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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 30-Maio-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.18499.069 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, espaços e tempos

Confluências afro-pindorâmicas: por uma formação humana contra-colonialista

Afro-pindoramic confluences: for a counter-colonialist human formation

Confluencias afro-pindoramicas: por una formación humana contra-colonialista

Luís Thiago Freire Dantas* 
http://orcid.org/0000-0001-8524-8213

1Professor de Filosofia da Educação na Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)


Resumo

Neste artigo, pretende-se pensar como o colonialismo atua na formação humana, seja organizando o pensamento para um “mundo ordenado”, seja condicionando o ser humano para um distanciamento da natureza. Essas duas situações serão problematizadas a partir de uma confluência entre as teses de Antônio Bispo dos Santos, Denise Ferreira da Silva e Davi Kopenawa com a intenção de pensar-se um mundo outrem em que o ser humano esteja em harmonia com o cosmo. Com isso, o interesse é enunciar uma formação humana contra-colonialista.

Palavras-chave: Confluência; Mundo outrem; Cosmofilia

Abstract

In this article, it is intended to think about how colonialism acts in human formation, either by restricting thought to an “ordained world” or conditioning the human being to a distancing from nature. These two situations will be problematized from a confluence between the thesis of Antônio Bispo dos Santos, Denise Ferreira da Silva and Davi Kopenawa with the intention of thinking about another world in which the human being is in harmony with the cosmos. With this, the interest is to enunciate a counter-colonialist human formation.

Keywords: Confluence; Other world; Cosmophilia

Resumen

En este artículo se pretende pensar en cómo el colonialismo actúa en la formación humana, ya sea organizando el pensamiento para un “mundo ordenado” o condicionando al ser humano a un distanciamiento de la naturaleza. Estas dos situaciones serán problematizadas a partir de una confluencia entre las reflexiones de Antônio Bispo dos Santos (2015), Denise Ferreira da Silva (2019) y Davi Kopenawa (2015) con la intención de pensar en otro mundo en el que el ser humano esté en armonía con el cosmos. Con esto, el interés es enunciar una formación humana contra-colonialista.

Palabras clave: Confluencia; Otro mundo; Cosmofilia

Introdução

A construção deste território chamado Brasil fez-se a partir de encontros mediados pela violência que, para Abdias do Nascimento (2019, p. 73), se constitui no “[...] paternalismo benevolente tão luso-brasileiro cuja proclamada ‘missão civilizadora’ só tem contribuído para o esmagamento físico e cultural dos negros e dos índios em benefício da supremacia arianizante”. Uma “missão” impulsionada por uma visão colonial que pretende avaliar o quanto falta em uma cultura para ter contributos à humanidade. Inclusive na predominância desse “paternalismo” e de adequação cultural, as principais capitais brasileiras aproximaram-se, desde as suas fundações, de uma arquitetura “trompe-l’oeil1 para reproduzir um cenário europeu. Muniz Sodré (2019), acerca disso, comenta que

[...] tanto para a ‘aristocracia’ dos senhores de engenho quanto para a pequena burguesia dos negociantes urbanos em busca de alianças vantajosas e de ascensão social, a ‘europeização’ dava status, compensava handicaps raciais, como pele não perfeitamente clara, mulatice etc. e criava distâncias, ao nível do espaço real, em face da população negra. (SODRÉ, 2019, p. 36).

Contra isso, este artigo traça o encontro africano e indígena como uma forma de resistência contra colonial ao modelo único da cultura humana. Um encontro que ressoa no anúncio de Antônio Bispo dos Santos de que “não existe coincidências, mas confluências”2. Uma confluência que se faz como arte, habilidade e difícil de exercer, pois nos coloca as seguintes perguntas: O que ainda há de colonial em nós para extirpar? Como o colonialismo se movimenta atualmente na nossa compreensão de humano? Com essas perguntas, pretendemos situar este artigo entre a Filosofia e a Educação de maneira a revelar um pensamento conjunto entre tais áreas e interrogar: É a Filosofia que pensa a Educação ou a Educação que transforma a Filosofia? Com essa pergunta guia, almejamos problematizar o discurso colonialista acerca da formação humana e destacar a pluralidade de vozes.

Vale ressaltarmos que o colonialismo é tratado, normalmente, como evento histórico de invasão e de interferência cultural, econômica e política em um determinado território para transformá-lo em colônia. Por efeito dessa invasão, cria-se uma dependência com a metrópole, que, estratificada em períodos históricos, perpetua meios de controle e de domínio geralmente naturalizando a inferioridade das colônias. Com isso, a necessidade de um “ir à metrópole” é frequentemente sedimentada na mente dos colonizados tal como um desejo para evolução do próprio espírito. Segundo Fanon (2008, p. 36-37): “Há um fenômeno psicológico que consiste em acreditar em uma abertura do mundo na medida em que as fronteiras, cada vez mais, perdem importância. O negro, prisioneiro na sua ilha, perdido em um ambiente sem saída, sente este apelo da Europa como uma lufada de ar fresco”.

