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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 10-Mar-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19451.026 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, epaços e tempos

Práticas educativas de professores e famílias nos processos de construção de identidade das crianças negras*

Educational practices of teachers and families in the process of building the identity of the black children

Prácticas educativas de docentes y familias en los procesos de construcción de identidad de los niños negros

**Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Bolsista de Iniciação Científica (Pibic/CNPq) na área de Educação para as Relações étnico-raciais. E-mail: <gsilva07@unifesp.br>.

***Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora Associada do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da (Unifesp). Desenvolve pesquisas no campo da Psicologia da Educação, Formação de professores, Práticas educativas, Família, Inclusão escolar e Relações étnico-raciais. Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unifesp. E-mail: <edna.martins@unifesp.br>.


Resumo:

Tendo como foco as relações étnico-raciais na escola e na família, o objetivo deste estudo foi compreender como ocorrem as práticas educativas de professores e de famílias nos processos de socialização e de formação de identidades de crianças negras. Partindo de pesquisa qualitativa, fundamentada no enfoque histórico-cultural, a metodologia consistiu na análise de entrevistas individuais com professoras negras e brancas e famílias de crianças negras dos anos iniciais de educação. A análise dos dados permitiu concluir que a discriminação racial acarreta graves impactos na autoestima e no desempenho escolar de estudantes negros, criando impasses para uma identidade étnico-racial positiva. Ademais, verificou-se a importância de ações e de práticas educativas por parte das famílias e da escola, como o estabelecimento de diálogos sobre a temática étnico-racial e a busca de referências negras para a educação de crianças em fase escolar.

Palavras-chave: Família-escola; Relações étnico-raciais; Práticas educativas

Abstract:

Focusing on ethnic-racial relations at school and in the family, the aim of this study was to understand how the educational practices of teachers and families occur in the processes of socialization and formation of identities of black children. Based on a qualitative study, and grounded on the historical-cultural approach, the methodology consisted of the analysis of individual interviews with black and white teachers and families of black children from the early grades of education. Data analysis allowed to conclude that racial discrimination brings serious impacts on the self-esteem and school performance of black students, creating obstacles for a positive ethnic-racial identity. Furthermore, the importance of educational actions and practices on the part of families and schools was verified, such as the establishment of dialogues about the ethnic-racial theme and the search for black references for the education of children in school.

Keywords: School-family; Ethnic-racial relations; Educational practices

Resumen:

Teniendo como foco las relaciones étnico-raciales en la escuela y en la familia, el objetivo de este estudio fue comprender cómo ocurren las prácticas educativas de docentes y de familias en los procesos de socialización y de formación de identidades de niños negros. Partiendo de investigación cualitativa, fundamentada en el enfoque histórico-cultural, la metodología consistió en el análisis de entrevistas individuales con maestras negras y blancas y familias de niños negros de los años iniciales de educación. El análisis de datos permitió concluir que la discriminación racial provoca graves impactos en la autoestima y en el desempeño escolar de estudiantes negros, creando un impedimento para una identidad étnico-racial positiva. Además, se verificó la importancia de acciones y de prácticas educativas por parte de las familias y las escuelas, como el establecimiento de diálogos sobre el tema étnico-racial y la búsqueda de referentes negros para la educación de los niños en fase escolar.

Palabras clave: Familia-escuela; Relaciones étnico-raciales; Prácticas educativas

Introdução

Há tempos em que estudos brasileiros vêm denunciando as condições vividas por crianças pretas e pardas em situação escolar (LEITE; SALVADOR; CUNHA JÚNIOR, 1979; ROSEMBERG, 1991, 1998). Um estudo recente de Nunes (2016) faz um importante apanhado histórico, localizando estudos datados da década de 1950 em que as crianças negras já apareciam como foco do racismo vivido no cotidiano escolar. Tais pesquisas demonstram aspectos relativos à educação de crianças pretas e pardas em uma sociedade dominada por valores impostos pela branquitude, evidenciando os piores índices educacionais de estudantes negros quando comparados aos brancos, devido, sobretudo, aos processos de discriminação presentes nas escolas brasileiras. Além de denunciarem as situações de injúrias e de xingamentos, que impactavam a autoestima e a identidade das crianças negras, essas pesquisas apontam o racismo institucional presente nas instituições escolares, evidenciando desigualdades nos processos de ensino e de aprendizagem demarcadas como díspares, quando analisadas à luz do pertencimento étnico-racial de crianças da escola pública no Brasil.

Apesar do debate profícuo acerca das questões étnico-raciais dos últimos tempos e da implantação de políticas públicas de ações afirmativas nas esferas educacionais, não obstante, observa-se o crescente fortalecimento das relações de dominação de determinados grupos sobre outros e, consequentemente, o aumento perverso de processos racistas, de humilhação e de sofrimento psíquico predominantemente entre as crianças negras nos espaços escolares. Desse modo, a escola tem se mantido fortalecida por meio de um currículo historicamente embranquecido e europeu, consolidando projetos políticos pedagógicos que mantem o status quo de reprodução do racismo, seja por meio de estereótipos presentes nos livros didáticos, seja nas interações sociais vividas no cotidiano da escola (CASTRO; ABRAMOVAY, 2006; CAVALLEIRO, 2003; FAZZI, 2004; MARTINS; GERALDO, 2013). Assim, o projeto tão sonhado de democratização da educação com o acesso à escola pública para toda a população segue sendo desmontado paulatinamente, acarretando desigualdades educacionais perenes entre alunos negros e brancos.

Nessa perspectiva, ao analisar interações e práticas pedagógicas de uma instituição de educação infantil, Cavalleiro (2003) demonstrou o isolamento e a invisibilidade de crianças negras nesses espaços. Além de práticas educativas desiguais, constatou-se momentos de silenciamento dessas crianças, após insultos recebidos por colegas por meio de termos que apontavam pejorativamente para o seu pertencimento racial. A pesquisadora também identificou que crianças negras demonstravam uma identidade negativa em relação à pertença racial em oposição às crianças brancas, as quais exprimiam, visivelmente, certo grau de superioridade em suas trocas sociais. Segundo a autora, tais reações “[...] pareciam conferir aos alunos brancos o direito de reproduzir esses comportamentos, pois não eram criticados ou denunciados, podendo utilizar essa estratégia como trunfo em qualquer situação de conflito” (CAVALLEIRO, 2003, p. 54).

Em vista dessas situações, há o silenciamento e a invisibilização da população negra, além da disseminação de práticas racistas por parte de docentes, traduzidas de diversas formas, como, por exemplo, a desvalorização de características estéticas de crianças negras e a omissão diante de práticas racistas entre os alunos na escola. Nessa direção, Abramowicz, Oliveira e Rodrigues (2010) assinalam que a criança negra não consegue encontrar nos espaços escolares padrões estéticos capazes de oportunizar a sua construção identitária de forma positiva enquanto persistem apenas referenciais perversos de branquitude por meio de modelos que se distanciam e deslegitimam a cor de sua pele e as suas características fenotípicas.

Valverde e Stocco (2009), em um estudo sobre o racismo no ambiente educacional, discorrem sobre uma cultura brasileira de negação da discriminação racial dentro da escola, na qual se atribuem as razões do fracasso escolar às condições familiares e socioeconômicas. Tal crença, além de desresponsabilizar a escola como reprodutora de práticas racistas, negligência a necessidade da discussão, em todos os âmbitos sociais, sobre a questão racial. Pensando na socialização de crianças pequenas, tais como as observadas nesses estudos já mencionados, é importante ressaltar o quanto as formas de preconceito e de discriminação arraigadas na sociedade e transmitidas às crianças por meio de um discurso social podem ser devastadoras na construção de suas identidades.

Na busca por ouvir crianças sobre atitudes e vivências relacionadas ao racismo e à discriminação racial em suas interações, o recente estudo de Santana et al. (2019) verificou que algumas crianças, mesmo não entendendo como elas eram afetadas por situações racistas, propagavam atitudes discriminatórias em suas ações cotidianas. A pesquisa ainda deixou evidente que o estereótipo pautado no modelo imposto pela branquitude, como o cabelo liso e a cor dos olhos, ainda permanece como uma referência estética em espaços sociais e educacionais. De um modo geral, as trocas sociais entre as crianças são mediadas por compreensões hegemônicas de ideias de beleza, expressas em modelos representados por corpos brancos, magros e cabelos lisos, tanto do ponto de vista de crianças brancas quanto das negras. Assim, as características físicas de crianças negras são rechaçadas com impactos diretos e profundos nas suas identidades e no seu pertencimento racial.

