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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 27-Ago-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19412.074 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, espaços e tempos

Diálogos entre as escolas e os saberes das comunidades quilombolas: a descolonização/decolonização do currículo a partir da Lei No 10.639/2003

Dialogues between schools and the knowledge of Quilombola communities: the decolonization of the curriculum from Law no. 10.639/2003

Diálogos entre las escuelas y los saberes de las comunidades quilombolas: la descolonización/decolonización del currículo a partir de la Ley No 10.639/2003

Marco Antonio Leandro Barzano* 
http://orcid.org/0000-0003-3273-9216

Maria Cristina de Jesus Sampaio** 
http://orcid.org/0000-0003-4424-3197

André Carneiro Melo*** 
http://orcid.org/0000-0003-1974-0052

*Universidade Estadual de Feira de Santana. Programa de Pós-Graduação em Educação. Doutor em Educação.

**Secretaria Municipal de Educação de Feira de Santana. Mestre em Educação.

***Instituto Federal Baiano. Doutor em Ensino, Filosofia, História das Ciências.


Resumo

Este artigo apresenta uma reflexão sobre experiências ocorridas entre escolas e comunidades quilombolas baianas, a partir da Lei No 10.639/2003, que se refere à articulação entre os processos educativos que ocorreram em escolas e comunidades, sobretudo em relação ao campo do currículo. O referencial teórico adotado é a partir de uma perspectiva decolonial e a metodologia utilizada foi de cunho qualitativa, com utilização de entrevistas semiestruturadas com professoras e professores. Concluiu-se que, ao tratar-se de propostas de educação comprometidas com a justiça cognitiva/social e com a vida em sua diversidade, a participação e a representação dos sujeitos não deve ser reduzida apenas à pura formalidade, pois é necessário criar condições reais de participação efetiva das comunidades em relação às escolas, seja na elaboração, seja na implementação e na avaliação de políticas curriculares específicas em seus territórios.

Palavras-chave: Educação quilombola; Relação escola-comunidade; Lei No 10.639/2003.

Abstract

This article presents a reflection on experiences that took place between schools and Quilombola communities in the state of Bahia, Brazil, based on Law no. 10.639/2003, that refers to the articulation between the educational processes that took place in schools and communities, especially with regard to the field of curriculum. The theoretical framework adopted is from a decolonial perspective and the methodology used was of a qualitative nature, using semi- structured interviews with teachers. It was concluded that, when it comes to education proposals committed to cognitive/social justice and life in its diversity, the participation and representation of subjects should not be reduced to mere formality, as it is necessary to create real conditions for the effective participation of communities in relation to schools, whether in the elaboration or the implementation and evaluation of specific curricular policies in their territories.

Keywords: Quilombola education; School-community relationship; Law no; 10.639/2003.

Resumen

Este artículo presenta una reflexión sobre experiencias ocurridas entre escuelas y comunidades quilombolas en Bahía, Brasil, a partir de la Ley No 10.639/2003 y se refiere a la articulación entre los procesos educativos que ocurrieron en escuelas y comunidades, sobre todo en relación al campo del currículo. El marco teórico adoptado es a partir de una perspectiva descolonial y la metodología utilizada fue de carácter cualitativo, con utilización de entrevistas semiestructuradas con profesoras y profesores. Se concluyó que, por tratarse de una propuestas de educación comprometidas con la justicia cognitiva/social y con la vida en su diversidad, la participación y la representación de los sujetos no debe ser reducida a la mera formalidad, pues es necesario crear condiciones reales para la participación efectiva de las comunidades en relación con las escuelas, ya sea en la elaboración, o en la implementación y en la evaluación de políticas curriculares específicas en sus territorios.

Palabras clave: Educación quilombola; Relación escuela-comunidad; Ley No 10.639/2003.

Primeiras palavras

[…] nunca é tarde para retornar ao passado, apanhar o que ficou atrás, trazer ao presente e construir o futuro.

Adinkra1Sankofa

Este artigo refere-se às reflexões que se materializaram ao longo dos últimos dez anos de trabalho coletivo, colaborativo e de escuta sensível no âmbito de um grupo de pesquisa em uma universidade pública no estado da Bahia, a partir do desenvolvimento de pesquisas, sobretudo no que se refere ao tema relações étnico-raciais e culturas, atravessado pelo currículo.

Nesta última década, inspirando-nos no ideograma Adinkra Sankofa (NASCIMENTO, 2015), pretendemos retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro e, desse modo, apresentar o resultado de duas pesquisas realizadas em duas comunidades quilombolas e que possibilitaram ao grupo de pesquisa uma virada epistêmica, privilegiando a descolonização dos currículos, conforme proposição de Gomes (2012). Com isso, passamos a assumir e a defender novas escolhas teóricas e metodológicas, que valorizam o diálogo com sujeitos historicamente subalternizados que, infelizmente, ocupam espaços de invisibilidade.

Essa virada epistêmica tem dois motivos principais: (a) decolonizar o espaço acadêmico de produção e de elaboração da pesquisa, desde um viés epistemológico decolonial que dialogue com esses grupos historicamente subalternizados na qualidade de sujeitos enunciativos de novas formas de poder, de ser, de saber (MALDONADO-TORRES, 2007, 2008) e de produzir conhecimentos considerados válidos, a exemplo dos conhecimentos e das práticas culturais de origem negro-africana e afro-brasileira nas pesquisas acadêmicas; e (b) focar nos processos educativos tanto na escola quanto na comunidade e sua interseção, que possuem orientação com valores das populações africanas e afro-brasileiras.

A virada epistêmica está relacionada também à ideia levantada por Santos (2001) quando se refere ao epistemicídio, algo que ainda ocorre a partir de um projeto colonizador que só valoriza os conhecimentos da cultura europeia, desqualificando e até mesmo não considerando e invisibilizando os saberes daquelas e daqueles que vêm das margens (REIGOTA, 2010), dos esfarrapados do mundo, como mencionou Freire (2014), quais sejam: negras e negros, quilombolas, indígenas, povos de santo ou de terreiro, povos das águas e das florestas, pessoas da comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexo e assexuais etc.), entre outras e outros.

A geopolítica do conhecimento caracterizada pelo privilégio do pensamento em determinados lugares gera o discurso dominante e cria consensos que muitas vezes não contemplam a realidade de outra localidade, tornando-se, assim, um veículo para a colonização do conhecimento. A racionalidade lógica europeia efetivou a leitura oficial da história da humanidade, empreendendo reflexões que levaram em conta somente a experiência do continente e que se universalizou alheia às múltiplas possibilidades do conhecer (QUIJANO, 2005).

