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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 27-Ago-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19322.077 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, espaços e tempos

Diálogos com Paulo Freire: unidade na diversidade, interseccionalidade e igualdade de diferenças

Dialogues with Paulo Freire: unity in diversity, intersectionality and equality of differences

Diálogos con Paulo Freire: unidad en la diversidad, interseccionalidad e igualdad de diferencias

Marciele Nazaré Coelho* 
http://orcid.org/0000-0002-9241-9268

Helenice Aparecida Magalhães de Sousa Guedes** 
http://orcid.org/0000-0002-6144-8293

Regina de Oliveira Dyonisio*** 
http://orcid.org/0000-0002-6224-9173

*Professora associada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais (CIS/Angola) e membro do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutorado em Educação.

**Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (UFSCar).

***Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE/UFSCar)


Resumo

O presente artigo busca, a partir de pesquisa bibliográfica, aproximar os conceitos de unidade na diversidade, igualdade de diferenças e interseccionalidade por meio da análise crítica comunicativa que aponta caminhos para a transformação, com o objetivo de maior qualidade educativa para todas as pessoas. Pretendeu-se, no âmbito das relações étnico-raciais no Brasil, apresentar as diferenças educacionais que vão se transformando em desigualdades ao longo dos anos e, a partir de tais dados, apontar possibilidades de mudança por meio de uma educação antirracista. Concluiu-se que as categorias de classe, raça e gênero, ao serem analisadas interseccionalmente, por um lado, abrem caminhos para uma ação educativa partindo das diferenças e da sua interrelação, e, por outro, trazem a possibilidade de mudança do contexto educativo na medida em que as identidades, as culturas e os modos de ser e de estar são compreendidos na sua unidade, com a intenção de vivê-los na igualdade.

Palavras-chave: Unidade na diversidade; Interseccionalidade; Igualdade de diferenças.

Abstract

This article is based on bibliographical research to bring together the concepts of unity in diversity, equality of differences and intersectionality through a critical communicative analysis that points out paths for transformation, with the objective of greater educational quality for all people. The intention in the context of ethnic and racial relations in Brazil was to present educational differences that have been transformed into inequalities over the years, and, from such data, point out possibilities for change through anti-racist education. It was concluded that the categories of class, race and gender, when analyzed intersectionally, on the one hand, open paths for an educational action based on differences and their interrelationship, and, on the other hand, bring the possibility of changing the educational context as identities, cultures, ways of being are understood in their unity, with the intention of living them in equality.

Keywords: Unity in diversity; Intersectionality; Equality of differences.

Resumen

Este artículo busca, a partir de la investigación bibliográfica, aproximar los conceptos de unidad en la diversidad, igualdad de diferencias e interseccionalidad por medio del análisis crítico comunicativo que señala caminos para la transformación, con el objetivo de una mayor calidad educativa para todas las personas. Se pretendió, en el ámbito de las relaciones étnico-raciales en Brasil, presentar las diferencias educativas que se van transformando en desigualdades a lo largo de los años. Y a partir de estos datos, señalar las posibilidades de cambio por medio de una educación antirracista. Se concluyó que, las categorías de clase, raza y género, cuando se analizan interseccionalmente, por un lado, abren caminos para una acción educativa partiendo de las diferencias y de su interrelación, y por otro, brindan la posibilidad de cambio del contexto educativo a medida en que las identidades, las culturas, y las formas de ser y de estar, son comprendidos en su unidad, con la intención de vivirlos en igualdad.

Palabras clave: Unidad en la diversidad; Interseccionalidad; Igualdad de diferencias.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo dialogar acerca das contribuições do conceito de unidade na diversidade, de Paulo Freire (2020), para a construção de um olhar para a diversidade como parte do que constituem as identidades e as culturas, em uma perspectiva da igualdade de diferenças (AUBERT et al., 2018; FLECHA; GÓMEZ, 1995). As possibilidades de construção de ações educativas transformadoras no espaço da escola têm sido estudadas por diferentes teorias e, aqui, ganham destaque as teorias dialógicas que potencializam tal discussão e ação na realidade (MELLO; BRAGA; GABASSA, 2020; CREA1, 2017).

A construção coletiva, cotidiana e dialógica de uma escola de qualidade será aqui discutida a partir dos aportes da interseccionalidade por compreendermos que uma educação a favor da diversidade étnica e racial, na base da igualdade de diferenças e na unidade na diversidade, somente será possível pelo viés da análise interrelacional das diferentes identidades que compõem os sujeitos, na medida em que as categorias racial, étnica, de gênero e de classe social se colocam em diálogo para a melhor compreensão das vivências de professoras, professores, estudantes, pais, mães e demais familiares, assim como a direção da escola.

Importa referenciar que as pesquisas têm revelado desproporções entre crianças negras e brancas no contexto educativo, dentre outras disparidades. De acordo aos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do segundo trimestre de 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018), tomando como base o fato de que 54,6% da população brasileira é negra, no que se refere à proporção de crianças de 0 a 5 anos que frequentam a escola ou creche, há uma diferença percentual de 2,8% para menos no caso das pretas ou pardas; com relação à taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, temos 9,1% para negros e pardos e 3,9% para brancos; sobre a taxa de conclusão do Ensino Médio para brancos é 76,8% e para negros e pardos, 61,8%.

Segundo os dados do IBGE (2018), na taxa de frequência líquida dos 6 aos 24 anos, por nível escolar, a partir do Ensino Fundamental até o Ensino Superior, podemos verificar a desproporção entre negros, pardos e brancos aumentando, na medida em que o nível de ensino avança; dessa maneira, a desproporção de frequência no Ensino Superior de negros é de 7% para menos em relação aos brancos. Atrelada a essa questão, temos a taxa de ingresso no Ensino Superior, em instituições públicas, de negros de 18 a 45 anos ou mais, que é de 35,4% e de brancos 53,2%.

As desigualdades educacionais, de acesso, de permanência e de ensino e aprendizagem de qualidade são questões pertinentes ao contexto de discussão das transformações necessárias ao contexto educativo. Partindo desse pressuposto, neste artigo, tratamos, inicialmente, do conceito de Unidade na Diversidade e do diálogo como um caminho viável para trabalhar a diversidade, tanto no contexto escolar como fora dele. Na sequência, abordamos a interseccionalidade como possibilidade de diálogo com a diversidade e as suas interfaces. Posteriormente, a partir do contexto educativo, a discussão versará sobre o conceito de Igualdade de Diferenças. Para finalizar, apresentamos o diálogo em consonância com e entre as teorias e as práticas educativas.

A concepção de Paulo Freire de unidade na diversidade e o diálogo com a diversidade

O termo “unidade na diversidade” foi utilizado por Freire (2020) pela primeira vez no contexto de suas viagens, especificamente nos Estados Unidos da América (EUA), país para o qual regularmente viajava para participar de encontros e de conferências e que fixou sua residência em torno de quase um ano. É nesse cenário, em um final de semana de seminários na cidade de Chicago, que o autor utilizou o conceito de unidade na diversidade para enfatizar uma defesa pessoal.

