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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 10-Mar-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19318.037 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, epaços e tempos

O pensamento étnico-racial: o saber científico, as normas legais e a educação

Ethnic-racial thinking: scientific knowledge, legal norms and education

El pensamiento étnico-racial: el saber científico, las normas legales y la educación

José Vicente de Souza Aguiar* 
http://orcid.org/0000-0001-7754-1620

Kelly Almeida de Oliveira** 
http://orcid.org/0000-0002-9397-3607

Izaura Rodrigues do Nascimento*** 
http://orcid.org/0000-0001-5508-8730

*Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas, Brasil, do Programa de Doutorado em Educação na Amazônia – Educanorte. E-mail: <jvicente@uea.edu.br>.

**Mestrado em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), professora na UFMA, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) pela Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). E-mail: <ka.oliveira@ufma.br>.

***Doutora em Relações Internacionais, professora do Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Brasil. E-mail:<izaura27@gmail.com>.


Resumo:

Esta pesquisa tem foco na análise das narrativas sobre a formulação do pensamento étnico-racial a partir das produções acadêmicas de Raimundo Nina Rodrigues realizadas no final do século XIX. O propósito consiste em destacar como as narrativas foram construídas para incluírem ou não indígenas e negros nas textualidades discursivas, a considerar o seu poder de nomeação, de classificação e de hierarquização. A esse estudo, foram incorporados os dispositivos legais, correspondentes às Constituições dos séculos XIX e XX, a fim de demonstrar as tensões e os descolamentos no pensamento étnico-racial brasileiro. As análises foram realizadas tendo como aporte teórico a filosofia da diferença, com acento nas ponderações foucaultianas e do professor camaronês Achille Mbembe. Nos resultados, destaca-se o poder simbólico da linguagem institucional utilizado nos textos científicos e nos dispositivos jurídicos para segregar e inferiorizar os indígenas e os negros, sendo denominados como povos selvagens, bárbaros, indolentes, preguiçosos e perigosos, em detrimento do ser civilizado e branco.

Palavras-chave: Pensamento étnico-racial; Teoria da degenerescência; Filosofia da diferença; Educação

Abstract:

This research focuses on the analysis of narratives about the formulation of ethnic-racial thinking from Raimundo Nina Rodrigues’s academic productions carried out in the late nineteenth century. The purpose is to highlight how the narratives were constructed to include or not the indigenous and the black people in discursive textualities considering their power of naming, classification and hierarchization. In this study, legal devices were incorporated, corresponding to the Constitutions of the 19th and 20th centuries, in order to demonstrate tensions and detachments in the Brazilian ethnic-racial thinking. The analyzes were made using as theoretical support the philosophy of difference, with an emphasis on Foucault and the Cameroonian professor Achille Mbembe’s considerations. In the results, it is highlighted the symbolic power of institutional language used in scientific texts and legal provisions to segregate and degrade the indigenous and black people, being called as peoples who are: wild, barbarians, indolent, lazy and dangerous, to the detriment of civilized white people.

Keywords: Ethnic-racial thinking; Degeneration theory; Philosophy of difference; Education

Resumen:

Esta investigación tiene enfoque en el análisis de las narrativas sobre la formulación del pensamiento étnico-racial a partir de las producciones académicas de Raimundo Nina Rodrigues realizadas a finales del siglo XIX. El propósito consiste en destacar cómo las narrativas fueron construidas para incluir o no a los indígenas y a los negros en las textualidades discursivas para considerar su poder de denominación, de clasificación y de jerarquización. En este estudio fueron incorporados los dispositivos legales, correspondientes a las Constituciones de los siglos XIX y XX, con el fin de demostrar las tensiones y los desapegos en el pensamiento étnico-racial brasileño. Los análisis fueron realizados teniendo como aporte teórico la filosofía de la diferencia, con énfasis en las consideraciones foucaltianas y del profesor camerunés Achille Mbembe. En los resultados, se destaca el poder simbólico del lenguaje institucional utilizado en los textos científicos y en los dispositivos jurídicos para segregar y degradar a los indígenas y a los negros, siendo denominados como pueblos salvajes, bárbaros, indolentes, perezosos y peligrosos, en detrimento del ser civilizado y blanco.

Palabras clave: Pensamiento étnico-racial; Teoría de la degeneración; Filosofía de la Diferencia; Educación

Palavras iniciais

Os estudos sobre as questões étnico-raciais são recentes em nosso país e perpassam várias áreas da produção do conhecimento, com destaque para a área da Educação, em virtude da aprovação de dispositivos legisladores e políticas afirmativas direcionadas a pessoas indígenas e negras visando seu ingresso nas instituições de Ensino Superior. Tais conquistas se efetivaram, em grande parte, mediante o atendimento das pressões dos movimentos sociais pelo reconhecimento de seus direitos.

Contudo, o pensamento e a narratividade indicam como os seres humanos, sobretudo negros e indígenas, serão incluídos na sociedade. Constituídos por palavras e, por vezes, marcadamente pejorativas, elas possuem a força para classificar, hierarquizar e instituir um lugar social ao outro. Nesse sentido, tanto aos indígenas quanto aos negros foram dirigidas as denominações de povos selvagens, bárbaros, indolentes, preguiçosos e perigosos, dentre outras dessa natureza.

Neste estudo, procuramos entender a natureza desse pensamento no âmbito das produções científicas situadas nas ciências naturais do século XIX e sua mobilização como ferramenta para compreensão das vidas que não eram consideradas importantes no referido período histórico. Para isso, tomamos como referência as três obras de Raimundo Nina Rodrigues: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (publicada em 1894), As coletividades anormais (publicada em 1939, 33 anos após sua morte) e Os africanos no Brasil (publicada postumamente em 1932, mas escrita entre 1890 e 1905).

Nina Rodrigues foi um médico maranhense que atuou na Escola de Medicina da Bahia, cuja produção acadêmica está situada entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. Foi um conhecedor da produção científica do seu tempo, com citações do criminologista italiano Cesare Lombroso, do século XIX, e Jean-Gabriel de Tarde, que era filósofo, sociólogo, psicólogo e criminologista francês desse mesmo período. Ademais, foi leitor e intérprete de seu tempo histórico e produziu análises sobre os negros e os povos indígenas.

O médico maranhense não se restringiu à ciência médica, pois buscou compreender a humanidade na sua dimensão etnológica. Produziu apreciações profundas sobre a mestiçagem e suas consequências para a sociedade brasileira. Ao proceder dessa maneira, Rodrigues deslocou o pensamento de Cesare Lombroso (2001), que se estabelecia de exames fenótipos pelos quais procurava justificar a delinquência. Em outras palavras, a partir das características dos corpos, os quais eram configurados em um modelo, seguindo uma simetria da “perfeição”, considerava-se o corpo branco menos propenso ao crime, na tentativa de entender o suposto potencial de criminalidade fundamentada no estudo da caixa craniana dos negros.

Nina Rodrigues demonstrou profundo conhecimento sobre os fundamentos da criminologia de Lombroso, mas, ao aplicá-lo no caso de Lucas da Feira, negro considerado bandoleiro, no século XIX, em Feira de Santana, Bahia, reconheceu que a criminologia não conseguia explicar o seu comportamento criminoso. Todavia, explicou os chamados atos criminosos, a partir da ideia da raça mediante a sua composição, isto é, na descrição detalhada dos tipos físicos dos corpos para justificar a teoria usada para situar a pessoa, seja como civilizada, seja como selvagem. Assim: “O jagunço é um produto tão mestiço no físico que reproduz os caracteres antropológicos combinados das raças de que provém, quanto híbrido nas suas manifestações sociais que representam a fusão quase inviável de civilizações muito desiguais” (RODRIGUES, 2006, p. 49).