No campo da formação de professores para as relações étnico-raciais, Marinho e Martins (2016) concluíram que conteúdos específicos e a discussão sobre essas questões em cursos para professores (tanto na formação inicial quanto na continuada) são ainda muito incipientes. Segundo os autores, a falta de políticas públicas educacionais e de ações que possibilitem o trabalho em prol de uma educação antirracista tende a culminar em diversas dificuldades que impactam diretamente o cotidiano da escola e o trabalho pedagógico de intervenção de educadores, principalmente nas ocorrências de processos discriminatórios no contexto escolar. Nessa direção, Munanga (2005) ressalta a importância do trabalho sobre as questões étnico-raciais na escola, o qual começa com a formação inicial e continuada de professores.

A partir dessa breve análise, pode-se notar que, ao contrário do que decretam as leis e os pareceres sobre a igualdade de acesso e de permanência estudantil em todos os níveis de ensino, ainda persistem os processos de discriminação racial nas instituições educacionais e nos demais âmbitos sociais. A prática do racismo, assim como o seu não reconhecimento, a invisibilidade da questão racial no tocante à educação e o despreparo de especialistas em educação para lidar com o tema impedem que estudantes negros possam dispor de uma trajetória escolar ativa e igualitária em relação aos grupos privilegiados historicamente.

Vários são os efeitos das práticas racistas executadas no ambiente escolar na formação e na construção identitária de suas vítimas. Diante da desvalorização da raça/cor e dos vários aspectos relacionados às diferenças entre etnias, as crianças internalizam um estigma que as impedem de construírem uma identidade étnico-racial positiva. Adquire-se um sentimento de inferioridade, “[...] baixa autoestima, relações de menor valia frente ao seu papel social, problemas de afetividade, além de efeitos mais graves” (SCHOLZ; SILVEIRA; SILVEIRA, 2014, p. 71), provocando um estado constante de angústia e de tensões emocionais na população negra, além da valorização desmedida do branco em relação à sua própria cor.

Em consonância, Gomes (2017, p. 110) salienta que, em espaços em que está presente o racismo, ocorre uma célere “[...] associação entre beleza e branquidade, fealdade e negritude. A beleza dos corpos passa a ser regulada por padrões estéticos eurocentrados construídos no contexto do racismo”. Assim sendo, nesses contextos, verifica-se um sistema nefasto de classificação racial, em que a cor da pele, as características faciais e o cabelo são empregados como critérios capazes de definir padrões de beleza, formosura e, também, de feiura.

As consequências do preconceito racial têm impacto direto no desenvolvimento de uma pessoa desde a mais tenra idade, podendo persistir até a idade adulta de acordo com suas relações estabelecidas com o meio social. Em virtude disso, o presente estudo teve o objetivo de compreender como ocorrem as práticas educativas de professores e de famílias nos processos de socialização e de formação da identidades étnico-racial de crianças. Tal investigação se justifica a partir da problemática apresentada, em busca de novas análises direcionadas ao tema das relações étnico-raciais, no sentido de contribuir com a construção de conhecimentos que colaborem para o desenvolvimento de políticas públicas capazes de fomentar práticas educativas transformadoras com vistas a uma sociedade mais justa e igualitária.

A construção da identidade e as práticas educativas da escola e da família

A evolução de estudos sobre o tema da identidade tem se configurado como um dos maiores desafios no campo da Psicologia, demonstrando a complexidade do conceito e a multiplicidade de elementos que devem ser considerados ao se buscarem definições, sentidos e significados que possam ser associados ao termo. A identidade pode ser concebida como uma contínua construção com influência direta do meio social, como em um processo de metamorfose contínua ao longo da história de vida de uma pessoa (CIAMPA, 2009). Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a identidade é construída por meio dos processos de internalização da realidade vivida e as constantes reformulações subjetivas a partir da trama histórica e social. Tal processo envolve o ser humano desde as ações de socialização primária e pode ser constituído com o auxílio de agentes como a escola e outras instituições socializadoras.

Considerando que os processos identitários são desenvolvidos ao longo da história do sujeito nos vários ambientes sociais, Gomes (2005) afirma que podemos concluir que a identidade negra também é construída durante a trajetória escolar, apontando a escola como um lócus social e educativo que tem o dever de compreendê-la em toda a sua complexidade e buscar meios de positivar identidades e pertenças raciais. Para Cavalleiro (2003), a compreensão do conceito de identidade passa pelo contínuo sentimento de individualidade que se desenvolve a partir de elementos biológicos e sociais. Para a autora:

O indivíduo se identifica reconhecendo seu próprio corpo, situado em um meio que o reconhece como ser humano e social. Assim a identidade resulta da percepção que temos de nós mesmos, advinda da percepção que temos de como os outros nos vêem. Desse modo, a identidade é concebida como um processo dinâmico que possibilita a construção gradativa da personalidade no decorrer da existência do indivíduo. (CAVALLEIRO, 2003, p. 19).

Nos primeiros anos de vida, a criança interioriza uma série de valores e de padrões de modo a participar ativamente, no futuro, da vida em sociedade (VYGOTSKY, 1984). Desse modo, os processos de socialização e de construção de identidade passam essencialmente pelas vivências que ocorrem nos espaços escolares. Assim, nos processos de socialização (BERGER; LUCKMANN, 1977), torna-se relevante, especialmente nos anos iniciais de escolarização, que tanto a família quanto outras agências socializadoras, como a escola, abordem cotidianamente questões étnicoraciais de forma apropriada e responsável, desde os primeiros anos de vida da criança.

De acordo com França (2017, p. 162), o Brasil evoluiu quando tornou obrigatório, por meio de legislação, “[...] o ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira em todo o currículo escolar”. Contudo, ainda é perceptível a presença do preconceito racial no espaço da escola, não apenas na omissão no currículo de um histórico de lutas dos povos escravizados, mas também nos materiais didáticos, os quais tendem a apresentar a figura do negro em contextos de inferioridade, reforçando estereótipos, além das relações discriminatórias que ocorrem entre alunos e professores. Embora as crianças negras tenham acesso permitido à escola por meio de matrículas e políticas públicas, ainda vivenciam processos de exclusão simbólica, “[...] não se sentindo aceitas por colegas e professores que, não raras vezes, demonstram preconceito por meio de insultos baseados em suas características fenotípicas” (FRANÇA, 2017, p. 184).

O trabalho de Guizzo, Zubaran e Beck (2017) salienta a observação de reprodução de discriminações de gênero e de raça com base nos padrões fenotípicos hegemônicos socialmente. Crianças que não são magras, que não possuem o cabelo liso e, principalmente, não são brancas, são alvos de xingamentos e de ofensas cotidianamente nas escolas brasileiras. Há também menção ao currículo e aos materiais didáticos, ambos criticados pelas autoras devido ao fato de serem estereotipados. Os dados observados no trabalho analisado reafirmam a importância da escola como uma instituição de aprendizagem e de socialização. A escola é “[...] um espaço que interfere, reforça, reitera e aprofunda aprendizagens e representações étnico-raciais e de gênero, construídas em outras instâncias sociais e culturais” (GUIZZO; ZUBARAN; BECK, 2017, p. 7).

Por sua vez, a pesquisa de Vieira (2018), que teve como principal objetivo averiguar como as expectativas docentes sobre seus educandos são influenciadas de acordo com as semelhanças ou as disparidades raciais, concluiu que a similaridade (ou match) racial entre professores e turmas de alunos negros está associada a maiores expectativas docentes. Assim sendo, professores negros possuem expectativas maiores para o corpo discente como um todo, independentemente da composição racial das turmas, além de disporem de expectativas significativamente maiores para turmas negras do que professores não-negros. Tal pesquisa sinaliza a importância de um trabalho integral, visando a uma educação antirracista, já que a composição racial de estudantes e de professores pode interferir nos processos educativos de crianças brasileiras.