Perante essa movimentação contínua nas colônias, vários pensadores e pensadoras voltaram-se com suas análises acerca dessa dependência e qual a saída para a pessoa colonizada libertar-se das amarras coloniais. Entre tais pensadores, Aníbal Quijano percebeu e nomeou a colonialidade do poder como um artifício de domínio e controle fundado na ideia de raça, constituída pela racionalidade do eurocentrismo, e que “[...] provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi construído” (QUIJANO, 2005, p. 227).

Com a presença de tal duração, no início do século XXI, pensadores e pensadoras latino-americanos/as propuseram o “giro decolonial”, cuja temática possui como uma das matrizes a percepção de que, além do eixo do poder, a colonialidade atua no ser e no saber. Essa tríade possui a dinâmica de “[...] transcender a suposição de certos discursos acadêmicos e políticos, segundo o qual, com o fim das administrações coloniais e a formação dos Estados-nações na periferia, vivemos agora em um mundo descolonizado e pós-colonial” (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p. 13). Por isso, Santiago Castro-Gomez e Ramon Grosfoguel (2007, p. 13) comentam acerca de uma “transição do colonialismo moderno à colonialidade global”, adquirindo formas de dominação em que a estrutura relacional centro-periferia é amplificada ao mundo todo.

Desse modo, como residimos em uma “pós-colônia” com suas peculiaridades históricas e geográficas, a epistemologia local testemunha as concepções de grupos subalternizados com uma complexidade linguística, estética e cultural que ultrapassa os artifícios globais como o multiculturalismo. Por isso, Catherine Walsh (2007, p. 55) alerta que “[...] ‘o reconhecimento de’ e ‘a tolerância’ aos outros que o paradigma multicultural promete, não apenas mantém a desigualdade social, mas deixa intacta a estrutura social e institucional que constrói, reproduz e mantém as desigualdades”. A saída desse problema envereda para uma ação contrária às noções políticas fundadas na subalternidade colonial e no “racismo epistêmico da modernidade” (MIGNOLO, 2003, p. 49), conclamando a urgência de uma decolonização epistêmica.

Apesar dessa urgência, Bispo dos Santos (2019) compreende o movimento decolonial como insuficiente por somente desmanchar o colonialismo, pois “[t]emos de triturar o colonialismo, para não sobrar um pedaço que se aproveite” (BISPO DOS SANTOS, 2019, p. 25). Assim, o autor propõe o contra colonialismo para que o nosso pensamento seja conduzido pela noção de circularidade e pela interação entre os povos que sofreram invasões coloniais em seus territórios. A partir dessa interação, o autor amplia a palavra confluência para outro sentido, o qual podemos entender como efeito do encontro de povos africanos e indígenas, os pindorâmicos3, que sem perder as singularidades estabelecem uma cosmologia contra colonial. A confluência consistiria, desse modo, no encontro que promove uma conversa sobre algo comum. O comum, neste artigo, trata da resistência ao colonialismo e, justamente se baseando nessas argumentações de Bispo dos Santos, pretendemos, aqui, pensar uma formação humana em interação e em diálogo com as singularidades de nosso território afro-pindorâmico.

Ademais, na participação em um webinário - junto ao antropólogo Márcio Goldman - no ano de 2020, Bispo dos Santos apresentou uma perspectiva que influenciou a composição deste artigo: uma educação cósmica; sobre ela, o autor assim explica:

[...] é para dizer que cada vez que você adjetiva uma coisa... aí quando você diz: cosmo-educação. Você tá indo do cosmo para a educação, você tá indo do integrado para o segmentado. Cosmo é o integrado, educação é o segmentado. Então você tem que dizer assim: educação cósmica. É o contrário! O que é que eu acho da educação cosmológica ou da educação cósmica e não da cosmo-educação? Cosmo-educação é colonialismo puro, agora educação cósmica é contra colonialismo. A gente tem que contra colonizar tudo! (BISPO DOS SANTOS; GOLDMAN, 2020, 1h21m05s).

Para a tarefa de pensar uma educação cósmica, no primeiro momento, é preciso situar que o “cósmico” diz respeito a como organizamos o mundo. Sabendo que a nossa modernidade organizou para estruturar um “mundo ordenado”, traremos as argumentações de Denise Ferreira da Silva (2019) acerca do “mundo implicado” para questionar as estruturas habituais da modernidade e projetarmos a existência de um mundo outrem. Em seguida, é importante entender como essa tentativa ocidental de organização do mundo se volta para uma conformidade de uma vivência dentro de expectativas fundadas em uma “cosmofobia”, por isso recorremos ao relato de Davi Kopenawa (2015) acerca do risco de “virar branco” para, ao fim, pensarmos uma cosmofilia. Ambas as conversas se encontram ao fim para aquilo que Bispo dos Santos anunciou como “educação cósmica” e, enquanto tal, nos fundamenta para uma formação humana contra colonialista.

