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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 24-Maio-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.18528.053 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, espaços e tempos

Interculturalidade: experiências e desafios da/na Universidade*

Interculturality: experiences and challenges in/of University

Interculturalidad: experiencias y desafíos de/en la Universidad

**Mestra em Desenvolvimento Regional. Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: <danyboacik@hotmail.com>.

**Doutora em Educação. Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: <rubin@utfpr.edu.br>.

**Doutora em Educação. Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: <clara@utfpr.edu.br>.


Resumo:

A internacionalização é um tema que passou a ocupar a agenda nos últimos 20 anos, tanto de pesquisadores/as, organismos internacionais e governos como da gestão de instituições. Assim sendo, o objetivo proposto, neste artigo, foi analisar as categorias de pensar e de operar a interculturalidade, a partir da sociogênese constitutiva do projeto da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (UNILA) e de experiências de servidores/as dessa Universidade, bem como compreender a internacionalização da Educação Superior no contexto da modernidade/colonialidade ocidental. A perspectiva decolonial trouxe bases epistêmicas necessárias à construção da pesquisa. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, a partir da pesquisa exploratória e da análise documental. Os principais resultados demonstram que a interculturalidade é parte da missão da Universidade, construída com base em um projeto distinto da maioria das Universidades brasileiras. Além disso, a inclusão é parte de seu projeto constitutivo e procura desenvolver ações e iniciativas voltadas à interculturalidade, potencializando saberes não hegemônicos.

Palavras-chave: UNILA; Internacionalização; Decolonialidade

Abstract:

Internationalization is a theme that has come to occupy the agenda in the last 20 years both of researchers, international organizations, governments and management of institutions. Thus, the objective proposed in this paper was to analyze the categories of thinking and operating interculturality, from the constitutive sociogenesis of the project of the Universidade Federal de Integração Latino-Americana (UNILA) and from the experiences of faculty and staff of this University, as well as understanding the internationalization of Higher Education in the context of the Western modernity/coloniality. The decolonial perspective brought epistemic bases necessary for the construction of the research. It is a qualitative research, based on exploratory research and documentary analysis. The main results demonstrate that interculturality is part of the University’s mission, built from a different project, from the majority of Brazilian universities. In addition, inclusion is part of its constitutive project and seeks to develop actions and initiatives aimed at interculturality, leveraging non-hegemonic knowledge.

Keywords: UNILA; Internationalization; Decoloniality

Resumen:

La internacionalización es un tema que pasó a ser parte de la agenda en los últimos 20 años, tanto para investigadores/as, organismos internacionales y gobiernos, como para la gestión de las instituciones. Por lo tanto, el objetivo propuesto en este artículo fue analizar las categorías de pensar y de operar la interculturalidad, a partir de la sociogénesis constitutiva del proyecto de la Universidad Federal de Integración Latinoamericana (UNILA) y de experiencias de servidores/as de esa Universidad, así como comprender la internacionalización de la Educación Superior en el contexto de la modernidad/colonialidad occidental. La perspectiva descolonial trajo bases epistémicas necesarias para la construcción de la investigación. Se trata de una investigación de enfoque cualitativo, a partir de la investigación exploratoria y el análisis documental. Los principales resultados demuestran que la interculturalidad es parte de la misión de la Universidad, construida con base en un proyecto distinto al de la mayoría de las Universidades brasileñas. Además, la inclusión es parte de su proyecto constitutivo y busca desarrollar acciones e iniciativas orientadas a la interculturalidad, potenciando saberes no hegemónicos.

Palabras clave: UNILA; Internacionalización; Decolonialidad

Introdução

Este artigo é parte de um projeto maior que busca problematizar a Universidade como lugar epistêmico e o recorte aqui proposto trata de experiências e de desafios da interculturalidade no cotidiano da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (UNILA). Nesse sentido, o objetivo foi analisarmos as categorias de pensar e de operar a interculturalidade, a partir da sociogênese1 constitutiva do projeto da UNILA e de experiências de servidores/as dessa Universidade.

A Universidade possui, em sua sociogênese, a vocação voltada à internacionalização e à diversidade cultural. Diante disso, o termo “Educação Superior”2 (ES) é usado, neste artigo, pela força do tempo no campo de investigação; no entanto, ele é compreendido, aqui, como um lugar diverso, de distintas características, pluralidades epistêmicas e práticas pedagógicas.

Nas últimas duas décadas, o tema da internacionalização da ES passou a ocupar a agenda, tanto de organismos internacionais e governos como da gestão de instituições de ES. Nesse contexto, docentes, discentes e técnicos administrativos também passaram a viver cotidianamente esses movimentos e essas políticas. Além disso, o tema passou a fazer parte da agenda de pesquisadores da área. A interculturalidade no que diz respeito à internacionalização se intensificou no sentido da mobilidade acadêmica. O fluxo de docentes e de discentes transitando em outras Universidades e países cresceu consideravelmente. Além disso, houve um crescimento de publicações, de congressos de financiamentos, que possibilitou a expansão internacional, como também houve iniciativas entre Universidades para a elaboração de pesquisas e de projetos de ensino e extensão, os quais potencializaram inter-relações. Entretanto, no que se refere à pesquisa, o tema da interculturalidade ainda é periférico ou pouco explorado quando vinculado à internacionalização da ES. Assim, o tema da interculturalidade no contexto da internacionalização encontra possibilidades de diálogos entre sujeitos em lugares diversos. Assim sendo, é sobre essa problemática que este artigo se debruça.

A perspectiva decolonial traz as bases epistêmicas para as reflexões e as análises propostas a partir de autores como Dussel (1993), Mignolo (2017), Quijano (2014) e Walsh (2005a), com um olhar para/das epistemologias do Sul (SOUSA SANTOS, 2000, 2014). A escolha dessa perspectiva justifica-se por entendermos que ela tem oferecido possibilidades de ampliar processos de resistências aos modelos hegemônicos de produzir conhecimento. Ao observarmos possibilidades e potencialidades de transformar os modos como vivemos, a perspectiva decolonial constrói-se como um caminho para repensarmos paradigmas hegemônicos (re)existentes e podermos apresentar possibilidades de mudanças no fazer e no pensar a Universidade e a internacionalização da ES.

A interculturalidade, para a perspectiva decolonial, teve maior aprofundamento com os estudos de Walsh (2000, 2005a, 2006), a qual a entende como uma possibilidade de diálogo entre culturas, do reconhecimento as diferenças, de outras formas de pensar e de atuar na sociedade. Para Sousa Santos (2008), as práticas interculturais podem tensionar o modelo de globalização, propondo rupturas e tentando superar dificuldades impostas pelos epistemicídios. Assim, a interculturalidade traz sensibilidades às diversidades, em vez de promover as desigualdades e as exclusões, e, de certa forma, agrega novas possibilidades de convivência, propiciando que diferenças não anulem a comunicabilidade e a aprendizagem entre as pessoas, favorecendo a reciprocidade, o respeito, a troca de conhecimento e de experiências, a convivência sem mudar a individualidade do outro. Dessa maneira, instiga o potencial criativo de cada um em conjunto a distintas relações criadas a partir dessa integração.