Segundo relatou em um de seus livros, horas antes do início do seminário, ele sofrera discriminação no restaurante do hotel onde estava hospedado com sua esposa Elza, em que as mesas ocupadas por outros hóspedes eram atendidas e eles permaneciam invisíveis aos olhos dos funcionários. A partir dessa vivência, Freire encarou o seminário com raiva e desolado, realizando apontamentos pertinentes ao tema em questão. Assim, essa experiência o marcou profundamente (FREIRE, 2020). De acordo com o educador brasileiro, esse fato, associado à longa jornada de 45 dias de seminários, o aproximou de forma direta a uma realidade obscura e tecnológica, fazendo-o despertar para novos desafios, aprendizagens e reaprender os fundamentos da unidade na diversidade (FREIRE, 2020).

Nessa conjuntura, Freire (2020, p. 79) realça que a unidade na diversidade deve ser compreendida como “[...] uma luta política, implica a mobilização e a organização das forças culturais em que o corte de classe não pode ser desprezado, no sentido da ampliação e no aprofundamento e superação da democracia puramente liberal”. Na concepção do autor, a unidade na diversidade ultrapassa a ideia de olharmos apenas para fragmentos da constituição de uma identidade, pois devemos olhar para as diferentes marcas, ou seja, para as diferentes categorias que constroem os sujeitos.

Partindo desse delineamento, Freire (2020) elenca que o primeiro passo para alcançarmos a unidade na diversidade é que as chamadas minorias reconheçam que, na dinâmica social, elas são a maioria, e que, portanto, precisam trabalhar as suas semelhanças, ressaltando o que existe de igual (semelhante) entre si e não apenas que reconheçam suas diferenças limitando-se a elas (FREIRE, 2020). Esse direcionamento é essencial para entendermos as bases do conceito aqui discutido.

Com esse direcionamento, Freire (2020) sublinha também que é primordial que as chamadas minorias rompam com a concepção de oposição entre os grupos, que coloca minoria contra minoria. É emergente que trabalhem as suas semelhanças, com isso se identifiquem como a maioria e estejam umas com as outras. Nesse quadro, Freire (2020) acentua que esse reconhecimento pode ser um instrumento importante de luta para buscarmos os direitos fundamentais estendidos aos indivíduos em sociedade. À vista disso, Freire (2020) ainda destaca que a compreensão crítica tem um significado pertinente no contexto das chamadas minorias; assim sendo, deve ser revisitada constantemente, pois possibilita compreender o recorte de classe, dentro desse grupo, não se limitando apenas à raça e ao sexo.

No livro Política e Educação, Freire (2015) argumenta que a unidade na diversidade focaliza inicialmente duas circunstâncias principais. A primeira é que “[...] as diferenças interculturais existem e apresentam cortes: de classe, de raça, de gênero e, como alongamento destes, de nações” (FREIRE, 2015, p. 37). A segunda circunstância constatada é que “[...] as diferenças geram ideologias, de um lado, discriminatórias, de outro, de resistência” (FREIRE, 2015, p. 37). Nesse âmbito, o educador esclarece que, para compreendê-las, há a necessidade de analisarmos as ideologias em suas relações históricas e dialéticas de poder, pois “[...] na medida em que as relações entre estas ideologias são dialéticas, elas se interpenetram” (FREIRE, 2015, p. 37).

É importante destacarmos que as ideologias discriminatórias se perpetuam por meio de atitudes/ações individuais ou sociais concretizadas pelas expressões de linguagem (sintaxe/semântica), na maneira de vestirmo-nos, no modo de andarmos, nas opções de escolhas, entre outros (FREIRE, 2015). Como exemplos, podemos identificar o racismo no qual pessoas são discriminadas pela cor de sua pele e são vistas como inferiores; o sexismo em que mulheres são discriminadas por serem do sexo feminino; residentes do meio rural, que, por vezes, são submetidos a determinados estereótipos; entre outros.

Nessa circunstância, destacamos que, para alcançar a unidade na diversidade, torna-se indispensável o rompimento com as ideologias discriminatórias. Ao considerar esses desdobramentos, Freire (2015) aponta caminhos possíveis quanto a essas ideologias, elencando que a compreensão crítica e plural da História e da Educação tem um papel fundamental na busca pela unidade na diversidade. No entendimento do educador, a História é um caminho de possibilidades, do agir, da libertação e “[...] se é tempo de possibilidades, a primeira consequência que vem à tona é a de que a História não apenas é, mas também demanda liberdade. Lutar por ela é uma forma possível de, inserindo-nos na História possível, nos fazer igualmente possíveis” (FREIRE, 2015, p. 41). Dito isso, se a História é compreendida como lugar de possibilidades, em que os sujeitos podem atuar no mundo e reinventá-lo, logo, é possível vivenciarmos a interculturalidade, momento em que diferentes culturas podem se relacionar mutuamente.

No quesito Educação, Freire (2015) a reconhece como possibilidade, destacando que é uma ferramenta primordial para trabalhar os indivíduos e que carrega uma força intrínseca. Nesse aspecto, o autor sinaliza que uma “[...] de nossas tarefas, como educadores e educadoras, é descobrir o que historicamente pode ser feito no sentido de contribuir para a transformação do mundo[...]” (FREIRE, 2015, p. 42). Partindo desse princípio, se a Educação for trabalhada de forma coerente, direcionada à melhoria dos indivíduos, com enfoque no respeito às diferenças no contexto educativo, certamente será possível vislumbrarmos a unidade na diversidade.

A partir da conceituação de unidade na diversidade, Freire (2015) apresenta o conceito de multiculturalidade como chave imprescindível para conquistarmos relações respeitosas entre diferentes. Especificamente no livro Pedagogia da Esperança, o autor sublinha:

A multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exacerbado e uma sobre as outras, mas liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma a outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada uma “para si”, somente como se faz possível crescerem juntas e não na experiência da tensão permanente, provocada pelo todo-poderosíssimo de uma sobre as demais, proibidas de ser. (FREIRE, 2020, p. 79).

Nesse viés, o autor sinaliza que, historicamente, a sociedade foi se constituindo por complexas e diferentes culturas e, ao longo dessa dinâmica, enfrentou grandes tensões, as quais foram se propagando de formas distintas no meio social. Nesse sentido, Freire (2020) afirma que a multiculturalidade precisa considerar essa realidade, uma vez que não ocorre de maneira espontânea. É necessário criar estratégias, agir politicamente no mundo e trabalhar sistematicamente para alcançar tal êxito (FREIRE, 2020).

Podemos observar que a multiculturalidade, na concepção freireana, “[...] implica decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins comuns. Que demanda, portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos. Que demanda uma nova ética fundada no respeito às diferenças” (FREIRE, 2020, p. 80). Desse modo, a unidade na diversidade é fundamental quando se intenciona a multiculturalidade, uma vez que ambos os conceitos coadunam ao priorizar a convivência entre diferentes e o respeito mútuo. Firma-se, portanto, a solidez do termo unidade.