Mundo outrem

Denise Ferreira da Silva (2019) tece críticas ao mundo ordenado pela Modernidade que, na preocupação em desvendar “as causas secundárias (eficientes)” do movimento, constrói uma estrutura calcada na separabilidade, na determinabilidade e na sequencialidade. Essa estrutura envolve a ideia de que aquilo que pode ser conhecido depende das formas internas ao sujeito de tempo e de espaço em que, nas categorias presentes no próprio entendimento, se torna capaz de produzir conceitos (programa kantiano) e, também, processa a atualização dos binômios corpo e mente, espaço e tempo, natureza e cultura, em um autodesenvolvimento da Razão enquanto liberdade (sistema hegeliano). Esse mundo ordenado trata-se, para a autora, de uma “manobra” com a finalidade de fundar uma temporalidade que permite uma estratificação das culturas humanas, com elevação da europeia, pois os “[...] diferentes momentos do desenvolvimento do Espírito, postula que as configurações sociais da Europa pós-Iluminista são o ápice do desenvolvimento do Espírito” (SILVA, 2019, p. 39).

Silva (2019) acrescenta que essa “manobra” se afirma pela lógica da obliteração, a qual possibilita ao sujeito moderno sustentar-se como um ser autodeterminado e, definindo em sua óptica, uma identidade acima da do outro. Esse outro torna-se um dispêndio e, portanto, marcado racialmente: “Centenas de pessoas negras e não-brancas comprimem-se em botes frágeis, dezenas avançam para embarcar em trens nas fronteiras da Itália e da Áustria, caminhando por cercas de arame farpado ao longo da fronteira Croácia-Hungria, ou presas na Selva de Calais” (SILVA, 2020, p. 206). Por isso, cada vez mais fica impossibilitada a separação entre Estado e Capital, pois são um par jurídico-econômico baseado na racialidade: “Na verdade, qualquer análise séria do modo corrente de operação do duo Estado-Capital exige uma atenção à gramática racial, porque esta organiza o espaço global, orientado pela realização da necessidade de dirimir e dissipar os efeitos da racialidade” (SILVA, 2019, p. 37). Agravado pela ocultação premeditada, forja uma dívida impagável, não no sentido de insuficiência financeira, mas por não reconhecer o débito desse sujeito moderno perante os outros. Assim sendo, “[...] apenas um pensamento complexo, não-linear, pode traçar como a matriz colonial (jurídico-econômica) que sustentou o capital mercantil opera através do arsenal racial (político-simbólico) que continua a alicerçar o capital industrial, bem como o capital financeiro por meio da violência racial” (SILVA, 2020, p. 207). Em suma, a violência torna-se o elo fundante desse “mundo ordenado” em que sua dinâmica faz uso da racialidade como justificativa para as ações do Estado.

Tais justificativas geralmente são traduzidas em ações de regulação e extermínio de corpos entendidos como descartáveis - jovens, negros e pobres - em nome da preservação de um status quo privilegiado pelas políticas públicas. Por consequência, não há qualquer crise ética nessa descartabilidade de corpos, já que interpretados como ameaça o próprio espaço que eles habitam se torna um morticínio:

Na maioria desses casos, as cortes de administração de justiça não registraram essas mortes como crime em decisões que insistentemente mobilizaram a negridade (das vítimas ou dos lugares onde foram mortas) como evidência de que a violência total foi uma resposta lógica a uma situação de perigo mortal, ou seja, o fato de que os que dispararam os tiros se encontravam diante de um corpo negro ou num território negro (SILVA, 2019, p. 35).

Justamente a partir dessa descartabilidade que, para a autora, as operações de racialidade em caráter global impulsionaram o capital para a expropriação e a exploração de corpos e territórios. Agregadas às políticas neoliberais, não apenas intensificam os desastres naturais causados pelo aquecimento global, mas também sustentadas pela “crise dos refugiados” em diversas partes do globo “[...] entre outras coisas, facilitou tanto um endurecimento do aparato de policiamento das fronteiras, como o crescimento de discursos e práticas que mobilizam uma forma letal (branca) de política de identidade” (SILVA, 2019, p. 36). Não gratuitamente, Asad Haider (2019) observa que essa política neoliberal cada vez mais tem como característica a política da “sujeição” ao poder em que se alimenta retoricamente das identidades para impor uma leitura de mundo totalizante e reducionista. Por efeito, “[...] nossa capacidade de ação política através da identidade é exatamente o que nos prende ao Estado, o que assegura nossa contínua sujeição” (HAIDER, 2019, p. 35). No entanto, para Silva (2019), até mesmo no campo marxista europeu há uma ausência de atenção por partes de seus pensadores perante o modo do capital/global utilizar-se do “outro racial” para introduzir suas ideologias, pois tais pensadores ainda articulam suas leituras fundadas no pensamento linear, “[...] ou unidimensional, que subjaz essa aplicação da diferença cultural em seu discurso rompe as ligações entre as várias encarnações do capital através do tecido do espaço-tempo global” (SILVA, 2020, p. 208).