O modelo explicativo usado por Nina Rodrigues estava conformado na tradição intelectual europeia, embora fosse um intelectual brasileiro com pesquisas realizadas no campo da saúde e os tipos sociais desenvolvidos a partir do Nordeste brasileiro. Ele utilizou a criminologia lombrosiana para justificar os atos de delinquências e a composição da população brasileira mediante a mestiçagem entre negros, indígenas e brancos. Importante destacarmos que circulava a ideia de que as raças não-europeias eram inferiores. A mestiçagem, ainda que possuísse aspectos positivos, eram combinadas aos aspectos negativos causando a degenerescência das raças; assim, conduzia a um “[...] estado de degradação de natureza ontológica” (MBEMBE, 2018, p. 39).

Nesse sentido, destacamos a produção das ideias sobre a questão étnico-racial e como ela foi incorporada pelas narrativas do saber científico e os possíveis ecos na continuidade do pensamento sobre a questão racial e indígena no Brasil, sobretudo envolvendo o processo educacional, aqui entendido, tanto no sentido estrito quanto no que envolve a formação do pensamento sobre a questão racial. Buscamos, outrossim, as conformidades desse pensamento nos dispositivos legais da época e as descontinuidades dessa formulação no pensamento no século XX, sobretudo na Constituição de 1988 e nos dispositivos que orientaram as políticas educacionais. Ao mesmo tempo em que as pessoas negras e indígenas encontraram respaldo legal para a sua inserção social, por meio do ingresso nos sistemas educacionais, observamos o repúdio por parte de um segmento de classe a esse direito de cidadania estendido a todos os brasileiros na atualidade. Nessa perspectiva, a colonialidade revelada na manutenção desse pensamento reproduz-se e expressa-se por meios diversos. Dentre eles, destacamos o racismo e a discriminação estruturais, tentativas de manter explicações eurocêntricas (QUIJANO, 2009).

A análise dos dados construídos durante a investigação assenta-se na perspectiva da filosofia da diferença e nas leituras foucaultianas, com destaque para a compreensão da relação saber/poder, como instrumento de produção textual e do sujeito situado em um determinado plano social, e na Crítica da razão negra, de Mbembe (2018), para dialogar com as três obras de Nina Rodrigues – as quais trazem a tese da inferioridade da pessoa de cor –, as constituições brasileiras e três episódios de racismo. Concluímos que é pela narrativa produzida no campo autorizado, neste caso, dos cientistas, que negros e indígenas passaram a ocupar espaços na sociedade brasileira, mas na situação de pessoas portadoras de uma condição de inferioridade de existência, de um suposto estado de degenerescência. Vejamos como essa questão se apresenta no âmbito das Constituições brasileiras.

A questão étnico-racial, à luz dos dispositivos constitucionais (1824 a 1969) e do saber científico do século XIX

Os formuladores da primeira carta constitucional eram magistrados e faziam parte da elite dominante que, utilizando-se da norma jurídica, tinham o poder do ordenamento social do Império1. Como instituto social que é, o direito “[...] consagra a ordem estabelecida ao consagrar uma visão desta ordem que é uma visão do Estado, garantida pelo Estado” (BOURDIEU, 2004, p. 237). Desse modo, aqueles que produzem as leis definem “[...] uma representação da normalidade em relação à qual todas as práticas diferentes tendem a aparecer como desviantes, anômicas, e até mesmo anormais, patológicas” (BOURDIEU, 2004, p. 247). Vale ressaltarmos que até 1891 o voto foi censitário. Escravos e indígenas não tinham direito a ele. As mulheres o conseguiram em 1934, no governo de Getúlio Vargas. Por isso, somente homens brancos e, comprovadamente, proprietários de terras podiam criar os dispositivos legais.

Diante do exposto, entendemos em Bourdieu (2004, p. 237) que a linguagem jurídica possui o “poder simbólico de nomeação” e cria “as coisas nomeadas e, em particular, os grupos”. Desse modo, as palavras produzem as coisas. O poder para nomear o outro expressa a concepção que se tem dele e o lugar que ele ocupa na sociedade. Na análise das oito cartas constitucionais, destacamos alguns termos utilizados pelos legisladores para nomear a população. Eles nos ajudarão a pensar sobre o lugar das questões étnico-raciais nos dispositivos jurídicos.

A Constituição Imperial de 25 de março de 1824, outorgada por Dom Pedro I, centralizou-se na descrição nos direitos políticos do imperador, deputados e senadores. Dois termos foram utilizados para nomear os escravos, são eles: “ingênuo” e “liberto”. “Ingênuos” eram os filhos de pais livres, enquanto “libertos”, aqueles que nasciam escravos e obtinham a liberdade (CABRAL, 1974). Ademais, a Lei do Ventre Livre – Lei Nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 (BRASIL, 1871) – garantiu que as crianças nascidas estariam livres, mas em conformidade com as necessidades de seus senhores. Conforme o Art. 92, incisos III e V, da Constituição de 1824, estavam excluídos de votar nas Assembleias Parochiaes os “criados de servir” (BRASIL, 1824, n.p.). O Art. 94 proibia, no seu inciso II, a participação dos libertos na eleição; já o Art. 96 garantia o voto apenas para “Os Cidadãos Brazileiros” (BRASIL, 1824, n.p.). Costa (2013) identifica os criados de servir como trabalhadores domésticos, em sua maioria, negros libertos. A regulação da vida e do trabalho daqueles considerados “vadios” era uma necessidade do regime escravocrata. Por isso, os negros foram alijados do processo eleitoral e político, assim como de outros direitos sociais.

O texto da Carta de 1824 não menciona as palavras “escravo” ou “negro africano”, porque estes não eram considerados cidadãos brasileiros, mas parte do patrimônio de seu proprietário. Por isso, entende-se que o escravo não tinha cidadania, uma vez que conflitaria com sua condição de coisa. O binômio pessoa/propriedade, expresso no texto legislativo, representa o não-lugar político e o não-ser (ontologia) dos criados de servir, ingênuos e libertos em dispositivos jurídicos.

Em outras palavras, a Carta Constitucional de 1824 definia que os cidadãos brasileiros tinham acesso ao ensino primário e gratuito, conforme dispõe o Artigo 179, XXXII “A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos” (BRASIL, 1824, n.p.). Contudo, os criados de servir, ingênuos e libertos não possuíam o direito à educação. O Decreto Nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que, nas escolas públicas do país, não seriam admitidos escravos (BRASIL, 1854). Duas décadas depois, o Decreto Nº 7.031- A, de 6 de setembro de 1878, permitiu aos negros estudar somente no período noturno (BRASIL, 1878). É gravíssimo o fato de que os legisladores (bacharéis, brancos, proprietários e formados na Europa) que, naquele momento, possuíam o poder para nomear o cidadão brasileiro, relegaram a população aos lugares de sujeição, transformando-as em coisas, objetos e mercadoria (FOUCAULT, 1967; MBEMBE, 2018).

Estranhamente, três anos após a Abolição da Escravatura, a primeira Constituição republicana, outorgada em 24 de dezembro de 1891 (BRASIL, 1891), nada falou sobre as questões étnico-raciais; inclusive retirando os termos utilizados na Constituição anterior, dando nova redação para o texto que trata da definição do cidadão brasileiro, conferindo-lhe um caráter genérico. O cerceamento e a sujeição dos direitos políticos se mantiveram por causa da impossibilidade do voto a mendigos e analfabetos. Nenhum grau de representatividade política foi concedido aos negros libertos.