No que se refere ao contexto educativo, objetivamos, neste artigo, construir caminhos para ações que partam das diferenças que existem entre os sujeitos, inserindo-se em uma dinâmica de igualdade. Entendemos que as instituições escolares lidam com sujeitos (estudantes, pais, familiares, professores e funcionários) com identidades únicas, modos de ser e de estar no mundo, formados por diversas culturas. Assim sendo, trabalhar a unidade na diversidade favorece o respeito e o diálogo com o diferente. A unidade na diversidade, ao ser trabalhada como uma ação educativa, contribui para uma sociedade mais justa e igualitária, na medida em que possibilita que as pessoas possam viver uma vida digna, independentemente do grupo em que esteja inserida.

De acordo com Galli e Braga (2017, p. 64), a “[...] unidade na diversidade é um ponto muito importante para compreender a perspectiva do diálogo. Pois é a diversidade que amplia a necessidade do diálogo e que possibilita uma transformação significativa nas pessoas e no mundo”. Dessa forma, torna-se relevante apresentarmos o conceito de diálogo na perspectiva freireana, visto que que ele contribui para a compreensão dos conceitos aqui discutidos.

Segundo Freire (2017, p. 109), o “[...] diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. É algo que ultrapassa o nível individual e se concretiza pelo uso da palavra verdadeira, que, na concepção de Freire (2017), é a palavra usada para transformar o mundo e as pessoas a partir da ação e da reflexão, denominada “práxis”. Todavia, o diálogo deve ser estabelecido em uma linha horizontal, em que a confiança precisa ser o eixo central, ocasionando a transformação da realidade e da sociedade como um todo. Freire (2017) descreve que a palavra não é privilégio de alguns homens, mas um direito de todos. No entanto, pensar a unidade na diversidade é possibilitar que todas as pessoas tenham o direito à palavra, apresentada, segundo o autor, como palavra verdadeira.

Nesse panorama, compreendemos que o diálogo “[...] é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado” (FREIRE, 2017, p. 109). O diálogo, como momento de encontro entre as diferenças e que possibilita a transformação e a mudança, constitui-se como o ponto de conexão entre as diferenças dentro da diversidade. As diferenças dentro da diversidade, quando colocadas em diálogo, proporcionam a unidade.

Braga, Mello e Bachega (2021, p. 6) elucidam que o conceito de unidade na diversidade se refere a “[...] falar de uma perspectiva intercultural de entendimento das relações entre os sujeitos a partir do diálogo intersubjetivo que não se pauta apenas no reconhecimento da diferença entre as culturas, mas, sim, no interior delas enquanto riqueza humana”. Nesse aspecto, evidenciamos a primazia do diálogo, na medida em que este pode ser compreendido como um facilitador das relações estabelecidas em sociedade, principalmente quando o enfoque é a interculturalidade.

Freire (2017) em Pedagogia do Oprimido argumenta que, por meio do diálogo, os indivíduos adquirem sentido e lugar no mundo; assim sendo, é justamente pela palavra que o mundo é pronunciado, exteriorizado pelos indivíduos; ele é, então, passível à mudança. Nesse sentido, se o diálogo possibilita o agir no mundo e a transformação de contextos, ele é, logo, um instrumento fundamental para viabilizar o conceito de unidade na diversidade (FREIRE, 2017). Diante disso, o educador esclarece que a unidade na diversidade pressupõe um caminho árduo e profundo, mas necessário, quando se busca uma sociedade propensa à igualdade. Com isso, o autor valida que “[...] ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar” (FREIRE, 2020, p. 79). No contexto educativo, ao propormos a construção de um caminho que parta das diferenças, objetivamos caminhar para um mundo mais igualitário, amoroso e com possibilidades.

Assim, a unidade na diversidade poderá ser compreendida na relação com os conceitos de interseccionalidade e igualdade de diferenças. Será na interseccionalidade que a unidade na diversidade encontrará a possibilidade de viver a diferença, atentando para a não desigualdade, pois, como apresentamos anteriormente, raça, classe, gênero e outras categorias compõem a construção de marcas e de lugares de saber e de pertencer no campo educativo.

A interseccionalidade como possibilidade de diálogo com a diversidade

A análise das relações interculturais, interétnicas e multiétnicas, seja no âmbito da etnia, do gênero, seja das questões raciais, a partir da unidade na diversidade de Paulo Freire e do diálogo entre, e no seu interior, se apresenta como possibilidade de interação entre as diversas formas de ser, estar, pensar e agir no mundo em uma perspectiva interseccional. Nesse âmbito, perguntamos: Como a interseccionalidade poderá contribuir para uma educação baseada no diálogo? Que relações podem ser estabelecidas entre a interseccionalidade e a unidade na diversidade?

A interseccionalidade nasceu no contexto dos Estados Unidos nos anos de 1960 e 1970, no âmbito das políticas feministas negras, quando as questões de raça, de classe e de gênero eram analisadas a partir de sua intersecção, possibilitando, assim, a emancipação das mulheres afro-americanas, conforme apresentado na obra The Black Woman, de Toni Bambara, em 1970. Dessa feita, o termo surgiu dentro dos movimentos sociais, mais especificamente dos movimentos feministas nos EUA (COLLINS, 2017; HIRATA, 2014).

Em 1982, o grupo de mulheres afro-americanas de Boston, Combahee River Colletive, organizou o manifesto Black Feminist Statement, que trazia as políticas que interconectavam as categorias. No contexto latino, destacamos Gloria Anzaldúa com sua obra Borderlands/La Frontera: the new mestiza, de 1987, a qual apresenta uma abordagem interseccional (COLLINS, 2017). Nesse sentido, segundo Collins (2017), a interseccionalidade também esteve presente nas demandas das mulheres indígenas, mexicanas e asiáticas, aproximando suas lutas políticas, sociais e intelectuais e, ao mesmo tempo, distanciava-as das lutas das mulheres feministas brancas.

Importa ressaltarmos que, conforme afirma Collins (2017, p. 9), “[...] argumentos sobre a intersecção de raça/classe/gênero/sexualidade foram forjados na intersecção de múltiplos movimentos sociais […]”, que, na transição para a década de 1990, trouxe novos contornos, adentrando o campo acadêmico, pois reverberou a situação em que tais mulheres negras, participantes desses movimentos, se posicionavam na academia, nos cursos de Graduação e, mais tarde, nas carreiras acadêmicas.

Destacamos, nesse contexto, Angela Davis, com a obra Women, Race and Class2, de 1981; June Jordan com a obra Civil Wars, de 1981; e Audre Lorde, com Sister Outsider, de 1984. As interconexões entre raça/classe/gênero e sexualidade estavam ligadas às relações de poder e à necessidade de justiça social, essencialmente advindas das questões intrínsecas aos movimentos sociais (COLLINS, 2017).

