SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18Lesson study como práctica pedagógica en la educación superior desde una perspectiva inclusiva: estrategias y recursos indicados por los profesoresEducación a Distancia y formación docente en Santa Catarina (1998-2018) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 10-Mayo-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21337.011 

Artigos

Fundamentos filosóficos na Pedagogia Social de Paul Natorp e aproximações com a educação comunitária

Philosophical foundations in Paul Natorp’s Social Pedagogy and approaches to community education

Fundamentos filosóficos en la Pedagogía Social de Paul Natorp y enfoques de la educación comunitaria

Suzete Terezinha Orzechowski* 
http://orcid.org/0000-0001-8368-0117

Érico Ribas Machado** 
http://orcid.org/0000-0001-7627-4751

*Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professora na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Coordenadora do Laboratório de Pedagogia Social da Unicentro (LAPSU) e líder do Grupo Educação, Trabalho e Formação de Professores (GETFOP). Membro da Rede Nacional de Pesquisadores em Pedagogia (RePPed). E-mail: <suziorze@gmail.com>.

**Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Pedagogia, Pedagogia Social e Educação Social (NUPEPES/UEPG). E-mail: <ericormachado@gmail.com>.


Resumo

O texto que se apresenta é fruto de análises que reverberam e aprofundam os estudos sobre as ideias de Paul Natorp na Pedagogia Social como concepção filosófica baseada em Platão e Pestalozzi. É uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. De modo oportuno, expende as ideias de Paulo Freire, promove a apropriação das práticas da educação social em integração com a perspectiva de Natorp sobre a educação que se constroi e se efetiva nos contextos da educação que se desenvolve na comunidade. Daí que a educação pertence aos sujeitos que convivem e se alteram para uma sociedade mais justa, com alteridade e equidade social.

Palavras-chave: Natorp; Pedagogia Social; Educação comunitária

Abstract

The text that is presented is the result of analyses that reverberate and deepen the studies on Paul Natorp’s ideas in Social Pedagogy as a philosophical conception based on Plato and Pestalozzi. It is a qualitative bibliographic research. In a timely manner, it explores Paulo Freire’s ideas, promotes the appropriation of social education practices in integration with Natorp’s perspective on education that is constructed and effective in the contexts of education that is developed in the community. Hence, education belongs to the subjects who coexist and change themselves towards a fairer society, with alterity and social equity.

Keywords: Natorp; Social Pedagogy; Community education

Resumen

El texto que se presenta es el resultado de análisis que reverberan y profundizan los estudios sobre las ideas de Paul Natorp en la Pedagogía Social como concepción filosófica basada en Platón y Pestalozzi. Es una investigación bibliográfica cualitativa. De modo oportuno, explora las ideas de Paulo Freire, promueve la apropiación de las prácticas de la educación social en integración con la perspectiva de Natorp sobre la educación que se construye y se hace efectiva en los contextos de la educación que se desarrolla en la comunidad. De ahí que la educación pertenece a los sujetos que conviven y se alteran hacia una sociedad más justa, con alteridad y equidad social.

Palabras clave: Natorp; Pedagogía Social; Educación comunitaria

Introdução

Paul Gerhard Natorp (1854-1924), filósofo alemão e um dos precursores da Pedagogia Social, tem como influência na construção do seu pensamento as ideias de Immanuel Kant quando imprime a racionalidade científica para implementar a sua concepção pedagógica. A partir de Kant, outros pensadores povoaram a sua competente elucidação epistemológica sobre a pedagogia, quando identificou a concepção da Pedagogia Social em 1899. Nesse sentido, as reflexões, neste texto, apresentam uma análise consubstanciada em Platão, com o mito do cocheiro e os dois cavalos alados, e em Pestalozzi, com a ideia de uma educação forjada no desenvolvimento das sensações e das percepções traduzidas por ele na tríade: cognição (cabeça), coração (emoções e moral) e mãos (corpo em atividade).