O silêncio constitucional em relação aos direitos sociais estendeu-se ao campo da educação, onde prevaleceu o liberalismo excludente. No que tange à gratuidade da instrução pública primária, a maior abertura verificada foi a laicidade do ensino. Com efeito, a divisão das competências e a manutenção do ensino seguiu o que foi proposto pelo Ato Adicional de 1834 -Lei Nº 16, de 12 de agosto de 1834 -, no qual foi observado que a instrução pública primária se manteve como tarefa de Estados e Municípios, o ensino secundário sob a responsabilidade dos Estados e o Ensino Superior oficial a cargo da União (BRASIL, 1834). Os parcos investimentos da União na educação primária e a abertura à iniciativa privada agravaram as desigualdades sociais, porque o acesso à educação passou a ser visto como uma demanda pessoal. De acordo com Barros (2016), o século XIX pode ser considerado como aquele da interdição/da proibição do direito à educação aos escravos, livres, não-livres, pretos, ingênuos, libertos, em decorrência do Decreto Couto Ferraz de 1854 (Decreto Nº 1.331-A/1854).

A situação dos grupos indígenas não é muito diferente. As duas primeiras Cartas Magnas foram omissas em relação às pautas indígenas. Nesse sentido, há correlação entre o que dispõem as Constituições para o século XIX e o pensamento de Nina Rodrigues, no que diz respeito ao processo de exclusão social dos negros e dos indígenas. Em sua abordagem, ele buscou definir a composição do ser social mestiço: ser excluído da cidadania. Para ele, a existência do mestiço do sertão estava atrelada às qualidades viris dos seus ascendentes selvagens, indígenas ou negros, às condições sociais da vida livre e da civilização rudimentar dos centros que habitava. Diferentemente do mestiço do sertão, os do litoral, em função dos hábitos que lhes desvirtuaram a conduta, fora-lhes atribuído a condição de ser degenerado. Assim descreve Rodrigues:

[...] a aguardente, o ambiente das cidades, a luta pela vida mais intelectual do que física, uma civilização superior às exigências da sua organização física e mental, enfraqueceram, abastardaram, acentuando a nota degenerativa que já resulta do simples cruzamento de raças antropologicamente muito diferentes, e criando, numa regra geral que conhece muitas exceções, esses tipos imprestáveis e sem virilidade que vão desde os degenerados inferiores, verdadeiros produtos patológicos, até esses talentos tão fáceis, superficiais e palavrosos quanto abúlicos e improdutivos, nos quais os lampejos de uma inteligência vivaz e de curto voo, correm parelhas com a falta de energia e até de perfeito equilíbrio moral. (RODRIGUES, 2006, p. 49).

Na tentativa de entender a composição social do povo brasileiro do século XIX, Nina Rodrigues deixa evidente que há duas composições sociais nesse cenário, além daquela da qual faz parte o autor mencionado. A mestiçagem é o elemento de inteligibilidade para a compreensão da humanidade daquela temporalidade. Em outras palavras, servirá para avaliar os desempenhos sociais e intelectuais dos povos mestiços, nesse caso dos envolvidos nas questões étnico-raciais, visto que a referência social de Nina Rodrigues tem como horizonte a civilização europeia. Dessa maneira:

Seria desconhecer o nosso próprio país acreditar que nessas vastas regiões seja mais do que nominal a existência da civilização europeia. O que ali impera é um compromisso entre as tendências para uma organização feudal por parte da burguesia abastada e a luta das represálias de tribos bárbaras ou selvagens por parte da massa popular. (RODRIGUES, 2006, p. 49-50).

Existia, para Rodrigues (2006), um descompasso entre a situação do Brasil e as conquistas sociais e políticas da civilização europeia do final do século XIX, que garantiam a liberdade individual e a igualdade dos cidadãos perante a lei, como, por exemplo: direito ao voto, governo municipal autônomo, funcionamento regular dos tribunais. A esse respeito, o autor esclarece ainda:

Tudo isso é mal compreendido, sofismado e anulado nessas longínquas paragens. O que predomina soberana é à vontade, são os sentimentos ou os interesses pessoais dos chefes, régulos ou mandões, diante dos quais as maiores garantias da liberdade individual, todas as formas regulares de processo, ou se transformam em recurso de perseguição contra inocentes, se desafetos, ou se anulam em benefício de criminosos quando amigos. (RODRIGUES, 2006, p. 49-50).

Ocorre que nem os negros, nem os indígenas eram considerados cidadãos, tampouco tinham direito ao voto. Dessa forma, mesmo que a civilização apregoada por Nina Rodrigues chegasse ao Brasil do final do século XIX, não alcançaria os escravos ou libertos, tampouco os indígenas, pois a ideia de cidadania não os envolvia como pessoas de direitos.

Contudo, os negros guardavam maior destaque na mestiçagem e, consequentemente, os seus comportamentos foram destacados como motivos para explicar o chamado “atraso civilizatório brasileiro”. Nessa perspectiva, até na disseminação de doenças o autor encontrou explicação para esse fato:

Outra causa que deve ter influído poderosamente, na Bahia, sobre o desenvolvimento da epidemia, foi a predominância numérica da raça negra e de seus mestiços em nossa população. Demonstrei em outros trabalhos que as danças e sobretudo as danças sagradas a que se entregam tão apaixonadamente os negros, constituem em poderoso agente provocador da histeria. (RODRIGUES, 2006, p. 49-50, grifo nosso).

Para Rodrigues (2006), Antônio Conselheiro, o louco que comandou a guerra de Canudos, recrutou uma população de mestiços composta por poderosa influência dos ascendentes selvagens ou bárbaros, índios ou negros. Como Nina Rodrigues era médico, visualizava-se um foco na suposta degenerescência dos indígenas e dos negros que orientariam o agenciamento realizado por Antônio Conselheiro dos membros que compuseram o movimento social. Assim, ao enfatizar a degenerescência, Nina Rodrigues desviou o foco da luta política realizada por quem estava vivendo à margem da sociedade, sobretudo da assistência social, visto que, por ocasião da Guerra de Canudos, completavam-se nove anos da abolição da escravidão no Brasil, que ocorreu em 13 de maio de 1888.

A compreensão de Nina Rodrigues revelou a justificativa da adesão ao movimento social de Canudos. Podemos afirmar que, nos sermões persuasivos de Antônio Conselheiro, dirigidos à multidão de mestiços por ele liderados: “Eram feitas as promessas mais sedutoras aos que se prestassem ao sacrifício: negros e mestiços se tornariam brancos, os velhos rejuvenesceriam, os pobres se tornariam de repente milionários, poderosos, imortais!” (RODRIGUES, 2006, p. 92-93). Ademais, pelo entendimento de Nina Rodrigues, existia um componente místico orientado por uma expressão ilusória a qual negros e indígenas conduziam suas vidas, em função de seu incipiente processo civilizatório, visto que: “A litolatria dos índios americanos e dos negros africanos, ainda em plena atividade entre nós, deve ser considerada como um legado transmitido diretamente por herança a seus descendentes, puros ou mestiços” (RODRIGUES, 2006, p. 94-95).

Fica destacada a ideia de que a manifestação religiosa segue um sistema de hierarquia, uma centrada na ideia de superioridade, portanto comportaria as características civilizatórias, obviamente referenciadas na religião cristã, outra considerada como um sentimento

[...] religioso ainda muito inferior [...] tão pouco cobertos e pouco dominados pelos sentimentos mais puros e delicados de uma civilização e de uma cultura superiores. É também a tendência sanguinária, são os instintos cruéis da mais selvagem ausência de piedade que possuem normalmente, ainda hoje, quando entregues a si mesmas, as raças inferiores ou seus descendentes diretos que constituem as populações misturadas. (RODRIGUES, 2006, p. 95).

O modelo explicativo de Nina Rodrigues é realizado pelo paralelo entre a ideia de civilidade, oposto ao estado de selvageria, sendo as referências de civilização notadamente o modo de ser, de pensar e de viver da sociedade europeia. Nessa matriz de pensamento, realiza-se um enquadramento intelectual que não comporta outra possibilidade civilizatória no ocidente que não seja a europeia, mas sobretudo o ser humano branco. Em suma, somente são brancos “[...] os brasileiros descendentes diretos dos europeus que em face das outras duas raças se conservaram puros de toda a mescla” (RODRIGUES, 2006, p. 133).