Outra autora que ganhou destaque ao final dos anos de 1980 foi bell hooks, que, em 1981, publicou a obra E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo. Tempos depois, ela se constitui como uma das autoras feministas negras de grande relevância nos EUA, produzindo mais de 30 obras e adquirindo destaque também no Brasil. Nessa primeira obra, hooks (1981) denuncia as condições perversas em que foram submetidas as mulheres negras ao longo da história desde o período escravocrata. Munida de uma sequência de fatos históricos, a autora elucida o entrecruzamento de raça, classe e gênero e suas consequências para a sociedade.

A autora traz uma importante contribuição quando afirma que o pensamento feminista moderno parte do pressuposto de que todas as mulheres são oprimidas; no entanto, ela desconsidera que cada fator poderá ter maior incidência para algumas mulheres e não para outras. Desse modo, classe, raça, religião, preferência sexual, entre outras, não operam da mesma forma para todas as mulheres (HOOKS, 2015). Nessa perspectiva, segundo hooks (2018), dentro do sistema social de raça, classe e sexo, as mulheres estavam na base da pirâmide econômica. À vista disso, propormos a interseccionalidade no âmbito educacional é construirmos novos caminhos, melhores condições de vida e, certamente, a transformação de contexto.

Acerca das categorias interseccionais apresentadas, importa referirmos que elas precisam ser entendidas como possibilidade de construção de diversas ações que objetivem novas formas de tratamento dentro das relações sociais e educativas que considerem a unidade em sua diversidade. Collins (2017), levando em consideração os trabalhos de Angela Davis, Toni Bambara, Shirley Chisholm, Alice Walker, Audre Lorde e outras feministas negras do século XX, traz a interseccionalidade como forma de compreensão do racismo, do sexismo, da homofobia, do preconceito de classe e outros, apoiando-se na ideia de que a liberdade é algo que não se divide, havendo a necessidade de uma compreensão interseccional.

O processo de discussão da interseccionalidade, na academia, ganhou, assim, novas roupagens, pois não era possível trazer todo o contexto do seu desenvolvimento nos movimentos sociais, considerando que a academia impunha formas e projetos próprios. Dessa forma, surgiu um campo de estudos acadêmicos de raça/classe/gênero, e, mais tarde, agruparam-se a essas categorias a etnia, a idade, a sexualidade, a religião e a habilidade, transformando-se, então, em um campo interdisciplinar. Assim, a interseccionalidade será empregada como um termo que irá albergar todas as referidas categorias (COLLINS, 2017).

Seguindo essa linha de raciocínio, o termo “interseccionalidade” deixou de ser referenciado como emergente dos movimentos sociais e passou a ser um termo da academia na década de 1990, tendo como referência Kimberlé Crenshaw, que trouxe o termo em seu artigo intitulado Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color, publicado em 1991. Com essa publicação, o termo deixou de ser associado aos movimentos sociais e passou a vincular-se ao pensamento da referida autora feminista afro-americana (COLLINS, 2017).

Embora o termo tenha sido utilizado na década de 1990, foi apenas nos anos 2000 que o conceito começou a ser amplamente difundido e referenciado. Kimberlé Crenshaw, juntamente com pesquisadoras inglesas, canadenses e alemãs, de forma interdisciplinar, foram trazendo a discussão da temática academicamente (HIRATA, 2014). Crenshaw (1989) propõe olhar para as mulheres negras a partir da multidimensionalidade de suas experiências, entendendo que a experiência interseccional é mais ampla do que considerar raça e sexo como categorias singulares, buscando-se uma teoria feminista negra e uma política antirracista que supere a simples junção dessas categorias.

Assim, Crenshaw (1994 apudHIRATA, 2014) inicialmente voltou seu estudo às relações mais diretas entre raça e gênero, deixando as questões de classe e de sexualidade à margem. Tendo como alicerce tais categorias, a autora procurou compreender as múltiplas fontes da identidade, embora não tenha proposto uma teoria da identidade globalizante. A questão da identidade globalizante, ou uma identidade mais plural, parece-nos importante para uma reflexão mais ampla sobre a forma como os diferentes componentes identitários se constituem e interrelacionam.

Nesse sentido, a ideia da igualdade das diferenças e de unidade na diversidade se colocam como elementos importantes para a compreensão de uma identidade que respeita as diferenças, mas que, ao mesmo tempo, a concebe em termos de unidade nas suas diversidades de ser negra, mulher, de pertencer a uma religião, cultura etc.

De acordo com Bilge (2009 apudHIRATA, 2014), a interseccionalidade encontra-se dentro de uma teoria transdisciplinar que aproxima identidades e desigualdades na busca de compreensão, a partir das categorias de gênero, de classe, de etnicidade, de idades e outras, das reproduções e, também, das produções das desigualdades. As articulações entre as categorias trazem a possibilidade de uma análise da discriminação, do preconceito e do racismo por meio de novas conexões que dão base a uma compreensão que vai além de um aspecto apenas, favorecendo, assim, a compreensão interrelacional, pois traz para o diálogo a concepção de que as formas de preconceito têm intensidades diferenciadas, têm expressões e consequências diversas para diferentes sujeitos.

A discriminação, de acordo com Crenshaw (1989), concretiza-se quando identificamos uma categoria ou classe específica, e todas as pessoas dentro dessa categoria são vítimas de discriminação. A questão que a autora traz é se realmente todas as pessoas dentro dessa categoria são discriminadas da mesma forma.

Ao analisarmos os diferentes contextos e interações entre os sujeitos, as formas de discriminação se dão em maior ou menor grau de acordo com a intersecção de determinados fatores. No caso brasileiro, podemos destacar a interrelação entre ser mulher, negra, de classe social mais desfavorecida, sem escolarização e residente na zona rural como categorias que intensificam situações de exclusão, de menor acesso a serviços, por exemplo, do que a interrelação de apenas dois desses elementos. Nesse contexto, ressaltamos a importância de uma educação antirracista baseada em ações que se posicionam de forma contrária à discriminação. A igualdade de diferenças na interlocução dessas categorias seria a saída para uma ação educativa mais plural, dialógica e de maior qualidade para todos e todas.

No entanto, Crenshaw (1989) sinaliza que a lei antirracista, em uma vertente dominante, busca considerar as experiências das mulheres brancas e dos homens negros mais privilegiados, desconsiderando as experiências das mulheres negras. Tais aspectos têm dificultado a construção de uma teoria e práxis adequada para o trabalho em torno dos problemas da interseccionalidade. Ao trazer a crítica acerca da teoria feminista tradicional, a autora afirma que deixa à margem, ou mesmo não considera, as experiências, as vivências e as culturas das mulheres negras. A questão apresentada pela autora, embora esteja voltada à questão feminina, auxilia no pensamento acerca da interseccionalidade nos âmbitos culturais, étnicos, raciais, linguísticos e outros, a partir de uma análise dialógica.