Assim, aprofundarmos estudos e pesquisas sobre a interculturalidade, a partir de uma abordagem decolonial, pode ser um caminho para compreender e aproximar culturas, favorecer inter-relações e, com isso, fortalecer vínculos e produzir conhecimentos distintos, dentre outras rupturas epistemológicas, no intuito de desprendermo-nos de modelos hegemônicos. A interculturalidade deve ser entendida como um agente transformador e ativo na Universidade para promover integrações, visando aprofundar relações democráticas, à procura de interconexões sem anular diversidades e particularidades do outro, de fomentar e fortalecer potenciais criativos de cada ser humano e de seu contexto, buscando pelo respeito, pelos valores, pelos conhecimentos e pelos saberes de seres distintos.

As significações e as experiências sobre interculturalidade no contexto universitário estão organizadas em quatro seções. Esta introdução, que apresentou o objetivo, as justificativas e alguns conceitos necessários à problemática de pesquisa. Em seguida, no percurso metodológico, apresentamos as escolhas e as etapas da pesquisa percorridas. A terceira seção, destinada a analisarmos os destaques obtidos durante a pesquisa, trazemos três categorias substantivas: cotidiano, linguagem e gestão. Para finalizarmos, a quarta seção é dedicada às considerações finais, por meio da qual buscamos sintetizar os principais destaques da pesquisa.

Percurso teórico-metodológico

As escolhas teórico-metodológicas alicerçadas na decolonialidade constituem-se por uma modificação epistemológica e crítica da América Latina em relação ao eurocentrismo. Nesse sentido, a perspectiva decolonial busca considerar o Outro como um ser distinto (DUSSEL, 1977), com particularidades e experiências distintas e proporciona novas formas de viver no mundo, tais como a interculturalidade. A perspectiva decolonial como opção teórico-metodológica estimula repensar e reflexionar os processos históricos impostos pela modernidade/colonialidade, que instaurou no mundo um padrão de poder mundial e classificou as populações, invisibilizando povos e culturas. No que se refere à pesquisa, ela se caracteriza pela abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), com base na pesquisa3 exploratória e documental (MAXWELL, 2013).

A escolha pela UNILA justifica-se pois ela foi criada com características de ser uma Universidade internacional. No seu projeto de criação, a internacionalização está como uma proposta para atender a estudantes da tríplice fronteira e da América Latina e do Caribe. Nesse processo, a pesquisa exploratória auxiliou na busca e na seleção dos documentos oficiais da UNILA. O intuito foi identificarmos documentos que trouxessem, no seu teor, elementos para a compreensão de processos de internacionalização e de interculturalidade. Os documentos institucionais escolhidos para análise foram: o Plano de Desenvolvimento Institucional (UNILA, 2019a); o Relatório Integrado de Gestão (UNILA, 2019b); e a Lei de criação da UNILA – Lei Nº 12.189, de 12 de janeiro de 2010 (BRASIL, 2010). A pesquisa exploratória também auxiliou na definição dos/das interlocutores/as: servidores/as da UNILA. Os/as interlocutores/as dessa Universidade têm contato com ações que buscam promover a interculturalidade, bem como são sujeitos que têm interação com a comunidade interna e externa e outras instituições. Participaram das entrevistas 16 servidores/as da UNILA.

Com a finalidade de aprofundarmos os objetivos da pesquisa e aproximarmo-nos do cotidiano dos/das interlocutores/as, delimitamos a técnica de entrevistas semiestruturadas. No ano de 2020, devido à pandemia, as visitas in loco ficaram impossibilitadas de serem realizadas; assim sendo, o primeiro contato com os/as interlocutores/as ocorreu por meio de e-mail, para a apresentação pessoal bem como para o envio da proposta de pesquisa. Após o retorno com o aceite para contribuir com a pesquisa, os/as interlocutores/as receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Consentimento de Uso de Imagem, Voz e Som (TCUIVS). Na sequência, utilizamos redes sociais para facilitar o contato. Dessa forma, conforme disponibilidade de cada interlocutor/a, foram determinados datas e horários para cada entrevista. As entrevistas ocorreram por meio de plataforma de vídeo chamada e foram realizadas nos meses de outubro e novembro de 2020. As entrevistas foram gravadas com o consentimento de todos/as os/as interlocutores/as.

As entrevistas semiestruturadas foram conduzidas por perguntas pré-estabelecidas, mas os/as interlocutores/as tinham a liberdade de acrescentar ou pontuar o que considerassem relevante. Dessa maneira, a interação entre pesquisadora, interlocutores/as e objeto de pesquisa possibilitou uma aproximação maior para tornar as concepções mais esclarecidas e as informações mais completas.

Após a realização das entrevistas, as falas dos/das interlocutores/as foram transcritas e, depois, seguiu-se o trabalho de organização. Cada interlocutor/a recebeu uma numeração, de i(1) a i(16) – i simboliza o/a interlocutor/a –, com o intuito de manter em sigilo a identidade dos sujeitos e um melhor ordenamento. Nesse processo, a organização, a leitura e a releitura dos documentos e entrevistas foram fundamentais. A cada nova leitura e releitura, novos elementos foram identificados, e a categoria interculturalidade foi (re)visitada a partir das percepções que conseguimos captar a partir das entrevistas e dos documentos.

Com base nas análises, tanto dos documentos quanto das entrevistas, três categorias foram construídas no processo: (a) cotidiano; (b) linguagem; e (c) gestão. Por fim, um quadro foi construído com o objetivo de sistematizarmos as significações e as experiências, a partir das falas dos/das interlocutores/as e dos documentos analisados, no diálogo com a perspectiva teórico-metodológica da pesquisa.

A próxima seção está organizada a partir das três categorias substantivas: cotidiano, linguagem e gestão, bem como na análise dos destaques obtidos durante a pesquisa.

Cotidiano, linguagem e gestão: categorias emergentes

A interculturalidade no contexto da internacionalização da ES é a categoria central desta investigação. A partir dela, três outras emergiram no/do processo de análise e foi possível construirmos reflexões que buscam analisar categorias de pensar e operar a interculturalidade, a partir da sociogênese constitutiva do projeto da UNILA.

A construção do Quadro 1 foi uma tentativa de síntese, em que as categorias são identificadas e, ao lado, os destaques – retirados dos documentos e das entrevistas – são palavras e expressões agrupadas nas categorias. Os destaques repetiram-se de diferentes modos, os quais nos ajudaram a compreender ações, desafios, conquistas e processos de desconstruções vividos cotidianamente e que foi possível percebermos e experienciarmos por meio da pesquisa.

Quadro 1 Síntese das categorias emergentes 

Categorias emergentes Destaques
Cotidiano
  • - vulnerabilidade socioeconômica;

  • - criação de espaços culturais e alternativas;

  • - atividades culturais e sociais;

  • - cinestesia de sabores, aromas e línguas;

  • - compartilhamento de elementos culturais;

  • - ações contra o preconceito de gênero, raça e classe;

  • - inter-relação social;

  • - diversidade cultural;

  • - materialidade;

  • - compreensão e visibilidade da cultura e interculturalidade;

  • - sensibilidade com o Outro.