Em se tratando da formação docente, estudos recentes, como os de Guerch (2019) e Gomes (2017), ressaltam a relevância da discussão de questões étnicas e raciais nos cursos de formação inicial de docentes e a necessidade de uma luta política de interesse comum para que haja avanços na discussão e na implementação das ações afirmativas, oportunizando a construção de currículos escolares voltados à diversidade em todos os aspectos da sociedade.

Embora se observe, nos últimos anos, uma profusão de estudos que relacionam a escola e as práticas educativas com a temática racial, é notável a escassez ou a quase ausência de pesquisas sobre o fenômeno das relações étnico-raciais e as práticas educativas familiares, ainda que a família juntamente à escola tenha se constituído como um dos principais meios de socialização da criança.

Há quase 30 anos, o trabalho de Pinto (1992) já demonstrava os desafios da pesquisa que relacionava a educação de filhos de famílias negras. O estudo denunciava e discutia o impacto da discriminação racial na construção identitária de crianças negras nos espaços educacionais, apontando que, para serem aceitos, alguns estudantes negros, em muitos casos, chegavam “[...] ao extremo de negar-se para poder se afirmar” (PINTO, 1992, p. 44). Segundo a pesquisadora:

Uma outra questão discutida com certa profundidade nos artigos que tratam da identidade/socialização diz respeito à atitude e à maneira de agir dos pais perante o clima de negatividade e, às vezes, de rejeição que os filhos encontram em seu cotidiano, quando em contato com crianças brancas, experiências estas cruciais na aquisição da identidade étnica do indivíduo. A atitude dos pais, embora possa merecer respostas diferentes em função de sua faixa etária, escolaridade, e mesmo militância no movimento negro, tem se mostrado bastante problemática. A postura ambígua, a indecisão com que muitas vezes eles enfrentam estas experiências mostra que esta é uma questão não resolvida para as famílias negras e que demanda ainda um trabalho sistemático de preparo, para que os acontecimentos possam ser conduzidos de maneira que este enfrentamento se faça de modo o menos traumático possível, pois o apoio dos pais parece ser essencial para a criança enfrentar eventuais agressões com maior serenidade. (PINTO, 1992, p. 44).

Na atualidade, a grande maioria de pesquisas que focalizam as relações étnico-raciais e a família se circunscrevem em estudos sociológicos que analisam casamentos inter-raciais (PETRUCCELLI, 2001; RIBEIRO; SILVA, 2009), tratam de adoção inter-racial (RUFINO, 2002; SARAIVA, 2020) ou de mestiçagem e de identificação racial (SCHUCMAN; FACHIM, 2016). O campo de estudo que envolve a família e a discussão sobre identidade racial de crianças brasileiras ainda é bastante incipiente.

Um recente trabalho de pesquisa de Hordge-Freeman (2018) apresenta uma importante contribuição para as formas de socialização presentes na vida de famílias negras brasileiras, tendo como foco as relações entre mães e filhos. Ideais de branquitude marcam a espera pelo nascimento e o modo como são recebidos os filhos pretos e pardos com características mais ou menos negras. Relações pautadas por um ideal de branquitude são operacionalizadas por mensagens violentas transmitidas às crianças, demonstrando a presença de um racismo internalizado nas famílias. A pesquisa também mostra a forma de ocorrência da socialização racial no seio da família e as diversas denominações utilizadas para referir-se às pessoas negras no espaço social público, como a prescrição de uma espécie de etiqueta racial. Nas famílias entrevistadas, a educação dos filhos é concebida como mobilidade social, uma vez que a consciência de classe parece mostrar-se mais evidente que a consciência racial.

Sobre relações étnico-raciais na perspectiva da família, a pesquisa de Martins e Candido (2016) refere-se à importância das famílias no processo de construção de identidade racial de crianças. As autoras afirmam que, embora tenha havido mudanças políticas e históricas nas concepções de família, os laços afetivos e as práticas educativas familiares continuam tendo um papel fundamental na construção da identidade étnico-racial das crianças. Tendo como referencial a perspectiva de Vygotsky, a qual assinala a compreensão do ser humano como um sujeito “geneticamente social”, Martins e Candido (2016) defendem a ideia de que a criança constrói sua identidade com o passar do tempo em processo contínuo, por meio de interações nos ambientes socializadores que ocupa. Logo, é a partir de tais interações que o processo de construção e de reconhecimento da identidade étnico-racial ocorre.

Além de confirmar o despreparo por parte do corpo docente em lidar com situações relacionadas à questão étnico-racial envolvendo suas crianças, as autoras também fazem menção à realidade das famílias que frequentemente ouvem relatos de seus filhos sobre ofensas e discriminações sofridas no ambiente escolar. Na perspectiva das famílias, Martins e Candido (2016) constataram o descaso por parte da escola no trato de situações de discriminação racial. Em contrapartida, verificaram que algumas famílias negam o sofrimento de suas crianças e de situações discriminatórias ocorridas nas instituições de ensino, apesar de relatarem casos supostamente ocorridos com terceiros.

Nessa mesma perspectiva, o estudo de Brito (2013) assinala os desafios encontrados por famílias formadas por casais de diferentes origens raciais na educação dos filhos para enfrentar o preconceito e as muitas formas de discriminações sofridas nos ambientes sociais. A pesquisa mostra algumas práticas educativas e táticas utilizadas por pais e mães no auxílio de suas crianças para o enfrentamento de situações de racismo; entretanto, isso não parece representar algo prioritário na educação dos filhos. A autora assinala que, ainda assim, se pode observar que tais famílias oportunizam momentos que podem ser considerados como auxiliadores no desenvolvimento da pertença racial das crianças.

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa teve como principal respaldo teórico o enfoque histórico-cultural de Vygotsky. Criada na década de 2020, tal teoria compreende a essencialidade da educação na formação da consciência humana. A abordagem teórica desenvolvida por Vygotsky e colaboradores contradiz as teorias de que as crianças já nascem “prontas” com valores e características inatas, as quais são desenvolvidas com o passar do tempo. Para Vygotsky (1984), é por meio das interações e das relações que a criança vai, passo a passo, internalizando os valores, as normas e a cultura do seu grupo social, e, dessa forma, ela vai construindo sua identidade.

A partir de abordagem qualitativa, esta pesquisa teve como objeto de análise as falas e as histórias de vivências de educadores e de famílias sobre suas práticas educativas no que se refere às questões étnico-raciais. Segundo Chizzotti (2003), a pesquisa qualitativa só pode ser empregada para a compreensão de fenômenos específicos e delimitáveis mais pelo seu grau de complexidade interna do que pela sua expressão quantitativa. Desse modo, tal enfoque implica momentos de interlocução e de um compartilhar com pessoas, acontecimentos e locais que estão presentes na constituição do objeto de pesquisa. Essa interlocução e partilha ocorre com o intuito de extrair desses contatos os significados expressos ou velados que somente podem ser perceptíveis a partir de atenção sensível.

Nesse caminho, esta pesquisa pretendeu investigar a problemática apresentada a partir do uso de entrevistas, tendo como participantes: uma família negra que possuía história de militância no movimento negro; uma família negra sem história de militância; e duas professoras (uma branca e uma negra) que atuavam nos primeiros anos de ensino com crianças na faixa de 6 a 10 anos de idade. Os critérios de classificação cor/raça foram os de autoclassificação, conforme os procedimentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, permitindo a gravação dos áudios das entrevistas. Para fins de discussão dos dados, foram utilizados nomes fictícios, preservando o anonimato dos participantes.

Análise e discussão dos resultados

A partir da transcrição e da leitura das entrevistas, foram organizadas duas categorias de análise, de modo que os objetivos da pesquisa pudessem ser respondidos, as quais serão discutidas na sequência. Na primeira categoria, intitulada Discriminação racial nos espaços escolares e práticas educativas de professores, trata-se da identificação, por parte das professoras, de situações racistas na sala de aula e de ações desenvolvidas na escola referentes à temática étnico-racial, em prol de uma educação antirracista. Além disso, busca-se a compreensão sobre a perspectiva de pais e de professores sobre como o racismo pode afetar o rendimento escolar e a formação da identidade das crianças negras. Na segunda categoria, intitulada Família e escola na construção da identidade da criança negra, discute-se o impacto do racismo na autoestima de crianças negras e na construção de suas identidades, do ponto de vista das famílias e da escola. Abordam-se, também, elementos que envolvem as famílias na educação para o enfrentamento da discriminação racial.