A chamada de atenção, evidenciada anteriormente de que a luta contra o sexismo é mais facilmente priorizada que a luta contra o racismo, da mesma forma que, quando se trata de interesses específicos das mulheres negras, nas políticas públicas, elas ganham menos espaço que as supostas necessidades das comunidades negras, traz à discussão as questões acerca das mudanças e das transformações teóricas, conceituais, bem como da ação prática da interseccionalidade ao longo das décadas.

Ao considerarmos as reflexões apresentadas, retomamos o pensamento crítico de Collins (2017), que traz os contornos que a interseccionalidade foi ganhando ao longo dos tempos e a partir dos contextos em que foram traduzidos: inicialmente, dentro do movimento social, como observado anteriormente, adotando as perspectivas de raça, classe, gênero e sexualidade como sistemas de intersecção de poder. Posteriormente, Collins (2017) ressalta a forma como tais ideias chegaram à academia. E, por último, as consequências da legitimidade acadêmica da interseccionalidade para as políticas emancipatórias na contemporaneidade.

No contexto brasileiro, os primeiros aportes para os estudos sobre interseccionalidade surgiram com apoio de autoras como Lélia Gonzales (1984), Luiza Bairros (1995) e Sueli Carneiro (2003). Em 1984, a antropóloga brasileira Lélia Gonzales publicou o artigo Racismo e sexismo na cultura brasileira, no qual sinalizou que, em 1979, já havia mencionado a relação entre a noção de mulata, doméstica e mãe preta, trazendo as interrelações entre a mulher negra, a sua objetivação, as relações de classe social e o recorte religioso, a partir de exemplos do cotidiano da sociedade brasileira de diferentes períodos históricos. Suas preocupações com a temática transparecem a partir de suas experiências e participação no Movimento Negro Unificado, na Escola de Samba Quilombo e no Grêmio Recreativo de Arte Negra. Nessa sequência, poderíamos afirmar que a interseccionalidade, no Brasil, também nasceu de uma preocupação vinda da interlocução com os movimentos sociais.

Já Luiza Bairros, doutora em Sociologia pela Universidade de Michigan, militante do Movimento Negro, ativa na luta das Mulheres Negras, com destaque na ocupação de cargos no governo brasileiro, escreveu, em 1995, um importante artigo, intitulado Nossos Feminismos Revisitados, que traz à discussão o movimento feminista e a relação entre os diferentes grupos de raciais e de classes sociais. Com base em Grant (1991), a autora questiona a ideia de que exista um fator que seja capaz de unir todas as mulheres, considerando que estas, embora possuam aspectos que as aproximam (questão biológica e a natureza feminina), há aspectos históricos e culturais diversos que não poderiam deixar de ser considerados. Bairros (1995) destaca duas teorias feministas que ela entende superarem essa percepção: a) o feminismo socialista que compreende a questão feminina a partir do machismo e da dominação estrutural masculina no âmbito marxista, partindo da experiência para relacionar de forma interseccional raça, classe, gênero e sexualidade; b) teoria denominada “ponto de vista feminista” (BAIRROS, 1995, p. 461, grifo da autora) que percebe as desigualdades de tratamento das diversidades, as discriminações e as opressões, partindo do pressuposto de classe, de raça e de sexualidade, mas defende que a experiência de ser mulher é semelhante para todas, independentemente das referidas categorias. Bairros (1995) destaca que, no contexto norte americano, a associação das categorias mulher, experiência e política pessoal já estava em curso, conforme foi possível percebermos na abordagem apresentada anteriormente com os estudos de hooks (2015, 2018) e Collins (2017).

A filósofa Sueli Carneiro constitui-se também como uma referência nos estudos que subsidiam o conceito de interseccionalidade formulado, mais tarde. Ela impingiu a expressão “enegrecer o feminismo”, trouxe as fragilidades teóricas, práticas e políticas do feminismo clássico e propôs uma dimensão de luta antirracista por entender que as desigualdades de gênero possuem, em seu interior, outras desigualdades, como as que se referem às mulheres negras, às mulheres indígenas, entre outras. A autora não descura das desigualdades que tocam os homens negros; no entanto, reafirma o compromisso de mudança na esfera das desigualdades entre as mulheres negras em relação às mulheres brancas.

Carneiro (2003) traz as contribuições de autores como Carlos Hasenbalg e Nelson Silva Valle e Márcia Lima sobre as desigualdades nos processos de seleção, a ocupação de vagas, as categorias, entre outros aspectos referentes às mulheres e mercado de trabalho. Além desses autores, Carneiro (2003) traz Beatriz Nascimento e Regina Nogueira, que abordam as diferentes formas de violência pelas quais as mulheres negras passam, desde a invisível, a partir do imaginário social e das relações sociais construídas que impactam suas identidades e sua autoestima (padrões de beleza, modelos corpóreos, relacionamento afetivo, sexual idealizados e disseminados nesse imaginário), até as violências físicas. No artigo de Carneiro (2003), Fátima Oliveira ganha destaque a partir da crítica aos estudos sobre direitos no campo da reprodução, que, descuidando da variante identificação racial, não produz dados epidemiológicos da população negra. No que diz respeito à mulher negra na mídia, destacam-se, no texto de Carneiro (2003), Antonia Quintão e Nilza Iraci, que apresentam a preocupação acerca dos estereótipos e dos estigmas reproduzidos pelos diferentes meios de comunicação e a forma como impactam negativamente a população, essencialmente na construção de uma imagem positiva.

Nos estudos da interseccionalidade, no âmbito metodológico, destacamos Claudia Pons Cardoso (2012), que, em sua tese de Doutorado intitulada Outras falas: feminismos na perspectiva de mulheres negras brasileiras, aborda a história do pensamento feminista negro no Brasil. A autora realiza uma análise interseccional entre raça, gênero, classe e sexualidade.

Raquel Barreto (2005), em sua dissertação de Mestrado, com o título Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativa de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez, apresenta as aproximações entre classe, gênero e raça e a sua interseccionalidade no pensamento das autoras que, por meio da metodologia da história oral, reconstrói seus percursos e busca realizar as aproximações e as distâncias entre seus pensamentos. No que corresponde à construção conceitual da interseccionalidade, Barreto (2005) afirma que Davis e Gonzales, embora não mencionem o conceito, apresentam a relação e a interação entre raça e gênero.

Carla Akotirene, mais recentemente, traz aportes específicos ao conceito com a publicação, em 2018, de sua obra, O que é interseccionalidade?, que, a partir de diferentes vertentes, ressalta os marcadores sociais como mulher, negro, religião entre outros. Desse modo, Akotirene (2018) chama atenção para a grande disputa acadêmica que o conceito enfrenta na atualidade.

Importa destacarmos que, na discussão aqui proposta, a interseccionalidade quando relacionada à unidade na diversidade, dentro das teorias críticas em educação, a partir das perspectivas dialógicas, apresenta possibilidades ao contexto educativo atual. Podemos notar que as diferenças, ao serem entendidas como diversidades e respeitadas como parte da constituição das identidades, geram uma convivência respeitosa com e entre os diferentes sujeitos, com modos de ser, estar e agir diferentes, em contextos educativos e sociais.