Linguagem
  • - diversidade linguística;

  • - enraizamento identitário discente;

  • - aperfeiçoamento da língua espanhola;

  • - dificuldade no acesso a outras línguas;

  • - cooperação entre discentes;

  • - protagonismo discente;

  • - aproximação docente x discente;

  • - estratégias para superar as dificuldades linguísticas;

  • - metodologias diversificadas com disciplinas e temas voltados à América Latina e ao Caribe;

  • - diálogo e interlocução com outros idiomas;

  • - bilinguismo.

Gestão
  • - nacionalidades distintas;

  • - burocracia administrativa;

  • - construção da documentação bilíngue;

  • - falta de espaços para atendimento ao discente;

  • - colaboração e cooperação transnacional;

  • - construção de ações voltadas aos discentes;

  • - trabalho mais próximo com os docentes;

  • - carga profissional e cultural diferentes;

  • - desatenção com discentes estrangeiros;

  • - formulação de estratégias práticas para promoção da inter-relação social;

  • - formulação de política de ações afirmativas para a Universidade;

  • - ações efetivas para os discentes (permanência estudantil, auxílios, monitorias, etc.).

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa (2020).

A categoria cotidiano da Universidade abrange os destaques que dizem respeito ao dia a dia da UNILA e perpassam os espaços informais de convivência. As experiências vividas na Universidade dão-se por meio das relações no convívio com seres humanos diversos em suas mais distintas características, idiomas, crenças e conhecimentos empíricos. Cada ser humano que perpassa a UNILA, seja docente, discente ou técnico/a administrativo/a, traz consigo uma história de vida e um olhar para compreender o mundo e a realidade que está inserido nesse momento, por meio de toda uma vivência pregressa à entrada na Universidade. Isso desvela a forma com que cada um/uma encara os desafios do dia a dia e tenta solucioná-los.

Foi possível percebermos que, por mais que a Universidade tenha um modelo de documentos e um perfil a ser seguido, as experiências variam de acordo com a diversidade cultural presente no cotidiano, e que a cada semestre ou ano, novas oportunidades de vivenciar experiências e desafios se apresentam e desconstroem racionalidades e certezas. Não somente quando chegam esses/as novos/as discentes, mas ao longo de sua estadia no campus, aos poucos revelam peculiaridades por se sentirem parte daquele lugar. Dessa forma, constroem-se novos saberes por meio da troca de narrativas, de conhecimentos, de ajuda, de respeito e da compreensão da vivência e particularidades distintas do outro.

Pudemos observar que esse sentimento de pertencimento é um desafio, mas está presente no cotidiano da UNILA, pois discentes, docentes e técnicos/as administrativos/as passaram a vivenciar e ter contato com distintas culturas e espaços acadêmicos. Nessa convivência diária, há uma inter-relação social com troca de ideias e de experiências, e, a partir disso, visam melhorar o espaço que ocupam, por meio de projetos e de práticas interdisciplinares, criam alternativas e ações para transformar tanto o lugar físico em que a Universidade está instalada quanto a comunidade externa, pois também pertencem à cidade e a sua cultura.

Por estar instituída em uma zona de fronteira e com o objetivo de atender estudantes da América Latina e do Caribe, a UNILA tem a missão de construir conhecimento científico, em busca de criar alternativas para que a comunidade dialogue com conhecimentos empíricos e suas culturas. Isso enriquece as aprendizagens e fortalece vínculos entre distintas culturas que perpassam a Universidade (UNILA, 2019a). Mignolo (2000) salienta que:

O pensamento de fronteira […] é uma consequência lógica da diferença colonial. […]. [O] lócus fraturado de enunciação a partir da perspectiva subalterna define o pensamento de fronteira como resposta à diferença colonial. [...]. É também o espaço onde a restituição do saber subalterno está tomando lugar e onde o pensamento de fronteira está emergindo. (MIGNOLO, 2000, p. x-xi, tradução nossa).

Nesse sentido, a UNILA reforça, no cotidiano, princípios de interculturalidade, a qual deve ser vista como uma perspectiva das relações distintas entre culturas. Walsh (2010, p. 78-79, grifo da autora) compreende interculturalidade “[...] como una estrategia, acción y proceso permanentes de relación y negociación entre, en condiciones de respeto, legitimidad, simetría, equidad e igualdad”. A UNILA busca promover o diálogo mútuo, a integração, a subjetividade, valorizar as experiências e as vivências bem como o potencial criativo de cada ser humano.

É no cotidiano da Universidade que são pensadas e desenvolvidas ações na UNILA e na comunidade externa, com parceria entre discentes, docentes e órgãos municipais. Dessa maneira, o olhar para a realidade do Outro ocorre com sensibilidade de mundo ao perceber vulnerabilidades, desigualdades e desafios que as pessoas enfrentam na busca pela vida. Um interlocutor comentou dificuldades financeiras de alguns/mas discentes e a procura de alternativas que os/as ajudem na sua estadia, com saídas criativas como o “cantinho do sabor, um lugar em que se encontra riquezas de sabores e cheiros, como fonte de renda de estudantes”.

A interculturalidade na UNILA é um desafio do cotidiano, pois é uma construção diária feita por todos os seres humanos que transitam e mantêm uma aproximação com a Universidade. A interculturalidade na UNILA, segundo o i(1), “não é uma questão de papel no nosso caso, ela é uma questão viva, é na prática, no dia a dia, quer queira quer não”. Desse modo, a interculturalidade não é algo explícito, dado, não se tem registros de como realizá-la, é uma construção conjunta, por meio da convivência, do respeito com a diversidade, com os valores, as culturas e os idiomas.

A Interculturalidade na UNILA “se apresenta no cotidiano, em diferentes aspectos, inúmeros aspectos, desde o idioma, da linguagem, do vestuário, do gestual, do comportamental, do cultural também”, segundo o i(13). Ainda, na fala desse mesmo interlocutor, a interculturalidade na Universidade se apresenta em vários aspectos, tais como:

[…] o idioma, que a gente quase chama de portunhol, que conversa com os diferentes idiomas, Português e Espanhol predominantemente. Ainda tem o crioulo, que é um idioma bastante presente na instituição por conta da comunidade haitiana. Se apresenta também na forma cultural, no sentido das vestimentas das pessoas, no seu comportamento, do seu gestual e, também, no seu comportamental. É dessa forma que ela se apresenta. Ela ocorre em todos os momentos onde tem as inter-relações entre as pessoas, entre os discentes, os docentes e nas relações também com os técnicos de educação. Ela ocorre em toda comunidade acadêmica, e aí, claro, no seu entorno também, porque, como a comunidade é muito grande, essa Interculturalidade é muito presente e muito ampla, ela também se dá no entorno da universidade, em todas as ações que ocorrem para que a universidade aconteça da forma que ela acontece.