No entanto, embora exista esse controle hegemônico eurocêntrico, sobretudo no campo das Ciências, ainda é possível encontrarmos diferentes autores que argumentam e questionam a naturalidade com a qual aceitamos a ideia de que determinadas teorias produzidas em certos locais são superiores ou que possuem valores universais. Estudos recentes têm apontado para uma nova produção intelectual, pautada nas buscas por formas alternativas de conhecimento e de reflexões que consideram a realidade contextual do lugar de produção do pensar. Esse novo modo de pensar caracteriza-se pela descolonização do conhecimento a partir dos saberes marginalizados pela racionalidade ocidental. O processo de descolonização e de produção de uma epistemologia contra-hegemônica deve ser pautado na emergência de caminhos de enunciação a partir de saberes marginais subalternizados em confronto com as formas de saberes hegemônicos (MELO, 2019).

O currículo é um território em disputa não somente por conta da inclusão de novos conteúdos nas disciplinas, mas também por entender que as experiências de diferentes grupos sociais não podem ser desperdiçadas e, portanto, produzem saberes legítimos e igualmente válidos (ARROYO, 2011). Além disso, defendemos, neste artigo, a descolonização do currículo proposta por Gomes (2012, p. 107), a qual, a partir de “[…] conflito, confronto, negociações, produz algo novo […]”, seja nos processos de formação de professores/as, seja na pesquisa acadêmica, na produção de material didático, na literatura, entre outros. Dito de outro modo, o que pretendemos somar na proposição teórica nos inspiramos em Rufino (2021 p. 36-37), o qual considera a educação como ato de descolonização e que pode ser lida de muitos modos e, portanto, ela nos envolve “[…] em aprendizagens que recuperem, acionem, utilizem repertórios transgressores dos parâmetros coloniais […] ”, pois “[…] descolonizar é um ato educativo que parte da capacidade de lutar incansavelmente pela dignidade existencal dos viventes, pela diversidade, e pelo caráter inconcluso das coisas.

Diante disso, faz-se necessária a descolonização do currículo escolar que permita o reconhecimento da pluralidade de saberes (sendo um deles a ciência moderna) e em interações sustentáveis e dinâmicas, abrindo espaço para uma Ecologia de Saberes, de modo que a educação possa ser compreendida também para além dos muros da escola, em diferentes espaços sociais. As comunidades quilombolas são ricas em práticas culturais que o currículo deveria potencializar, assim como as diversas experiências com a memória biocultural, dos repertórios orais e das práticas produtivas.

Ao completar 18 anos de implantação da Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, no ano de 2021, é imperativo que olhemos para trás, simbolicamente como o Sankofa, para observar as lutas, as estratégias de resistência e as conquistas do povo negro na diáspora, sobretudo dos diversos movimentos negros no Brasil. Um olhar para analisar, no presente, os entraves, a asfixia política e os limites impostos pelo racismo estrutural e institucional às políticas educacionais de promoção da equidade étnico-racial, entraves impostos aos processos cotidianos e às agendas para se garantir a materialização da supracitada Lei em todos os níveis e todas as etapas da educação formal.

Ainda nesse mesmo movimento de giro Sankofico, também há a necessidade de projetarmos o futuro, esperançosamente, para garantir a materialização de um projeto de educação antirracista, intercultural e equitativa, com ênfase na formação para a cidadania, garantia de direitos humanos e emancipação de sujeitos historicamente invisibilizados na escola e no currículo proposto e materializado nos últimos cinco séculos.

O Sankofa, olhando para trás: conquistas dos movimentos sociais para a educação quilombola

A água sempre descobre um meio.

Provérbio Ashanti.

Se Sankofa é olhar para o passado, trazer para o presente e construir o futuro, nossa intenção, nesta seção, é focar na recuperação e na luta dos movimentos sociais, em especial do Movimento Negro, aquele que é educador (GOMES, 2017, p. 24), que “[…] articula saberes emancipatórios produzidos pela população negra ao longo da história social, política, cultural e educacional brasileira”. Para isso, mesmo tendo conhecimento da luta e da conquista desse movimento, desde o final do século XIX, realizamos um recorte temporal nos anos 2000, em que, segundo Gomes (2017), houve uma intensificação no processo de ressignificação e a politização do conceito raça desde um viés antropológico e social.

Desse modo, procuramos o caminho do meio, conforme a água que atravessa o rio, que, mesmo com barreiras, encontra uma maneira de desviar-se, de encontrar brechas para seguir seu curso. Foi desse modo que, em 2003, uma demanda educacional secular no Brasil foi conquistada com a promulgação da Lei No 10.639, sancionada no dia 9 de janeiro de 2003, há, portanto, 18 anos. Essa Lei incluiu, por meio dos Arts. 26-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) -, a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todos os níveis da Educação Básica e Ensino Superior públicas e privadas (BRASL, 2003).

Antes dessa Lei completar uma década, ocorreu, no dia 5 de junho de 2012, Dia do Meio Ambiente, “[…] a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola - Parecer CNE/CEB 16/12 e Resolução CNE/CEB 08/12 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)” (GOMES, 2017, p. 37).

Após os dez anos de implantação da Lei No 10.639/2003, Gomes e Jesus (2013) publicaram o resultado de uma pesquisa de âmbito nacional, envolvendo cinco Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros de universidades públicas federais brasileiras. Os resultados apresentados foram: os dilemas, os desafios e os limites do processo de implementação do ensino de História da África e das Culturas Afro-Brasileiras nas escolas públicas e privadas da Educação Básica brasileira. Dentre as conclusões obtidas, o artigo apresenta que

[…] o caráter emancipatório da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem contribuído para legitimar as práticas pedagógicas antirracistas já existentes, instiga a construção de novas práticas, explicita divergências, desvela imaginários racistas presentes no cotidiano escolar e traz novos desafios para a gestão dos sistemas de ensino, para as escolas, para os educadores, para a formação inicial e continuada de professores e para a política educacional. (GOMES; JESUS, 2013, p. 32).

Outras conclusões dos autores foram que:

Em algumas regiões, sistemas de ensino e escolas o processo está mais avançado, em outros ele caminha lentamente e em outros está marcado pela descontinuidade. A pesquisa revela, portanto, que não há uma uniformidade no processo de implementação da Lei 10.639/2003 nos sistemas de ensino e nas escolas públicas participantes. Trata-se de um contexto ainda marcado por tensões, avanços e limites. (GOMES; JESUS, 2013, p. 32).