Discriminação racial nos espaços escolares e práticas educativas de professores

O racismo está presente dentro de casa, na família, nas nossas relações... Dizer que não somos racistas é uma mentira [...]”. Assim afirma Nadir, uma das docentes entrevistadas nesta pesquisa. Em síntese, entre todos os discursos realizados pelos interlocutores, há um consenso sobre a perpetuação do racismo até os dias atuais como um fator histórico, característico da sociedade brasileira e, por conseguinte, presente em todas as instituições, incluindo a escola.

Bernardo e Maciel (2015) discorrem sobre o racismo e a educação no ambiente escolar e afirmam que a escola consiste em um ambiente repleto de diversos “universos sociais, étnico-raciais e culturais” (BERNARDO; MACIEL, p. 197). Todavia, tal diversidade acarreta a reprodução de múltiplas desigualdades, dentre elas o racismo. Com isso, comprova-se a importância e a responsabilidade da instituição escolar como reprodutora de discriminações e a necessidade de um trabalho que vise o seu enfrentamento. Os dados das entrevistas trazem similaridades e disparidades nas percepções das professoras sobre tais situações na escola. Na observação das falas das professoras, percebem-se algumas diferenças:

A gente percebe quando uma criança não se senta do lado da outra, e percebemos que é por causa disso. A gente percebe, por exemplo, quando alguém está tomando leite: “Ah, está de bigode de leite, assim é que fica branco”, essa fala é de total preconceito, discriminação. Ou: “Você tem que ter uma mochila preta porque combina com você”. Parece uma coisa tão boba, mas não é, é muito sério [...]. No ano passado, eu estava trabalhando com a educação infantil, crianças de quatro anos. Tinha uma menina negra na sala. Negra bem pretinha, não morena, nem parda. E eu tinha meninas muito branquinhas, loiras, de cabelo amarelo. Uma delas não se sentava jamais do lado da negra porque ela dizia que tinha nojo de pegar porque ela podia se sujar. (Nadir, professora negra).

Enquanto a professora negra evidencia várias situações de racismo em sua prática educativa, a outra docente parece não ter facilidade para identificar tais situações, fazendo confusão com o que ela chama de bullying:

Dentro da minha sala? Eles nunca foram racistas, pelo menos nunca vi. Quando os peguei no primeiro ano, algumas crianças eram violentas. Não eram preconceituosas. Tinha até um caso de bullying. Foi um caso de ficar apelidando, e isso vai se transformando em bullying, vai engrossando, vai piorando se você não corta. Então, desde que comecei com eles, sempre fui pegando no pé [...]. (Maria, professora branca).

Sobre esse assunto, Carapello (2020) assinala as diferenças entre situações de racismo e aquelas convencionalmente tratadas como bullying. A pesquisadora mostra que, por conta das dificuldades dos professores de lidar com as questões raciais que atravessam as relações na escola, há uma tendência em configurar e tratar situações visivelmente racistas de forma inadequada e, por vezes, omissa. Desse modo, “[...] assim como o bullying, o racismo não é unilateral, quem o pratica também é afetado e também precisa de atenção” (CARAPELLO, 2020, p. 177).

Para Crochík (2015), o bullying não está associado a movimentos coletivos e a características relacionadas a um determinado grupo. Trata-se de um ato direcionado a um indivíduo, referindo-se às suas características individuais (CROCHÍK, 2015). Consiste em um conjunto de ações constantes, originadas geralmente por uma hierarquia escolar, cujas intenções do agressor podem ser aspectos como sentir-se superior, atrair atenções, entre outros. Já a discriminação é direcionada às características de um grupo histórica, social e culturalmente marginalizado e segregado, podendo ocorrer de maneiras diretas e indiretas. A generalização do racismo e sua atribuição constante ao bullying acarreta consequências como a descriminalização de atos racistas e o reforço do mito da democracia racial, deslocando a importância da discussão do racismo na área da Educação e deslegitimando o caráter fundamental da Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 20031 (BERNARDO; MACIEL, 2015).

Durante as entrevistas, foram constatadas situações de insegurança das crianças negras em relação à aparência, por exemplo no caso de meninas e de meninos que mantêm seus cabelos escondidos ou presos, afirmando que seus cabelos são “ruins, feios, crespos”, cabelos “de negro”, como algo negativo. Acredita-se que tais percepções são geradas em razão de palavras proferidas pelas crianças que configuram, claramente, situações racistas.

Uma vez percebida a existência dessas práticas discriminatórias no espaço escolar, as professoras relatam como lidam com tais situações:

Se é muito pontual, por exemplo, um xingamento: “Vai, seu neguinho!”, “Cabelo ruim!”, “Ô, pixaim!”, eu faço a intervenção na hora, não deixo a criança sair com o coração dolorido. Mas eu não sei o quanto a criança sai com o coração dolorido, porque já passou, já levou o xingamento. Ela pode abstrair e falar: “Não estou nem aí!”, mas ainda não é assim com os pequenos. (Nadir, professora negra).

Esse ano, por exemplo, teve um menino que ficou de cabeça baixa a aula inteira, eu perguntei o que aconteceu, e ele: “porque fulano me chamou de preto, preto velho, porque eu sou mais velho do que ele, e sei que preto velho é macumbeiro”. Aí eu falei: “não, não é isso, vamos sentar aqui…”, mas foi tão difícil fazer com que ele tivesse sua autoestima elevada de novo aquele dia. Eu tive de me sentar com os dois, não perante todo mundo, chamei só os dois e conversei. Perguntei o que estava acontecendo. O menino que xingou, ou que falou essas palavras, porque nem é xingamento, mas a intenção foi de xingar, falou assim: “mas eu não falei isso, ele que entendeu isso”. Ou seja, tem a questão de ocultar, mentir… então tudo isso é meio difícil de desconstruir. (Nadir, professora negra).

A professora Nadir também aponta questões que dizem respeito às formas como os alunos se sentem humilhados e as formas de silenciarem os xingamentos, tentando ficar invisíveis ou chamar o mínimo de atenção dos colegas, como neste relato que segue:

Tenho um aluno que não queria tirar o boné. Todo dia de boné. E eu falei: “Por que que você não vai tirar o boné?”. Na sala eu não ligo, achava que fazia parte da personalidade. Mas na hora do almoço, tem aquela questão da mesa coletiva, do respeito, da educação e tudo o mais, e ele falava: “Não, professora, o meu cabelo é de preto, é ruim”. Eu falei: “Como assim?”. Daí ele foi lá no banheiro, me chamou, tirou e falou: “Olha como meu cabelo é ruim, de preto... é todo encaracoladinho”. [...]. Tentei fazer uma conversa com ele ali, levei um pouco isso pra sala, e todo mundo falou: “É de preto ruim, sim”. No dia seguinte, ele amanheceu com o cabelo raspado, entende? Ele não está de boné, até o cabelo crescer de novo, entende isso? Isso faz com que eu repense e replaneje para tocar mais levemente, mas chegar aonde quero. (Nadir, professora negra).

Percebe-se, então, a interferência do racismo na realidade das crianças, como reflexo de uma sociedade pautada na desigualdade social e racial, reproduzida na escola, causando impacto direto na construção da identidade de crianças negras no ambiente escolar, em razão do racismo reproduzido por seus próprios colegas. Muitas vezes, as professoras não conseguem ter ações que possam dirimir essas atitudes.

Nas entrevistas com as docentes, notadamente há diferenças entre as formas de pensar e de trabalhar com a questão do racismo na escola. Enquanto a professora negra expõe diversos casos de discriminação ocorridos em sala de aula, a outra professora parece trazer a questão sempre para o campo das diferenças, generalizando a questão racial, quase em uma tentativa de ocultar as ocorrências de situações discriminatórias na escola:

Às vezes, a pessoa pode ser branca, negra, azul avatar, algo assim, não tem nada a ver. Agora, aqui na escola, nunca percebi isso. Falo muito com eles em sala de aula, para não terem preconceito com ninguém, que não é isso que importa, que o que importa é como a pessoa é de caráter. Porque se você não gosta que ninguém seja preconceituoso com você, não seja com o outro. Não só de racismo, até mesmo de escolha sexual. Eles estão comigo pelo terceiro ano, e eles mesmos conversam sobre isso, e eu também converso com eles: “Não importa para vocês se tem homem que gosta de homem, mulher que gosta de mulher, problema deles, é uma opção deles, vocês precisam respeitar”. (Maria, professora branca).