É nesse convívio com o outro distinto e em busca de estabelecer inter-relações construtivas que observamos, na fala do i(7), que a interculturalidade se faz presente em “todos os âmbitos e fora dos âmbitos da UNILA” e acontece de forma inconsciente entre os docentes, os/as discentes e os/as técnicos/as administrativos/as. As pessoas envolvidas nesse processo cotidiano têm “maior ou menor consciência disso”, segundo o i(4), devido à forma como a interculturalidade permeia a Universidade e de como se espraia para a cidade, pois essas distintas culturas, como explica o i(14), “não vem só pra UNILA, vem para uma cidade”, e isso ocorre pois a diversidade cultural é bastante presente na Universidade e porque “a interculturalidade na UNILA é meio que inerente, ela é natural no sentido da presença de diferentes etnias, diferentes povos da América Latina e Caribe e, até agora, com a questão dos refugiados”, como afirma o i(1).

De acordo com Escobar (2005), o lugar que o outro ocupa pode ser, e de fato é, desigual e, por vezes, de exclusão total e abandono. É por isso que docentes, ao instigarem discentes a desenvolverem essa sensibilidade e essa percepção com a realidade do Outro, auxiliam a pensarem e a construírem ações para enfrentar desigualdades e vulnerabilidades sociais e econômicas.

Na UNILA, observamos a preocupação com a transformação social a partir de um olhar para as desigualdades, as exclusões e para o enraizamento histórico do padrão colonial/moderno existente em cada ser humano. A UNILA tem por base a interculturalidade crítica, docentes e técnicos administrativos promovem ações em colaboração com discentes para ouvir, olhar e sensibilizar-se, bem como promover diálogos, iniciativas, projetos, trocas e experiências, inter-relações que visem respeito às diferenças e às características individuais; além disso, contribuem realizando ações nas comunidades, levando não apenas mantimentos, mas também atividades culturais para que os moradores tenham possibilidades de participação. Segundo Walsh (2013), as atividades culturais são ferramentas pedagógicas que dão presença à persistência, à insistência e à sobrevivência do decolonial, ao mesmo tempo em que constroem, representam e promovem pedagogicamente essas resistências. Assim, abrem possibilidades para práticas insurgentes políticas, sociais, culturais, epistêmicas e existenciais que ensinam como rebelar, resistir, seguir, prosperar e viver apesar da colonialidade.

As atividades culturais e sociais são fundamentais para a vivência em sociedade e para promover a cultura e a interculturalidade nos espaços fora da Universidade. Por isso, é necessário pensar em alternativas dinâmicas com a possibilidade de envolver distintos humanos e, principalmente, promover o acesso à materialidade da cultura e não apenas ficar no campo das subjetividades. É também por meio de atividades culturais, como projetos, festivais, exposições, amostras, visitas locais, troca de diálogos, criação de espaços e manifestações culturais, acolhimento e iniciativas realizadas com a comunidade externa que podemos conhecer diferentes culturas, idiomas e saberes bem como identificar necessidades e dificuldades locais. Assim, essa experiência intercultural local pode contribuir na promoção de alternativas de intervenção que possibilitem amenizar impactos sociais causados pelo sistema-mundo ainda vigente. As experiências com atividades culturais e sociais promovidas em colaboração de docentes, técnicos/as administrativos/as e discentes da UNILA visam à compreensão e buscam dar mais visibilidade à cultura e à interculturalidade.

É na promoção de atividades culturais que a perspectiva intercultural encontra espaço de consolidação, pois, de acordo com Walsh (2005b), a interculturalidade busca desenvolver uma interação entre pessoas, conhecimentos e práticas que são culturalmente distintos. Essa interação reconhece e parte das assimetrias econômicas, sociais e políticas do poder para considerar que o outro possa ser um sujeito distinto por meio de sua identidade e de características únicas. Esse contato intercultural acontece de formas e de jeitos com diversos sujeitos que transitam na UNILA. Os contatos podem versar sobre diversos aspectos, alguns estão imbricados na concepção de interculturalidade, a qual busca o respeito pela outridade, a ajuda mútua, a troca de conhecimentos e, principalmente, a sensibilidade de olhar o outro como um ser distinto. Já outros decorrem muitas vezes do estranhamento com o distinto, da dificuldade em considerar o Outro como um ser distinto e não diferente (DUSSEL, 1977), pois a concepção de um mundo moderno/colonial está arraigada na constituição das pessoas com dificuldades para lidar com o diverso.

É no cotidiano que situações de constrangimento com o distinto são vivenciadas. Foi possível percebermos que a gestão procura, a partir de políticas e de ações, administrar conflitos entre servidores/as e discentes, com o intuito de transformar essas realidades. Contudo, mais do que apenas reconhecer e tolerar diferenças no cotidiano, Walsh (2010) propõe uma abordagem crítica da perspectiva intercultural, enfatizando a necessidade de considerar o problema estrutural-colonial-racial, ou seja, de um reconhecimento de que a diferença se constrói dentro de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado. Dessa posição, entendemos a interculturalidade como uma ferramenta, um processo e projeto que se constrói a partir das pessoas, apontando e requerendo transformações das estruturas, das instituições e das relações sociais, bem como da construção de condições de estar, ser, pensar, conhecer, aprender, sentir e viver distintas.

É nesse contexto de inter-relações cotidianas vividas na Universidade que se caracteriza o diverso, que é possível perceber a presença do outro, pois esse ambiente abrange diferentes idiomas, fisionomias, habilidades e características únicas de cada um. Esses compartilhamentos/essas trocas culturais favorecem o contato para além da sala de aula e dos deveres. Isso aproxima e fortalece os vínculos entre os/as próprios/as discentes e entre os/as discentes e os/as docentes, o que acaba contribuindo para que a comunicação e a aproximação sejam de trocas mais amorosas e sensíveis para com o outro.

Contudo, relações com o distinto podem causar estranhamento e iniciar discriminações com o “diferente”, pois o padrão moderno/colonial construiu de forma efetiva conceitos de superioridade; dessa forma, práticas de ofensa, de inferiorização e de encobrimento do outro, esse outro que é um ser distinto e que tem liberdades, ainda são práticas a serem superadas. Nos relatos também foi possível observarmos que, na Universidade, ainda há discriminação e propagação de palavras ofensivas, muito por conta do que o padrão colonial/moderno instituiu ao longo dos anos com as questões de gênero e de raça.

Cada ser humano possui características e particularidades que se diferenciam uns dos outros, e, dependendo do quão interiorizado está o estereótipo do padrão colonial/moderno no outro, embates, discriminações e desigualdades dificultam o convívio e afetam emocionalmente quem foi acometido. Na UNILA, casos como esses também acontecem, de acordo com alguns relatos, muito pela questão da diversidade cultural existente, pois a Universidade é um espaço cinestésico de idiomas, culturas, classes e gêneros distintos. Desse modo, pudemos observar o quão presente está nos sujeitos a aversão ao outro, seja de gênero, de classe, de linguagem entre outros. Essas práticas, no contexto da UNILA, construída para ser lugar de diversidade, com projetos e ações de superação cotidiana, trazem-nos a certeza de que o caminho a percorrer é contínuo e necessário. Portanto, a interculturalidade é a tentativa de transformar pensamentos discriminatórios visando a integração na diferença, com respeito e valorização do outro como um ser distinto, pois a interculturalidade, para Walsh (2010), deve ser entendida como desígnio e proposta da sociedade, como projeto político, social, epistêmico e ético destinado à transformação da estrutura sócio-histórica, uma transformação e construção que não se dão no discurso ou na imaginação, mas, sim, nas ações das instâncias social, política, educativa e humana.