Do mesmo modo, alguns resultados foram semelhantes ao que foi apresentado na pesquisa realizada por Sampaio (2013), sobretudo no que se refere às práticas culturais já existentes na relação entre escola e comunidade; à falta de reconhecimento de algumas pessoas acerca de sua identidade negra; além do não interesse de alguns professores em abordarem sobre o tema da história e da cultura negra na sala de aula, justificando os motivos relacionados à lacuna existente na formação inicial e continuada de professores, além dos motivos relacionados ao racismo religioso (NOGUEIRA, 2020), em que professores e gestores pertencem a religiões cristãs em que consideravam (e ainda consideram) aspectos negativos no que diz respeito à cultura negra.

Neste artigo, analisamos o significado e as formas que a educação pode assumir no contexto territorial das comunidades quilombola, tomando como referência de singularidade a Resolução No 8, de 20 de novembro de 2012, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Segundo esse documento:

Uma proposta de educação quilombola necessita fazer parte da construção de um currículo escolar aberto, flexível e de caráter interdisciplinar, elaborado de modo a articular o conhecimento escolar e os conhecimentos construídos pelas comunidades quilombolas. Isso significa que o próprio projeto político-pedagógico da instituição escolar ou das organizações educacionais deve considerar as especificidades históricas, culturais, sociais, políticas, econômicas e identitárias das comunidades quilombolas, o que implica numa gestão democrática da escola que envolve a participação das comunidades escolares, sociais e quilombolas e suas lideranças. (BRASIL, 2012b, p. 26).

Conforme pode ser visto, a própria Resolução No 8/2012 chama atenção para o aspecto importante que é a articulação do conhecimento escolar e os conhecimentos construídos pelas comunidades quilombolas. Carril (2017) aponta que, no Brasil, essas comunidades não deixaram de construir saberes e práticas que moldaram sua própria vida e, no encontro com outros saberes, vão aprendendo a importância de estratégias que lhes permitem lutar pela existência e serem sujeitos de organização social. Nesse sentido, a formulação de propostas curriculares e pedagógicas para a educação escolar quilombola necessita de investigações que envolvam o intercâmbio entre aqueles saberes comunitários e os conhecimentos advindos das mais diversas áreas.

Macêdo (2015) apresenta alguns elementos que nos levam a compreender que ao longo do processo histórico brasileiro assim como no contexto atual, as políticas voltadas à educação foram/são orientadas pelos ideais de modernidade submetidos aos parâmetros de monoculturalidade, universalidade e homogeneidade do conhecimento. Esses parâmetros podem, na maioria dos casos, impor uma violência epistemológica e simbólica, os quais, segundo a autora, levam ao desperdício de toda a diversidade cultural e reproduzem uma sociedade excludente, racista e discriminatória.

No entanto, reiteramos o que Macêdo (2015) e Gomes (2017) apontam como insurgência dos movimentos sociais no início da década de 1980, sobretudo o Movimento Negro, como entidades que denunciaram essas políticas excludentes na educação brasileira e levantaram a pauta de uma educação que adotasse a diversidade como uma riqueza nas políticas curriculares, nas práticas pedagógicas e nos programas de formação de professores.

Gomes (2017) destaca que a educação sempre foi uma bandeira de luta do movimento negro, e a questão da educação étnico-racial sempre foi colocada como prioridade do movimento que busca combater o preconceito e a discriminação racial na sociedade e nos sistemas de ensino. A III Conferência Mundial Contra o Racismo (2001), em Durban, África do Sul, representou um importante ponto de inflexão para a história do Movimento Negro no Brasil, já que, a partir de então, ocorreu um intenso debate nacional sobre educação, preconceito, discriminação, diversidade cultural e políticas de ações afirmativas. Nessa Conferência, as organizações do Movimento Negro apontaram algumas demandas da educação que ganharam força efetiva:

[...] incluir nos critérios de avaliação dos livros didáticos a incidência de visões estereotipadas e preconceituosas sobre a população negra; a implementação de políticas que garantam o acesso e permanência da população negra nas universidades; a revisão do currículo da Educação Básica, visando a inclusão da história e da cultura africana e dos afro-brasileiros; a parceria do Estado com as organizações do movimento social para a formação dos educadores; e a nomeação de representantes da temática indígena e negra para o Conselho Nacional de Educação. (OLIVEIRA, 2013, p. 43).

Compreendemos a interculturalidade como a possibilidade de diálogo entre diferentes culturas e, portanto, está presente nas políticas públicas e nas reformas educativas, sobretudo no continente latino-americano (WALSH, 2009). Surge, portanto, das demandas conferidas a uma nova atenção a diversidade étnico-cultural, uma atenção que parte da necessidade cada vez maior de promover relações positivas entre distintos grupos culturais, de confrontar a discriminação, o racismo e a exclusão, de formar cidadãos conscientes das diferenças e capazes de trabalhar na construção de uma sociedade justa, igualitária e pluriversal. Entretanto, o termo “interculturalidade” tem sido utilizado em uma variedade de contextos e com interesses sociopolíticos por vezes opostos; assim, a compreensão do seu conceito muitas vezes fica larga e difusa. Walsh (2009) explica o uso do termo a partir de três diferentes perspectivas descritas a seguir.

A interculturalidade relacional faz referência à forma mais básica de intercâmbio entre as culturas, cujo contato entre as diferentes tradições culturais se dá em condições de igualdade. Essa perspectiva não leva em consideração os conflitos, os contextos de poder, a dominação e a colonialidade, limitando o conceito ao contato e à relação e deixando de lado as estruturas da sociedade que hierarquizam as diferenças culturais. A segunda perspectiva é a interculturalidade funcional que se revela no reconhecimento da diversidade e das diferenças culturais com o objetivo de incluí-las na estrutura social vigente. A partir dessa perspectiva, busca-se promover o diálogo, a convivência e a tolerância; assim, em um contexto de consenso, não se questionam as causas da assimetria e das desigualdades sociais e culturais. Dessa maneira, uma lógica que reconhece a diferença, sustenta sua produção e administração dentro de uma ordem vigente que neutraliza e esvazia o significado efetivo, tornando-a funcional a essa ordem e, assim, aos ditames do sistema mundo.

A terceira perspectiva de interculturalidade é a crítica que compreende que as diferenças culturais se constroem dentro de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado. Nessa dimensão, a interculturalidade passa a ser entendida como uma ferramenta, como um processo que requer transformação das estruturas, das instituições e das relações sociais na construção de diferentes condições de estar, ser, pensar, conhecer, aprender, sentir e viver. Ainda mais importante é seu posicionamento como projeto político, social, ético e epistêmico, de saberes e conhecimentos, que afirma a necessidade de mudar não só as relações, mas também estruturas de poder que mantêm a desigualdade, a inferiorização, a racialização e a discriminação.

