando os mesmos intervalos, Regina Dalcastagnè observou que, respectivamente, 82,6%, 72,7% e 70,6% eram homens e somente 17,4%, 27,3% e 29,4%, mulheres3 (MASSUELA, 2018).

Nessa mesma linha, no livro Os cem melhores poemas brasileiros do século, em referência ao século XX, com textos selecionados e organizados por Italo Moriconi e publicados pela Editora Objetiva, dos autores, 81 eram do sexo masculino e somente 19 do sexo feminino. Entre as mulheres, não havia nenhuma negra (LETRA, 2019). O perfil dos romancistas brasileiros, tido como universal, é, portanto, bem evidente: homem e branco, ao que se pode adicionar de classe média, nascido no eixo Rio-São Paulo e heterossexual. Sobre isso, Dalcastagnè (MASSUELA, 2018) disse que, ao publicarem livros que abordam sempre os mesmos temas e de autores com essas características, as editoras mais conhecidas estão demonstrando aos leitores o que, para elas, é considerado literatura e quem pode ser escritor no país. Ainda se acrescenta essa literatura estar inserida no contexto de racismo e de exploração do trabalho vivenciado no Brasil.

Quanto à etnia dos personagens, conforme Massuela (2018), Dalcastagnè notou que os brancos eram maioria (76%, 79,8% e 77,9%) nos três intervalos, os mestiços representavam 10,4%, 6,1% e 6,9% e os negros, 6,3%, 7,9% e 6,3%. Nesse sentido, cabe, igualmente, uma reflexão sobre como esses indivíduos são representados nessas obras.

Por fim, é preciso atentarmos que a ausência de autoras negras e autores negros nas editoras e nas livrarias não significa que eles não existam. Embora sua produção seja invisibilizada pelo mercado editorial, ela tem encontrado espaço fora desse circuito, sobretudo na Internet e em pequenas editoras, como a Malê, que se dedicam a dar projeção às obras de escritores negros. Assim sendo, autores e produções existem. Todavia, é preciso democratizar a literatura, ampliar as possibilidades de acesso a esses materiais, fazer com que eles cheguem às editoras, às livrarias, às bibliotecas e, principalmente, às escolas para que as crianças negras e os/as jovens negros/as leiam histórias que falem sobre suas subjetividades e se sintam representados e valorizados.

Personagens negros na literatura infantojuvenil

Araujo (2018), ao analisar pesquisas de Mestrado e de Doutorado, realizadas entre 2003 e 2014, verificou a pouca representação de personagens negros em acervos de bibliotecas escolares e/ou em programas de distribuição de livros, como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Entretanto, a autora conseguiu perceber pequenos indícios de mudança, mesmo que lentamente, no qual se nota que o número de protagonistas negros nos enredos vem crescendo. Contudo, é fundamental atentarmos para a maneira como eles são representados, pois estigmas e estereótipos sempre foram condições vigentes em sua caracterização.

Sobre esse aspecto, a estudiosa pontuou que ainda permanecem imagens negativas, nas quais o negro é associado, por exemplo, à pobreza e como alvo de violências; relações de subordinação do negro em relação ao branco, visto como superior; e manifestações implícitas e explícitas de preconceito. Apesar disso, em consonância com Figueiredo (2010), é possível notarmos um modesto aumento das representações positivas, reflexo de lutas sociais.

Há de considerarmos que, em muitas obras, os negros eram identificados por apelidos depreciativos ou sequer recebiam um nome. Marcados por estereótipos racistas, eram vinculados a personagens maus, à sujeira e à tragédia, classificados como bandidos, malandros, preguiçosos, serviçais e inseridos em um ambiente de pobreza e de preconceito racial, o que acabara se refletindo em sala de aula, como verificamos no trecho que segue:

Os alunos destes educadores (da Educação Infantil e do Ensino Fundamental), em grande maioria negros, ou morenos, como se autodenominam, e outros de pele clara, quando das festas realizadas nas escolas, escolhiam os colegas para representar papéis de heróis, príncipes, princesas, fadas, conforme o padrão de beleza branco: pele clara e cabelos lisos, de preferência, louros. Agora, quando se tratava de escolher aqueles que seriam os antagonistas, o Saci Pererê, a bruxa, o representante do mal, indicavam os colegas negros. (OLIVEIRA, 2003, p. 20).

Essa forma aviltante de retratar o negro nas histórias já era comum nos contos tradicionais europeus do século XIX, momento histórico marcado pelo domínio colonial das nações europeias sobre os continentes africano e asiático, denominado Imperialismo, e fundamentado na suposta superioridade racial do branco europeu em detrimento dos demais povos.

Oliveira (2003) citou como exemplo dessa época O Patinho Feio, conto de fadas escrito por Hans Christian Andersen. Para ela, a obra possuía evidente conotação racista, pois o patinho, descrito como pardo e feio, foi, devido a isso, maltratado e excluído por todos, só sendo aceito e admirado após se tornar um belo cisne branco.