A partir do encontro com um fragmento dos anais da Junta para ampliação de estudos e investigações científicas de 1911, a leitura do texto O Fundamento científico da Pedagogia Social em Natorp, escrito por Fernando Del Río Urruti, reafirmamos a necessidade de aprofundamentos importantes. Apontamos que os trechos aqui citados apresentam livre tradução realizada por nós, o que pode facilitar a compreensão dos leitores. Importa salientarmos que o texto traz reflexões sobre a educação comunitária a partir do fragmento analisado sob a óptica de Paul Natorp e, portanto, os referenciais bibliográficos mais atualizados são escassos na análise sobre a relação das ideias de Natorp e os fundamentos da educação comunitária. O mais atual estudo que podemos relacionar à educação comunitária se verifica nas dicussões apresentadas por Hornich e Evangelista (2022), os quais apresentam estudos sobre a comunidade de comunicação a partir de Kant e a educação sociocomunitária.

Neste artigo, consideramos o fragmento de Urruti para a análise socializada que perpassa os princípios da pedagogia que é social. As ideias elaboradas por Natorp, aqui trabalhadas, buscam estabelecer conexões com as práticas socioeducativas e socioculturais que se fazem explicitadas em contextos escolares e não escolares em uma perspectiva da educação social que acontece na comunidade. A ideia é perscrutar as práticas educativas construidas à luz dos princípios filosóficos supracitados.

Fundamentos filosóficos na Pedagogia Social de Paul Natorp

A Pedagogia Social como concepção teórico-prática, segundo Urruti (1997), tem com Paul Natorp fundamentos em Pestalozzi e Platão para criar uma unidade de consciência cultural e educativa. Em sua obra Pedagogia Social: teoria da educação da vontade com base na comunidade, de 1899, Natorp explicita, com propriedade filosófica, o processo educacional que ocorre no princípio da intencionalidade, um deveria. Uma vontade desejada, almejada, deliberada e planejada. Nesse contexto, a educação é uma ação sobre o vir-a-ser, sendo.

A leitura do fragmento publicado em 1911 provoca a reflexão para aprofundar os princípios filosóficos que imprimem em Natorp elaborações sobre a concepção da Pedagogia Social, na qual se debruçou priorizando a práxis pedagógica imbricada com a realidade sociocultural em que se inserem os homens e as mulheres.

Além disso, o conceito de Pedagogia funde-se ao conceito de educação. A pedagogia que traz uma carga de intencionalidade se incorpora um contexto educacional de cada comunidade, portanto uma educação impregnada de sentidos, de significados, de subjetividades e de elaborações existenciais que se processam entre os sujeitos protagonistas da vida. A comunidade é reflexo das interações e das intenções dos sujeitos que nela se fazem e a fazem existir, porque, ao dizer de suas realidades e de suas identidades, promovem um lugar de fala. Assim, a fala, a palavra, também identifica cada sujeito e sua comunidade.

Por conseguinte, refletindo sobre as ideias contidas no fragmento, processam-se elucubrações sobre o pensamento que hodiernamente são refletidas e tornam-se factíveis na obra de Paulo Freire (1921-1997). Freire (1989) escreveu:

Daí que sempre tenha insistido em que as palavras com que organizar o programa da alfabetização deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos. Deveriam vir carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador. A pesquisa do que chamava universo vocabular nos dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo. Elas nos vinham através da leitura do mundo que os grupos populares faziam. Depois, voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo de codificações, que são representações da realidade. [...] costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja decodificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática ou do trabalho humano, transformador do mundo. No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura” da “leitura” anterior do mundo, antes da leitura palavra. (FREIRE, 1989, p. 12-13).