Diante desse contexto, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução Nº 1, de 17 de junho de 2004, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004b). Essas diretrizes estabelecem orientações quanto aos conteúdos a serem trabalhados em todas as áreas do conhecimento, bem como seus componentes curriculares e, também, apresenta orientações a respeito das políticas curriculares necessárias à sua instrumentalização.

[...] não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e europeia. É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. (BRASIL, 2004a, p. 17).

Para implementação dessa política curricular nas escolas em áreas remanescentes de quilombos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana defende como pressuposto fundamental o respeito à história e às práticas culturais, considerando as especificidades desses territórios (BRASIL, 2004a).

Em consonância com a luta por um projeto de educação antirracista, a partir da Constituição Federal de 1988, do Programa Brasil Quilombola - PBQ (2004-2007) e da Agenda Social Quilombola (2008-2011), bases do fortalecimento da luta por uma educação diferenciada e intercultural nas e para as Comunidades Quilombolas, a partir de 2010 como resultados da Conferência Nacional de Educação (Conae), ganham forças ações para a elaboração e a materialização de políticas educacionais para atender às demandas da educação quilombola no âmbito nacional. Assim, a inclusão da educação quilombola no documento da Conae do referente ano constituiu-se uma referência inédita, com a proposição de transformar a educação quilombola em uma modalidade específica da Educação Básica. Assim, ao levar em consideração as especificidades culturais e históricas dessas comunidades, não cabe mais considerar a educação quilombola pertencente à modalidade da educação do campo, como vinha sendo inserida até então.

O CNE e a Câmara de Educação Básica (CEB) aprovaram o Parecer CNE/CEB Nº 16, de 5 de junho de 2012, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola (BRASIL, 2012a), que define, em seu primeiro artigo, a educação quilombola como uma modalidade específica da Educação Básica. Essas Diretrizes foram construídas por meio das lutas, das mobilizações e das articulações das organizações quilombolas e de suas lideranças, dos movimentos sociais, dos fóruns estaduais e municipais de educação e diversidade étnico-racial e pesquisadores/as e professores/as. Segundo essas diretrizes, a Educação Quilombola é entendida como todo o processo de ensino e de aprendizagem em seu sentido amplo que ocorre no território cultural quilombola, como os modos de fazer ou de produção, de trabalho, de cultivo, os modos de viver festas populares e religiosas, de ritos, de arte, os modos de ser de línguas e linguagens, produzidas pelas e pelos quilombolas dentro e fora das comunidades, gestando novas epistemologias a partir da produção de conhecimento das/nas comunidades quilombolas.

Sua elaboração seguiu as orientações presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, determinando que a Educação Escolar Quilombola seja desenvolvida em unidades educacionais inseridas no seio das comunidades quilombolas e em seus próprios territórios, baseada na cultura ancestral, com uma pedagogia própria e, sobretudo, reconhecendo e valorizando a identidade étnico-racial, cultural e territorial de cada comunidade.

O processo de construção das identidades étnico-raciais e culturais é baseado na luta das/dos quilombolas por liberdade e acesso à terra, em seus hábitos, tradições e repertórios culturais e no reconhecimento e na valorização de suas narrativas orais, memórias, ancestralidade e saberes tradicionais. Outro aspecto importante da construção e da manutenção da identidade quilombola diz respeito à territorialidade, pois, para as/os quilombolas, a terra e o território representam o sustento, o resgate da memória de seus ancestrais, a apropriação da natureza, as tradições, os saberes e a luta pela terra, assim como o direito de ser diferente.

Sobre a importância do intercâmbio entre os saberes da população e os saberes escolares, as pesquisas em comunidades quilombolas permitem preservar as vivências de suas histórias, culturas e saberes em seus significados próprios (MACÊDO, 2015), e não de forma inferiorizada e subalternizada como são veiculadas em diferentes espaços educacionais. Isso posto, gostaríamos de mostrar com a realização de nossas pesquisas a importância da integração entre a educação ambiental e as relações étnico-raciais, aqui representada pela educação quilombola. Conforme asseverado por Barzano (2016, p. 116), “[…] há determinados sujeitos e temas que merecem maiores investigações, quais sejam: comunidades tradicionais; escolas do MST; escolas família agrícola; agroecologia; agrotóxicos; transgênicos etc.”. Sujeitos que vêm das margens (REIGOTA, 2010) ou sujeitos com suas vidas ameaçadas, de cidadania e vidas negadas, precarizadas, violentadas, que exigem justiça e respostas éticas da educação, da docência (ARROYO, 2019), seja na escola ou na universidade, nas aulas ou nas pesquisas e nos projetos de extensão.

Educação quilombola: trazendo para o presente, simbolizando o olhar do Sankofa

A educação quilombola define-se como parte de um todo estruturado de onde emergem histórias, culturas e saberes da tradição quilombola. Para garantir aos estudantes o acesso aos conhecimentos por meio das Ciências Naturais é necessária a adoção de práticas pedagógicas que provoquem rupturas no modus operandi da Ciência como verdade absoluta. Essa modalidade de ensino surge como uma nova forma de pensar conteúdos escolares a partir da percepção de que estes não podem ser compreendidos como receitas a serem ministradas em doses, frações, horários, mas que permitam revelar a condição de aprendizagem e ser elaborada a partir da real necessidade dos estudantes de tal forma que, ao estudarem os conteúdos, se sintam participantes do processo de aprendizagem.

Nesse sentido, a Educação Escolar Quilombola reivindica uma mudança de paradigma que requer a emergência de uma nova postura na formação de professores preocupados com o intercâmbio entre os saberes pedagógicos e os saberes da tradição quilombola. Freire (2014) aponta os caminhos para o rompimento e a emergência desse novo paradigma: a dialogicidade, a troca de experiências, o encontro, o olhar emocionado. Partindo dessa perspectiva, os estudantes mudarão o percurso em um movimento carregado de significados, em uma articulação de saberes que contam suas histórias, manifestam suas emoções, problematizam a realidade vivenciada no desejo de conhecer-se a si mesmo, recuperando conhecimentos antes silenciados por uma história deserdada de verdades sobre a trajetória dos povos africanos trazidos para o Brasil. Para Trindade (2016, p. 60), “[...] histórias estas que a educação brasileira se encarregou de reproduzir por mais de 400 (quatrocentos anos), de forma romântica e descontextualizada na perspectiva de contribuir para o embranquecimento, a exclusão e a separação entre negros, brancos e indígenas”.