Outro fator trata da influência para o descentramento do sujeito, diante do qual as críticas de Silva se aproximam das interpretações pós-coloniais de Gayatri Spivak (2010), em que pensadores europeus são incapazes (ou são indiferentes) de imaginar o Poder ou o Desejo presente nos “outros da Europa”. “Outros” que não possuem nomes próprios, sempre direcionado ao anonimato do grupo, ainda assim são os que possibilitam a constituição do sujeito como sendo Europa: “É também porque, na constituição do outro da Europa, um grande cuidado foi tomado para obliterar os ingredientes textuais com os quais tal sujeito pudesse se envolver emocionalmente e pudesse ocupar seu itinerário” (SPIVAK, 2010, p. 46). Essa obliteração tem precisamente nas práticas educativas o meio mais fortuito, pois o “outro” é a pessoa colonizada que, com essa identificação, recebe a violência epistêmica perante a qual lhe torne interdito a fala. Sempre necessita de um conhecimento exógeno para fundamentar o próprio pensamento. Assim, os praticantes da violência epistêmica ocultam as assimetrias culturais e precarizam as subjetividades outras, porém, para Spivak (2010), a contraposição não se refere apenas em denunciar como a história é forjada pelas narrativas imperialistas ou descrever como as coisas eram antes da colonização; trata-se “[...] ao contrário, de oferecer um relato de como uma explicação e uma narrativa da realidade foram estabelecidas como normativas” (SPIVAK, 2010, p. 48). Desse modo, busca-se entender como impuseram uma interpretação homogênea, linear, de mundo como normal, e como anormal a transformação do mundo em que os corpos estejam implicados um no outro.

A proposição de corpos implicados é a chave para Silva (2019) nos convidar a imaginar um mundo outrem - principalmente rompendo com o princípio da “separabilidade”, já que “[...] esse princípio considera o social um todo composto de partes formalmente independentes” (SILVA, 2019, p. 43). Na verdade, essas partes servem de compartilhamentos para acionar quando convém uma “noção ética de humanidade” que se identifica com as coletividades branco-europeias. Contra isso, Silva (2019) traz à tona uma poética negra feminista com uma pergunta especulativa:

E se, em vez de o Mundo Ordenado, imaginássemos cada coisa existente (humano e mais-que-humano) como expressões singulares de cada um dos outros existentes e também do tudo implicado em que/como elas existem, ao invés de como formas separadas que se relacionam através da mediação de forças? (SILVA, 2019, p. 43, grifos da autora).

No “em que/como” a especulação da resposta se materializa quando mobilizamos a “negridade”4 enquanto guia para o mundo outrem. Sempre faturando a universalidade e expondo a violência inerente “[...] à ilusão de que valor é efeito e realização da autodeterminação (da autonomia ou da agência). Porque se trata de uma mobilização tática da formalização e não de uma elaboração discursiva” (SILVA, 2019, p. 123). Isso apresenta - pode não aparentar - dificuldades para entender a quem podemos nos aliar epistemicamente. Por exemplo, lemos na introdução deste artigo que Quijano nomeou a colonialidade do poder, a partir dela o autor entendeu como no colonialismo a diferença racial se notabilizou como argumento para o grupo branco-europeu se apropriar das terras do nosso continente e de outras ao redor do Globo. Isso poderia nos sugerir que há possibilidade de inferir nas teses de Quijano uma descrição da tríade colonial, racial e capital. No entanto, para Silva (2019), não podemos assumir completamente as teses desse autor, pois ele parte de uma temporalidade linear, e a classificação racial e as hierarquias raciais são exteriores à “[...] produção capitalista de valor porque esta requer trabalho remunerado” (SILVA, 2019, p. 158). Desse modo, a autora propõe uma “[...] figuração fractal da tríade formada pelo colonial, racial e capital que, ao violar a separabilidade, provoca o colapso de seus efeitos, quer dizer a anterioridade e a exterioridade” (SILVA, 2019, p. 158). Na linha dessa “figuração fractal” cada vez mais a relação com a totalidade se manifesta tal como uma implicação, um momento de “infinidade”, como se os corpos se tocassem e estendessem um ao outro formando, assim, um encontro de potencialidades.

Um encontro que, em conversa com o Bispo dos Santos, nos deparamos com a dinâmica da circularidade e a sua interação com todas as formas de vida. Nessa interação circular, o antropocentrismo é ultrapassado, rompendo a separabilidade entre os viventes. Por isso, na conversa entre Denise Ferreira da Silva e Antônio Bispo dos Santos, percebemos como uma formação humana contra colonialista se faz, por exemplo, nos terreiros em que “[...] as deusas e [os] deuses se manifestam, compartilhando a sabedoria da ancestralidade e a força viva da natureza, de acordo com a situação de cada pessoa da comunidade” (BISPO DOS SANTOS, 2015, p. 40) e, para tanto, desloca as estruturas do “mundo ordenado” tornando “[...] compreensível a figura da dívida impagável” (SILVA, 2019, p. 161).