As “raças inferiores”, na perspectiva de Nina Rodrigues, encontram eco nos textos constitucionais de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, por meio do termo “silvícolas” que aparecem como referência aos grupos indígenas. Na Constituição de 1934, o termo “silvícola” aparece duas vezes. No Art. 5º, XIX, “alínea m, incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”, como competência da União para legislar sobre o assunto, e no “Art. 129 - Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem, permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las” (BRASIL, 1934, n.p.). Na Constituição de 1937, esse termo é retirado das competências da União e passa a integrar a seção “Da Ordem Econômica”, no Art. 154, e dispõe: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas” (BRASIL, 1937, n.p.).

Na Constituição de 1946, o termo volta a aparecer entre as competências da União para legislar sobre: XV, alínea r, “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (BRASIL, 1946, n.p.). E, depois, no “Art. 216 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem” (BRASIL, 1946, n.p.), no Título IX, que trata das Disposições Gerais. Na Constituição de 1967, Título 1 - Da Organização Nacional, Capítulo das Disposições Preliminares, Art. 4º, IV “as terras ocupadas pelos silvícolas” (BRASIL, 1967a, n.p.) incluem-se entre os bens da União. Ademais, entre as competências da União, no Art. 8º, inciso XVII, temos a ideia na alínea o: “nacionalidade, cidadania e naturalização; incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (BRASIL, 1967a, n.p.). No Art. 186: “É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes” (BRASIL, 1967a, n.p.). Nesse mesmo ano, a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi criada pela Lei Nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, mantendo a ideia de integração dos indígenas ao mercado de trabalho (BRASIL, 1967b). A finalidade era de criar as condições para preservar a sua cultura e integrá-los à cultura nacional.

Na Constituição de 1969, foi acrescentado, além de mantido o conteúdo dos Arts. 4º e 8º, o seguinte no Art. 198, Título V – Das disposições gerais e transitórias:

Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes. § 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.

§ 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio. (BRASIL, 1969, n.p.).

Silvícola é “aquele que habita as selvas” (AULETE, 2011, p. 1963), portanto reflete uma visão etnocêntrica, colonial, racista, estereotipada, essencialista e pejorativa que normatizou diferenças culturais dos povos originários que viviam no Brasil antes da chegada dos colonizadores no século XVI. O termo “silvícola” é congênere ao de “índio”, “aborígine”, “selvagem”, “primitivo”, “bárbaro”. Ambos correspondem aos marcadores de ausência de civilidade que normatizam as culturas indígenas em um padrão homogêneo e estático. Logo, a identidade indígena, para ser validada, precisava caber no critério de primitividade.

O que se vê nos discursos oficiais e no poder constituído é uma intensa política de assimilação e de aculturação dos grupos indígenas por meio da naturalização de classificações inventadas e coadunadas por uma forma de escrita que apagou as autoridades dos textos constitucionais.

Ser nomeado de índio, negro, asiático etc. se constituía como categorias raciais que naturalizavam valores historicamente constituídos que tinham como base um regime de verdade que reservava à Europa um certo olhar que lhe garantia uma dada superioridade ontológica e universal sobre os valores políticos, morais, culturais, econômicos, etc. dos outros povos. (ROSA, 2015, p. 259).

A tese do negro ou do indígena, na condição de selvagem, é reiterada nas obras do médico Nina Rodrigues, sobretudo em: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (RODRIGUES, 2011), quando a estratégica narrativa articula uma pergunta sobre os ditos feitos dos missionários e sobre ela desenvolve sua resposta para referendá-la:

Onde estão as colônias prósperas e civilizadas dos selvagens brasileiros que a abnegação sincera e convencida dos nossos missionários se gloriava, em santa ingenuidade, de haver conquistado para o rebanho do Senhor? A verdade é que o selvagem americano erra ainda hoje nos centros desertos das nossas florestas virgens, sempre refratário e sempre a fugir da civilização europeia, que de todos os lados o assedia e aperta, preparando ao mesmo tempo a sua próxima extinção total. A verdade é que apenas pela mestiçagem se pode ele incorporar à nossa população, incapaz como estava socialmente, de receber e adotar por si a civilização europeia importada com os colonizadores. (RODRIGUES, 2011, p. 3).

Haveria como causa para esse comportamento a denominada incapacidade orgânica dos “aborígenes”, para a adaptação social que se exigia deles, visto que: “O estudo das raças inferiores tem fornecido à ciência exemplos bem observados dessa incapacidade orgânica, cerebral” (RODRIGUES, 2011, p. 4). Nesse cenário, interpretamos que a tradição intelectual de Nina Rodrigues esteve centrada no modelo de entendimento das ciências naturais que lhe assegurava a fatalidade da inferioridade dos negros e dos indígenas. Logo, a chamada condição orgânica destacada norteava o entendimento sobre negros e indígenas, o que desviou substancialmente a busca da compreensão da condição de vida escrava a qual eram submetidos negros e a tentativa de escravidão dos indígenas. Imbuído por esse pensamento:

Para o índio domesticado, para o negro submetido à escravidão, a questão é mais complexa. A resposta depende de saber se a domesticação do índio e a submissão do negro são capazes de transformá-los completamente em um homem civilizado. Nas primeiras gerações, a solução é ainda pouco duvidosa. Um índio selvagem aprisionado e domesticado, um negro africano reduzido à escravidão, não terão, pelo simples fato da convivência com a raça branca, mudado de natureza. (RODRIGUES, 2011, p. 44).

Fica evidente a crença de Nina Rodrigues sobre a inferioridade de negros e de indígenas diante do que ele tinha como civilização: o modo de ser branco e viver inspirado pela forma de ser, de pensar e de viver do povo europeu, reiteramos!

O mesmo pode ser verificado em relação ao termo “raça”, que está presente nos quatro últimos textos constitucionais: 1946, 1967, 1969 e 1988. No Capítulo II - dos Direitos e Garantias individuais, Art. 141, § 5º, da Constituição de 1946, o termo “raça” aparece uma única vez e se limita a afirmar que o preconceito não será tolerado. Seguindo essa tendência, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (BRASIL, 1961), menciona o termo “raça” duas vezes.

Compreendemos que em uma, para se referir aos fins da Educação, no Art. 1º, alínea g, há “[...] a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça” (BRASIL, 1961, n.p.). Outra, no Título XII, que trata dos recursos para a educação, no Art. 95, § 3º: “Não será concedida subvenção nem financiamento ao estabelecimento de ensino que, sob falso pretexto, recusar matrícula a alunos, por motivo de raça, côr ou condição social” (BRASIL, 1961, n.p.). Não podemos deixar de mencionar que essas são conquistas do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, ocorrido em 1932, cuja defesa por uma educação pública, de qualidade e laica para todos se fez repercutir nos discursos oficiais. Esse movimento estava alicerçado [...] nas teorias psicológicas de Lourenço Filho, na contribuição sociológica de Fernando de Azevedo e no pensamento filosófico e político de Anísio Teixeira” (SANDER, 2007, p. 28).

No Capítulo IV - dos Direitos e Garantias individuais, Art. 150, § 1º, da Constituição de 1967, temos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei” (BRASIL, 1967a, n.p.). Nesse mesmo artigo, no § 8º, temos: “Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe” (BRASIL, 1967a, n.p.), repetindo o texto constitucional anterior. É o que podemos verificar quando os textos constitucionais passaram a considerar o racismo como crime a partir de 1967, assim como foi proibida a distinção de “cor” em termos trabalhistas. Contudo, o texto constitucional não indicou a lei e o tipo de punição. Esse texto se mantém na carta constitucional de 1969.