Desse modo, reafirmamos que a Lei No 10.639/2003 é, no âmbito das políticas públicas de promoção de igualdade étnico-racial, uma das primeiras e mais significativas medidas efetivas para reparar uma série de distorções contidas na educação brasileira. O ato de tornar obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira aos estudantes brasileiros é um marco seguido por uma série de medidas que incluem, dentre outros tópicos, a implementação/materialização da educação escolar quilombola nas escolas em comunidades quilombolas que, em tese, deveriam conter, em seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e em sua Proposta Curricular, conteúdos programáticos condizentes com a história e a cultura local, além da necessidade de adequação às especificidades desses contextos local em diálogos com o global.

Macêdo (2015, p. 105) assevera que “[…] as escolas quilombolas necessitam questionar os currículos e repensar as práticas educativas e as relações que estabelecem com as comunidades e as lideranças locais, para que possam gerar propostas de educação escolar a partir da realidade sociocultural dessas populações”. Com efeito, defendemos, em um artigo,

[…] que a discussão acerca da Educação para as relações étnico-raciais, sobretudo a partir da Lei 10.639/03, não está circunscrita ao ensino de História […]. Ao contrário, essa lei já foi instituída há mais de 15 anos, e o debate sobre ela já circula em um expressivo número de artigos, dissertações e teses no campo educacional e das ciências humanas e sociais […]. (BARZANO; MELO 2019, p. 193-194).

Ao referir-se às questões da realidade sociocultural e da identidade relacionadas ao currículo, Ferreira (2014) reforça que

[...] currículo, cultura e identidade estão profundamente envolvidos, pois, o currículo expressa as diferentes e conflitantes concepções de vida social, aquilo pelo qual um grupo luta. Neste sentido, é que se entende que o Currículo nas Escolas quilombolas disponibilizam elementos que possibilitam um modo de ser, ver e dialogar com o mundo (FERREIRA, 2014, p. 82).

O processo de construção de identidade das comunidades quilombolas constitui-se a partir da afirmação de pertencimento a um determinado território material ou simbólico, entremeados por valores, costumes e lutas comuns pela permanência e pela afirmação coletiva.

Arroyo (2011), ao ressaltar que o currículo é um território em disputa, aponta que essas tensões não se encerram somente na inclusão de temas em disciplinas, mas, sobretudo, na disputa pelo reconhecimento de experiências de novos sujeitos sociais e coletivos organizados como produtores de conhecimentos legítimos e válidos. Para isso, faz-se necessário a descolonização do currículo escolar, por um currículo que tenha lugar para a ecologia de saberes, baseada no reconhecimento da diversidade epistemológica do mundo em diálogos com o pensamento decolonial e na existência de outros modos de ser, de ver e de saber, além do científico. Na ecologia de saberes, cruzam-se conhecimentos e ignorâncias; e a ignorância não é necessariamente um ponto de partida, mas pode ser o de chegada para conhecimentos que são desaprendidos ou esquecidos, como é o caso dos saberes de comunidades locais que desenvolvem formas de se relacionar com a natureza/cultura (SANTOS, 2010).

As experiências e as vivências dessas comunidades e seus interesses cotidianos entram em cena no espaço escolar em um processo de negociação cultural que visa o fortalecimento desses novos saberes nos “entre-lugares”, nas frestas das propostas e das práticas curriculares hegemônicas. Essa negociação/disputa acaba potencializando a elaboração de um currículo que valorize outros modos de ser, de fazer, de viver, de conhecer o mundo, e, portanto, que valorizem no currículo as diferenças culturais e pluriversais, conforme aponta Kabengele Munanga no Webinário “Os caminhos para uma Educação antirracista” (2020). Com isso, as práticas pedagógicas nas escolas quilombolas devem possibilitar a essas populações uma educação apropriada às suas diferenças étnicas e culturais: um currículo que contemple o contexto cultural em que as escolas estão inseridas.

Tratando das identidades étnico-raciais, seu processo de construção é baseado na luta das/dos quilombolas, que envolve suas memórias, sua ancestralidade e seus conhecimentos tradicionais. Ademais, está ligado ao histórico de resistência que varia de acordo com as especificidades de cada comunidade. A identidade assume um papel preponderante, pois é ela quem define o direito à terra, à certificação da comunidade, à demarcação do território, à titulação das terras e ao acesso às políticas públicas. Por isso, a decolonização do pensamento e a descolonização/decolonização do currículo no âmbito da escola é, antes de tudo, uma atitude política em prol do fortalecimento da identidade negra e quilombola.

Diante disso, é necessário que se construa uma proposta curricular que articule identidade e cultura quilombola no interior da escola, promovendo a formação crítica, reflexiva e emancipatória dos estudantes (MACÊDO, 2015). A construção desse currículo perpassa pelos instrumentos de luta, pelos embates e pelos enfrentamentos dos desafios ligados às demarcações dos territórios quilombolas, à conservação do meio ambiente, ao respeito ao modo de ser, de estar e de dialogar com o mundo.

A experiência social quilombola constitui-se de saberes nascidos da luta pela terra e pelo território, produtora de relações sociais que forjam memórias duradouras por meio de narrativas orais e experiências do cotidiano das comunidades ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, renovadas a cada momento que é acessada. O ato de buscar as memórias significa fortalecer e ressignificar ensinamentos acerca de si mesmo que são fundamentais em um processo de reinvindicação contemporânea cuja autodefinição quilombola é o ponto de partida (NUNES, 2014). Esses saberes tão imprescindíveis não apenas em processos educativos não-formais, mas no deslocar-se desses saberes do cotidiano para junto de outros saberes que fazem parte do repertório do espaço escolar. Assim como consideramos, em um artigo (BARZANO; MELO, 2019), que realizarmos pesquisas em territórios quilombolas contemporâneos é, antes de tudo,

[…] ter a possibilidade de entrar em contato com energias ancestrais. Uma ancestralidade revelada na elaboração de saberes que se organizam nas diversas formas de vida e de resistência dessas comunidades, expressas na sua relação com os elementos da natureza, com a terra como um ente gerador de força vital e os frutos dessa relação não só com a terra, mas também com a água, com a mata, isto é, com os seus territórios e a sua biodiversidade. (BARZANO; MELO, 2019, p. 198).