Cosmofilia

A formação humana a partir dos terreiros é uma ação contra colonialista não somente por romper com a lógica da sequencialidade, que segue o pensamento linear, mas por enfatizar a circularidade propicia a vinculação entre humanos e divindades, entre o visível e o invisível de modo a se opor ao sentimento de cosmofobia do colonizador. Um sentimento que, de acordo com Bispo dos Santos (2015, p. 31), trata o mundo como uma “vale de lamentações” e, por isso, “[...] amaldiçoa a terra e determina uma relação fatigante entre o seu povo e a terra, classificando os seus frutos como espinhos e ervas daninhas e impondo aos condenados que não comam de tais frutos”. Para aprofundar essa conversa, trazemos Davi Kopenawa (KOPENAWA; ALBERT, 2015) e seu relato de, quando criança, se deparou com o processo de evangelização dos missionários. Esse relato permite ilustrar como o temor colonialista do cosmo é construído por meio de um estranhamento acerca da própria natureza.

Kopenawa inicia seu relato lembrando de como o encontro com os missionários era algo frequente na sua infância, principalmente na tentativa de aproximá-lo dos preceitos evangélicos por meio de palavras sobre “Sesusi” ou “Teosi”, que inclusive a imposição dessa crença se tornou um incômodo: “Os missionários já nos enganaram o suficiente naquele tempo! Cansei de ouvi-los dizer: ‘Sesusi vai chegar! Vai descer até vocês! Chegará em breve!’. Mas o tempo passou e eu ainda não vi nada! Então fiquei farto de escutar essas mentiras” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 274). O incômodo tornou-se uma via de mão dupla, já que os missionários também se incomodavam por Kopenawa não absorver tais palavras: “‘Davi, seu pensamento está escurecido! Satanasi se apoderou de você! Se continuar dando ouvido às palavras dele, vai arder no grande fogo de Xupari! Pare de responder aos xapiri5, para que seu pensamento possa se abrir novamente com as palavras de Teosi! É ele que vai realmente protegê-lo!’” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 275).

Com esse duplo incômodo, de início, percebemos que a organização colonialista perante o cosmo se dá pela linguagem, ou, ainda, na transmissão da palavra no mundo quase sem medir as suas implicações; porém, para os xamãs, o ato de enunciar detém uma importância que não pode ser atribuída de maneira gratuita: “Os xamãs por acaso ficam repetindo essas coisas à toa, sem parar? Não: bebem o pó de yãkoana e logo fazem descer a imagem de seus espíritos. E só” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 274). Por isso, “o falar sobre” marca a relação com os espíritos, mas também o “comunicar-se com”, tanto que Kopenawa continua o relato que “[...] quando me tornei adulto, decidi fazer dançar os xapiri como os antigos faziam no tempo da minha infância. Desde então, só escuto a voz deles” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 274). A situação de somente estar “falando pelas divindades” provoca um distanciamento do ser humano com a própria natureza e ativa a sensação de temor e medo: “[Teosi] não é nem um pouco amigo dos habitantes da floresta. Ele não cura nossas crianças. Tampouco defende nossa terra contra os garimpeiros e fazendeiros. Não é ele que nos faz felizes. Suas palavras só conhecem ameaça e medo” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 274). Nesse sentido, o ato de criar “ameaça e medo” configura-se pelo modo colonialista em reduzir a divindade a palavras e adequar o cosmo a tais palavras.

Na continuação do relato de Kopenawa, lemos que o envolvimento com a divindade acontece pela imagem (utupë), tanto que “Teosi” e o demiurgo Yanonami “Omama” são semelhantes por lhes encontrarmos apenas como nomes-imagem: “Hoje Teosi está morto, tanto quanto Omama. Deles só restam os nomes, seus valores de fantasma. A imagem de Teosi talvez cuide dos brancos (napë)6. Eles devem saber. Nós, em todo caso, sabemos muito bem que ela não protege nada os habitantes da floresta!” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 275). Acrescentando que essa questão da imagem se diferencia da compreensão fundante do ocidente:

Kopenawa compara os espíritos a simulacros (imagens de espelho), afirmando a multiplicidade como seu caráter essencial. A suposta unidade imutável da Ideia é ao mesmo tempo deslocada para o lado dos nomes, que constituem, por sua vez, apenas uma ‘aparência’ dos espíritos. Bem às avessas de platonismo, temos uma espécie de nominalismo exorbitante, que submete a unidade do nome à multiplicidade da imagem. Um nome está para as imagens que designa como alguém, “sozinho”, diante de seus reflexos em espelhos justapostos ao infinito… Há nisso uma inversão radical do platonismo: os simulacros são “os verdadeiros maiores”. (VALENTIM, 2018, p. 224-225).