Outra narrativa mencionada pela autora foi A noiva branca e a noiva preta, dos irmãos Grimm. Nela, havia três protagonistas: a mãe e a filha, antagonistas da trama, e a enteada, a heroína. Esta, ao ajudar um mendigo que, na verdade, era Deus disfarçado, recebeu como benção a realização de três desejos, entre os quais escolheu ser bela e clara como o sol. As outras duas, como castigo por terem maltratado o desvalido, tornaram-se pretas e feias.

No século XX, constatou-se a manutenção dessas representações, como no livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, publicado pela primeira vez em 1931, no qual Tia Nastácia, a empregada da casa de Dona Benta, foi descrita como “negra de estimação”. Em outra parte do texto, foi chamada de “curandeira vulgar” pelo doutor Caramujo, e, quando uma “velha coroca” apareceu no sítio causando uma grande confusão, Pedrinho foi transformado em passarinho, a avó em tartaruga e tia Nastácia em galinha preta: “Nastácia é aquela horrenda galinha preta que mais parece urubu” (FRANÇA, 2006).

Entre as décadas de 1950 e 1970, intervalo analisado por Fúlvia Rosemberg (1984), a discriminação étnico-racial permaneceu frequente na literatura destinada ao público infantojuvenil, apresentando-se tanto de forma explícita quanto velada nos textos e nas ilustrações. De acordo com a pesquisadora, o homem branco adulto oriundo das camadas médias e superiores da sociedade, idealizado como representante da espécie humana, apareceu mais constantemente nas histórias. Tendo sua individualidade mantida, foi descrito de forma mais detalhada, com informações sobre sua origem, sua religião, sua condição familiar e conjugal, com nome próprio e profissão.

Os demais grupos sociais, os outros, nos quais se incluíam os não-brancos, as mulheres e, algumas vezes, as crianças, diferentemente, tiveram sua existência humana negada. Para a autora, a maior evidência disso era o fato de não terem direito sequer a uma denominação, sendo classificados por seu pertencimento étnico, sexual, etário ou de classe.

Especificamente sobre o negro, Rosemberg (1984) reforçou o que foi relatado anteriormente: personagens associados à maldade, à sujeira e à tragédia. De igual maneira, a cor preta de vestimentas, de acessórios e/ou do contexto também carregava marca desdenhosa. Ressaltando a ausência de humanidade dos negros, os personagens antropomorfos foram, geralmente, menos representados pelos brancos, enquanto os sujeitos negros podiam assumir aspectos físicos ou condutas de animais.

Interessante destacarmos a abordagem que a estudiosa fez do papel desempenhado pelas mulheres na literatura infantojuvenil. Discriminadas, a elas era destinado pouco espaço nos textos, nas ilustrações e como narradoras. Normalmente, surgiam na função de coadjuvante, com características estereotipadas e funções consideradas femininas, como lavadeiras e domésticas. Tinham como acessório o avental, símbolo da feminilidade, enquanto os homens portavam instrumentos bélicos.

A figura feminina não teria participação nas aventuras, reservadas aos personagens masculinos, sendo comumente passivas. O interior do lar é seu único espaço de atuação, enquanto aos homens cabe toda a área externa. Quando trabalham fora de casa, comumente desempenham funções pouco valorizadas e são identificadas por sua colocação na família: esposa, irmã, filha, mãe, avó, em vez de um nome próprio ou profissão.

Algumas transformações começaram a ocorrer a partir do ano de 1970, período que, após Monteiro Lobato, de acordo com Oliveira (2003), ficou marcado pelo auge das produções de textos literários destinados a crianças e jovens. Acreditava-se que o subdesenvolvimento cultural do Brasil seria superado com a valorização do Ensino Básico, tendo o livro significativa função nesse processo.

Houve um fortalecimento da literatura infantil no Brasil, o que, para França (2006), foi resultado da modernização conhecida como “milagre econômico”, promovida durante o governo do general Médici, mesmo que o progresso alcançado tenha beneficiado sobretudo os grupos dominantes. Com o incentivo do governo, da iniciativa privada e de instituições destinadas à difusão da leitura e da literatura infantil, ocorreu um aumento considerável no número de escritores e de exemplares.

Na ocasião, constataram-se, também, algumas inovações no caráter das obras. A linguagem deixou de ser menos didática para tornar-se mais literária, surgiram novos temas, houve a inclusão de personagens até então excluídos da maioria das produções, mudanças no formato do livro e nas ilustrações (OLIVEIRA, 2003). Ocorreu, igualmente, a inserção de novos valores, como o antirracismo, visando o combate à discriminação racial e a valorização do diferente (COELHO, 2000 apudFRANÇA, 2006).

Essas e outras alterações estéticas e conteudistas no campo da literatura, tornando-a mais questionadora, assim como os movimentos da negritude, foram essenciais para o início do processo de desconstrução dos estereótipos negativos que cercavam os personagens negros (FRANÇA, 2006). Dessa forma, as obras da contemporaneidade vêm trazendo perspectivas mais positivas dos negros em suas narrativas.