Os obstáculos envolvendo as significações e as práticas interculturais são grandes, pois é um desafio para quem vivencia com a diversidade. Nesse sentido, saber lidar com o distinto é uma transformação individual diária, pois envolve a percepção, o respeito pelo outro, independentemente de gênero, raça, classe e etnia. Envolve, também, transformar o padrão hegemônico enraizado. É pensando em questões como essa que Walsh (2012) se preocupa em incluir e expandir a interculturalidade em outras Universidades. Contudo, é mais do que

[…] “incluir” de manera multiculturalista, el esfuerzo ha sido de construir, posicionar y procrear pedagogías que apuntan el pensar “desde” y “con”, alentando procesos y prácticas “praxísticas” de teorización —del pensar-hacer— e interculturalización que radicalmente desafían las pretensiones teórico-conceptuales y metodológicas-académicas, incluyendo sus supuestos de objetividad, neutralidad, distanciamiento y rigor. (WALSH, 2012, p. 66).

Foi possível constatarmos que, no cotidiano da UNILA, acontecem situações, tanto no sentido de potencializar a diversidade cultural na perspectiva decolonial, com ações e iniciativas visando à interculturalidade, quanto dificuldades cotidianas de enfrentamento de padrões hegemônicos de exclusão e de desigualdades. Entretanto, é possível afirmarmos que o projeto de Universidade que foi idealizado, com ações concretas de interculturalidade, é uma realidade e têm contribuído para superar o padrão moderno/colonial de desigualdades e de exclusões, trazendo à UNILA a possibilidade de olhar para o Outro, por meio de sensibilidades de mundo, da desobediência epistêmica e da interação entre culturas.

A categoria linguagem está presente no cotidiano da UNILA em seus diversos aspectos, como na escrita, na oralidade e nas expressões gestuais. Nas Universidades, observamos práticas e sujeitos distintos em suas particularidades, e é nesse contexto que o desenvolvimento e a promoção da interculturalidade podem encontrar espaço, possibilitando que esses sujeitos adquiram um olhar sensível para acontecimentos históricos e sociais e uma formação humana que aprofunda suas potencialidades e suas habilidades, bem como proporcionam interações com o distinto. Ademais, “[…] incluir la interculturalidad como elemento básico del sistema educativo implica que se asume la diversidad cultural desde una perspectiva de respeto y equidad social, una perspectiva que todos los sectores de la sociedad tienen que asumir hacia los otros” (WALSH, 2005b, p. 11). A interculturalidade está, por conseguinte, presente perceptivelmente nas Universidades por conta das práticas e dos projetos que são realizados nesse local, muitas vezes sem a consciência e a compreensão intercultural.

Na UNILA, políticas e ações estão sendo planejadas para o aperfeiçoamento da língua espanhola. O Português é a língua predominante por conta da localização da Universidade, em espaço brasileiro, mas ainda há dificuldades no acesso a outras línguas. Dessa forma, foi possível percebermos a presença do padrão hegemônico ao eleger-se uma língua ou duas como língua padrão da instituição, o que acaba colaborando para a invisibilização de outros idiomas.

Ficou perceptível nas falas dos/as entrevistados/as que inserir distintas linguagens na Universidade traz visões de mundo e formas de (re)existências de culturas invisibilizadas. A UNILA busca valorizar as diversas línguas e idiomas que acompanham os/as discentes, pois eles/as trazem consigo um enraizamento identitário forte e questionam a verdade da Universidade. Contudo, o Português e o Espanhol, sendo as línguas mais utilizadas na Universidade, acabam sobrepondo-se às demais; desse modo, há uma hierarquia linguística na própria Universidade que parece buscar superar padrões coloniais/modernos. Diante desse contexto, Walsh (2009) reitera a necessidade de construir um outro caminho para transformar esse enraizamento colonial, que seria por meio da perspectiva decolonial juntamente à interculturalidade crítica, pois esta, além de questionar o problema estrutural-colonial, não se limita somente às esferas políticas, sociais e culturais. A interculturalidade

[…] se preocupa também com a exclusão, negação e subalternização ontológica e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos racializados; com as práticas – de desumanização e de subordinação de conhecimentos – que privilegiam alguns sobre outros, ‘naturalizando’ a diferença e ocultando as desigualdades que se estruturam e se mantêm em seu interior. (WALSH, 2009, p. 23).

A interculturalidade busca, pois, pensar e transformar a ES para além da transmissão de saber, buscando uma forma de incluir as diversas identidades e histórias ancoradas na realidade de cada ser humano. E, ainda, busca re(conhecer) a estrutura de poder que encobre e mantém os invisibilizados em um patamar inferior, muitas vezes desumano e perverso, mas também procura “[…] maneiras diferentes de ser, viver e saber, [...] que não só articulam e fazem dialogar as diferenças [...] mas que – ao mesmo tempo – alentam a criação de modos outros – de pensar, ser, estar, aprender, ensinar, sonhar e viver que cruzam fronteiras” (WALSH, 2009, p. 25). É por isso que a interculturalidade e a decolonialidade “[…] são projetos, processos e lutas que se entrecruzam conceitualmente e pedagogicamente, alentando forças, iniciativas e perspectivas éticas que fazem questionar, transformar, sacudir, rearticular e construir” (WALSH, 2009, p. 25).

A UNILA, como um espaço de diversidade cultural e linguística preponderante, pelo seu projeto e pela localização geográfica, desenvolve ações e iniciativas para diminuir disparidades e dificuldades que perpassam a Universidade. Servidores/as e gestores/as criam estratégias para superar dificuldades linguísticas e dar acesso a outras línguas, possibilitando que discentes também participem e colaborem na execução das estratégias. A abertura para discentes participarem dessas ações possibilita o engajamento e o protagonismo de cada um, elastecendo ideias e projetos em busca de um bem-estar comum. O trabalho conjunto entre discentes, docentes e técnicos/as administrativos/as fortalece vínculos e interações, pois cada ser humano carrega conhecimentos e saberes adquiridos durante as experiências vividas, e, quando chegam à Universidade, um espaço novo e distinto, encontram, nas interações e nas trocas, o acolhimento que necessitam, propiciando relacionalidades e expansão dos contatos interculturais.