Assim, podemos compreender que as imagens de “Teosi” e “Omama” não possuem uma diferença intrínseca. A diferenciação aparece na referência a quem cada imagem está relacionada, inclusive Kopenawa narra o momento em que seu sogro presencia a origem conjunta dessas divindades por meio do conflito:

Ele [o sogro] morreu várias vezes e seus espíritos sempre o trouxeram de volta à vida. Foi morrendo desse modo que ele também viu Omama e Teosi se enfrentarem. Contou-me como ambos surgiram, juntos, quando a floresta começou a existir. Mas Teosi logo ficou furioso contra Omama, por achá-lo habilidoso demais. Sua capacidade de criar as coisas da floresta o deixava enciumado. De raiva, acabou matando-o. Então Omama, tornado fantasma, vingou-se de Teosi e, por sua vez, destruiu-o. Depois disso, o fantasma de Teosi foi morar além do céu, acima da terra dos brancos. O de Omama permaneceu acima de nossa floresta, próximo dos xapiri. Desde então, as imagens dos dois ficaram afastadas uma da outra. Tudo isso aconteceu depois que Omama fugiu de nossa floresta em direção a jusante dos rios, onde criou os brancos. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 277).

“Desde então, as imagens dos dois ficaram afastadas uma da outra” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 277) - com esse afastamento, abre-se outra condição ao relacionamento do cosmo: cada imagem da divindade situa-se em um modo coletivo de vida. Precisamente, as “[...] palavras de Omama e as dos xapiri são muito antigas. Só elas podem nos fazer felizes. Imitar as de Teosi e dos brancos não nos vale de nada. Elas só podem nos atormentar. É por isso que penso que devemos seguir os rastros de nossos antepassados, assim como os brancos seguem os dos deles” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 290). É nessa diferença de posicionamento em relação ao cosmo que, para os Yanomamis, o ato de “transformar-se em outro” possui uma especificidade, pois, conforme relata Kopenawa, na adolescência, houve o desejo de “virar-branco”, ou seja, assumir tal figurino de vida: calçar tênis, vestir calça, pentear o cabelo similar aos brancos, etc. Contudo, o autor tão logo percebeu que, nesse “virar-branco”, há um risco, pois: “A mente dos rapazes que querem virar brancos está cheia de fumaça! É por isso que, quando me tornei adulto, decidi guardar em mim os dizeres de nossos avós, mesmo se eles morreram há muito tempo” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 290).

A ancoragem nos dizeres dos mais antigos torna-se uma estratégia para manter-se em segurança diante do risco em “virar branco” e se perder naquilo que podemos dizer como desejo em acumular. Tal desejo é o cerne da diferenciação do branco (napë) perante os povos da floresta, pois, mesmo havendo uma semelhança originária no comportar-se com a terra, com o passar do tempo houve um distanciamento: “No começo, a terra dos antigos brancos era parecida com a nossa. Lá eram tão poucos quanto nós agora na floresta. Mas seu pensamento foi se perdendo cada vez mais numa trilha escura e emaranhada” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 407). Essa perda do pensamento transformou os brancos (napë) em “povo da mercadoria”. Essa transformação afetou o pensamento que constituiria a harmonização entre o ser humano e a natureza ao menos em três maneiras. 1) Rejeição dos ensinamentos dos antepassados: “Seus antepassados mais sábios, os que Omama criou e a quem deu suas palavras, morreram. Depois deles, seus filhos e netos tiveram muitos filhos. Começaram a rejeitar os dizeres de seus antigos como se fossem mentiras e foram aos poucos se esquecendo deles” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 407); 2) Desejo exacerbado pela extração: “Puseram-se a desejar o metal mais sólido e mais cortante, que [Omama] tinha escondido debaixo da terra e das águas. Aí começaram a arrancar os minérios do solo com voracidade. Construíram fábricas para cozê-los e fabricar mercadorias em grande quantidade” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 407); 3) Apropriação incessante de todas as terras:

Foi com essas palavras da mercadoria que os brancos se puseram a cortar todas as árvores, a maltratar a terra e a sujar os rios. Começaram onde moravam seus antepassados. Hoje já não resta quase nada de floresta em sua terra doente e não podem mais beber a água de seus rios. Agora querem fazer a mesma coisa na nossa terra. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 407).