A escrita colonizadora presente nas cartas magnas está assentada em uma perspectiva assimilacionista, pela qual o limite entre a concepção do outro – como hierarquicamente inferior e o reconhecimento da legitimidade cultural dele – continua centralizador. Segundo Miranda (2005, p. 64), “[...] o sujeito que tolera ainda é o mesmo que coloniza, subjuga e hierarquiza o modo de ser do outro na sua alteridade”. Em outras palavras, tolerar aqui não implica diálogo, aceitação, mas a pessoa a tolerar se coloca em uma posição superior a quem terá de ser tolerado, como se fosse um ato de benevolência. Nesse sentido, a diferença e a multiplicidade dos corpos, que ora se reconhecem como afro-brasileiros, ora indígenas, não é algo a ser tolerado, simplesmente, uma vez que “[...] experimentar o outro em sua alteridade significa assumi-lo na sua própria estranheza e compreendê-lo naquilo que lhe faz sentido” (MIRANDA, 2005, p. 66).

A Lei Nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que instituiu o Estatuto do Índio (BRASIL, 1973), repercutiu a visão lombrosiana, mantendo o viés integracionista e evolucionista, pelos quais os “índios” permaneceram capturados em uma imagem pré-colombiana e considerados incapazes civilmente, necessitavam de tutela dos órgãos indigenistas (CAVALCANTE, 2018). Isso denota elementos da compreensão de Nina Rodrigues, do século XIX, sobre as condições de inferioridades de negros e de indígenas, pois havia a continuidade do pensamento colonial a despeito de as constituições proibirem o racismo.

A partir de 1978, o Movimento Negro Unificado passou a dedicar-se à educação de pessoas negras e em comunidades quilombolas, reivindicando direitos para essa população, exercendo um significativo protagonismo político nas esferas de desafio que culminaram nos debates em torno de um texto constitucional mais democrático (CAMPOS; GALLINARI, 2017). Ademais, a década de 1970 pode ser caraterizada pelo acirramento de significativos embates entre os discursos oficiais e os movimentos de resistência em torno das questões étnico-raciais que visavam abalar os fundamentos da perspectiva ninarodriguense. A despeito da consolidação da ideia de inferioridade negra nos textos constitucionais e acadêmicos até então, os movimentos de resistência atuaram decisivamente na redação do texto constitucional de 1988 e nas políticas educacionais que se seguiram.

A questão étnico-racial à luz da Carta de 1988 e das diretrizes educacionais

Um significativo avanço foi perpetrado na Constituição de 1988. Com a inserção de termos como “indígenas”, “etnia”, “quilombos”. Nela, observamos um esforço por parte dos legisladores para circunscrever, no texto oficial, o multiculturalismo inerente à população brasileira. O reconhecimento dos direitos pode acontecer de forma mais equânime e efetiva. O texto constitucional também representou um marco significativo para o reconhecimento dos direitos dos grupos indígenas. Pela primeira vez, um capítulo foi reservado para essa temática, embora “[...] limitado a detalhar a defesa das terras indígenas [...] em detrimento dos demais direitos, inclusive o direito à diferença” (CAVALCANTE, 2018, p. 367). Sobre o Movimento Indígena, Munduruku (2012, p. 39) pontua que ele buscou “[...] um projeto educativo que caminhava em duas direções: a da formação de quadros para sua continuidade e a da formação da sociedade brasileira para a existência de diferentes povos indígenas brasileiros”.

Na Constituição de 1988, constam, no Título 1 - dos Princípios Fundamentais, Art. 3º, inciso IV “[...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, p. 3); e no Art. 4º, inciso VIII, “[...] repúdio ao terrorismo e ao racismo” (BRASIL, 1988, p. 4); no Art. 5º, inciso XLII, “[...] a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1988, p. 9); Art. 7º, inciso XXX – “[...] proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (BRASIL, 1988, p. 14).

A LDB de 1996 – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 –, proporcionou abertura às discussões étnico-raciais, uma vez que se propôs a manter os pressupostos da Constituição de 1988 (BRASIL, 1996). As reivindicações de movimentos negros resultaram na criação da Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), que complementa e modifica a LDB de 1996, e do mesmo modo a Lei 11.645, de 10 março de 2008 (BRASIL, 2008), que modifica e complementa a LDB de 1996 agregando na legislação educacional as demandas requeridas pela população afro-brasileira e indígena.

A inclusão desses conteúdos nos currículos escolares, ainda que tardiamente, cumpre o papel, entre outros, de combate ao racismo, visto que, no final do século XIX, pela ciência, os “Negros, africanos, trabalhadores, escravos e ex-escravos – ‘classes perigosas’ a partir de então – palavras de Silvio Romano transformavam-se em ‘objetos de sciencia’” (SCHWARCZ, 1993, p. 28). Ademais, observou-se que, naquele momento histórico ocorreu, simultaneamente, o nascimento da frenologia e da antropometria, que passaram a interpretar a capacidade humana a partir do critério o tamanho e proporção do cérebro dos diferentes povos (SCHWARCZ, 1993).

Para os movimentos sociais engajados contra as manifestações de racismo no Brasil, o termo “raça” passou a ser um conceito que “[...] remete imediatamente a uma história de opressão, desumanização e opróbio a que estiveram sujeitos os povos conquistados” (GUIMARÃES, 2011, p. 266). Para outros, refere-se mais a um marcador cultural por indicar o sentimento de pertencimento a determinado grupo, enquanto “raça” constitui um marcador físico. A cor e a cor da pele são os principais marcadores classificatórios de fronteiras e diferenças entre grupos humanos, legitimadas nos dispositivos censitários brasileiros. “A cor da pele se refere a um gradiente entre branco e preto” (GUIMARÃES, 2011, p. 266), pelo qual o grupo branco corresponde ao europeu “de berço”, sem risco de confusão com aqueles nascidos fora da Europa. Em outras palavras, ser branco é ser normal! É a referência de civilidade. Não é ser oriental ou americano. É ser europeu. Os outros são classificados, dentro de uma escala evolutiva, como “pessoas de cor”, portanto inferiores e subjugáveis. Nesse sentido, para sustentar essa tese de que, nos estados do Sul do Brasil, o clima e a civilização eliminariam a raça regra, Nina Rodrigues, representante do pensamento sobre a questão racial do século XIX, menciona em uma nota de rodapé:

Um observador brasileiro, o Dr. Remédios Monteiro, me informava em carta de 11 de abril de 1899: “A raça negra tende a desaparecer em Santa Catarina por efeito do clima: as crianças anemiam-se, escrofulizam-se, e tuberculizam-se, enquanto as que não são de tal origem criam-se bem. (RODRIGUES, 2010, p. 15-16).

Para combater essa e outras formas de heterorreconhecimento, a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989 sobre Povos Indígenas e Tribais, pela qual o critério de autorreconhecimento foi institucionalizado, possibilitou aos grupos indígenas se autoidentificarem como indígenas, conforme dispõe o Art. 3º: “Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povo” (OIT, 1989, p. 2).

Em outros termos, naquele mesmo ano, a criminalização do racismo foi regulamentada pela Lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, na forma do Art. 1º. Ela esclarece que serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (BRASIL, 1989).

Entendemos que a Convenção 169 da OIT abriu caminho para a institucionalização de diversas ações afirmativas que se referem à criação de políticas públicas, dentre elas as direcionadas à educação voltada aos povos indígenas e aos negros. Entre elas, podemos citar a política de cotas. Com efeito, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira a oferecer cotas, seguida pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). As cotas foram legalizadas pela Lei Nº 12.711, de 29 agosto de 2012, que regulamentou o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio (BRASIL, 2012a). Nesse mesmo ano, foram aprovadas a Resolução Nº 5, de 22 de junho de 2012, que definiu Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (BRASIL, 2012b), e a Resolução Nº 8, de 20 de novembro de 2012, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (BRASIL, 2012c).