Além disso, cada pessoa possui uma bagagem identitária com suas particularidades e características únicas, e, quando se relaciona com o Outro, tem a possibilidade de potencializar o aprendizado e a cooperação, seja nas escolhas epistemológicas e sociais, nos pensamentos e na práticas, seja na linguagem, na subjetividade, na identidade e nas diferenças. Conforme Sousa Santos (2002, p. 505) aponta, “[…] as identidades são, assim, relacionais e múltiplas, baseadas no reconhecimento por outros atores sociais e na diferenciação, assumindo a interação um papel crucial neste processo”. Também é importante salientarmos a “[…] necessidade de um sentimento individual de permanência identitária, permanência esta que é elaborada narrativamente, dentro dos discursos ativados em contextos distintos” (SOUSA SANTOS, 2002, p. 505), os quais condicionam a construção, a apresentação e a preservação das identidades. Assim, por meio do diálogo, do convívio com pessoas e lugares, com conhecimentos, saberes e ideias, é que se constrói culturalmente o ser humano.

Foi possível percebermos, tanto nos documentos quanto nas entrevistas, que a diversidade linguística está presente na sociogênese da UNILA, em decorrência dos editais e dos processos seletivos lançados pela Universidade para atender aos/às discentes da América Latina e do Caribe. Por conta disso, a UNILA é permeada por diversos idiomas e sotaques, o que favorece o diálogo e a interlocução com outros idiomas. Contudo, também dificulta o acesso a outras línguas, pois, na UNILA, os idiomas preponderantes são o Espanhol e o Português, como já afirmamos. No entanto, há outras línguas que permeiam a Universidade além do Português e do Espanhol, que são idiomas que os/as próprios/as discentes e docentes trazem consigo da sua região de origem, tais como o Guarani, o Quechua, o Inglês, o Francês, além das variações da língua espanhola. Desse modo, é importante equilibrar as línguas majoritárias, necessárias e importantes para o andamento e a construção dos documentos universitários. Trata-se de incluir línguas nativas como forma de acolhimento e de cooperação, visando estratégias para superar dificuldades linguísticas advindas dessa diversidade. Segundo Walsh (2017), o equilíbrio entre os povos requer, da interculturalidade, uma práxis de vida harmônica entre diferentes povos a partir de sua identidade como coletividade e como indivíduo, a construção de respeito mútuo a partir da relação horizontal entre povos e culturas, considerando todos igualmente na diferença.

Apesar da dificuldade linguística encontrada pelos/as discentes, tanto nos ambientes informais da UNILA quanto nas salas de aula, os/as discentes praticam a interculturalidade de forma cooperativa, mesmo sem ter consciência disso. Segundo uma fala recorrente dos/das interlocutores/as, a sala de aula é o ambiente onde é possível notar essa prática de cooperação discente, pois é nesse espaço onde há o encontro dos distintos idiomas e culturas, e é também onde a ajuda mútua, o diálogo e a interlocução acontecem, pois os/as próprios/as discentes se ajudam traduzindo a fala dos/as discentes para um idioma passível de entendimento a outro/a discente que não compreende a língua portuguesa ou a língua espanhola falada em sala. Nesse sentido, essa aproximação entre discentes e culturas permite o contato e a aproximação, objetivando superar dificuldades encontradas em um espaço intercultural.

A UNILA também promove, dentre as condições culturais para a realização do projeto de integração América-Latina e Caribe, o princípio do bilinguismo (Português e Espanhol), porque articula-se nos diversos âmbitos da Universidade: administrativo, científico e pedagógico. Por meio do incremento e da investigação do bilinguismo, a UNILA objetiva desenvolver competências necessárias para a participação nos diálogos e nos processos interculturais locais, regionais e internacionais (UNILA, 2019a). Contudo, na prática, é um processo que ainda precisa ser desempenhado e efetivado por meio da construção de uma política bilíngue, com documentos e ações ampliadas e pelas pessoas que fazem parte do dia a dia, porém há elementos com a intencionalidade da prática intercultural.

Desse modo, para que se cumpra essa missão institucional para a efetivação do bilinguismo, é necessária a “[…] produção e emissão de documentos, práticas de ensino, planejamento curricular, atendimento à comunidade acadêmica, entre outras” (UNILA, 2019a, p. 48-49). Todavia, ficou claro, nas falas dos/as entrevistados/as, que a realidade dessa prática está longe de atingir os objetivos institucionais, pois, como a UNILA é uma Universidade relativamente nova, alguns documentos basilares da instituição ainda estão sendo construídos, e a documentação bilíngue também está sendo produzida em meio a todos os outros processos. Para diminuir essa discrepância, a UNILA promove ações e projetos que auxiliam na construção do bilinguismo, tais como as disciplinas do Ciclo Comum de Estudos. São ofertadas disciplinas de Português para estrangeiros e Espanhol para brasileiros, as quais auxiliam discentes a superar algumas barreiras linguísticas e dificuldades que se apresentam por conta da diversidade cultural que há na UNILA, bem como potencializam a interação entre os/as distintos/as discentes. Ademais, é importante essa construção docente bilíngue para articular metodologias diversas, a fim de lidar de uma forma inclusiva com as diversas línguas que encontram na sala de aula e, também, para promover um ensino voltado às questões da América Latina e do Caribe, suleando o olhar e as vivências, incluindo diversidades linguísticas e culturais com a possibilidade de viver a perspectiva intercultural, inclusiva e democrática.

Nesta análise, é possível afirmarmos que a linguagem é o elemento base para a construção das relações e das interações humanas e, também, para criar ações e iniciativas que acolham discentes e servidores/as estrangeiros/as, de diferentes etnias. No contexto da UNILA, há diversidade linguística devido à proposta de criação da Universidade, de ser internacional voltada a atender discentes de toda América Latina e do Caribe. Dessa maneira, desafios diários são encontrados tanto em sala de aula quanto em outros espaços acadêmicos, pois a Universidade abrange diferentes línguas e, também, é um lugar onde a cooperação é presente, pois, com essa diversidade, é necessário praticar a interculturalidade como cotidiano, e essa perspectiva carrega práticas de solidariedade, respeito e a cooperação, elementos fundamentais no contexto da Universidade.

A categoria gestão perpassa aspectos burocráticos e administrativos, bem como é o elemento chave para a formulação de documentos, leis, normas e projetos internos e externos. É responsável, também, pelo bom andamento da instituição e pelos acordos nacionais e internacionais que potencializam a internacionalização e a interculturalidade. É dentro da Universidade que se aprimora o conhecimento científico, por isso “[…] um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade” (SOUSA SANTOS, 1988, p. 51). A formulação de documentos na UNILA é pensada e construída para distintas pessoas que transitam no espaço acadêmico, pois a diversidade cultural e linguística é notória; assim sendo, gestores/as têm a incumbência de olhar para os documentos oficiais, o espaço geográfico e a missão da Universidade e formular regras que atendam tanto à sociogênese constitutiva quanto às diversas realidades que perpassam a Universidade.

Foi possível percebermos, nas falas dos/das interlocutores/as gestores/as que, pela UNILA ser uma instituição jovem, cujos documentos ainda se encontram em construção, como já afirmamos, os desafios são diários. É, pois, no cotidiano, que surgem adversidades que precisam ser refletidas e resolvidas. Nesse sentido, a gestão precisa equilibrar os tensionamentos formulando políticas de ações internas e externas que busquem atender às necessidades de docentes, de discentes, de técnicos/as administrativos/as e comunidade externa distintas e diversas.