A convivência respeitosa e dialógica dá-se na medida em que a educação caminhar no sentido do respeito, do diálogo a favor de uma educação antirracista, em que as categorias de classe, raça, gênero, religião, sexualidade possam ser compreendidas dentro da interseccionalidade. Essa possibilidade, no contexto educativo, proporciona aprendizagens em que diferentes etnias, culturas, línguas, religiões possam conviver e dialogar, considerando que o fato de ser uma criança negra, de classe social menos favorecida, não católica, a coloca em um lugar de maior discriminação. Assim, as ações em sala de aula precisam ter em atenção tal aspecto para que se possa planejar ações educacionais em que todas as crianças aprendam de forma igualitária, produzam e compartilhem conhecimentos entre as diferentes crianças, contribuindo para a superação ou o rompimento das desigualdades.

Uma educação antirracista, que considera a intersecção, não permanece centrada na ideia de que as discriminações estão interconectadas, mas desenvolve saberes, relações igualitárias a partir desse conhecimento, aceitando que elas existem, mas que é possível a transformação por meio da unidade na diversidade, como nos afirma Freire (2020). A educação antirracista, baseada na análise interseccional, pode ser possível quando a compreendemos dentro da concepção de igualdade de diferenças, parte das teorias críticas em educação.

A igualdade de diferenças como possibilidade de mudança do contexto educativo

No atual contexto educativo, podemos observar um grande desafio em relação às desigualdades impostas pela questão da não aceitação da diversidade. Nessa linha de pensamento, discorremos sobre a possibilidade de mudança no contexto educativo com base no conceito de Igualdade de Diferenças. Para tal, duas indagações podem contribuir com as reflexões aqui propostas: Qual o papel da escola na transformação social, considerando as ações no contexto educativo? O que é o conceito de Igualdade de Diferenças? Dessa forma, na tentativa de tecermos respostas, citamos que:

A escola é a instituição, por excelência, da diversidade. Ou deveria ser. Falamos de diversidade pela constatação de que no espaço escolar encontram-se cores, raças, etnias, pessoas com orientações sexuais diversas, de matrizes religiosas diversas, de origens, nacionalidades e condições físicas também diversas. Diversidade muito mais cultural do que socioeconômica, decerto, se nos referirmos à convivência em espaços coletivamente compartilhados. O fato é que existe no ambiente escolar contemporâneo uma heterogeneidade social que reflete a própria configuração social atual em que praticamente inexiste a homogeneidade que houvera em outras sociedades, tal como a sociedade industrial, em que as classes sociais ocupavam posições bem definidas. (BLEY, 2017, p. 3904).

Em concordância com as palavras de Bley (2017), é preciso considerarmos a escola como um espaço privilegiado de socialização e de interações, de possibilidades de transformação educacional e social. Tais ideias aqui propostas coadunam com as afirmações de Constantino (2014, p. 307), ao destacar, em suas análises sobre a igualdade de diferenças no contexto escolar, que “[...] a ação efetiva do sistema é quase inexistente e ao considerarmos a promoção da igualdade racial, às vezes se coloca como um obstáculo para efetivação de ações mais igualitárias entre negros e brancos [...]”. Por conseguinte, a autora pontua que

[...] a escola pode ser um lugar que favoreça o fortalecimento da identidade étnica, bem como a valorização da diversidade a partir do diálogo e de objetivos comuns, ao juntar esforços é possível pensar a transformação e contribuir para a invenção de um mundo menos feio e mais igualitário, onde crianças negras, indígenas, ciganas, marroquinas e africanas poderão conviver livremente no encontro entre os diferentes eus que cada um carrega consigo e que possibilita a descoberta do próprio eu na relação com o outro. (CONSTANTINO, 2014, p. 308, grifos da autora).

Assim sendo, consideramos que “[...] o conceito de igualdade de diferenças direciona-se a uma igualdade real, na qual todas as pessoas têm o mesmo direito de ser e viver de forma diferente e, ao mesmo tempo, serem tratadas com o mesmo respeito e dignidade” (AUBERT et al, 2018, p. 192). Nas afirmações dos autores e das autoras, se não planejarmos o ensino considerando as desigualdades de partida, dando mais a quem tem menos, o ensino não contribui para superar as desigualdades educacionais e sociais.

Em relação ao contexto escolar, precisamente no cenário atual (no Brasil e no mundo), dados evidenciados por estudos científicos denunciam a necessidade de investirmos mais em estudos e, especialmente, nas práticas pedagógicas. Considerando a perspectiva Freireana, para além da denúncia, existe a necessidade de anunciar as possibilidades, com isso, a igualdade de diferenças carrega um papel fundamental que é contribuir para tal êxito.

Mediante o exposto, verificamos que o cumprimento normativo e legal, no caso das Leis No 10.639, de 9 de janeiro de 20033 e No 11.645, , de 10 março de 20084, contribui também para esse caminho de possibilidades, na medida em que ações são direcionadas ao alcance de resultados mais igualitários, não somente em relação aos resultados acadêmicos, mas agregando possibilidades de uma convivência mais respeitosa entre todas as pessoas, com base no igual direito de ser e viver de forma diferente, sem sobreposição de culturas, que, segundo Aubert et al. (2018), evidencia o princípio da igualdade de diferenças. Para tanto, incluir a temática no cerne dos diálogos em contexto escolar, entre todas as pessoas envolvidas na formação humana, parece-nos uma missão a ser cumprida como um ato ético, político e solidário com e para a formação da humanidade. “Na atualidade, há uma duplicidade de movimento requerido dos sujeitos: pertencimento a comunidades não naturais, com respeito às individualidades e escolhas de percursos” (MELLO; BRAGA; GABASSA, 2020, p. 74).

As autoras reiteram a necessidade de superação das hierarquizações culturais e desigualdades de proteção social para contribuirmos com um mundo mais justo. Essas afirmações estão em consonância com as ponderações de que “[...] o princípio comunicativo da igualdade das diferenças orienta um processo de luta para alcançar uma posição igualitária das várias culturas, setores e indivíduos” (FLECHA; GÓMEZ, 1995, p. 96, tradução nossa).

Com base nas palavras de Freire (2020), cabe-nos alimentar a esperança de que podemos viver em ambientes, contextos escolares e outros, nos quais juntas e juntos construamos um mundo de respeito à diversidade, um mundo no qual as diferenças sejam vistas como algo positivo, cujas relações e interações sejam transformadas e pautadas no enriquecimento proporcionado pela diversidade e que leve cada vez mais à igualdade de diferenças entre todas as pessoas.

Na obra Cartas à Guiné Bissau, Freire (2021b, p. 67) destaca que uma das “[...] preocupações é a de conseguir que o campo das escolas e o das famílias dos alunos se unam num só campo produtivo”. Nessa continuidade, coaduna com o conceito de igualdade de diferenças a afirmação de que: “Na busca de compreensão das novas demandas e dos novos anseios é que podemos entender conflitos e desafios enfrentados pelas escolas na atualidade e argumentar no sentido de que ela precisa transformar seu trabalho numa perspectiva mais comunitária e dialógica” (MELLO; BRAGA; GABASSA, 2020, p. 22).