Em algumas situações, a professora traz exemplos da mídia e de fora da escola, como se o racismo não fosse algo estrutural das relações internas e externas às escolas:

Às vezes, vemos em jogadores de futebol, porque tem muita molecada na sala que gosta disso, e eles comentam comigo: “Você viu, professora, o que aconteceu?”. Então, sempre que acontece algo na mídia que está muito em alta, eu trago para a sala para discutir com eles e mostrar que não é caminho. Por exemplo, o cara está lá jogando e as pessoas ofendendo, jogando coisas, e tudo o mais. Vai assistir futebol para ficar agredindo o outro. [...] não se pode nem ir ao estádio, pois você não pode torcer para o outro time, porque o outro tem preconceito com você. (Maria, professora branca).

Segundo as próprias interlocutoras, por possuírem experiências pessoais, em razão de sua cor/raça, entendem que educadores negros tendem a reconhecer a importância da discussão e do trabalho com as questões étnico-raciais, além de possuírem, muitas vezes, um olhar mais atento no tocante à identificação de situações de racismo ocorrentes na escola. Ambas as educadoras responderam positivamente quando lhes foi questionado sobre o assunto, como relata a Professora Maria: “De repente o professor negro, pode ser que ele aborde mais. Como ele passou por situações, pode querer passar para o aluno para que ele não passe, e mostrar o que aconteceu, que não é legal, que não precisava agir dessa maneira, talvez seja por isso”. Em concordância com Maria, a professora Nadir complementa:

Eu propus um trabalho aos professores, o qual faríamos interdisciplinarmente. Trabalharia com palavras de origem estrangeira vindas da África [...]. O professor de Artes virou e falou: “Eu não vou trabalhar nada disso porque não sou preto, não sou obrigado a trabalhar nada disso”. Ele era branco, do olho azul. [...]. Os professores que são negros se envolvem mais com essas temáticas. Os professores brancos acabam não se envolvendo tanto, depende muito da consciência e da formação deles. Na verdade, eles não se envolvem e dizem: “Tem a ver? Para quê? Precisa?”. Além disso, acho que o professor negro por literalmente sofrer o racismo na pele sabe abordar, sabe a importância de estar presente nessa discussão. (Nadir, professora negra).

Sobre como práticas discriminatórias no espaço escolar interferem no rendimento escolar das crianças negras, as falas, tanto de professoras quantos das famílias, são contundentes em afirmar tais ações. Uma das mães assinala:

Primeiro que a criança perde o interesse pela escola. Quem quer ir para um lugar onde está todo mundo te xingando, te isolando? Nem todo mundo já gosta de ir à escola, imagina ir para ficar sofrendo. Acho que passa por uma questão até mesmo de depressão, de abalo da autoestima, que, com certeza, vai afetar esse aprendizado. Inclusive, hoje a gente já tem muitos estudos falando sobre a importância da emoção na aprendizagem; então, se a criança passar por isso, com certeza vai interferir na aprendizagem e no rendimento dela. (Jussara, negra, mãe de aluno).

Segundo as professoras, o racismo tem impacto profundo no rendimento e no comportamento das crianças, as quais, ao sofrerem com o preconceito, se sentem humilhadas e diminuídas, além de retraídas e com sua autoestima baixa, como relata Nadir:

O racismo interfere muito. A criança se sente menosprezada, se vê diminuída perante os outros quando ela não é defendida ou não consegue se defender. Por exemplo: a menina de quatro anos, do ano passado, a menina negra. Ela falou assim para mim: “Professora, agora eu não quero mais sentar ao lado dela, porque agora já sei me defender”, entende? Está claro. E não sentar do lado significa: não usar o lápis, não dividir o lápis. O rendimento vai caindo sim, porque ela não pode pintar com uma outra colega, não pode fazer coisas iguais. Isso é muito difícil. (Nadir, professora negra).

Nadir também relata como as circunstâncias sociais e políticas interferem negativamente na vida das crianças negras na escola. As crianças internalizam o discurso social e midiático sem filtros, com sentidos e significados próprios, vendo-se na mira do racismo estrutural que consolida as relações em nosso país.

Na segunda-feira, após o Bolsonaro ganhar, um menino negro, sentado, chorava copiosamente, e eu falei: “Fulano, por que você está chorando tanto? O que aconteceu?”. “Eu vou morrer, professora”. “Por que você vai morrer?”, “Porque o Bolsonaro vai me matar, falaram que ele vai matar todos os negros”. Aquilo pra mim me doeu de tal maneira... eu falava que não, que democracia não é isso. E era muito confuso porque nós não sabíamos muito bem o que seria do governo. Então eu não conseguia dizer nem que sim nem que não, mas tentava levar para a ideia de democracia. Falei que ele tinha direito a viver, a ter um espaço livre, mas aquele dia foi muito marcante pra mim porque ele não parava de chorar. Ele ficou desesperado com a eleição, porque foi isso que colocaram na cabeça dele. (Nadir, professora negra).

O relato da professora Nadir remete a questões importantes sobre como as crianças internalizam o discurso social que tem o poder de comprometer a construção de suas identidades e a pertença racial, alterando de modo significativo as formas de viver e de estar nos espaços sociais. O sofrimento psíquico de crianças negras é algo devastador para as famílias, interferindo cotidianamente nos processos de socialização e de educação, quer na escola, quer em outros ambientes em que a criança negra transita.

Por fim, outra questão que deve ser apontada é a da formação dos professores. Faz-se extremamente necessária uma abordagem enfática da educação das relações étnico-raciais nos cursos de formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Além disso, é fundamental que haja a ampliação dos cursos voltados para a temática que já estão em exercício, para que estes sejam de conhecimento de todos.

O trabalho pedagógico de modo a promover o bem-estar e a construção de uma identidade étnico-racial positiva nas crianças negras, desde os anos iniciais, é fundamental por parte das instituições de ensino. Todavia, deve-se também analisar e compreender as perspectivas e as práticas oriundas do ambiente familiar. A necessidade de um trabalho conjunto entre a escola e a família com suas crianças faz-se extremamente essencial em uma sociedade pautada, histórica e socialmente, em princípios desiguais, de modo a construir uma educação que acolha as diversidades e combata tais desigualdades raciais.

Família e escola na construção da identidade da criança negra

Apesar dos estudos que sinalizam a importância da relação entre família e escola nos processos educativos, o ambiente escolar tende a ser visto de forma separada da vida familiar quando se trata das questões socioculturais ou da construção de identidade. Souza Filho (2004) assinala que podemos considerar que exista a transferência de conteúdos e de práticas do ambiente escolar para o familiar e vice-versa; em outras palavras, alguns saberes advindos da experiência no espaço escolar podem ser compreendidos como resultado da apropriação de “realidades sociais”, incluindo conhecimentos pedagógicos ou acadêmicos e psicológicos. Além disso, o autor defende a ideia de que, na experiência familiar, possam surgir conteúdos simbólicos e comportamentais que influenciam a conduta e a construção de papéis sociais no contexto da escola (SOUZA FILHO, 2004, p. 101).

Os dois membros das famílias entrevistadas, por serem ambos negros, não conseguem se esquecer das agruras passadas nos tempos em que eles mesmos se sentavam nos bancos escolares. Foram enfatizadas atitudes de extremo descaso por parte do corpo docente, além de situações em que o racismo vem dos próprios educadores, a partir, por exemplo, de diferenças nos modos de tratar crianças brancas e crianças negras em sala de aula.

Onze anos da Educação Básica, e acho que não teve um dia em que eu não passei por preconceito, inclusive dos professores. É uma questão bem forte dos professores porque eu era negra e pobre, mas era muito boa aluna, então eu sempre tive notas muito boas. Inclusive, meu rendimento era igual ou até melhor do que o de algumas meninas brancas e com melhores condições. Os professores achavam [...] que eu copiava das meninas. [...]. Teve casos da professora me dar uma nota menor do que a minha coleguinha branca, e falar que eu respondi certo, mas que ela não havia ensinado. (Jussara, negra, mãe de aluno).