Para Nunes (2014), a escola quilombola não pode ser apenas uma referência geográfica em um território negro; ela necessita tornar-se um espaço convidativo que redimensione os usos dos saberes tradicionais que foram submetidos à lógica epistemológica dominante. Dessa forma, o currículo, no contexto da educação escolar quilombola, deve dialogar com os saberes da comunidade, levando em consideração os seguintes elementos: a memória coletiva; as línguas reminiscentes; as práticas culturais; as tecnologias e as formas de produção do trabalho; os acervos e repertórios orais; os festejos, os usos, as tradições e os demais elementos que conformam o patrimônio cultural das comunidades quilombolas e a sua territorialidade. São incontáveis as experiências sob a forma de saberes que se encontram nas comunidades quilombolas, as quais, podemos afirmar com todas as letras, geram a vida!

As escolas da Matinha dos Pretos e a relação com a comunidade: ainda trazendo o presente

Este estudo desenvolveu-se em três escolas municipais na comunidade quilombola da “Matinha dos Pretos”, no município de Feira de Santana/Bahia. Do ponto de vista analítico, utilizamos as categorias de identidade, currículo vivido e repertório cultural. Com relação aos procedimentos metodológicos2, optamos por realizar um mergulho no cotidiano das escolas, entrevistar professoras e professores; gestoras; pessoas da comunidade; observar as atividades nas escolas; escrever no diário de campo e, além disso, examinar o PPP. Para este artigo, apresentamos narrativas de professores e professoras que escutamos nas entrevistas.

Quando a pesquisa foi concluída, em 2013, a comunidade ainda não havia sido certificada como quilombola pela Fundação Cultural Palmares, fato que ocorreu em 21 de maio de 2014. As/os estudantes da Escolas na Matinha dos Pretos eram, em sua maioria, negras e negros (pretas/os e pardas/os), pertencentes a famílias de agricultores praticantes da agricultura de subsistência e da agricultura familiar, feirantes, sambadores, benzedeiras, artesãos...

Em relação à centralidade da pesquisa, o interesse maior foi relacionado com as questões de identidades e a cultura que circulavam no currículo praticado, nos diferentes componentes curriculares e na realização de atividades culturais que eram realizadas nas escolas, em parceria com a comunidade em foco, conforme apresentamos a seguir.

Mesmo entre conflitos e tensões, refletindo a necessidade de formação continuada de professoras/es e gestoras/es e bem como a escassez de material didático apropriado para a realização do trabalho proposto, certas práticas pedagógicas desenvolvidas nessas três escolas da Matinha dos Pretos denotam que, de alguma forma, o currículo vivido, com ênfase nos repertórios culturais negros locais, pode ser compreendido como uma alternativa para a efetivação prática de uma proposta de educação antirracista em diálogo com a Lei No 10.639/2003 e suas diretrizes operacionais.

Observamos que nas três escolas investigadas, havia a predominância de elementos próprios do espaço (contexto étnico-racial, social, cultural e político), atravessando e determinando o currículo vivido e as práticas pedagógicas desenvolvidas no chão da escola. Por exemplo, a feijoada como parte do repertório cultural negro acontece na sala de aula; o samba de roda tomou todos os espaços da escola; as benzedeiras são convidadas para rodas de conversas com os alunos; e a Quixabeira3 é a grande referência identitária de todos na comunidade e na escola, como um ícone entre os elementos que compõem os repertórios culturais negros do lugar.

Durante as conversas, os professores explanaram de que forma, em sua perspectiva, o currículo vivido e as práticas pedagógicas nessas escolas, em interação com os repertórios culturais negros locais, poderiam ser uma alternativa para o desenvolvimento efetivo de um trabalho educativo em diálogo com a Lei No 10.639/2003 e suas diretrizes.

A gente não pode dizer que um trabalho com ênfase nos repertórios culturais negros da comunidade e na Lei No 10.639/2003 faz parte do cotidiano da nossa escola, de fato. Tipo assim: não posso afirmar que todas as atividades aqui desenvolvidas estão inseridas nesta proposta inovadora, realmente não estão, porque antes não se falava sobre isso, mas, nos últimos anos, em alguns momentos, a gente já se sentou por áreas para planejar projetos e atividades na perspectiva histórica e cultural da comunidade, que levassem em consideração a questão das benzedeiras, das parteiras, dos sambadores, do aboio, do reisado [...]; enfim, aproveitar estas coisas que estão muito presentes aqui na comunidade e que nós estamos sempre fazendo alguma atividade no sentido de valorizá-las. É incrível como as atividades aqui sempre acabam com uma roda de capoeira e em uma roda de samba. É mesmo uma coisa que está no sangue e no coração dessa comunidade. Para nós professores essa é uma forma de valorizar e reconhecer essas manifestações culturais e referências africanas no nosso dia a dia na escola. Mesmo sem uma proposta curricular voltada para isso, a nossa escola tem desenvolvido um trabalho muito importante relacionado à cultura negra e a nossa herança africana, fazendo de certo modo valer a Lei No 10.639/2003. (Rainha N’Zinga).

De acordo com Sansone (2000), a cultura negra brasileira são todos aqueles elementos como o candomblé, a capoeira, a culinária - feijoada, acarajé -, o samba, o hip hop, o funk, a moda, a estética negra. Apesar de registrar a ausência de uma proposta educativa formal para o desenvolvimento de um trabalho no sentido de promover o respeito à diversidade humana e o fortalecimento da cultura, história e identidade negra, paradoxalmente, durante as observações nas três escolas, constatamos que alguns professores que participaram da pesquisa tinham desenvolvido um trabalho que buscava estabelecer diálogos com os elementos que fazem parte dos repertórios culturais negros da comunidade e o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.

Conforme descrito por Sansone (2000), a feijoada (culinária) está entre os objetos negros da cultura baiana/brasileira e na Matinha dos Pretos, além de ser parte da herança cultural africana dessa comunidade. Esse evento cultural também acontece como prática pedagógica dentro e fora do espaço da sala de aula, conforme observado em uma das escolas pesquisadas por meio do projeto interdisciplinar Palco Giratório4.