O primeiro contato com distintas nacionalidades que chegam à UNILA ocorre pela parte administrativa, por meio dos editais e dos documentos. Por conta disso, é necessária a construção de ações voltadas aos/às discentes para que, ao ingressarem na Universidade, se sintam acolhidos/as e respeitados/as, em seu gênero, sua raça, sua classe e seu idioma. Segundo Santos (2005, p. 48), quanto maior for a diversidade em determinado espaço, “[…] quanto mais movimento, maior se torna a complexidade das relações internas e externas”. Dessa forma, a gestão, ao criar políticas e leis que sejam claras e funcionais para o andamento da instituição, precisa ter a sensibilidade com distintos e diversos grupos que chegam com culturas e costumes distintos, incluí-los nesses documentos, para que possam compreender esse espaço dinâmico, permeado pela convivência diversa com rigor científico e acadêmico.

A UNILA abarca discentes de diversas regiões e países, e a questão da variação linguística é uma dificuldade sentida por grande parte dos/as interlocutores/as que não possuem o domínio de outras línguas. São, então, adversidades que criam conflitos e distanciamentos entre servidores/as e discentes ingressantes, principalmente da prática decolonial e intercultural. No entanto, Walsh (2013) destaca que a interculturalidade não é algo acabado, mas, sim, uma meta para alcançar-se, é “[…] un proceso dinámico y permanente de relación, comunicación y aprendizaje entre culturas en condiciones de respeto, legitimidad mutua, simetría e igualdad” (WALSH, 2013, p. 288-289).

A gestão da UNILA, apesar das dificuldades encontradas nas questões burocráticas e no cotidiano, parece estar empenhada na promoção de iniciativas que promovam os princípios fundamentais da prática intercultural na Universidade, reforçando, assim, o comprometimento de sua sociogênese, de ser uma Universidade com vocação internacional e intercultural, oferecendo ES para povos invisibilizados da América Latina e do Caribe. Ademais, com a colonidade do poder, saber e ser (QUIJANO, 2014), saberes e liberdades foram invisibilizados, porém práticas decolonizadoras emergiram com possibilidades de transformar e resistir ao padrão moderno/colonial. Para Walsh (2017), decolonizar o saber requer uma capacidade de dialogar com diferentes maneiras de ver e de viver no mundo, de complementar diferentes conceitos sem hierarquizá-los, respeitando o ativismo em seu modo particular e subjetivo, praticando metodologias coletivas e valorizando histórias e memórias como um saber tão válido quanto os saberes acadêmicos. Por isso, é necessário formular ações que promovam reflexões e possibilitem práticas com tomada de consciência, possibilitando viver, dialogar e considerar diversos saberes e experiências entre distintos e, assim, decolonizar vivências interiorizadas e baseadas na colonialidade. Conforme Walsh (2017) reitera, é na Universidade que fluem ideias, pensamentos e teorias diversificadas; por isso, os universitários jamais podem ser neutros, visto que seria como navegar sem um bússola. “La academia comprometida y los y las universitarios/as tienen su deber histórico no solo de acompañar al activismo social, sino de empujarlo y proyectarlo por el camino de la resistencia como una opción de vida, de liberación y de amor” (WALSH, 2017, p. 423).

Segundo Sousa Santos (2008, p. 152), as perspectivas interculturais “[…] têm vindo a permitir o reconhecimento da existência de saberes plurais, alternativas à ciência moderna ou que com esta se articulam em novas configurações de conhecimentos”, para que outras maneiras de conviver com as diversidades, reconhecendo suas pluralidades, sejam um exercício permanente em todos os setores da sociedade. Santos (2005) delineia a possibilidade de pensarmos na construção de um outro mundo, por outra globalização, já que existem dois fenômenos que indicam essa nova mudança histórica. O primeiro é a mistura entre povos, culturas, raças, costumes, gostos e idiomas em todos os continentes; e o segundo é a aglomeração da população em áreas cada vez menores, acrescendo ainda mais a mistura de povos e de saberes. No contexto da UNILA, foi possível observarmos que esses fenômenos são perceptíveis no cotidiano, por isso faz-se necessária a construção de documentos institucionais que fomente, cada vez mais, convivências plurais pautadas na “ecologia de saberes” (SOUSA SANTOS, 2008, p. 154).

Por ser uma Universidade relativamente nova, alguns documentos precisam ser construídos visando a Lei de criação da UNILA (BRASIL, 2010), a missão institucional e a vocação internacional. A construção da documentação está acontecendo aos poucos, principalmente da documentação bilíngue, necessária à inclusão de distintos sujeitos que frequentam a Universidade. Ficou perceptível na análise, tanto dos documentos oficiais quanto das falas dos/das interlocutores/as, que a construção de documentos é um desafio para a gestão, porque, como a UNILA está situada no Brasil, a maior parte da legislação está em Língua Portuguesa; então, a Universidade precisa seguir preceitos brasileiros de funcionamento. Entretanto, devido à diversidade linguística e à necessidade dos/as discentes, docentes e técnicos/as administrativos/as e à Universidade ter o Português e o Espanhol como línguas majoritárias, a construção da documentação irá contribuir tanto para os sujeitos quanto para o estímulo intercultural, pois, dessa forma, daria mais possibilidade de dinamização de idiomas.

No entanto, a UNILA vivencia experiências com outras línguas; assim, a gestão precisa formular projetos e iniciativas que visem a inclusão de línguas de povos originários, trazidas pelos diversos sujeitos como parte da formação na Universidade. A interculturalidade potencializar-se-á, então, com o equilíbrio das diversas línguas e dos distintos sujeitos, que têm, no ambiente acadêmico, a oportunidade de expandir conhecimentos científicos em diálogos pluriversais. Ademais, a construção de documentos e a efetivação da língua espanhola em todos os setores da UNILA, tanto de docentes quanto dos/as técnicos/as administrativos/as que também convivem com os/as discentes, facilitaria o entendimento da parte burocrática e, também, do aproveitamento em sala de aula e dos projetos de extensão. Foi possível observarmos, nas falas dos/das interlocutores/as, que as dificuldades encontradas com o não entendimento de outra língua desafiam docentes e discentes, em sala de aula, e a gestão, no atendimento aos/às discentes, bem como com as normas e os documentos.

É possível afirmarmos, pela fala dos/das interlocutores/as, que a gestão da UNILA tem um trabalho mais próximo com os docentes, pela questão da formulação de documentos e das ações que promovem o bem-estar, atividades culturais e projetos para os/as discentes. Por isso, esse trabalho fica mais restrito às trocas de diálogos e de experiências entre docentes, porém gestores/as estão dispostos/as a ouvir sugestões e atender/entender dificuldades que possam acontecer com algum/a discente, pois a parte administrativa colabora efetivamente com a criação de ações efetivas para os/as discentes, tais como permanência, mobilidade, auxílios e monitoria.

Essas ações efetivas são partes fundamentais para que os/as discentes possam permanecer na Universidade. Muitos/as vão para a UNILA sem condições de viver em uma cidade totalmente diferente da sua origem; por isso, é essencial que essas ações sejam garantidas e expandidas. O apoio universitário, com aspectos relacionados às questões econômicas, sociais e culturais e, principalmente, com a questão do apoio psicológico/emocional, é um dos pontos centrais que colaboram para que os discentes consigam permanecer na Universidade.