Não obstante, apesar dessas novidades, sem dúvida essenciais, permaneceu ainda, na maioria dos livros, a inferiorização do negro. Os personagens exerciam funções depreciativas, estavam inseridos em ambientes marcados pela miséria e/ou preconceito racial, como as favelas e a rua, sofriam rejeição, desqualificação e hostilidade, pertenciam a famílias desestruturadas, na maioria das vezes com a ausência do pai. Além disso, existia uma postura de desprezo do próprio negro em relação à sua origem, reforçando o racismo em vez de combatê-lo, como as obras diziam se propor a fazer (OLIVEIRA, 2003).

Em Neco, o sonhador (1987), de Maria Armanda Capelão, o protagonista, descrito como “moreno”, morava na favela com a mãe doente e não conhecia o pai. Vivia na pobreza, sujo e cercado pela violência, sobrevivendo do trabalho como lavador de carros e com o que encontra no lixo. Seu fim foi trágico tentando defender seu barraco.

Em contrapartida, os personagens brancos dos anos de 1980 tinham como espaço social suas propriedades: fazendas enormes, casas de praia, mansões. Mesmo os poucos identificados como pobres viviam em condições melhores que os negros, possuíam família, ainda que esta enfrentasse problemas, estavam sempre limpos e tinham possibilidades de progredir socialmente (OLIVEIRA, 2003).

Entretanto, ao contrário das obras das décadas anteriores, nas quais os negros eram identificados como criminosos e malandros, nesse período, esses seres ficcionais foram definidos como íntegros, honestos, bons e trabalhadores, apesar de continuarem a existir os antagonistas, como os traficantes. Embora não tivessem muitas chances de mudar de vida, alguns conseguiam ascender na esfera social e econômica, com a ajuda dos brancos, vistos como justos, protetores e bondosos, ou por terem muita sorte (OLIVEIRA, 2003).

Todavia, como exemplo das mudanças ocorridas nessa fase, há o livro A cor da ternura, de Geni Guimarães, poeta e escritora negra. Nele, a personagem central tinha nome, Geni, e família (mãe, que trabalha em sua própria casa; pai, que é lavrador; e oito irmãos), a qual vivia feliz, rodeada de amor, de carinho e de afeto, mesmo que as condições econômicas fossem difíceis. A menina foi apresentada como inteligente e criativa. Frequentava a escola, lugar onde sofria discriminação racial e aprendia a história de seus ancestrais sob o ponto de vista eurocêntrico, o que a deixava bastante decepcionada.

Os protagonistas eram benevolentes e devotos à família, sempre trabalhando em seu benefício, o que era uma novidade, na percepção de Oliveira (2003). As demais figuras negras ainda foram apresentadas de forma estereotipada. Dirceu era “um negrinho terrível” que tinha dificuldades no estudo, e Nhá Rosária, uma velha contadora de histórias, provavelmente sem família, que residia em uma casa de fazendeiros. Os personagens brancos desempenhavam melhores funções, havia uma professora e um administrador de fazenda.

Os pais eram bastante presentes na vida da filha, constituindo-se alicerce e fonte de amparo e sabedoria para que Geni conseguisse enfrentar as dificuldades diárias e alcançasse seus objetivos. A mãe estava sempre disposta a ajudá-la, cuidava de sua higiene e a enchia de carícias. Preocupava-se com seu comportamento na escola, mas, sabendo da violência sofrida, aconselhava-lhe a não reagir, incentivando a passividade. Ao pai, Geni pedia conselhos e foi seguindo suas orientações que se tornou professora, conseguindo ascender profissionalmente.

Na década de 1990, houve a manutenção de aspectos depreciativos e caricaturados na elaboração dos seres ficcionais negros junto a novas formas de descrição. Nelas, estavam presentes os elementos da cultura afro-brasileira, das religiões de origem africana, da capoeira, da dança e das formas de resistência, a exaltação de figuras como Zumbi dos Palmares, a menção aos orixás e à ancestralidade, a atuação dos personagens diante da discriminação sofrida, a valorização da mitologia africana e da tradição oral e a produção de imagens mais condizentes com a diversidade cultural (SOUZA, 2003 apudFRANÇA, 2006).

Para Debus (2018), desde a metade dos anos de 1980, já era possível visualizar, em algumas obras, certos traços positivos na construção de uma identidade negra. A LDB de 1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), instituídos em 1997, contribuíram bastante na continuidade desse processo, pois incentivaram o mercado editorial a publicar títulos que contemplassem os temas transversais, entre eles a pluralidade cultural, e a suprir a demanda educacional (BRASIL, 1996, 1997).