A Lei Nº 12.711/2012, no seu Art. 1º, assevera que, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de Graduação, por curso e turno, no mínimo 50% de suas vagas serão destinadas a estudantes que tenham cursado, integralmente, o Ensino Médio em escolas públicas (BRASIL, 2012a). Para efeito de detalhamento dessa garantia, o Art. 3º declara que:

Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016). (BRASIL, 2012a, n.p.).

A política de cotas raciais para o ingresso em universidades públicas no Brasil é considerada um avanço para a população negra, ocorrido a mais de 120 anos da abolição da escravidão no Brasil. Também a Lei Nº 12.990, de 9 de junho de 2014 – Lei de Cotas (BRASIL, 2014) –, foi considerada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), um dever de reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade brasileira. Em decisão unânime, o STF tornou válida a reserva de 20% das vagas para negros em concursos públicos, em cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, no âmbito dos três Poderes (BRASIL, 2014).

Quando as Constituições reúnem os múltiplos grupos sob uma designação genérica, elas estão estabelecendo fronteiras entre “[...] pessoas reputadas como ‘reconhecíveis’ enquanto povo” (BUTLER, 2016, p. 12) e entre comunidades étnico-raciais em que os indivíduos são produzidos pelas “[...] coerções da norma ou fabricam as populações pela regulação dos fluxos e fronteiras. Dupla sujeição, portanto, que diagnostica quem ‘sou’ e quem somos ‘nós’, ou, ainda, quem ‘sou’ a partir de um determinado ‘nós’”. Por isso, “[...] qualquer tentativa de designação de povo é a naturalização no nível supostamente político de uma relação de poder que é de ordem biopolítica” (CANDIOTTO, 2020, p. 323).

Dessa forma, os termos utilizados – a saber: “criados de servir”, “ingênuos”, “libertos” e “silvícolas” – buscam atribuir uma identidade racial fixa no sujeito que, assumida como sua, tornao dócil e útil (FOUCAULT, 1967; MBEMBE, 2018). Com hierarquias e fronteiras, o pensamento reducionista europeu conduziu à biologização da raça, ao racismo científico, ao darwinismo social e ao eugenismo, dos quais Nina Rodrigues é signatário, como veremos a seguir.

Nina Rodrigues: a tese criminológica e a teoria da degenerescência como modelos explicativos

Na obra Os africanos no Brasil, publicada postumamente em 1932, Nina Rodrigues (2010, p. 12) declarou: “Se conhecemos homens negros ou de cor de indubitável merecimento e credores de estima e respeito, não há de obstar esse fato o reconhecimento desta verdade — que até hoje não se puderam os Negros constituir em povos civilizados”. Para referendar sua tese da condição de inferioridade orgânica, ele destacou:

Comentando os conceitos de Mandarini, por demais favoráveis aos negros americanos, pondera o prof. Morselli: Nenhum antropologista poderá jamais admitir uma igualdade de capacidade evolutiva entre o branco e o negro. O mais humanitário dos antiescravistas jamais poderá cancelar as diferenças biológicas entre os homens. [...]. O Negro, principalmente, é inferior ao Branco, a começar da massa encefálica, que pesa menos, e do aparelho mastigatório que possui caracteres animalescos, até às faculdades de abstração, que nele é tão pobre e tão fraca. Quaisquer que sejam as condições sociais em que se coloque o Negro, está ele condenado pela sua própria morfologia e fisiologia a jamais poder igualar o Branco. (RODRIGUES, 2010, p. 294).

Nina Rodrigues reconheceu as condições sociais nas quais estavam envolvidas as pessoas negras escravizadas, mas, para ele, essa condição não é o elemento principal para efeito de entendimento do fenômeno da vida negra, uma vez que ela não superaria a condição orgânica de sua inferioridade. Como descreveu o autor, “[...] uma incapacidade orgânica ou morfológica [...]”, constatado pela “[...] ossificação será precoce, mas não prematura, pois ocorre em tempo e de harmonia com o reduzido desenvolvimento mental de que os povos negros são dotados” (RODRIGUES, 2010, p. 289). No mesmo tom interpretativo, ele afirmou ainda:

O que importa ao Brasil determinar é o quanto de inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar-se por parte da população negra que possui e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo mestiçamento, processo natural por que os negros se estão integrando no povo brasileiro, para a grande massa da sua população de cor. (RODRIGUES, 2010, p. 291).

Reiteradamente, Rodrigues reforçou sua tese orgânica, situou-a com a propriedade de um estudioso do corpo orgânico cuja referência de análise se centrou na craniometria de Lombroso e na ideia de civilização europeia. Desviou sua atenção da condição escrava de vida, sequer discutiu o estatuto da escravidão, ao mesmo tempo em que não reconheceu a vida negra como constituída pelas formas de ser, de pensar e de viver diferentes da vida branca. Ele contribuiu para a produção discursiva e criminal da pessoa negra no Brasil, pelo qual: “Produzir o Negro é produzir um vínculo social de submissão e um corpo de exploração, isto é, um corpo inteiramente exposto à vontade de um senhor, e do qual nos esforçamos para obter o máximo de rendimento” (MBEMBE, 2018, p. 40).

O caso Lucas da Feira (Século XIX)

Nina Rodrigues também se dedicou a estudar as epidemias, dentre elas a varíola e o comportamento psicossocial dos mestiços, nesse caso dos negros. Recorreu a Lombroso para entender as manifestações culturais e sociais dos negros. Para ele, o Brasil tinha as condições para oferecer à escola criminalística italiana uma confirmação mais brilhante às doutrinas que ela defendia. Foi o que fez quando se propôs “[...] a estudar o crânio de um bandoleiro negro que se celebrizou na antiga província da Bahia, e estudar ao mesmo tempo algumas condições da atividade criminal dos negros brasileiros” (RODRIGUES, 2006, p. 104).

Lucas foi chefe do bando, filho dos africanos Inácio e Maria, preso aos 40 anos de idade, no dia 28 de janeiro de 1848. Confessou todos os crimes imputados a ele. Após ser condenado à morte, foi enforcado em 25 de setembro de 1849, na vila de Feira de Santana, cujo reconhecimento de sua identidade, foi:

Negro, grande, espadaúdo, corpulento, o rosto comprido, barbado, os olhos grandes e ferozes, o nariz achatado, a boca grande, o peito peludo, as orelhas pequenas, como também os pés e as mãos; faltavam-lhe no maxilar inferior um dente incisivo e alguns molares esquerdos; era canhoto e tinha ainda uma cicatriz na mão esquerda que se supunha produzida por uma arma de fogo. (RODRIGUES, 2006, p. 104).

O crânio de Lucas foi examinado muito cuidadosamente à luz dos critérios métricos lombrosianos, cujas constatações indicaram:

Anomalias – Assinalaremos em primeiro lugar uma ligeira plagiocefalia, que torna a bossa frontal esquerda um milímetro mais alta e mais saliente que a bossa frontal direita. O ponto superauricular direito é um milímetro mais alto que o esquerdo. O comprimento do ponto superauricular ao basion tem dois milímetros a mais à direita que à esquerda. A escama do temporal esquerdo é mais dilatada que a do direito, e a metade esquerda do ocipital é mais proeminente que a direita. (RODRIGUES, 2006, p. 105-106, grifo do autor).

Ao proceder à avaliação da tipologia da caixa craniana de Lucas pela orientação lombrosiana, Nina Rodrigues não considerou substanciais as anomalias para explicar a condição de periculosidade do “bandoleiro” e afirmou que:

O crânio de Lucas parece à primeira vista perfeitamente normal. Tem certamente caracteres próprios aos crânios negros, mas também caracteres pertencentes aos crânios superiores, medidas excelentes, iguais às das raças brancas. Aliás, suas anomalias não são chocantes. (RODRIGUES, 2006, p. 105-106).