Essas três maneiras promovem a sensação de que a floresta é uma paisagem e, portanto, o derrubar das árvores para instituir um latifúndio e abrir crateras em montanhas para o garimpo são ações comuns para produzir “mercadorias”. A grande questão é que tal sensação está articulada a um planejamento educacional que justamente luta para manter esse desejo desmedido e caracteriza as relações com o “outro” e com o mundo calcadas pelo extermínio. Um extermínio que atua, pelo menos, em quatro frentes: o genocídio, que explicitamente aniquila os corpos; do etnocídio, que promove o apagamento de culturas e de religiões; do epistemicídio, que deslegitima as fontes e as produções de conhecimento de determinados grupos humanos; e do ecocídio, que regula a interação com as diferentes formas de vidas em prol de um desenvolvimento. Com isso, há uma afirmação de rompimento com o cosmo. Na verdade, Kopenawa observa que, para os brancos (napë), tudo deve se encontrar em torno de si, por efeito impedem que o encontro aconteça, pois o bom encontro é aquele que pode nos modificar. Emergidos nesse pensamento “entorno de si”, é que fazem política, a qual, para Kopenawa, “[...] não passa de falas emaranhadas. São só as palavras retorcidas daqueles que querem nossa morte para se apossar de nossas terras” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390). Para isso, os brancos (napë) planejam um convencimento do “outro” para ser aquilo que lhe convém. Não devemos esquecer que, aqui, está em questão o prevalecimento de um “mundo ordenado”, portanto: “Em muitas ocasiões, as pessoas que proferem [as falas emaranhadas] tentaram me enganar dizendo: ‘Sejamos amigos! Siga o nosso caminho e nós lhe daremos dinheiro! Você terá uma casa, e poderá viver na cidade, como nós!’” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390). Caso os seguissem, os pensamentos não se expandiriam e as palavras não alcançariam outras peles, outras casas, outros territórios, enfim viraria branco. No entanto, Kopenawa adverte que, apesar dos napë sonharem tão longe quanto os Yanomami, ainda assim: “Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos. Seu pensamento permanece obstruído e eles dormem como antas ou jabutis. Por isso não conseguem entender nossas palavras” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390).

Esse “sonhar consigo mesmo” não se reduz a um caráter narcísico, já que alerta para o quanto não somos educados para escutar e acolher as palavras de um mundo outrem, cujos sonhos galgam a “[...] restauração do valor total expropriado de terras nativas e corpos escravos [...]” e, por conseguinte, tais eventos deixem de ser “[...] tão improvável quanto incompreensível” (SILVA, 2019, p. 37). Desse modo, Kopenawa explica que: “Para nós, a política é outra coisa. São as palavras de Omama e dos xapiri que ele nos deixou. São as palavras que escutamos no tempo dos sonhos e que preferimos, pois são nossas mesmos” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390), ou seja, uma cosmofilia.

Formação cosmológica

As problematizações presentes neste artigo apresentaram, no primeiro momento, a maneira como o colonialismo adentra a nossa ordenação de mundo a partir da separação entre os grupos humanos e entre humanos e “mais-que-humanos”, geralmente determinados pela prática de violência no “outro racial”, uma violência fundamentada jurídica-economicamente em uma linearidade do pensamento. Em seguida, nós tratamos do modo como a mente ocidentalizada observa e compreende a interação com o sobrenatural a partir de uma conformidade com essa ordenação de mundo, reduzindo as palavras em descrições de experiências acerca do cosmo em torno do ser humano, não permitindo uma abertura aos espíritos e à própria natureza. Esses dois momentos se imbricam no caráter filosófico e educacional em que, em uma interferência mútua, possibilita uma teorização da práxis humana e uma práxis da teorização humana. Entretanto, no intuito de aprofundarmos naquilo que Bispo dos Santos nomeia como “Educação Cósmica”, retomamos a oralidade desse autor no mesmo webinário anteriormente citado, e, então, ouvimos da sua exposição uma problematização do termo educação e uma proposta a partir do termo formação:

[...] a gente tem que anular esse repertório. A guerra das denominações é uma disputa de repertório, nós precisamos anular o repertório colonialista. Isso... anular não, contrariar, anular é violento, nós temos que contrariar o repertório colonialista. Então é dizer que nem cosmo-educação, nem cosmo-política, nem cosmo adjetivado. Cada vez que você adjetiva uma questão é porque você não consegue apresentar a imagem dessa questão. Então o que eu quero dizer é que não é cosmo-educação é educação própria. Não é nem educação... Aliás, taí [sic]. gostei da pergunta! Educar é a mesma coisa de adestrar. A educação é um adestramento e você adestra para quê? Ou para o trabalho ou para o entretenimento, então não é educação, é formação! Formação cosmológica! Essas são as palavras que nos movem para a confluência. (BISPO DOS SANTOS; GOLDMAN, 2020, 1h20m40s, grifos nossos)