O texto de Freire é provocativo para relacionarmos aos estudos da comunicação crítica destacada por Hornich e Evangelista (2022). Aprofundamentos devem ser realizados em outro momento pelos leitores que desejarem. Aqui, destacamos a importância da pedagogia que intencionalmente elege ideias elaboradas na realidade concreta dos sujeitos, tornando-se efetivas para trazer à perfeição o que deve ser. Daí o reconhecimento consciente sobre a essência de cada SER. O SER que é a partir do que o anima e se situa naquele lugar de fala. Entretanto, imprimi-se a contradição entre o SER e o que se DEVE SER. A contradição, inerente ao contexto sociocultural, qualifica e instala a insegurança no SER, instruindo o DEVER SER. Assim, o lugar de fala é descredenciado e se promove uma inquietude na elaboração da palavra que ressignificaria a realidade em que se inserem os sujeitos que têm direito de SER MAIS. Essas são as ponderações que aqui propostas nos remetem às considerações já realizadas por Freire (1989).

Por isso, retomamos a ideia de Platão com o mito do cocheiro e os cavalos alados e como essa alegoria faz sentido nos estudos de Natorp quando propôs a Pedagogia Social fundamentada no desenvolvimento existencial dos sujeitos inseridos na comunidade. Se não, vejamos que a descrição do grande circuito realizado pela biga conduzida por almas que buscam um equilíbrio entre os dois cavalos se projeta em uma grande composição que identifica a essência de cada alma. Essa essência está sujeita às substâncias que se misturam e se afetam compondo uma amálgama que identificará cada alma, na alegoria representada pelo condutor da biga. Cada alma, diante da necessidade de controlar cada cavalo para sua biga (sua vida), segue o melhor e/ou o que deverá ser eleito pela sua vontade e, nesse processo, terá muitos desafios. Estabelecer o que é melhor e mais adequado nem sempre atenderá a vontade. Existem situações em que a vontade do SER não será atendida, e a necessidade do DEVER SER atenda de forma mais adequada o desejo de SER MAIS. A vontade é identificada com o íntimo, ou seja, o SER. As necessidades a serem atendidas se identificam com a realidade externa ao SER, portanto a realidade concreta da comunidade onde o SER se insere. Essas necessidades relacionam-se ao DEVER SER, estão para além das vontades do sujeito e habitam as subjetividades no espaço/na comunidade.

Voltando ao argumento de Freire, frente ao processo de alfabetização e a leitura que se tem do mundo, chama ele atenção para esse existir no mundo, inteirado de uma cultura que se remete ao que já está na identidade de cada um, ou seja, o mundo já é, e, ao existir no mundo, homens e mulheres tornam-se parte de um processo dinâmico que já está se dando. Por isso, Freire salienta que o mundo não é dado, mas, sim, é um mundo dando-se. Ao adentrar o mundo, as pessoas são existência concreta com possibilidades e necessidades, não vazios que serão preenchidos. Muitas características constituem o SER e, por conseguinte, ao estar no mundo, a vontade está frente a frente com a realidade concreta de existir com outros SERES. Integrar essa realidade que vai se dando e relacionar-se com as pessoas que concretamente a constroem é um desafio e uma descoberta que leva à educação da vontade para SER MAIS. Retomamos a alegoria dos cavalos alados, os quais serão conduzidos entre a vontade do SER e as necessidades e as possibilidades do DEVER SER.

Assim, a construção do SER e do DEVER SER-SENDO, na composição que acontece durante o circuito, o homem está à mercê das diferentes influências contidas na realidade vivida e experienciada; entretanto, o homem (a alma) detêm as rédeas e está na direção, segundo as suas vontades. Daí que a identidade pessoal vai se construindo mediante o controle que cada pessoa teria sobre os dois cavalos. Na representação de Platão, um dos cavalos é um belo animal e segue o caminho sem resistências, de acordo com o que deve ser, é iluminado. O outro cavalo é mal, sem brilho e amante dos excessos; a teimosia e a rebeldia o fazem um cavalo difícil. O homem que guia a biga deve conduzir sua alma para a luz.