Nina Rodrigues, ao descartar a teoria lombrosiana, buscou entender o caso Lucas pela cor da pele, uma vez que ele sequer era mestiço, pois os documentos oficiais mostravam que era filho de dois negros africanos, o que provava ser realmente negro. Nesse sentido, “[...] poderia ser, neste caso, negro crioulo, ou pelo menos mulato carregado com uma dose mínima de sangue branco” (RODRIGUES, 2006, p. 106). Em outras palavras, uma gota de sangue branco seria o suficiente para alterar as características criminológicas lombrosianas, ainda mais nesse caso. Logo,

[...] era realmente um negro superior: tinha qualidades de chefe; na África talvez tivesse sido um monarca. Mesmo sem instrução, fez-se o chefe do bando. Não agiu absolutamente como os negros escravos que se vingavam, suicidando-se: ele tomou a ofensiva. (RODRIGUES, 2006, p. 107).

Nina Rodrigues não encontrou nos critérios de criminalidade de Lombroso as evidências cranianas que justificassem o caso Lucas, mas buscou em Armand Corre, criminalista francês, e, em especial, na sua obra L’etnographie criminel, as justificativas para os casos coloniais de população compósita, como era o caso do Brasil. Para Rodrigues (2006, p. 108), “[...] distinguir o atentado intrínseco, aquele que se concentra em cada categoria étnica, que nasce das relações particulares dos elementos de cada raça entre si, e o atentado extrínseco, que sai da categoria, proveniente dos conflitos desta com suas vizinhas”.

Dessa forma, para Nina Rodrigues, Lucas poderia ser criminoso para os brasileiros, que vivia sob a civilização europeia. Entretanto, “[...] na África, ele teria sido, ao contrário, um valente guerreiro, um rei afamado. Era um selvagem domesticado que retomou entre nós toda a liberdade de suas atitudes” (RODRIGUES, 2006, p. 108). Embora não fosse um criminoso nato, Nina Rodrigues dizia que ele tinha as causas psicológicas que não seriam difíceis de traçar. Em outros termos, compreendeu que Lucas evadiu-se em 1828, e, em 1840, organizou o bando. Antes não era mais do que um escravo fugitivo que vivia de pequenos furtos. Depois de 1840, organizou o bando e tornou-se o bandoleiro audacioso e temido. Dessa forma, Lucas jamais poderia existir fora das condições em que foi produzido pelo discurso de Rodrigues (2006), pois:

Aquele a quem é atribuída uma raça não é passivo. Preso a uma silhueta, é separado da sua essência e, segundo Fanon, uma das razões de desgosto da sua vida será habitar essa separação como se fosse o seu verdadeiro ser, odiando aquilo que é, para tentar ser aquilo que não é. (MBEMBE, 2018, p. 67).

O discurso de Nina Rodrigues é construído de modo a não mencionar as condições que a escravidão impunha aos escravos, também não fez a leitura de que Lucas resistiu às violências impostas aos escravos. Logo, interpretamos que o estatuto jurídico da escravidão não inspirou Nina Rodrigues a procurar outros meios para compreender o caso Lucas, visto que, pelo seu saber médico, ou este seria criminoso pelo enquadramento do pensamento de Lombroso, ou seria pela degenerescência da raça. De qualquer forma, os argumentos não poderiam evidenciar um ato de resistência de Lucas à escravidão.

O regicida Marcelino Bispo (Século XIX)

O caso Marcelino Bispo não destoa do de Lucas. Embora não tenha seu corpo biológico examinado à luz do saber médico de Nina Rodrigues, ele foi associado ao crime pelos seus laços hereditários, pela sua natureza, cujas palavras destacadas em itálico se encontram dessa forma destacadas na versão impressa do livro As coletividades anormais (RODRIGUES, 2006). Assim, na visão de Nina Rodrigues, seus laços hereditários o condenam. “É ele mestiço em sangue muito próximo dos índios brasileiros, pois seus pais descendiam de índios do extinto aldeamento do Urucu, em Alagoas” (RODRIGUES, 2006, p. 115), cujos caracteres acentuadíssimos revelam a degeneração física dos regicidas, assim sintetizados:

Pelo desequilíbrio ou desarmonia mental, que nos mostra em Bispo um fraco de espírito [...]. Pela instabilidade doentia, que o leva a não se fixar em parte alguma, adotando uma vida errante e mutadiça. Aos 15 anos apenas fugiu da casa paterna e vagou por diversas localidades [...], ocupando-se em vários trabalhos, como soem fazer os descendentes dos índios, em satisfação, parece, aos instintos nômades de seus avós selvagens. [...]. Pelo misticismo exagerado. (RODRIGUES, 2006, p. 116, grifos do autor).

Nina Rodrigues encontrou na descendência étnica de Bispo a justificativa para compreender a sua condição de regicida. Não se trata de um ato de revolta, mas uma disposição atrelada à condição do ser formulado pela sua hereditariedade indígena. Simetricamente oposta à condição civilizatória dos brancos, sobretudo do sangue puro que não sofreram do cruzamento com outra raça. As palavras usadas por Nina Rodrigues e os efeitos de poder que elas expressaram nos argumentos construídos sobre a condição étnico-racial são reveladoras do pensamento de sua época. O que terá reflexo nos dispositivos constitucionais do século XIX e XX, principalmente até a segunda metade desse período. Assim o autor descreveu o Bispo:

[...] era taciturno, concentrado, pouco comunicativo. Os camaradas declararam que ele era muito calado; terminadas as suas ocupações deitava-se sem dirigir palavra a ninguém. A mãe e os conhecidos confirmam estas informações, declarando que, afincado ao trabalho, pouco saía de casa nas horas de descanso, ou de folga. (RODRIGUES, 2006, p. 117).

Nas palavras de Nina Rodrigues, Bispo era um homem desequilibrado, desarmônico, com tendências violentas, com aspirações e entusiasmos de ingenuidade infantil, atrelado à sua ignorância e à educação incompleta; desse modo, um místico e sonhador por natureza que tinha, no temperamento de degenerado, a constituição física dos regicidas (RODRIGUES, 2006). Esse fato nos conduz ao que Mbembe (2018, p. 26) entende por alterocídio, no qual se constitui “[...] o Outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto intrinsecamente ameaçador, do qual é preciso proteger-se, desfazer-se, ou que, simplesmente, é preciso destruir, devido a não conseguir assegurar o seu controlo total”.

Maísa de Oliveira: a beleza negra e a colonialidade do pensamento sobre o ser negro (Século XXI)

Nina Rodrigues não foi o único cientista que produziu narrativas sobre negros e indígenas, pois o zoólogo britânico Louis Agassiz, quando da viagem pelo Brasil, também imprimiu suas apreciações sobre vidas negras e indígenas. Com relação a um evento de dança dos negros, fez a seguinte descrição avaliativa: “Um grupo de escravos, pretos como azeviche, estava a cantar e a dançar o fandango. Com a continuação, a excitação aumentou e a dança se tornou como que uma exaltação selvagem acompanhada de exclamações e gritos estridentes” (AGASSIZ, 2000, p. 66, grifo nosso). O mesmo autor também se referiu aos indígenas que possuíam corpos robustos e fisionomias desinteligentes e os questionou sobre o que “[...] farão essas criaturas do dom precioso da liberdade?” (AGASSIZ, 2000, p. 67). Nesse tom narrativo, seguia o Barão de Santana Néri, brasileiro com formação na França, também representante do pensamento do século XIX no Brasil, ainda mais ao afirmar:

Apesar de todos esses elementos de civilização rudimentar, o índio, com sua sólida estrutura atarracada, sua pele morena e queimada pelo sol, seus cabelos longos, negros e duros; suas largas espáduas, suas mãos miúdas, sua barba pouco abundante, seu olhar cheio de sonhos e langor, esse índio apareceu aos europeus como um ser inferior, mal saído do caos. (NERI, 1979, p. 167).