O deslocamento para o termo “formação” evoca o principal entendimento deste artigo: educação é formação humana. Caso contrário, concordamos com a afirmação do autor acerca do adestramento. Acrescentamos que esse “humano” está articulado a alguns desafios à nossa filosofia da educação: a poética negra feminista, o pensamento xamânico e a biointeração contra colonialista. Para explicitar tais desafios, o primeiro trata de aceitar um mundo implicado entre todos os corpos, por meio da intervenção poética que expõe a lógica da violência arquitetada colonialmente como natural aos corpos negros, e “[...] identifica e mobiliza o excesso que sustenta a lógica como um índice de uma outra imagem do mundo e das possibilidades que esta abriga” (SILVA, 2019, p. 36). O segundo é fazer uma filosofia em diálogo com um pensamento que “[...] se estende por toda parte, debaixo da terra e das águas, para além do céu e nas regiões mais distantes da floresta e além dela. Eles conhecem as inumeráveis palavras desses lugares e as de todos os seres do primeiro tempo” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 468). Por fim, no ajuntamento do pensamento xamânico e da poética negra feminista, o terceiro desafio é um posicionamento no mundo em que a interação com qualquer ser da natureza acontece via organicidade e em circularidade: “Pois sem a terra, a água o ar e o fogo não haverá condições sequer para pensarmos em outros meios. Eis aí o grande desafio resolutivo para que possamos chegar ao nível de sabedoria e bem viver por muitos ditos e sonhados” (BISPO DOS SANTOS, 2015, p. 91).

Levar a sério esses desafios implica uma interpretação do cosmo a partir da combinação de sentidos para, assim, produzir conhecimentos encarnados no mundo e entendendo o individual como expressão do coletivo de vida. Em decorrência, o entendimento colonial de que o corpo negro seja desde sempre uma mercadoria, um objeto, é expurgado pelo anúncio de uma variedade de possibilidades de conhecer, da fazer e de existir. Por isso que, para Bispo dos Santos (2015, p. 91), “[...] um dos meios necessários para chegarmos a esse lugar é transformarmos as nossas divergências em diversidades, e na diversidade atingirmos a confluência de todas as nossas experiências”. Tais transformações e confluências quando inseridas na nossa filosofia tece uma série de disputas com o colonialismo em prol de um relacionamento do ser humano com o cosmo em uma formação contra colonialista, “[...] porque mesmo que queimem a escrita, não queimarão a oralidade. Mesmo que queimem os símbolos, não queimarão os significados. Mesmo queimando o nosso povo, não queimarão a ancestralidade” (BISPO DOS SANTOS, 2015, p. 45).

1Significa uma invenção renascentista em que utilizando do jogo mimético de terceira dimensão faz o olhar crer que objeto representado é real: “O trompe-l’oiel é, na verdade, uma simulação do real (e não a sua representação), os objetos pintados são verdadeiros simulacros, uma pura ‘sedução do espaço pelos signos do espaço’” (SODRÉ, 2019, p. 35, grifo do autor).

2Título do vídeo jornalismo da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS) - Direitos Culturais e Cultura dos Direitos. Na apresentação “Quem sou eu e por que estou aqui - Antônio Bispo (Teresina-PI)”, em 30 de outubro de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yn7Ba1Xhp6E. Acesso em: 19 jul. 2021.

3Bispo escreve que uma das principais ações dos colonialistas é nomear o “descoberto” para lhe retirar a potência. Assim aconteceu com os povos originárias desta terra que, apesar da sua diversidade, foram reduzidos à palavra “índio”. O autor utiliza o termo “pindorâmicos” para referir-se a tais povos; embora seja generalista, há um respeito acerca daqueles primeiros “maus encontros” entre os portugueses e os pindorâmicos: “Como sabemos, esses povos possuem várias autodenominações. Os colonizadores, ao os generalizarem apenas como ‘índios’, estavam desenvolvendo uma técnica muito usada pelos adestradores, pois sempre que se quer adestrar um animal a primeira coisa que se muda é o seu nome. Ou seja, os colonizadores, ao substituírem as diversas autodenominações desses povos, impondo-os uma denominação generalizada, estavam tentando quebrar as suas identidades com o intuito de os coisificar/desumanizar. Mesmo compreendendo isso, vou utilizar também de forma generalizada o termo povos pindorâmicos com a intenção principal de contestar a denominação forjada pelos colonizadores” (BISPO DOS SANTOS, 2015, p. 27).

4Termo utilizado por Denise Ferreira da Silva para referir-se aos modos de interferência no mundo pela população racializada como negros e, também, como interferência ao plano cultural, jurídico e econômico do modo ontoepistemológico da modernidade.

5Xapiri são como gente-espírito que servem de guarda e proteção à floresta e perante os quais os xamãs conversam durante a mediação entre os planos cósmicos.

6Aqui vale destacarmos que o termo “branco” não possui o caráter racial de um grupo hegemônico, mas diz respeito ao termo yanomami napë que, em uma condição relacional, tem o significado de “inimigo”. Acerca disso, ver o prólogo O Recado da Mata, de Eduardo Viveiros Castro (2015), para edição brasileira de A Queda do Céu.

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Recebido: 22 de Julho de 2021; Revisado: 03 de Maio de 2022; Aceito: 04 de Maio de 2022; Publicado: 13 de Maio de 2022

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