Quando observamos essa alegoria de Platão sob a luz da racionalidade, o homem conduz sua existência entre os desafios em dominar a si mesmo diante de necessidades e de possibilidades da realidade em que se insere. Caberia a cada pessoa conduzir sua vida conforme o que se elege como válido, mas diante dos demais seres isso seria um triunfo? Qual é o valor sobre o desejo, a vontade que cada SER projeta como meta e se impele às ações consideradas mais adequadas para o seu DEVER SER, SENDO? Nas respostas, busca-se um equilíbrio necessário e importante. Também na alegoria de Platão se projetam imagens em que o condutor da biga possa estar em segurança. Desse modo, a busca está no exercício do autocontrole. Esse equilíbrio desejável anima o SER para o DEVER SER, SENDO, pois o dever ser se encontra “[…] na unidade da consciência da cultura” (URRUTI, 1997, p. 4). Desse modo, é possível identificar que o SER busca um acordo com o DEVER SER que está na cultura, processo concreto construído na e pela comunidade. Para Jovchelovitch (2004), a cultura perpassa o lugar histórico, social, simbólico e cultural de uma comunidade humana. Esse é o lugar que o SER tem vontade de estar? Esse é o seu lugar de pertença: na cultura da comunidade? Para esse intento, a pessoa controla suas vontades (seu cavalo mais rebelde), tomando por base o DEVER SER (cavalo já domado/aceito na comunidade)? Assim, torna-se a educação comunitária uma componente imprescindível para os estudos da Pedagogia Social? Certamente essa elaboração cultural e suas nuanças compõem os sujeitos que se relacionam na comunidade. Conforme Hornich e Evangelista (2022),

[...] podemos pressupor que a comunidade crítica de comunicação fundamenta a ação do sujeito crítico na realização de escolhas que se perfaz em meio a construção da sua liberdade, que se realiza historicamente na prática da comunidade concreta e transcendental, que se viabiliza pelo jogo de linguagem, pelo acordo mútuo das ciências e do conhecimento histórico de cunho social. (HORNICH; EVANGELISTA, 2022, p. 36).

É na relação do SER com sua liberdade que ele, sujeito, se identifica no tempo e no espaço de seu existir comunitariamente. Prosseguindo com os estudos de Natorp, ele busca responder a esses questionamentos e projeta suas análises para além de Platão. Ao encontro de Pestalozzi (1746-1827), evidencia possibilidades investigativas integrando à Pedagogia Social ao que definitivamente nunca deixou de sinalizar: a Pedagogia Social é uma concepção de análise sobre a educação em comunidade, na/com/pela comunidade. Sem abandonar as ideias platônicas, afinal foram duas as obras de Paul Natorp com estudos filosóficos dirigidos a Platão: Teoria das ideias de Platão - uma introdução ao idealismo, volumes I e II. Trata-se de um estudo aprofundado que agrega fidedignidade quando Natorp defendeu a relação do homem consigo mesmo e com a cultura na qual está inserido. Nesse contexto, ao promover-se a educação intencional, ou seja, do que DEVE SER, não se pode esquecer dessa leitura reflexiva, da qual se estabelece a relevância do equilíbrio, sensatez e autocontrole. Inegável que é a cultura um componente específico e dando-se está viva em cada sujeito aprendente. Essa necessária compreensão de que a Pedagogia Social requer a educação comunitária na sua base epistemológica é identificada por Dollinger (2013). Para Nico (2020), a Educação comunitária é uma teoria na prática porque avança no contexto comunitário revelando direitos socializadores que se manifestam nas interrelações que se estabelecem na comunidade.

Naturalmente, a consciência da cultura pode ser cada vez mais elaborada a partir das análises intencionais que cada pessoa fará sobre a sua condição dentro da comunidade. Assim, é compreensível perceber o valor do desejo, da vontade em cada ser mediante o vir-a-ser e o dever ser, sendo este que emana da comunidade, na qual cada sujeito está inserido. Essa humanização integral em que homem e comunidade se completam passa a ser objeto específico para análises da Pedagogia que é social. Como escreveu Viche Gonzales (2006):

Prática pedagógica que através dos anos tem gerado um paradigma próprio, assim como uma metodologia educativa personalizada, no qual se inscrevem os marcos dos mais comprometidos posicionamentos do tipo didádico, enquanto que prática e metodologia própria de uma educação com sentido mais socializador, integrador e solidário, assim apontam pensamentos, atitudes e práticas dos Pedagogos da cultura. (VICHE GONZALEZ, 2006, p. 16, grifo nosso).