Contudo, o cenário ainda requer muita atenção. Infelizmente, as obras de qualidade sobre a temática étnico-racial continuam muito escassas nas escolas. Um estudo realizado por Kaercher (2006), considerando os 110 títulos do Programa Nacional Biblioteca da Escola, de 1999, observou que a maioria dos personagens permanece sendo homens, brancos e adultos, mantendo-se o padrão de referência de períodos anteriores. Ao mesmo tempo, assiste-se a um fortalecimento das atitudes preconceituosas com a retomada das descrições pejorativas, como as que associavam o negro à feiura e à ignorância. No poema O pedreiro Pedro Alfredo, que faz parte da obra Travatrovas, de Ciça, com ilustração de Ziraldo, o homem, mulato, foi apresentado como um “tremendo tratante”, pois “[...] tramou tretas intrigantes, transou truques, pregou petas” (CIÇA, 1993 apudKAERCHER, 2006, p. 145). Na ilustração, foi caracterizado com olheiras profundas, sentado de forma desleixada e fumando.

Além disso, a análise demonstrou que o ideal do branqueamento persiste na sociedade, havendo tentativas de apagarem-se os fenótipos negro e mestiço nas representações. Nas figuras, criaram-se composições cromáticas do negro que não utilizavam o preto e outras nuances semelhantes, promovendo seu embranquecimento. Conforme Kaercher (2006), o tom da pele dos negros era semelhante ao dos demais personagens. Isso também foi perceptível com os traços fisionômicos: o mesmo formato de nariz, boca e olhos era compartilhado por brancos e negros. Em alguns desenhos, somente os cabelos foram concebidos de modo diferente, assim como as vestimentas. Outro aspecto relatado pela autora foi o da incompletude das ilustrações dos seres ficcionais negros. No livro O dilema do bicho-pau, de Ângelo Machado, a cozinheira negra teve apenas seus pés revelados. Kaercher diz, em tom de crítica, que “[...] eles [os negros] não precisam ser completamente ilustrados, visíveis, para serem compreendidos em sua subalternidade” (KAERCHER, 2006, p. 147).

No início do século XXI, sobretudo após a promulgação da Lei Nº 10.639/2003 e da elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, em 2004, resultantes da histórica luta do Movimento Negro, vários docentes começaram a inserir conteúdos sobre as histórias e as culturas africanas e afro-brasileira em sala de aula, utilizando, muitas vezes, a literatura como recurso (DEBUS, 2018).

Desse modo, escritores e editoras receberam novo impulso para a produção de materiais que atendessem a essa necessidade, publicando livros que contemplassem a problematização das questões étnico-raciais, trouxessem personagens negros como protagonistas e narrativas que evidenciassem a multiplicidade do continente africano, desconstruindo as concepções que descreviam os personagens negros como passivos ou escravizados e a África como um lugar exótico (DEBUS, 2018).

Zum Zum Zumbi e Olelê: uma antiga cantiga da África

Neste artigo, trouxemos para a análise duas obras de literatura infantojuvenil inseridas nessa perspectiva crítica: Zum Zum Zumbiiiiiiii e Olelê: uma antiga cantiga da África, as quais desenvolveram temas relacionados à história e à cultura negra ou afrodescendente e possuem voz autoral negra, com ponto de vista ou lugar de enunciação relacionado e comprometido com essa identidade.

Nesse sentido, há a possibilidade de diálogo com a afrocentricidade, conceito desenvolvido pelo professor e filósofo afro-americano Molefi Kete Asante. Para o autor, tal paradigma concebe os africanos e os afrodescendentes como produtores de conhecimentos e sujeitos atuantes em todos os fenômenos, contrapondo-se à perspectiva do eurocentrismo que desconsidera os saberes e a participação dos negros, assim como dos demais grupos historicamente marginalizados, reconhecendo como válido apenas a óptica europeia (ASANTE, 2009).

No intuito de promover outra percepção sobre o povo negro, a afrocentricidade traz como elementos principais as categorias “localização” e “agência”. A primeira diz respeito à iniciativa de localizar o africano e o afrodescendente dentro e no centro de sua própria história, dar às suas experiências, concepções e saberes um lugar central no que concerne às suas referências históricas e culturais, sem menosprezar as demais, buscar a atuação dos negros em qualquer tempo e espaço, considerando o que eles pensam, dizem e fazem e não o que os europeus afirmam sobre isso.

Para tanto, a segunda categoria expõe que os africanos e os afrodescendentes assumam a função de agentes, em outras palavras, de sujeitos protagonistas nos variados processos de construção do conhecimento e de formação das sociedades e não de meros coadjuvantes, vítimas ou dependentes, como historicamente foram classificados (ASANTE, 2009).

Os africanos devem ser vistos como agentes em termos econômicos, culturais, políticos e sociais. O que se pode analisar em qualquer discurso intelectual é se os africanos são agentes fortes ou fracos, mas não deve haver dúvida de que essa agência existe. Quando ela não existe, temos a condição da marginalidade – e sua pior forma é ser marginal na própria história. (ASANTE, 2009, p. 95).

Zum Zum Zumbiiiiiiii (Figura 1), livro de 2016, foi escrito por Sônia Rosa, professora da rede pública municipal do Rio de Janeiro, contadora de histórias, orientadora educacional e escritora. Sua trajetória no campo da literatura teve início na década de 1990 como contadora de histórias da Brinquedoteca do Museu da República. Em 1995, publicou seu primeiro livro, O Menino Nito, no qual trouxe como protagonista um personagem negro, em busca de valorizar a ancestralidade negra e descolonizar o imaginário das crianças, sendo uma das pioneiras nessa abordagem.