Um dos objetivos Institucionais é: “XII – garantir a igualdade de acesso e condições de permanência na UNILA, adotando políticas de inclusão social” (UNILA, 2019a, p. 28); contudo, por conta do momento histórico brasileiro e os cortes na Educação, a permanência estudantil ficou debilitada. A Universidade, por sua vez, tenta criar políticas e ações para essa permanência, porém não dá conta de atender às demandas. Desse modo, discentes, em uma tentativa de superar as necessidades que decorrem da mobilidade, criam alternativas para a estadia na cidade e para a conclusão do seu curso; para isso, compartilham alimentos, perfumes, entre outros produtos relativos ao seu país. Ademais, eles/as partilham um pouco da sua cultura com a Universidade. Isso faz com que a UNILA seja permeada por aromas, sabores e cores dos mais diversos países que ali transitam, possibilitando criar uma atmosfera de aconchego e bem-estar entre as pessoas.

Outra dificuldade sentida nas falas dos/das interlocutores/as é com a falta de espaços físicos para atendimento de discentes. Atualmente, os/as docentes fazem o atendimento dividindo espaços; a Universidade necessita, por consequência, de um espaço destinado ao atendimento, aos diálogos e às orientações, para que o trabalho do/a docente com os/as distintos/as discentes possa ser ainda individualizado.

Entre inúmeros desafios e conquistas, a gestão parece estar comprometida em realizar ações e projetos voltados à diversidade cultural e linguística preponderante na Universidade. O contexto universitário atualmente necessita de políticas e de ações que possibilitem pensar e vivenciar a interculturalidade, por uma outra globalização (SANTOS, 2005) voltada ao Sul. A UNILA, instituída para abranger a ES para a América Latina e o Caribe, tem potencializado ações inclusivas a povos invisibilizados com saberes encobertos, e a interculturalidade crítica, que busca o desprendimento do padrão moderno/colonial, pode ser um caminho para intensificar possibilidades de vida que aprofundem espaços democráticos, de partilha e de respeito aos distintos.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi o de analisar categorias de pensar e de operar a interculturalidade, a partir da sociogênese constitutiva do projeto da UNILA e de experiências de servidores/as dessa Universidade, por meio de entrevistas semiestruturadas e análise documental. Ao buscarmos identificar significações e experiências no contexto da UNILA, destaques dos documentos e das entrevistas ajudaram a compreendermos os seus desafios, as suas conquistas, as suas ações e as suas transformações. Desse processo, três categorias emergiram no contexto das análises: cotidiano, linguagem e gestão, indicando que é possível, apesar das adversidades, vivenciar e fomentar a interculturalidade, principalmente a partir da internacionalização na Universidade. Para tanto, é preciso aliar políticas e ações com o empenho de todos/as, para fortalecer e ampliar perspectivas que possibilitem conviver com o distinto e suas particularidades, entendendo processos históricos instituídos para invisibilizar sujeitos e saberes.

A partir das análises, destacamos que significações de interculturalidade são experienciadas diariamente nos espaços da UNILA e possuem mais ênfase quando as inter-relações demandaram reconhecimento, respeito e inclusão com o distinto e o diverso. Dessa forma, a interculturalidade é vivenciada no cotidiano – ela não cabe apenas dentro das formalidades, é uma ação que acontece informalmente. Entretanto, foi possível experienciarmos práticas interculturais formais, nos projetos e nas ações que docentes, discentes e técnicos/as administrativos/as formulam e desenvolvem.

Cabe destacarmos que, na UNILA, ainda é necessário fomentar a perspectiva intercultural de maneira que todos/as possam reconhecê-la e vivenciá-la todos os dias com consciência do que a perspectiva significa, possibilita e transforma. Nesse sentido, a Universidade tem de ser um espaço de diálogos e de interações e um lugar que se deve aprofundar estudos e políticas de pensar e de operar a interculturalidade. A UNILA, sendo uma Universidade que promove práticas, pode ser um lugar ainda maior de referência no que se refere à pluralidade de saberes e de culturas.

No que se refere à internacionalização da ES, o tema vive um cenário de disputas entre perspectivas hegemônicas, em que as avaliações e os rankings são elementos centrais e sinônimos de qualidade. Possibilidades outras, como a interculturalidade na direção do desprendimento do padrão hegemônico, são compreendidas como perspectiva de diálogos transversais, das/nas periferias, em espaço de fronteira, entre culturas, línguas, etnias e saberes, proporcionando um espaço pluriverso.

A perspectiva intercultural operada pela UNILA tem contribuído para que a ela potencialize relações de distintas nacionalidades, culturas, sujeitos distintos em suas etnias, gêneros, raças e classes, suleando sensibilidades e práxis para a história da América Latina e do Caribe. A UNILA vem construindo, sobretudo, (re)existências ao modelo de Universidade moderna/colonial/eurocêntrica. Assim, no contexto das políticas públicas atuais de desmonte do espaço público e do cerceamento de liberdades acadêmicas, a UNILA é uma das tantas formas de (re)existências necessárias.

*A pesquisa contou com financiamento do Programa de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

1O conceito de sociogênese, é utilizado de acordo com Mignolo (2013, p. 15-16), o qual afirma que “[...] la sociogénesis lo incorpora todo: desprendimiento, pensamiento fronterizo y desobediencia epistémica; desprendimiento de las opciones filogenéticas y ontogenéticas, de la dicotomía del pensamiento territorial moderno. La sociogénesis es, en la esfera de la corpo-política, semejante a la lógica de la Conferencia de Bandung en la esfera de la geopolítica: no es un concepto híbrido, sino la apertura de una gramática de la decolonialidad. La sociogénesis es un concepto que no se basa en la lógica de la de-notación (al contrario que la filo- y la ontogénesis), sino en la lógica del ser clasificado, en el racismo epistémico y ontológico: eres ontológicamente inferior y por tanto también lo eres epistémicamente; eres inferior epistémicamente, y por tanto también lo eres ontológicamente. El concepto de sociogénesis surge en el momento mismo en que se toma conciencia de ser ‘negro’, no por el color de la piel, sino a causa del imaginario racial del mundo colonial moderno: has sido hecho ‘negro’ por un discurso cuyas reglas no puedes controlar y que no deja lugar para la queja. La sociogénesis surgió del pensar y habitar en las fronteras y del pensar decolonialmente”.

2O termo assume um sentido ampliado de “universidade” como o proposto por Charles e Verger (1996, p. 7), que atribuem à palavra “[…] o sentido relativamente preciso de ‘comunidade’ (mais ou menos) autônoma de mestres e alunos reunidos para assegurar o ensino de um determinado número de disciplinas em nível superior”.

3A pesquisa foi inserida na Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, Processo No 33393120.8.0000.5547.

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Recebido: 28 de Julho de 2021; Revisado: 30 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022; Publicado: 13 de Abril de 2022

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