Ainda com base nas afirmações de Freire (2020), com os conceitos de oprimido/opressor, unidade na diversidade, organização e união, destacamos o anúncio de possibilidades da superação de desigualdades, sociais e educacionais, por meio das ações em contextos escolares. Na perspectiva freireana, a descoberta do coletivo não significa a negação do individual, mas o seu enriquecimento (FREIRE, 2021a). Para o autor, o trabalho coletivo eleva o nível político da população. Tal elevação pode ajudar a transformar as relações desiguais em relações de igualdade, com base na unidade na diversidade, na organização e na união de todos os povos, de todas as culturas, na igualdade de diferenças, não só como um sonho, uma utopia, mas como algo possível, como um inédito viável5 desejável e realizável.

A luta de libertação, que é a expressão mais complexa do vigor cultural do povo, de sua identidade e de sua dignidade, enriquece a cultura e lhe abre novas perspectivas de desenvolvimento. As manifestações culturais adquirem um conteúdo novo e novas formas de expressão. Tornam-se assim um instrumento poderoso de informação e de formação política, não somente na luta pela independência, mas ainda na batalha maior pelo progresso. (FREIRE, 2021b, p. 83).

Diante do exposto, a relação das chamadas minorias, referindo-se ao conceito de oprimidos, precisam reconhecer que, no fundo, trata-se da maioria. Nessa lógica, de acordo com Freire (2020), as viabilidades para tal reconhecimento podem ocorrer ao trabalharmos as semelhanças entre si, e não somente as diferenças, como forma de criar a unidade na diversidade, fora da qual o autor não vê a possibilidade da construção de uma democracia substantiva e radical. Nessa lógica, cabe explicitarmos e destacarmos que os conteúdos necessários à sociedade da informação estejam garantidos a todas as crianças e a todos os jovens, uma vez que a incorporação das diferentes culturas não pode se opor à garantia dos instrumentos fundamentais da sociedade mundial atual.

No que concerne ao reconhecimento da diversidade como algo positivo, como possibilidade de enriquecimento cultural no contexto escolar, cabe destacarmos que:

O reconhecimento da diversidade por si só não produz mais igualdade [...]. Para que a educação na sociedade da informação abarque todas as pessoas e para que não haja exclusão, a educação precisa ser orientada, fundamentalmente, por objetivos igualitários [...]. Na esfera educacional, nenhuma relação intercultural baseada em crenças racistas vai melhorar as aprendizagens do alunado ou a sua convivência. Muito pelo contrário, vai ter o efeito oposto, aumentando os conflitos e o fracasso escolar, sobretudo de alunos e alunas considerados culturalmente inferiores. (AUBERT et al., 2018, p. 188-189).

O contexto educativo requer um processo de transformação das práticas, que, de fato, acolha a diversidade, a qual, em uma perspectiva dialógica, pautada em uma leitura da palavra precedida por uma leitura de mundo (FREIRE, 2021a), alcance uma vertente educativa emancipatória. Nesse sentido, a melhor forma de eliminar o preconceito racial em contexto escolar é por meio das interações com pessoas de diferentes culturas, favorecendo diálogos que melhorem a aprendizagem de todas as pessoas (AUBERT et al., 2018).

Nessa vertente, a Lei No 10.639/2003 e, posteriormente, a Lei No 11.645/2008 são afirmativas, no sentido do reconhecimento da escola como instituição central na formação de cidadãos. Essas Leis afirmam a relevância do papel da escola ao promover (e incentivar) a necessária valorização de todas as matrizes culturais que constituem o Brasil como um país com pluralidade cultural. Por conseguinte, os desafios para atingirmos mais qualidade, para todas as pessoas, não só na educação, mas também nas diversas esferas sociais, podem ser superados se o ambiente escolar for acolhedor, ao reconhecer e valorizar as diferenças, transformando-as em fatores de riqueza cultural e possibilidade de mais aprendizagem.

Ao tratarmos sobre as possibilidades de transformação do contexto brasileiro no que tange à igualdade de diferenças, em especial ao contexto das escolas públicas, ressaltamos a ocorrência de movimentos importantes e que respaldam tanto os processos que já realizamos quanto os que visam a fomentar novas possibilidades e o anúncio de novas ações, na área educacional, as quais podem ajudar a romper com as situações de desigualdades educacionais e sociais. Nessa lógica, destacamos a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, na África do Sul, no ano de 2001(BRASIL, 2001), considerada e apontada em diversos estudos nessa área como o ponto de inflexão da temática racial na agenda e nos movimentos governamentais nos últimos anos.

Ressaltamos que o Brasil teve sua participação destacada, tanto no aspecto preparatório das reuniões, quanto nas atuações durante a conferência. Tal participação e o posicionamento trouxeram mudanças relevantes no que se refere às ações de combate ao racismo e, concomitantemente, à superação de desigualdades relacionadas às questões étnicas e raciais, embora já existam projetos alinhavados, dentre eles alguns implementados. Na ocasião, destacaram-se as áreas da Saúde, do Trabalho e da Educação, esta última foco da discussão neste artigo. Dessa forma, o contexto brasileiro cauciona a Declaração de Durban, a qual explicita que:

Art. 108: Reconhecemos a necessidade de se adotarem medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, linguísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando todos em igualdade de condições [...]. (BRASIL, 2001, p. 33).

Nesse ínterim, a compreensão da importância do desenvolvimento de ações educativas, em contexto escolar, com enfoque no conceito de igualdade de diferenças, pode contribuir, efetivamente, para a produção de propostas metodológicas que possibilitem transformar as relações entre todas as pessoas e os agentes escolares, no intuito de ocasionar mudanças que favoreçam ao fortalecimento da identidade, das relações de convívio respeitoso e aprendizagem máxima para todos/as os/as estudantes. Dessa forma, as mudanças supracitadas reverberam nas ações com e no mundo (FREIRE, 2020), na perspectiva da valorização das diferenças como fator potencializador, não mais como problema, mas, sim, como fonte de riqueza para o ensino e a aprendizagem, garantindo o direito de ser e de viver de forma diferente e igualitária a todas as pessoas.

Nessa acepção, “[...] a promoção da diversidade cultural nas escolas não é apenas uma questão de ética e de direitos humanos, nem é a favor só de quem sofre maior discriminação. É também uma questão de qualidade educativa, de excelência acadêmica” (CREA, 2017, p. 8). Seguindo essa lógica, na educação, o reconhecimento da diferença favorece para gerir a diversidade cultural nas escolas, considerando a igualdade como elemento fundamental para proporcionar a todos o acesso às competências que possam ajudar a romper as barreiras sociais atuais. Consideramos, assim, que “[...] a diferença é necessária para promover a manutenção e o desenvolvimento da própria identidade e cultura” (CREA, 2017, p. 4). Desse modo, com base nas afirmações de Aubert et al. (2018), há concordância de que a melhor forma de acabar com os preconceitos raciais nas escolas e nas salas de aulas é por meio das interações com as diferentes pessoas, de forma a proporcionar espaços de diálogos que favoreçam as aprendizagens de todas as pessoas, considerando as contribuições da diversidade cultural, de línguas e de entornos socioeconômicos.