Fonte: Imagem extraída da Editora Mini Pallas.4

Figura 1 Capa do livro Zum Zum Zumbiiiiiiii 

Cabe destacarmos que se o número de livros com protagonistas negros ainda está longe de contemplar a maioria da população, marcadamente parda e negra, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019), quando consideramos aqueles do sexo masculino, o quantitativo é inclusive menor. Assim, Zum Zum Zumbiiiiiiii foge a essa estimativa, trazendo um menino negro como personagem central, com ilustrações de Simone Matias.

A narrativa apresenta uma família negra, composta por pai, mãe e dois filhos, que vive feliz, sem conflitos sociais, econômicos ou raciais. Esse é um ponto bastante interessante, pois, em algumas obras, os seres ficcionais negros, embora sejam representados de forma positiva, precisam enfrentar certos dilemas no decorrer da história, às vezes sobre sua própria identidade, para superálos somente no final. Entendemos que os textos não devem restringir os personagens negros aos problemas étnico-raciais, aos impasses com os cabelos ou às questões religiosas, sendo importante inseri-los nos mais variados contextos.

Zum Zum Zumbiiiiiiii inicia fazendo referência ao 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, momento em que celebramos a luta de Zumbi dos Palmares e a resistência do povo negro. Nessa data tão importante, a família reúne-se em casa, com bolo no café da manhã e brincadeiras entre pai e filho. Utilizando-se de onomatopeia, Sônia Rosa fez menção ao nome do guerreiro de Palmares, cuja história foi contada pela mãe do protagonista: “O pião faz Zum Zum Zum na palma da mão do papai”, “O menino logo lembra do Zum Zum Zum da capoeira”, “Zum Zum Zum também faz o vento na janela” (ROSA, 2016, n.p.).

De forma suave, a autora apresenta para as crianças um momento bastante difícil do passado de nosso país, o da escravização, porém sem deixar de realçar a luta dos negros e sua agência na busca constante por liberdade. Como grande líder, a figura de Zumbi ganhou destaque na obra, sendo descrito como “[...] forte, valente, inteligente e bonito como você” (ROSA, 2016, n.p.), com a pele da cor da noite e muito brilhante. Nesse trecho, é encantadora a aproximação que a autora promove, por intermédio da mãe, entre o menino e Zumbi, comparando-o ao herói e fazendo com que ele se identificasse não só por suas características físicas, mas também pelos demais atributos, favorecendo a construção da identidade étnico-racial e a valorização da história.

Além do fenótipo, o que mais se destacou na caracterização do personagem foi a sua postura em defesa da liberdade: “Zumbi cuidava do Quilombo dos Palmares com muita garra e dedicação”, “defenderia seu amado povo até a morte, se preciso fosse” (ROSA, 2016, n.p.). A autora também citou o fato de ele ter nascido livre, na comunidade quilombola, estudado e aprendido outras línguas. Esse trecho nos remete ao Ubuntu, alicerce da filosofia africana (RAMOSE, 2011 apudMORAES, 2019). Ele é praticado pelos povos que pertencem à grande família etnolinguística banto ou bantu5, formada por cerca de 400 subgrupos étnicos (PINHEIRO, 2021), e revela a ligação, a interdependência entre os sujeitos, de tal modo que um só estará bem quando conseguir humanizar o outro, como demonstra o princípio zulu e xhosa: “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”. Desse modo, só há felicidade quando todos estão felizes. Não tem como ser feliz sozinho ou existir felicidade se esta gerar a tristeza no outro. De acordo com esse pensamento, a humanidade precisa caminhar junta, de mãos dadas. Não existe um EU separado do NÓS, pois somente assim os objetivos comuns serão alcançados (PINHEIRO, 2021).

Responsabilidade, solidariedade, comunhão e cuidado com o outro são alguns dos princípios éticos do Ubuntu que denota a filosofia do nós, na qual o grupo vem antes do indivíduo. Para os shoto, grupo do norte da África do Sul, “[...] se e quando tiver de enfrentar uma escolha decisiva entre a riqueza e a preservação da vida de outro ser humano, deve sempre optar pela preservação da vida” (MORAES, 2019, n.p.), já que as pessoas têm mais importância que as coisas.

Sônia Rosa ainda faz alusão à importância do guerreiro na atualidade e à necessidade de mantermos viva sua memória por meio do relato de suas façanhas: “Somente alguém tão iluminado quanto ele conseguiria continuar brilhando tão forte, até hoje, cada vez que a gente conta a sua história [...]”, “[...] dia 20 de novembro comemoramos o seu dia para que ninguém esqueça da luta deste grande homem contra as maldades da escravidão” (ROSA, 2016, n.p.).