Com o outro entrevistado, a questão era tão silenciada na escola, e também em casa, que as cenas que hoje seriam entendidas como o mais declarado ato de discriminação não eram vistas por ele como atos racistas, mesmo quando vinha de um professor:

Já vi brincadeiras, mas não sei se configurava racismo. Não era referente a cor. O aluno era negro, do meu tom de pele, e o professor brincava que ele parecia um macaco, mas era pela fisionomia. Não sei se configura racismo por causa da forma como foi colocada, pelo menos para mim, na época, não parecia uma coisa depreciativa e pejorativa. Era mais sobre a fisionomia em si, então não sei se seria o caso, mas foi na sexta série. Os traços, sabe? As pessoas zoavam muito ele por isso. Diziam que ele parecia um chimpanzé, mas não pelo tom da cor, pelos traços mesmo. Olhos, boca, nariz, etc… mas não sei se tinha uma ideia racista. Talvez fosse racista, mas era muito mais pelo fenótipo, não pela questão racial em si. (Inácio, negro, pai de aluno).

Sobre esse assunto, em pesquisa sobre discriminação racial nas escolas brasileiras, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e organizada por Castro e Abramovay (2006), há uma lista de quase 50 apelidos direcionados aos alunos negros, resgatados a partir de falas de atores escolares. Em relação aos apelidos dados nas escolas aos alunos brancos, foram encontrados apenas três (branquelo, branquelo azedo e leite estragado). Nesse sentido, verifica-se que os apelidos carregados de elementos étnico-raciais são praticados cotidianamente no interior da escola brasileira, fazendo parte de outras práticas perversas e humilhantes, que conduzem a uma longa história de perpetuação do racismo e de tentativa de aniquilação da identidade de alunos e de alunas negras.

As autoras assinalam que tais apelidos racistas são percebidos, por vezes, pelas crianças como brincadeiras realizadas entre colegas. Nesses casos, relações que são vistas como sendo de amizade tendem a reforçar a vulnerabilidade de alunos negros frente a agressões públicas, tendo que ser tratadas de forma amistosa, com tolerância e aceitação. Assim sendo, tal violência passa a ser explicada a partir do argumento “[...] de que não passa de uma ‘brincadeira’ consentida entre amigos” (CASTRO; ABRAMOVAY, 2006, p. 198). Para as autoras: “Essa compreensão permite perpetuar práticas racistas que se dão na intimidade quando são apresentadas com um verniz de afetuosidade capaz de trazer tolerância conivente a comportamentos racistas” (CASTRO; ABRAMOVAY, 2006, p. 187).

Sobre essa questão, Inácio relata como se via diante de um amigo preto que sofria mais do que ele na escola, já que ele era “moreninho”, demonstrando que a construção da identidade de uma criança parda passa por um longo processo de vivências familiares e sociais. Ele também demonstra como se sentiu quando viu sua família sendo xingada pelo seu melhor amigo:

Eu não sofria tanto, pois tem uma questão cultural. Eu era moreninho, soube que era negro um pouco mais para a frente. Eu tinha um amigo na época, o Jhonatan, que sofria muito porque era negro retinto, então isso fazia com que ele sofresse mais. [...]. Aconteceu uma vez de ele xingar minha avó, um fato curioso. Ele era negro retinto e minha avó era negra retinta. E ele zoou minha avó, xingou, reproduziu essa ideia de racismo, e eu chorei muito por isso. Você vê? Não aconteceu comigo, mas o fato de ele xingar a minha avó… ele a viu me buscar uma vez na escola e a xingou. E ele tinha o mesmo tom de pele da minha avó. Falei pros meus pais e chorei, eu era muito chorão quando era mais novo, então chorei e contei este fato, que não foi comigo, mas que foi para me afetar em um ambiente escolar. Eu não era tido como negro, pois não sou negro retinto, mas ele achou que falando dela me afetaria. (Inácio, negro, pai de aluno).

Em relação aos modos como a escola percebe a origem do racismo e das práticas discriminatórias nas crianças, observa-se uma tendência em culpabilizar as famílias como responsáveis por incutir, na criança, condutas racistas:

Eu acho que têm práticas discriminatórias que têm origem nas relações sociais que elas [as crianças] têm. Pode ser uma relação interna na escola, ou pode ser uma relação externa. Pode ser na rua, na relação familiar. Quando a mãe diz: “Você não é preto(a), você é pardo(a)”, ou quando a criança é negra, e estamos vendo que ela é negra, mas a mãe fala: “Não, ela é branca, não é negra, professora. Minha filha é branca!”, entende? É uma recusa. Então, é óbvio que a criança tem sua família, sua formação, e ela vai chegar na escola com tudo isso. Desconstruir essa construção que vem de casa é muito complicado. (Nadir, professora negra).

Na mesma direção, a professora Maria também se posiciona culpabilizando as famílias quando da origem dos comportamentos discriminatórios observados entre as crianças:

A origem está na família [...]. Falo para eles: “Nenhuma criança nasce preconceituosa, nenhum bebê sai da maternidade falando: ‘Nossa, aquele lá é negro, não vou brincar com ele, não gosto’. O primeiro contato que vocês têm é com a família. Então, se a família fica falando para vocês: ‘Não brinca com aquele lá, porque ele é negro, porque é pobre’ ... É a própria família, e depois a sociedade, que também acaba ajudando a pontuar isso de uma maneira muito ruim”. [...]. Não sei quem, um dia, falou assim: “Meu pai é preconceituoso”, eu falei: “Então, não seja. Talvez ele não tenha a compreensão, então mostre você o lado bom, o lado positivo. Vocês estão aqui para aprender, então quando chegarem em casa e começarem a mostrar um outro lado, talvez convençam de que ele está errado”. (Maria, professora, branca).

As famílias, por sua vez, também corroboram a ideia das professoras de que o racismo pode ter origem nas próprias casas das crianças:

A família tem um papel fundamental no desenvolvimento dessa questão na criança. A criança não aprende isso sozinha, isso tem origem em algum lugar, e vem da família. Quando eu era professora da Educação Infantil, eu percebia que a maioria das crianças tinha essa prática de discriminar. Às vezes, a gente tinha alunos da Educação Especial, com síndrome de Down, com autismo… algumas crianças eram muito mais seletivas, enquanto para outras era só um amigo. Por mais que a gente trabalhasse isso na escola, a fala vinha da família, deste ambiente, deste cerne dela. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Inácio também entende o papel da família, mas faz um prolongamento da origem em outros veículos e em outras instituições sociais:

Para mim, ninguém nasce racista, torna-se racista pelo convívio. Se pensarmos que o racismo é estrutural e está na sociedade, e define padrões morais, religiosos, estéticos… a criança vai absorvendo isso o tempo inteiro, pela televisão, pela escola, pelo jeito de falar dos pais que, normalmente, não estão em desconstrução ou desconstruídos. Seja em lares negros… minha família é majoritariamente negra, mas o fato de ser negro ou negra não te torna desconstruído e consciente do que é o racismo em si. Você sente o racismo na pele, mas não entende a estrutura racista. Essas crianças a reproduzem por causa da estrutura automática [...]. Ela não tira benefícios do racismo em si, mas ela o reproduz, pelo meio que a cerca. Principalmente por influência dos pais, pelo que ela vê na televisão, e tudo o mais. (Inácio, pai de aluno, negro).

Não restam dúvidas de que a família opera de forma esmagadora na socialização e na identidade da criança. Contudo, outras agências, como aponta Inácio, também são importantes nesse processo. A partir da teoria de Vygotsky (1984), pode-se inferir que a criança se constitui mediante as interações que acontecem tanto no microssistema familiar, quanto com os vários “outros sociais” que se encontram nos objetos, nas ideias, nos valores e em outras construções presentes na cultura. Cada ambiente familiar tem o poder de agir na conduta da criança, incutindo valores e normas, ancorados nos processos educativos. “Como o desenvolvimento é acompanhado por mediações orientadas pelos contextos, o sujeito internaliza aquilo que a família e o discurso social apontam como sendo verdade” (MARTINS; GERALDO, 2013, p. 68).