O diálogo com e entre as teorias e as práticas educativas transformadoras

A partir dos conceitos de unidade na diversidade, interseccionalidade e igualdade de diferenças, é possível pensarmos práticas que possam transformar o espaço educativo em um lugar de ação que contribua para uma educação antirracista, na medida em que possibilita o conhecimento das desigualdades e as possibilidades de ações educativas plurais, igualitárias e respeitosas nos diferentes processos educativos, sejam eles escolares ou não.

Processos de ensino e de aprendizagem que consideram as diferentes categorias de raça, gênero, classe, religião, cultura, entre outras, de forma interseccional, que reconhecem a existência das desigualdades em salas de aulas, escolas, sistemas educativos no contexto brasileiro e internacional e trabalham no sentido de buscar alternativas para que todas as crianças, todos os jovens e adultos possam aprender, contribuem diretamente para uma educação antirracista. Esta constitui como uma ação e reflexão acerca das vivências educacionais, com base na unidade na diversidade.

A busca por uma escola mais democrática, plural e dialógica supera as visões de reconhecimento de desigualdades e de diferenças em busca de uma educação voltada para a igualdade de diferenças, em que as legislações relacionadas ao trabalho com as questões étnicas, raciais, indígenas e de gênero ultrapassem o patamar da obrigatoriedade e passem a constituir-se como princípio educativo que possa permear metodologias, conteúdos, práticas, ações, avaliações e formações contínuas.

As reflexões e as ações das professoras, dos professores, das crianças, dos adolescentes e dos jovens assim como dos familiares e de toda a comunidade, diante de cada situação de preconceito ou de discriminação decorrida no cotidiano escolar, quando baseadas na ideia de diálogo - entendendo que há diversidade e é possível ter unidade dentro da concepção de igualdade de diferenças -, torna possível uma educação antirracista, que, para Freire (2020), designa a unidade na diversidade. O conhecimento das desigualdades de ensino e de aprendizagem, as possibilidades de atuações plurais, igualitárias e respeitosas nos diferentes processos educativos, sejam eles escolares ou não, proporcionam aprendizagens também plurais e dialógicas.

O desenvolvimento de uma aula, de um projeto escolar que incorpore pressupostos da unidade na diversidade e da igualdade de diferenças se materializa por meio da construção de objetivos pedagógicos que levem em conta, por um lado, as diversas formas de aprender, de ser, de estar, as culturas, identidades; e, por outro lado, que trabalhe com o conteúdo designado para aquele ano escolar, pois, ao cumprir tais objetivos, estará caminhando para a máxima aprendizagem de todos e de todas.

Nas palavras de Aubert et al. (2018, p. 193), no que se refere à igualdade de diferenças, no contexto educativo, “[...] o valor do respeito a ‘ser diferente, mas, ao mesmo tempo, ter os mesmos direitos e ser tratado da mesma maneira’ é interiorizado e se converte em um princípio da própria ação quando se sente que esse valor é positivo e reafirmado pelo entorno [...]”. Em continuidade, os autores afirmam a necessidade de coerência entre o que se diz e o que se faz na escola, para assim conferir sentido ao alunado de culturas não hegemônicas. “Não é possível realizarmos práticas igualitárias de ensino e aprendizagem baseadas em teorias que afirmem que a capacidade dos meninos e meninas é afetada pela etnia ou cultura” (AUBERT et al., 2018, p. 193).

Nesse sentido, quando articulamos uma educação antirracista com a base da unidade na diversidade e a igualdade de diferenças, proporcionamos uma educação diversa na forma de apresentar conteúdos escolares, nas metodologias, nas formas avaliativas e nos próprios conteúdos dialogados como, por exemplo, o trabalho com as temáticas da diversidade, das culturas africanas, indígenas, com a constituição identitária dos povos, entre outras.

Considerações finais

As reflexões suscitadas neste texto explicitam o desafio e a dificuldade da escola no trabalho com as questões relacionadas ao preconceito e à discriminação. Assim como revelam possíveis limitações em atuar diante das desigualdades e com as diferenças em geral, pois, para que isso ocorra, é necessário romper definitivamente com a ideia da homogeneização, a normatividade exacerbada, os rituais burocráticos exagerados, a padronização de comportamentos e possibilitar o anúncio de que “[...] a escola que se abre para as diferenças se abre, também, para um mundo rico, belo e fecundo” (BLEY, 2017, p. 3918). Dessa maneira, considerando a perspectiva freireana, enfatizamos o anúncio da possibilidade de mudanças das práticas pedagógicas, a razão de ser das escolhas e das ações de ser e de estar no mundo e com o mundo (FREIRE, 2020), considerando a diversidade cultural como fonte de riquezas para a aprendizagem com e entre todas as pessoas.

Como proposta para a busca pela igualdade, Freire (2019) aposta em uma educação que tem como pressuposto o diálogo, em um processo permanente e de aprendizagens mútuas, na qual educamos e nos educamos permanentemente. Ponderamos, assim, por meio da perspectiva dialógica, que é possível promovermos uma reflexão (a práxis) de forma a direcionar todas as pessoas a um nível de criticidade elevado, capaz de emancipar e conduzir a resultados mais exitosos, no contexto educacional e social.

Os diálogos educativos a favor de uma educação baseada na unidade na diversidade, dentro dos pressupostos da igualdade de diferenças, apresentam caminhos para uma análise que considera os diferentes aspectos do processo educativo, os diferentes sujeitos, de forma interseccional. Nesse sentido, nas obras de Paulo Freire, destacam-se contribuições muito importantes no que se refere aos conceitos de unidade na diversidade e de diálogo, para a discussão mais ampla e interseccional da valorização da relação dialógica entre as diferenças em uma perspectiva de igualdade de diferenças. O conceito de igualdade de diferenças, nesse contexto, apresenta subsídios importantes para a transformação do contexto educativo na busca por mais qualidade nos processos de ensino e de aprendizagem, por meio de uma metodologia, de uma avaliação e de uma formação continuada que se baseiem nessa noção.

1CREA - Community of Research on Excellence for All [ Comunidade de Pesquisa em Excelência para Todos].

2Publicada no Brasil pela editora Boitempo, pela primeira vez, em 2016, com o título Mulheres, Raça e Classe.

3A Lei No 10.639/2003 versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana e ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira (BRASIL, 2003).

4A Lei No 11.645/2008 estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (BRASIL, 2008).

5Conceito de Paulo Freire referente às obras Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido (FREIRE, 2020) e A educação na cidade (2018).

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Recebido: 05 de Agosto de 2021; Revisado: 24 de Maio de 2022; Aceito: 25 de Maio de 2022; Publicado: 10 de Junho de 2022

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