Em vários trechos do livro, é possível percebermos o negro como sujeito ativo, desconstruindo aquela imagem de passividade e submissão: “Quilombo, meu menino, era um lugar para onde pessoas escravizadas fugiam para encontrar a liberdade”, assim como sua humanização: “Gente que trabalhava, cozinhava, costurava [...] fazia festas e que era feliz” (ROSA, 2016, n.p.). Outro ponto essencial para mencionarmos é que a autora não utilizou a palavra escravo, a qual remete à naturalização da condição do indivíduo, como se fosse algo inerente a ele, e não imposto, mas, sim, escravizado (HARKOT-DE-LA-TAILLE; SANTOS, 2012). Para o Brasil, foram trazidos de forma compulsória homens e mulheres que, no continente mãe, eram reis, rainhas, ferreiros, agricultores, tecelões, mineradores, entre tantas outras categorias fundamentais e de prestígio. De forma ainda mais importante, juntamente aos seus corpos negros, desembarcaram aqui conhecimentos, saberes, práticas e tradições fundamentais para o desenvolvimento de nossa sociedade.

No final do enredo, a autora retorna ao cotidiano da família, cheio de carinho, amor aconchego e cuidado: “Mãe e filho se abraçam longamente num chamego só deles”; “Toalha bordada, bolo cheiroso, copos coloridos, alegria por todos os lados!” (ROSA, 2016, n.p.), cena que ilustra muitos lares negros da atualidade.

Olelê: uma antiga cantiga da África (Figura 2) é uma obra de 2015, de autoria de Fábio Simões, músico, educador, pesquisador e artesão de instrumentos musicais africanos e afro-brasileiros, sobre os quais estudou em Moçambique, em 2009, por meio de um projeto de intercâmbio cultural lançado pelo Ministério da Cultura. Olelê tem ilustrações de Marilia Pirillo e coordenação de Heloisa Pires Lima.

Fonte: Imagem extraída da Editora Melhoramentos.6

Figura 2 Capa do livro Olelê 

O livro conta a história da cantiga Olelê, Moliba Makasí, na língua lingala, tradicional entre o povo que habita as margens do Rio Cassai, localizado na atual República Democrática do Congo, na África. A narrativa começa fazendo essa exposição e com uma lindíssima imagem de uma mulher negra de joelhos, como que em reverência, com as mãos voltadas para o continente africano, onde se verifica a referida região em destaque.

Em seguida, o autor revela a razão da existência dessa canção: “São as cheias dos rios que alagam a vida dos moradores [...]. É chegada a hora de cantar uma antiga canção às crianças” (SIMÕES, 2015, p. 6). São os meninos e as meninas do grupo que, sozinhos, deverão fazer a travessia do rio, que é um momento de grande importância e de coragem do qual são os protagonistas.

No enredo, é possível identificarmos alguns dos valores civilizatórios afro-brasileiros7, organizados pela professora Azoilda Loretto Trindade (2010). Expressando seu entendimento sobre esses valores, ela afirma:

Ao destacarmos a expressão “valores civilizatórios afro-brasileiros”, temos a intenção de destacar a África, na sua diversidade, e que os africanos e africanas trazidos ou vindos para o Brasil e seus e suas descendentes brasileiras implantaram, marcaram, instituíram valores civilizatórios neste país de dimensões continentais, que é o Brasil. Valores inscritos na nossa memória, no nosso modo de ser, na nossa música, na nossa literatura, na nossa ciência, arquitetura, gastronomia, religião, na nossa pele, no nosso coração. Queremos destacar que, na perspectiva civilizatória, somos, de certa forma ou de certas formas, afrodescendentes. [...]. A África e seus descendentes imprimiram e imprimem no Brasil valores civilizatórios, ou seja, princípios e normas que corporificam um conjunto de aspectos e características existenciais, espirituais, intelectuais e materiais, objetivas e subjetivas, que se constituíram e se constituem num processo histórico, social e cultural. (TRINDADE, 2010, p. 131-132).

Um dos valores bastante presente na obra é a musicalidade, que, nas sociedades africanas tradicionais, marca o cotidiano e todos os momentos da existência do grupo, estando presente em todas as etapas do trabalho agrícola e nos diversos momentos da existência humana, havendo um tipo de música para cada ocasião (LOPES, 2011).

É por intermédio da música, transmitida, muitas vezes, de geração em geração, por meio da oralidade, que os africanos comemoram “[...] sua alegria de viver, seu refinamento nas ocasiões solenes, sua religiosidade, seu vigor no trabalho, sua coragem na guerra” (MBABI-KATANA, 1977 apudLOPES, 2011, n.p.). Ela expressa uma vivência coletiva, tem importante papel na difusão do conhecimento e não pode ser dissociada da conjuntura em que foi produzida. Para Fábio Simões (2015, p. 25), “[...] a África transborda sabedoria, e a música tem grande participação na propagação do saber. Com ritmo e melodia, a música resgata histórias que vêm sendo contadas, cantadas e dançadas há centenas de anos”.