Durante todas as aulas, uma das professoras sempre trabalhava algum conteúdo no sentido de valorizar os repertórios culturais da comunidade, fortalecer a identidade negra das/dos estudantes e de produzir com elas/eles conhecimentos em torno da história e da cultura africana e afro-brasileira, não colocando esses temas como conteúdos pontuais, trabalhados apenas na Semana da Consciência Negra, em 20 de novembro de uma maneira folclórica:

Fora destas datas pontuais, a gente aqui na escola tem desenvolvido algumas atividades no sentido de fortalecer os valores culturais negros locais. Por exemplo, todos os anos, a gente, ao concluir um determinado conteúdo da disciplina história, como “A escravidão no Brasil”, fazemos a culminância desse conteúdo com uma feijoada coletiva que sempre acaba em roda de samba. Para nós, essa feijoada acontece como uma forma de garantir a permanência dessa herança cultural africana, ressignificada no espaço escolar através dos laços de solidariedade tão comuns às relações de irmandade construídas entre pessoas do povo negro, durante séculos. A feijoada como prática pedagógica acontece sob a coordenação de todos os alunos de uma determinada turma, eles são responsáveis pela doação e arrecadação dos ingredientes e por sua preparação, sendo esta um evento aberto à toda comunidade escolar. Eles, depois de terem estudado a nível teórico sobre as condições em que viviam os nossos antepassados negros nas senzalas e como era sua alimentação na condição de escravos, têm a possibilidade de viver a construção de uma feijoada, pois ela é feita aqui na escola. O interessante é que ela nasce na senzala como elemento da cultura negra afro-brasileira e, hoje, ela acontece na escola como culminância de um projeto de trabalho educativo, ela é motivo de encontro em nossa sociedade, é chique, é cultural [...]. Esse novo olhar sobre a feijoada, a gente tem feito aqui na escola, não posso dizer que é unânime a participação nessa atividade, mas vejo que temos conseguido a sensibilização de muitos professores e alunos que, mesmo a distância, estão aprendendo sobre história e cultura negra. (Rainha N’Zinga).

A feijoada, conforme foi relatado, aparece na escola como conhecimento, currículo vivido e têm significado uma ação inovadora na prática pedagógica, além do fato de configurar-se como mais uma possibilidade de trabalhar em torno dos valores civilizatórios da cultura negra local, estabelecendo diálogos com as proposições da Lei No 10.639/2003 e suas diretrizes.

O samba de roda da Quixabeira, os rituais do Candomblé e Umbanda, a tradição da farinhada e a bata de feijão constituem-se como repertórios culturais negros na Matinha dos Pretos e ainda permanecem vivos e são (re)significados, fundamentalmente, por meio da tradição oral e da memória individual e coletiva dos sujeitos dessa comunidade quilombola.

Quando questionados se a escola da Matinha dos Pretos desenvolve um trabalho educativo que leva em consideração os repertórios da cultura negra local e as determinações da Lei No 10.639/2003, a maioria dos professores, mesmo com ressalvas, responderam afirmativamente a essa indagação:

Neste sentido a escola sempre tem feito alguns trabalhos objetivando a valorização da história e cultura negra local. Por exemplo, aqui eu já trabalhei muito com alguns elementos da cultura negra local, memória e genealogia, trazendo a história dos pais, avós. É ainda uma coisa tímida, mas já é um bom começo. (Aimé Cesaire).

Essas palavras do professor ratificam a existência de um trabalho iniciado a partir da escola e de seu currículo no sentido de fortalecimento da cultura negra na comunidade, e de referenciais dos próprios sujeitos participantes do processo educativo, a partir de elementos como a memória e a tradição oral. Contudo, essa mesma fala também denota certa “fragilidade” no trabalho que vem sendo desenvolvido no que diz respeito à valorização da história, da cultura e da identidade negra.

Ainda com relação ao mesmo questionamento exposto anteriormente, escutamos a seguinte resposta em outra escola:

Entendendo a educação não apenas em sua perspectiva formal, isso aqui (Matinha dos Pretos) é uma universidade de educação informal. Aqui há uma diversidade incrível de saberes, costumes e práticas culturais. Agora, eu não sei se a escola em si, enquanto instituição formal, está preparada para estabelecer este diálogo com a comunidade e sua cultura, fazer essa escuta necessária, realmente eu não sei... Eu acho que estes novos estudos sobre educação, cultura e identidade, estas novas pesquisas, podem estar apontando novos rumos, uma nova direção no sentido de estabelecer o diálogo entre escola e comunidade, até porque, quando a gente começou a trabalhar aqui aspectos relativos à cultura e à identidade negra, independentemente da Lei 10.639/2003, existia uma resistência muito grande por parte dos estudantes e de alguns professores. Havia também muita resistência e preconceitos em relação ao próprio samba de roda e ao candomblé, escutávamos frequentemente: “Eu não sou negro não, eu sou moreno”, ou havia risos e piadinhas em relação ao samba de roda, porém, contraditoriamente, o que eles queriam e faziam de fato, sempre que podiam, era cair no samba de roda até o raiar do dia. Para alguns deles (alunos e professores), o frequentador das religiões de matriz africana (candomblé e umbanda) era “feiticeiro”, o “macumbeiro”, esses meninos e essas meninas sentiam a necessidade de negar essas práticas, essas marcas de negritude e africanidade. (Rainha N’Zinga).

Diante do exposto, os professores criam táticas como podemos ainda observar na narrativa da professora:

Então, nossa escola tem desenvolvido um trabalho no sentido de fortalecimento da cultura e identidade negra, às vezes de forma mais pontual, às vezes de formas mais esporádicas, tentando fazer com esses sujeitos envolvidos no processo educativo se percebam. Então, com isso, têm sido desconstruídos alguns preconceitos e equívocos importantes sobre a cultura negra, sobre ser negro e ser africano. (Rainha N’Zinga).

A narrativa da professora dá conta não apenas das questões centrais que norteiam a pesquisa realizada, bem como também dialoga com elementos que perpassam, como, por exemplo: a cultura negra, a identidade, a memória, o currículo e as práticas pedagógicas no contexto da Lei No 10.639/2003.

O samba de roda esteve e está no currículo vivido na escola, pois ele brotou nos relatos de pessoas da comunidade, influenciando na definição dos corpos físicos e na psique dos alunos durante as aulas, principalmente em momentos prévios ou posteriores à alguma reunião social da comunidade.

O forte aqui na Matinha é o samba de roda, representado pelo grupo Quixabeira, o referencial cultural da comunidade e inclusive de alunos da escola. O samba de roda é conteúdo, principalmente das aulas de artes e de história, e é muito valorizado por nós professores por ser um aspecto da cultura deles (alunos). Sempre que a gente faz alguma atividade aqui, eles procuram dançar, sambar, apresentar roda de capoeira etc. O samba de roda parece que está no sangue deles, é algo muito forte neles! (Noemia de Sousa).

Parece engraçado pensar que às vezes os alunos têm resistência em assumir a sua identidade negra, e percebo que isso vem da família. Portanto, incrível como pareça, na hora das atividades em grupos, ou em atividades abertas, como as festas no pátio, eles pedem para ter capoeira e samba de roda. Então, a gente coloca o CD da Quixabeira ou eles fazem a roda de samba e sambam até cansar! (Winnie Mandela).