Os reflexos de uma sociedade historicamente racista no sistema educacional ocorrem para além do currículo e de ações pedagógicas. As relações entre as crianças e entre os educadores possuem um papel extremamente importante no processo educacional; contudo, entende-se que outros veículos são importantes nos processos e nas ações discriminatórias, já que a o racismo é estrutural no Brasil.

Em relação aos processos de escolarização, é consenso entre as famílias entrevistadas o fato de que a discriminação racial interfere negativamente no desempenho escolar das crianças, bem como em sua autoestima, prejudicando, assim, a construção de sua identidade. Segundo as famílias, a discriminação faz com percam o interesse pela escola, além de adquirirem um medo constante de expressar-se nesse ambiente. Jussara lembra-se de como foi esse processo em seus primeiros anos na escola:

Me lembro da primeira crise de ansiedade que eu tive, foi com três anos, nesta escola. Eu chorava, não queria ir para a escola. A professora perguntava para mim: “Por que você está chorando?”, e eu: “Porque eu estou cansada”, mas, na verdade, eu não estava cansada, não queria passar por tudo aquilo que eu passava todos os dias na escola, porque eu era isolada. Lembro que uma menina negra entrou na minha sala e pensei: “Vou fazer amizade com ela”, e ela falou: “A minha mãe falou que eu não posso ser sua amiga porque você é neguinha e piolhenta”. Nenhuma criança brincava comigo, a minha mãe não tinha condições de pagar os passeios, eu era bem isolada na minha escola. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Sobre a atitude dos professores diante do racismo, Jussara apresenta um relato que demonstra um descaso e uma completa omissão da escola na época em que ela era criança:

Os professores sempre viam. A mais marcante para mim foi uma vez que sabe quando está aquele silêncio e está todo mundo copiando a matéria? Um começou a me xingar: “Neguinha”, “Galinha de macumba”, essas coisas assim. A professora simplesmente deixou todo mundo falar, e sabe quando você vê até um sorrisinho de canto da professora? E ela não fez nada, não fez nenhuma intervenção. Nunca nenhum professor fez nenhuma intervenção. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Depoimentos como os de Jussara levam a uma das indagações desta pesquisa: Quais as estratégias e as práticas educativas das famílias para lidar com essa questão em relação aos processos de construção de identidade racial de seus filhos? Importa saber como as famílias podem romper com esse ciclo de discriminação na escola e como reagem ao sofrimento dos filhos. Cavalleiro (2003) afirma haver um silêncio tanto da escola quanto da família no que se refere a essas questões. A fala de Jussara, sobre as suas vivências como aluna negra na escola, corrobora tal constatação:

Eu contava para minha família, mas meus pais tinham uma atitude um pouco conformista. Meu pai falava assim: “Os brancos são racistas mesmo, a escola tem racismo, é assim que eles são”... Mas eles nunca tiveram uma atitude assim: “Vou lá na escola, vou brigar, vou fazer algo”. A minha mãe também. Ela falava: “Comigo também foi assim, passei a escola inteira assim, então é normal”. Conformada. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Ao apresentar as suas vivências como alunos negros na escola, percebe-se, nos relatos dos pais entrevistados, um novo posicionamento em relação aos seus filhos, diferentemente do que aconteceu em suas infâncias. Entretanto, há ainda muita dificuldade em se falar desse assunto com as crianças, principalmente no caso de crianças pardas em que há diferentes referências entre os membros da família, como aponta Inácio neste relato:

Ele perguntou: “Eu sou negro?” e eu falei: “É. Seu pai é negro, sua mãe não é branca, então você é negro. Olha seu cabelo”, que não é um cabelo liso, “olha seu tom de pele” [...]. O racismo racializa as relações, mas normalmente os ambientes negros não desconstruídos, não costumam racializar. Foi o que aprendi com o Brown, sou negro sim, sou preto. A minha cultura é a cultura preta. Se for o caso, a minha religião, o que não é o meu caso. A gente não se apropria muito disso, nem faz nossas crianças se apropriarem. Então estamos tentando, gradualmente, esse processo pra ele. É difícil, porque o convívio é muito curto. Digamos que ele conviva quatro dias com a mãe dele e três dias com a gente. É um espaço muito pequeno. Mas ele tem recebido isso bem. Ele não nega mais. No começo, ele negava; quando eu falava que minha mãe era negra, ele negava. Hoje em dia ele já aceita melhor. (Inácio, pai de aluno, negro).

Na análise dos relatos, destacam-se aspectos importantes que têm permeado o cotidiano dessas famílias: o estabelecimento de diálogos sobre as questões étnico-raciais; a execução de práticas educativas a partir de um olhar afetivo; e o fornecimento de referências culturais e sociais positivas sobre a população negra para as suas crianças. Os dados indicam que as famílias, tendo em vista as mudanças ocorridas nas últimas décadas, têm buscado fortalecer a consciência identitária de suas crianças, desde bem pequenas, como relata Inácio:

Meu filho não se via enquanto negro, por mais que minha mãe seja negra retinta e converse muito com ele e ele tenha um afeto muito grande. A outra avó dele não é retinta [...]. A desconstrução tem que ser natural, ele tem seis anos ainda, então acho que ainda não está preparado para receber tantas informações. É algo mais gradual. Eu pauto algumas coisas, falando, por exemplo, que eu sou negro, que a avó dele é negra, a bisavó é negra, porque são pessoas com quem ele tem vínculos afetivos, aproxima mais [...]. A gente vai falando aos poucos. Hoje ele fala que é negro [...]. (Inácio, pai de aluno, negro).

Com base na fala de Inácio, afirma-se a importância da afetividade na condução de práticas educativas positivas para a construção da consciência étnico-racial da criança. O enaltecimento de membros negros da família com as quais a criança possua vínculos positivos pode ser uma estratégia que contribua para uma visão positiva sobre a identidade em desenvolvimento. Ademais, a forma como o assunto é tratado parece ser algo bastante sensível, considerando a adequação de tais diálogos ao momento e à faixa etária da criança. A partir disso, faz-se necessário falar sobre a importância da representatividade negra para a construção da identidade étnico-racial das crianças na perspectiva de suas famílias. Ambas as famílias falaram muito sobre os benefícios de trazer referências negras positivas para as suas crianças em diversos âmbitos culturais. Tanto Inácio quanto Jussara afirmam que mostram referenciais para seus filhos tanto na área musical quanto por meio de histórias, filmes, séries, religião ou por meio de intervenções em caso de situações que tragam a temática à tona. Segundo Jussara:

Eu converso muito abertamente com ele. Sempre falo de toda a discriminação e preconceito que eu passei na escola, sempre pergunto para ele se está acontecendo alguma coisa. Eu gosto que ele assista séries que tenham um pouco desta abordagem. Esses dias a gente estava assistindo uma série, da Netflix, que falava um pouco dessas abordagens, a abordagem policial, o colorismo [...]. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Na mesma perspectiva Inácio afirma:

A família tem que tentar promover no dia a dia através de práticas cotidianas, e não “forçando muito a barra”. A criança gosta de quadrinhos? Mostrar quadrinhos sobre os orixás, por exemplo. Não precisa ser adepto à religião, mas entender que não existe só o Thor, a mitologia nórdica, existe a mitologia africana, o panteão africano. [...]. Se vai para a música, mulheres negras, Alcione, Negra Li, Karol Conká no rap, Racionais; [...] buscar referências negras para ter consciência do que é o negro, do que é o racismo e o espaço o qual foi colocado, para, daí, começar a educar a criança. Procurar desenhos negros, filmes com a questão afrocentrada, para a criança passar a se habituar a ver essas coisas [...]. O ponto é desconstruir que há uma superioridade, seja moral, seja ética, seja biológica, entre as etnias para que , daí, a criança possa se habituar a isso no dia a dia... Hoje está mais fácil. Em casa, as mães e os pais conseguem introduzir isso. (Inácio, pai de aluno, negro).