A ancestralidade e os antepassados foram delineados como sendo respeitados e venerados pelo legado espiritual que deixaram na Terra, contribuindo para o desenvolvimento e o equilíbrio da comunidade. O ancestral é tido como referência para seus descendentes, os quais devem seguir, com responsabilidade, suas ações (LOPES, 2011). No caso de Olelê, esse aspecto mostrou-se presente na figura do Kala, o ancião da comunidade, que repassa todos os conhecimentos de seu povo assim como a cantiga aos mais novos: “A palavra de um Kala é mais valiosa que ouro ou prata [...]. Não há quem não saiba que prestar atenção é o jeito mais rápido de aprender” (SIMÕES, 2015, p. 10). Ainda nessa parte, observamos a importância da oralidade, elemento crucial nas sociedades tradicionais africanas, em que há uma expressiva relação entre o homem e a Palavra. Esta tem valor e é respeitada, sobretudo pela dimensão sagrada conferida por sua origem divina. Assim, nunca é utilizada sem cautela, sendo a mentira abominada (BÂ, 2010).

Relacionada à oralidade, por meio da qual é divulgada, está a memória, que revela os costumes, a religiosidade, os saberes e os fazeres de um povo, sendo fundamental para a formação de sua história e identidade e para a preservação de suas tradições (NASCIMENTO; RAMOS, 2011). As crianças, sentadas em roda, “[...] nos mesmos lugares onde um dia sentaram seus pais, irmãos e toda a gente que já aprendeu a canção” (SIMÕES, 2015, p.11), ouvem a tudo em silêncio e com muito respeito. Aqui, fica evidente a circularidade, a qual pressupõe o desenvolvimento de relações horizontais entre os indivíduos, o que se relaciona à concepção comunitária de vida existente entre os povos tradicionais africanos (ROCHA, 2011).

A roda possui uma grande relevância, indicando movimento, renovação – ontem eram os pais, hoje são as crianças que ouvem as histórias, coletividade, estando presente no samba, na capoeira, nas contações de histórias em volta da fogueira (TRINDADE, 2005). Nela também se dá e recebe energia vital (axé), potência de vida que provém de todos os seres vivos, sem o qual não há existência.

Adiante, chama atenção a forma como o autor brincou com a escrita das palavras enorme e gigante, que aumentam de tamanho, sobretudo a última, como as águas do rio. Ao mesmo tempo, o rosto de um dos meninos também aparece maior, o que aparenta demonstrar o quanto ele igualmente cresce diante do perigo, demonstrando sua força para superar a enxurrada. Essa percepção intensifica-se na página seguinte com os questionamentos feitos: “Cadê coragem para a travessia? Uma coragem grandona, maior que o rio? Igual àquela para deixar de ser criança e virar gente grande?” (SIMÕES, 2015, p. 16). De tal modo, a travessia do rio no momento de cheia configura-se como um rito de passagem.

A música revela toda a valentia daquele povo, “dos que seguem em frente” (SIMÕES, 2015, p. 18), e incentiva as crianças a prosseguirem, mesmo diante de todas as adversidades, como já foi feito um dia por aqueles que vieram antes delas, por seus ancestrais, o que remete novamente à circularidade. “Eles reconhecem: já fizemos isso antes” (SIMÕES, 2015, p. 21).

Possivelmente, a presença de palavras ou mesmo de trechos escritos em outra língua pode surgir, a princípio, como um empecilho para a leitura do livro com as crianças. Entretanto, como o próprio autor disse, é preciso coragem para tal! Certamente será um desafio, mas somos fortes o bastante para conseguirmos. Embora não tenhamos o Kala para nos ensinar, podemos recorrer há alguns vídeos nos quais a canção é cantada8. Ademais, essa seria uma boa oportunidade para dialogar com os pequenos sobre a diversidade do continente africano, onde são falados mais de mil idiomas (SILVA, 2012) e apresentar palavras de origem africana utilizadas no dia a dia, como angu, babá, bagunça, cafuné, moleque, entre outras (BRANDÃO, 2006).

Os dois livros contêm, no final do texto, uma parte complementar. Zum Zum Zumbiiiiiiii traz algumas informações históricas sobre o Quilombo dos Palmares e o Zumbi. Enquanto Olelê disponibiliza explicações sobre o poder da palavra, a diversidade de línguas faladas na África, a letra da música, sua partitura e sua origem.

Por fim, faz-se necessário mencionarmos a relevância do conteúdo visual nas obras de literatura infantojuvenil. As crianças pequenas são fortemente atraídas pela visualidade, mantendo estreita ligação com o conteúdo transmitido pelas imagens. Daí o cuidado que devemos ter não só com a escolha do texto, mas igualmente com as ilustrações, porque elas, inclusive, são lidas como narrativa (DEBUS, 2018). Simone Matias, em Zum Zum Zumbiiiiiiii, fez ilustrações pintadas à mão, em tinta acrílica sobre papel. Marília Pirillo, em Olelê, também utilizou a pintura acrílica. As duas obras possuem imagens bem coloridas, sendo atrativas, expressivas e bastante enriquecedoras, permitindo, a nosso ver, a interação com o leitor.