Episódios como esse se repetem até os dias atuais, em que tanto a arte quanto as religiões de matriz africana são consideradas subversivas e até demoníacas. Segundo o portal de notícias G1, em julho de 2021, uma mãe foi denunciada por lesão corporal após a filha participar de uma prática religiosa do Candomblé, conhecida como ritual de escarificação, que consiste em produzir pequenas incisões na pele com vista a obter proteção espiritual. O caso ganhou repercussão nacional e foi considerado como intolerância religiosa, uma vez que entre as alegações da defesa está o fato de Estado não poder interferir em liturgias religiosas. A mãe foi absolvida (G1, 2021).

Outro exemplo é o que aconteceu recentemente em um concurso de beleza em Santo Antônio do Amparo, Minas Gerais, em que a vencedora, por ser negra, foi vítima de racismo. O crime foi cometido por uma moradora da cidade que, indignada com o resultado do concurso, divulgou a seguinte mensagem em sua rede social:

É os preto [sic] é que tá mandando em tudo mesmo. É cota na escola, é cota aqui, é cota ali [...] e os branco tá tudo levando tinta. Da próxima vez, nós tem [sic] que pular num tanque de ‘criolina’ [sic] e sair tudo pretinha, aí pode candidatar a qualquer coisa, que ganha. (CARTACAPITAL, 2021, n.p.).

Maísa de Oliveira, de 19 anos, registrou Boletim de Ocorrência na Polícia Civil de Minas Gerais, que abriu inquérito para investigar a injúria racial. A agressora foi identificada e a jovem aguarda a resolução do caso na justiça. Ao analisar a situação da mulher negra nos desfiles de carnaval, Gonzales (1984) constata que:

Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra. Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que somos vistas. (GONZALES, 1984, p. 228).

O duplo fenômeno do racismo/sexismo é identificado pela autora para desocultar as condições a que estão expostas as mulheres negras. A injúria racial cometida em um concurso de beleza escancara a violência de uma narrativa que impõe às pessoas negras um lugar determinado na sociedade brasileira. A política de cotas é senão a desterritorialização desses lugares. Nesse sentido, as cotas garantidas a negros e a indígenas são consideradas uma grande conquista e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de direitos de todos os cidadãos brasileiros, independentemente de sua cor, gênero, etnia, condição social, mas tem gerado discursos de ódio nas redes sociais. É importante mencionar que não há relação entre as cotas e o concurso de beleza, pelo qual entendemos que a menção que gerou a denúncia além de racista é infundada.

Como podemos observar, a ciência que tratava dos fenômenos do corpo como organismo do século XIX e XX foi marcadamente utilizada para imprimir as análises sobre negros e indígenas. A esse respeito, observamos que Nina Rodrigues os incluiu na linguagem, mas na condição de seres humanos inferiores, incapazes, selvagens. A condição que a escravidão impôs aos negros, principalmente, não ganhou contornos no seu pensamento, que imprimiu sobre eles a condição de uma raça com degenerescência biológica, ou de uma em condições de inferioridade pela natureza de ser de pele negra. As narrativas médicas e de cientistas do século XIX justificaram, portanto, a condição de ser humano sem direitos.

O fracasso em atribuir às questões raciais a criminalidade, a degenerescência e a inferioridade podem ser explicadas pelo fato de que

[...] a raça não existe enquanto fato natural físico, antropológico ou genético. A raça não passa de uma ficção útil, uma construção fantasmática ou uma projeção ideológica, cuja função é desviar a atenção de conflitos considerados, sob outro ponto de vista, como mais genuínos – a luta de classes ou a luta de sexos, por exemplo. (MBEMBE, 2018, p. 28-29).

Pelo exposto, compreendemos que, no caso da suposta criminalidade de Lucas, da degenerescência de Bispo e inferioridade de Maísa; todas de origem racial, seria lícito o direito à morte, ao apagamento e à subalternização requeridos pelo genocídio colonizador, pelo qual se assegura a “função assassina do Estado”, ainda mais em uma sociedade do controle, da regulação e da normalização dos corpos e da vida das pessoas. Em suma, a “[...] raça, o racismo é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização” (FOUCAULT, 2000, p. 306).

Considerações

Pelo exposto nos tópicos anteriores, observamos que a formulação de leis por pessoas brancas objetivou, por um longo período, as pessoas negras e indígenas, mediante as conformidades dessas leis com a educação e a linguagem. O peso da linguagem jurídica e médica na construção da imagem do outro se tornou explícito. A história do pensamento e das relações étnico-raciais, dessa forma, modificou-se, consideravelmente, quando a população negra e indígena organizada nos movimentos sociais passou a compor as leis, como expresso na Constituição de 1988. Na contramão desses avanços, verificamos como o pensamento de Nina Rodrigues influenciou a construção racista das relações étnico-raciais brasileiras.

Contatamos, pois, como é difícil ser cidadão de cor negra e ser indígena no Brasil. Outrora, os de cor negra foram legalmente escravos até 1888. Os indígenas configuraram-se, por meio dos projetos do Estado, como povos tutelados, incapazes, selvagens e perigosos. Viveram sob o estatuto de ser humano escravo. No caso negro, viveram predominantemente no estatuto de propriedades de um senhor branco. Os homens serviram como mão de obra para a lavoura, para a mineração, para as edificações e outros serviços; as mulheres, as criadas, ocuparam-se dos trabalhos nas cozinhas para atender às senhoras, às madames. Enfim, foram escravizadas.

A condição de submissão do ser humano de cor negra e indígena não decorria apenas do uso físico da força, da ameaça de morte e de tortura. Teve na lente do Nina Rodrigues a formulação da ideia de inferioridade do ser negro e indígena. Nessa condição, não guardavam a ideia de civilidade tão apregoada por ele como referência para a valorização humana.

Destacamos a formulação do saber científico e jurídico na mediação e na formulação sobre a questão étnico-racial, como também as hostilidades, as práticas pedagógicas direcionadas a questão étnico-racial, os avanços nos dispositivos jurídicos, a necessidade de reforçar as discussões sobre identidade e diferença, bem como a ideia de que as ofertas educacionais precisam ser equitativas entre todos os brasileiros, corresponde ao reconhecimento de que o direito de cidadania e o acesso aos serviços públicos fundamentais não pode se restringir a um grupo social, ao mesmo tempo em que obsta à participação e ao exercício desse direito para todos os brasileiros.

A falta de acesso de efetividade das garantias Constitucionais de que todos são iguais perante a lei e, sem distinção, remete a uma condição de escravidão velada, cujo direito fica circunscrito ao plano da formalidade. Desse modo, é necessário que os direitos sociais e políticos encontrem espaços de efetividade nas políticas públicas.

A pessoa de cor negra e/ou indígena foi considerada como um ser, cuja suposta degenerescência lombrosiana lhe tornava um perigo para a raça superior. Ademais, o indígena era visto em proporção equivalente ao ser humano de cor negra. Em síntese, o tempo histórico desse pensamento, expresso pelo criminalista italiano, é pretérito, mas ainda o percebemos quando há resistências em considerar tanto negros e indígenas como brasileiros com direitos iguais a todos os demais cidadãos. Daí a urgência do fortalecimento do Estado Democrático de direitos para todos, sobretudo sem o esquecimento da história que nos revela a trajetória do ser humano negro e dos povos indígenas do Brasil, porque entendemos ser necessário “[c]ompartilhar o mundo com outros viventes, eis a dívida por excelência. Eis, sobretudo, a chave para durabilidade tanto dos humanos quanto dos não humanos” (MBEMBE, 2018, p. 310).

1Este caráter do poder judiciário brasileiro mantém-se, conforme aponta Ochôa (2019), no capítulo Cultura jurídica e composição sociocultural da magistratura brasileira.

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Recebido: 05 de Agosto de 2021; Revisado: 17 de Fevereiro de 2022; Aceito: 18 de Fevereiro de 2022; Publicado: 25 de Fevereiro de 2022

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