O samba de roda é muito forte aqui, tudo quanto é festa ou apresentação aqui na escola tem que acabar no tal do samba de roda. A gente tem que trazer sempre o CD da Quixabeira. Eles também gostam de apresentar a bata do feijão, contar causos, e a capoeira? Humm... nem falar! Desde pequenininhos eles jogam direitinho, meninos e meninas jogam como se nascessem sabendo. (Dandara).

Conforme descrito em momentos anteriores deste texto, um dos principais entraves apontados pelos professores entrevistados para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade no campo de uma educação antirracista para a diversidade, cultura e relações étnico-raciais positivas é a falta de formação continuada de professoras/es e gestores/as, bem como a inexistência de uma proposta curricular que contemple essas temáticas. Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação de Feira de Santana (SEDUC/FSA) e do Grupo de Currículo do Ensino Fundamental (GCEF), em 2019, foi publicado e disponibilizado em formato de E-book para toda rede municipal o Caderno da Proposta Curricular de Educação para Relações Étnico-Raciais (FEIRA DE SANTANA, 2019).

Reiteramos aqui a urgência de se promover formação continuada para professoras/es e gestoras/es sobre a temática aqui em pauta, bem como reais condições materiais e pedagógicas para o trabalho em prol de um projeto de educação antirracista, visando ao desenvolvimento de um pensamento crítico e de atitude política, no sentido de se perceber, em elementos próprios da cultura dessa ou daquela comunidade negra, quilombola, ribeirinha, povo de terreiro, indígenas, cigana, circense... possibilidades infinitas de práticas e de interações pedagógicas que realmente conduzam ao processo de erradicação da homogeneização, do preconceito, da discriminação e do racismo estrutural, racismo institucional e racismo ambiental, que imperam em nossa sociedade, assim como promover o reconhecimento, a valorização e o respeito às diversas formas de culturas, identidades e narrativas históricas não hegemônicas, promovendo a decolonização do pensamento e do currículo vivido e materializado na escola.

Vislumbre Sankofa, o futuro

Foi possível percebermos nas narrativas um conjunto de modos de se tecer a realidade social por meio das subjetividades dos sujeitos em suas histórias de vida. Essas subjetividades permitiram a possibilidade do encontro dos sujeitos com eles mesmos, com a comunidade, com os espaços-tempos compartilhados.

Experiências de vida em permanente movimento que se conectam ainda mais ao território como metáfora de raiz que se expande e que se alimenta da composição de outras narrativas e fazimentos. É no espaço vivido que se expressa a solidez das narrativas por meio das quais surgem homens, mulheres, samba de roda, crianças, escola, sala de aula, farinhada e roças que envolvem um rito de saberes que vão se amalgamando e fazendo do lugar um espaço na formação docente. Esse espaço constitui-se de intercruzamentos das formas de uso dos saberes/fazeres tradicionais atravessados pela concepção do território como uma instância de realização afetiva e efetiva de suas vidas.

Apontamos para a emergência dos sujeitos forçadamente silenciados como construtores de possibilidades curriculares diferenciadas que valorizem as suas cosmovisões, seus modos de vida, seus saberes, bem como o reconhecimento dos seus territórios. É nesse aspecto que Melo e Barzano (2020) apontam que a ecologia de saberes promove o diálogo entre os diferentes saberes considerados úteis para o avanço das lutas sociais dos sujeitos quilombolas, de maneira que os saberes e as práticas desses sujeitos dialoguem com o conhecimento científico/escolar. Para isso, é preciso elaborar propostas curriculares capazes de evitar o desperdício, tanto das experiências sociais disponíveis, que foram suprimidas e marginalizadas pelo paradigma da racionalidade moderna (Sociologia das ausências), quanto das experiências sociais possíveis (Sociologia das emergências).

A colonização manifesta-se, também, como parte de uma agenda curricular e de um modo de escolarização contrário à vida, pois é avesso à diversidade. Se a dominação faz uso de uma agenda curricular e de um modo de escolarização, a resposta implicada com a vida e a diversidade, a contracolonização, se inscreve como uma prática educativa implicada com a liberdade e a autonomia (RUFINO, 2020). O autor reitera que o ensino que nos foi legado não garante formas que rompam com as injustiças produzidas por esse ensino, assim nos cabe aprender para além do paradigma dominante, em outras palavras, aprender outras possibilidades para desaprender aquilo que foi ensinado como a única forma. Uma desaprendizagem reivindicada como um ato de responsabilidade com a diversidade do mundo.

Ao tratarmos de propostas de educação comprometidas com a justiça cognitiva/social e com a vida em sua diversidade, a participação e a representação dos sujeitos não deve ser reduzida apenas à pura formalidade. É necessário criar condições reais de participação efetiva das comunidades na elaboração, na implementação e na avaliação de políticas curriculares específicas em seus territórios.

Essa tessitura de uma educação horizontal, comprometida e potente implica, portanto, responsabilidade com a diversidade de experiências e de saberes/fazeres envolvidos nas práticas sociais, assim como na noção de humanidade integrada à natureza e comprometida com a preservação da vida em toda sua amplitude.

1

Adinkra é a tradição de um povo africano, que compreende um conjunto de ideogramas, que são símbolos gráficos utilizados para representar uma palavra ou conceito abstrato, encontrados nas estampas dos tecidos e também na cerâmica, na arquitetura, em objetos de bronze e talhado e em peças de madeira.

A palavra adinkra significa adeus e são símbolos que transmitem ideias, representam provérbios, preservam e transmitem valores do povo akan, que habitavam as regiões que hoje compreendem os países de Gana e Costa do Marfim.” (DYBAX, 2016, p. 19-20, grifo da autora).

2Em relação aos aspectos éticos da pesquisa, os autores informam que possuem o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) com a devida autorização para a utilização dos nomes de todos os sujeitos entrevistados, bem como de suas vinculações institucionais. Baseamo-nos na “Autodeclaração de princípios e procedimentos éticos na pesquisa em Educação”, de Mainardes e Carvalho (2019), publicada no e-book Ética e pesquisa em Educação: subsídios - volume1, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd (2019).

3Samba de roda da Quixabeira é uma manifestação cultural típica da comunidade quilombola da Matinha dos Pretos, Feira de Santana, Bahia.

4Palco Giratório - Projeto Interdisciplinar desenvolvido sob a coordenação geral da professora Ma. Railda Neves - Secretaria Municipal de Educação de Feira de Santana (SEDUC/FSA).

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Recebido: 11 de Agosto de 2021; Revisado: 15 de Maio de 2022; Aceito: 16 de Maio de 2022; Publicado: 28 de Maio de 2022

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