Considerações finais

A leitura de um livro proporciona-nos várias sensações, permite-nos viajar, conhecer histórias, personagens, lugares diferentes, emocionar-nos, rir, chorar e principalmente, soltar a imaginação, sonhar... E, quando o leitor ou o ouvinte é uma criança, esses sentimentos parecem se multiplicar.

Outrossim, o texto literário propicia às crianças a vivência de múltiplas narrativas, a interação com a linguagem oral e escrita, o contato com diferentes gêneros textuais, com variadas formas de expressão, do mesmo modo como favorece a participação e o diálogo, aspectos que devem ser assegurados pelas propostas pedagógicas das escolas, como estabelecem as DCNEI (BRASIL, 2010). Complementando, o texto literário relaciona-se ao direito de explorar palavras, sons, emoções e histórias, como consta na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017). A partir dele, é possível estimularmos a exposição de opiniões, sensações e questionamentos dos discentes, como preveem os princípios estéticos das DCNEI (BRASIL, 2010), garantindo-lhes a liberdade de expressão, um dos direitos de aprendizagem da BNCC (BRASIL, 2017).

No que diz respeito à literatura afro-brasileira, denominação sugerida por Eduardo de Assis Duarte (2014), para além dos pormenores elencados anteriormente, há a possibilidade de, por meio da apresentação de personagens nos mais variados contextos, ampliar a percepção de mundo e, dessa forma, promover mudanças nos discursos, nas atitudes e na forma de se tratar as pessoas negras, as quais, de forma explícita ou não, muitas vezes revelam sentimentos de superioridade em relação aos negros, algo típico de uma sociedade hierarquizada e desigual como a nossa (BRASIL, 2004).

Igualmente, permite realçar, positivamente, os traços físicos dos personagens, sobretudo pelas ilustrações, os conhecimentos e os saberes do povo negro, pois os pequenos constroem sua visão de mundo a partir do ambiente sociocultural em que se encontram. Conforme afirma Eliane Cavalleiro (1998), na faixa etária da Educação Infantil, já é possível identificar comportamentos preconceituosos nas crianças, os quais não podem ser ignorados. Dessa forma, a escola pode contribuir para romper as relações de dominação étnico-racial e de gênero e garantir o respeito a todos (BRASIL, 2010).

Sem contar a potência da representatividade, de olhar para o livro e se ver como é ou como se quer ser, se identificar com os autores e os personagens, descritos e ilustrados de forma positiva; conscientes de suas origens, sua história e sua cultura; do valor, da sabedoria e da luta de seus ancestrais; orgulhosos de sua cor e de seus cabelos. São elementos que motivam o desejo de ser igual e contribuem para a afirmação identitária das crianças negras. Contudo, cabe atentarmo-nos para o fato de que a identificação como negro deve ser feita pela própria criança, não pelos adultos que convivem com ela. O que estes podem fazer é oferecer constantemente referências valorativas, romper com qualquer tipo de construção pejorativa e sempre estar aberto ao diálogo.

Embora aqui estejamos enfatizando a importância da literatura afro-brasileira para a construção identitária das crianças negras, não podemos desconsiderar sua importância para os não negros, para que esses reconheçam que nosso país foi formado a partir da exploração do trabalho dos africanos e seus descendentes, a qual possibilitou a riqueza e os privilégios dos escravizadores. Como pontuam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, “[...] a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual, equânime” (BRASIL, 2004, p. 14).

Por fim, gostaríamos de realçar que as análises dos livros Zum Zum Zumbiiiiiiii e Olelê: uma antiga cantiga da África, apresentadas neste artigo, são fruto de uma interpretação pessoal das autoras, pois, como pontuou Eco (2003 apudDEBUS, 2018), as obras literárias abrem-se à liberdade de interpretações, visto que são diversos os caminhos de leitura que elas nos propõem, sendo nosso propósito apresentar um ponto de vista que contribua para as discussões e favoreça as práticas docentes.

1Frase atribuída a Maria Firmina dos Reis (SILVA, 2011).

2Nesse intervalo, 3,6% não tiveram sua etnia identificada.

3Apesar do aumento do número de publicações femininas, o número permanece muito aquém do de autores masculinos.

4Disponível em: https://www.pallaseditora.com.br/produto/Zum_Zum_Zumbiiiiiiii/292/. Acesso em: 8 fev. 2022.

5“O termo português ‘banto’ designa o amplo grupo de línguas e dialetos negro-africanos falados na África central, centro-ocidental, austral e em parte da África oriental” (LOPES, 2011, n.p.).

7Os valores civilizatórios afro-brasileiros são: energia vital (Axé), oralidade, ancestralidade, memória, circularidade, ludicidade, religiosidade, corporeidade, musicalidade e cooperativismo/comunitarismo.

Referências

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Recebido: 15 de Julho de 2021; Revisado: 03 de Fevereiro de 2022; Aceito: 04 de Fevereiro de 2022; Publicado: 11 de Fevereiro de 2022

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