A representatividade e o estabelecimento de diálogos também devem ser estendidos para o âmbito escolar. Para as famílias, a escola pode contribuir com a construção da identidade racial das crianças, quando passarem a contar a história a partir de uma perspectiva não eurocêntrica, abordando as diversas lutas das populações negras, além de outras referências fundamentais para a construção política, social e cultural da sociedade atual. Nesse sentido, Jussara relatou:

A escola pode contribuir trabalhando essa história não a partir do eurocentrismo. Até para que entendamos: por que o negro está em uma situação de mais desvantagem? [...]. Quando eu era criança, quando falava de negros na escola, lembro que era só no final do ano que falavam da história do negro. E o negro era sempre falado de forma submissa, era feio: “o negro veio como escravo”. Tudo que era do negro era ruim, então ninguém queria se identificar com uma coisa que era ruim. Então, sempre ver o negro nessas condições fazia com que as crianças não tivessem orgulho, não se enxergassem nisso. Se a escola começar a fazer um trabalho de verdade, e não só ficar falando de capoeira e feijoada, essas crianças terão um pouco mais de autoestima. Já estudei com muitas crianças pardas que não se identificavam como negras, reproduziam racismo também, porque não queriam se autoafirmar: “Eu não pertenço à essa raça não, essa raça inferior”. [...]. Quando a gente conhece a nossa história, acho que fica mais fácil de ter esta identidade e esse orgulho também. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Outra questão que pautou as falas dos pais foi a relação estética. Ambos os entrevistados falaram que dialogam com os filhos, buscando a valorização do fenótipo negro, em vez de incentivar que as crianças busquem um padrão estético branco, como apontou Jussara neste relato:

O meu filho raspava o cabelo dele, eu falava: “Deixa o seu cabelo crescer”... hoje ele deixa o black dele. São coisas pequenas, mas que fazem muita diferença. Uma família que fica fomentando aquilo de tentar fazer o filho se encaixar em um padrão branco, acho que é matar um pouco a sua identidade negra. “Ah, alisa esse cabelo”, “esse nariz deveria afinar”... Acho que mata um pouco sua identidade. Vejo hoje que a família fomenta mais isso: “Deixa seu black”, “vamos colocar uma roupa mais de Wakanda” (risos), isso é uma coisa que fortalece, são pequenas coisas, mas fortalecem essa identidade. (Jussara, mãe de aluno, negra).

Por fim, em relação às políticas públicas, apesar da Lei Nº 10.639/2003, a qual institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições de ensino (BRASIL, 2003), acredita-se que deve haver maior enfoque na temática étnico-racial nos cursos de formação de professores. Os entrevistados afirmam que veem diversos avanços no trato das questões étnico-raciais, no Brasil, com o passar do tempo, no âmbito da cultura, da música, das leis e das ações afirmativas. No entanto, dizem ainda haver desafios que impedem os avanços para a construção de uma sociedade igualitária, como a ampliação da igualdade jurídica entre todos os cidadãos em todos os aspectos sociais, além de uma cultura histórica não eurocêntrica, que exalte as lutas das populações negras e outras perspectivas em relação à história de nosso país.

A partir de uma análise da educação das relações étnico-raciais com enfoque nas perspectivas das famílias, percebeu-se a importância das duas instâncias para a formação e a construção da identidade das crianças negras, como assinalado por Martins e Geraldo (2013):

[...] quando os alunos negros conseguem ser olhados e incentivados por suas famílias, tanto quanto valorizados pela escola, são capazes de encontrar meios para o enfrentamento dos processos discriminatórios e condições que favoreçam o seu êxito escolar. Sendo assim, a família da criança e do jovem negro funciona como um suporte elementar na valorização de sua identidade e enfrentamento dos obstáculos impostos frente à sua condição étnico-racial. (MARTINS; GERALDO, 2013, p. 71).

Bom base nos aspectos levantados, fica clara a necessidade de ações pedagógicas, por parte da escola e da família, que contribuam com a construção de uma identidade étnico-racial positiva, de forma que eleve a autoestima da criança negra e otimize o seu desempenho escolar, de modo a colocar em prática questões fundamentais para uma educação mais igualitária.

Considerações finais

No Brasil, práticas racistas permanecem imersas na sociedade, estruturando as relações entre brancos e negros, perpetuando séculos de discriminação da população negra, fruto de relações vividas em um país escravocrata que cristalizou, por gerações, preconceitos raciais presentes na contemporaneidade em vários setores sociais e institucionais. A desigualdade racial manifesta-se em inúmeras áreas, impossibilitando equidade entre a população negra e branca. Além de disparidades institucionais localizadas, é importante considerar que geograficamente as diferenças entre pretos, pardos e brancos podem alcançar níveis alarmantes se observadas as muitas formas de discriminação e a concentração de riquezas de acordo com determinadas regiões brasileiras, como as Norte e Nordeste, sendo as mais pobres em termos de renda e igualdade de oportunidades entre a população. Na escola, importante lócus de formação dos indivíduos para a vida em sociedade, não é diferente. O ambiente estudantil tem se mostrado hostil e perverso para o alunado negro, impactando no seu rendimento escolar e dificultando sua permanência na escola.

Uma vez constatada a existência e a perpetuação dessa educação racializada nas escolas brasileiras, refletida em todas as modalidades de ensino, cabe ao poder público a implantação de políticas públicas que permitam a revisão de práticas educativas e de projetos pedagógicos, de modo a incluir ações com enfoque na temática étnico-racial, além das devidas intervenções que oportunizem uma maior interface com o trabalho educativo das famílias. Para tal, a abordagem frequente e contínua dessas pautas deve estar presente em todos os cursos de formação inicial e continuada de professores e envolver outros profissionais da educação, de forma que estes estejam preparados para auxiliar no combate às desigualdades raciais, colaborando para uma educação justa e antirracista.

A partir dos dados analisados, observou-se que o racismo e as práticas discriminatórias sempre estiveram presentes nas instituições de ensino. Na perspectiva dos entrevistados, a origem está nas vivências cotidianas das crianças com suas famílias e, também, a partir de outros agentes socializadores, como as mídias televisivas, as redes sociais e outros acessos e intermediações que se fazem presentes nas relações entre as pessoas. Embora se acredite na necessidade de mais estudos sobre a questão, a análise das entrevistas sinaliza para diferenças entre o trabalho pedagógico de professores brancos e negros no que se refere às relações raciais na escola. Os últimos parecerem estar mais engajados em trabalhar conteúdos relacionados à temática com seus alunos e reconhecem a existência de situações de racismo de forma mais deliberada.

Notou-se também, nas falas de pais e de professores, que a discriminação racial pode interferir negativamente no rendimento escolar e na autoestima de crianças negras, acarretando problemas relacionados à negação de sua identidade racial, gerando conflitos psicológicos em relação à aceitação fenotípica, relacionados aos traços faciais, à cor de pele e ao cabelo. Tal fato acarreta sérios prejuízos a essa população, na medida em que a perpetuação das desigualdades raciais pode refletir, por conseguinte, em todos os aspectos da vida social desses estudantes.

Ainda que possam existir lacunas importantes em relação às pesquisas que estudam o trabalho educativo das famílias na construção da identidade de suas crianças, observou-se, com este estudo, que tal instituição pode ser um dos agentes mais importantes no fortalecimento de crianças e de jovens para o enfrentamento de situações discriminatórias. Os dados da pesquisa indicaram que pais e mães podem funcionar como um suporte elementar na formação da identidade da criança negra, sobretudo quando observada a transmissão de experiências e de situações racistas vivenciadas por essas famílias em suas trajetórias escolares pregressas e em situações cotidianas de vida social. Considerando a perspectiva das famílias entrevistadas, aspectos como o estabelecimento de diálogos sobre a temática racial bem como a busca de referências negras de modo positivo, que não reforcem estereótipos eurocêntricos, podem ser consideradas ações essenciais que devem estar em exercício, tanto no cotidiano escolar quanto no familiar. Logo, como instituições essenciais no cotidiano infantil e infanto-juvenil, um trabalho conjunto entre a escola e a família, no que se refere à educação das relações étnico-raciais, é fundamental para que haja avanços em uma educação mais justa.

*Pesquisa financiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

1Lei que altera a “[...] Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’ [...]” (BRASIL, 2003, p. 1).

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Recebido: 17 de Agosto de 2021; Revisado: 27 de Janeiro de 2022; Aceito: 31 de Janeiro de 2022; Publicado: 16 de Fevereiro de 2022

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