Exercitar nossas reflexões para compreender que a Pedagogia está para além do espaço escolar, incluindo-se no espaço educativo comunitário, leva à percepção sobre novas demandas de espaço-tempo, bem como a outras interpretações sobre os conteúdos, os saberes e seus significados. Dollinger (2013) cita duas fontes nas quais a Pedagogia Social tem estado em uma tarefa cansativa de criar espaços de liberdade contra um excesso de controle: o sujeito sobrecarregado pela liberdade e o sujeito (super)controlado. Gadotti (2012) aponta a importância da educação comunitária trabalhando alguns conceitos que perpassam a educação popular. Martins (2015) chama atenção para uma “Pedagogia do Encontro”, na qual se constitui seu tripé para análises: educação/cultura/comunidade. É na comunidade que se aprende por meio das relações e pela comunicação. Logo, Natorp já identificava a pertinência de estudos na cultura para a elaboração do conhecimento teórico-metodológico da Pedagogia Social. Decorrente dessas particularidades advém a necessidade em desenvolver metodologias, práticas e recursos didáticos distintos. Daí cabe apontar o que Paul Natorp traz em seus estudos das influências de Pestalozzi.

Então, Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), pensador suíço, idealizou a educação perceptiva, na qual se norteiam as práticas pedagógicas por ele implementadas. Será pela experiência, pela atividade criativa que se mobilizam as percepções sensoriais. Os conteúdos devem ser acessíveis e democratizados. O afeto também é um componente singular e imprescindível para a educação. Pestalozzi defendeu a educação como direito absoluto e incentivou a formação de professores/educadores. É considerado um precursor da Escola Nova. Alegou que o educador é um estimulador do desenvolvimento educacional que já existe em cada sujeito que aprende e que, portanto, também ensina. Afirmava que o Lar é a melhor escola, no qual se tem o afeto e, para transformar a pessoa, é preciso amar. A influência chega onde chega o amor. Para que a educação seja estimulante, é necessário o vínculo afetivo, que acontece pelo amor vidente. Este ajuda o outro a desenvolver suas potencialidades cognitivas (cabeça), emocionais/morais (coração) e atividade/corpo (mãos).

Acrescentam-se às análises sobre Pestalozzi, o estudo que fez Natorp sobre as ideias de Rousseau, considerado o precursor da pedagogia libertadora. Em um tripé sustentado na liberdade, na justiça e na democracia, Rousseau (1712-1778) defendeu seus conceitos de Estado que reverberaram também no processo educacional de Pestalozzi. Daí que tinha tanta destreza em fazer com que os seus aprendizes desenvolvessem o senso de liberdade em atividades ao ar livre, exercícios que desenvolviam a criatividade e a sensibilidade para a convivência respeitosa entre os diferentes.

Ao considerarmos as ideias de Pestalozzi fundamentais ao desenvolvimento das práticas pedagógicas da Pedagogia de Natorp, é possível inferirmos que o processo educativo que se dá sob a égide teórica-epistemológica da Pedagogia Social é uma educação do homem integral. “O problema da educação consiste em formar o homem em sua plenitude integral, favorecendo de maneira justa todas as direções essenciais de sua atividade” (URRUTI, 1997, p. 13). A educação acontecerá de forma a atender a formação do SER integralmente, senão acaba por promover a educação fragmentada, por exemplo: ter liberdade e ser controlado, como já identificou Dollinger (2013). Essa educação que fragmenta e que não percebe o sentido e o significado da existência de cada sujeito no mundo, na comunidade, é promotora de uma educação deletéria.

Na continuidade dessas reflexões, é inegável que o SER é histórico e, assim, pertencente a um tempo. Ao participar do processo educacional e/ou educativo passa a SER autor da e na história, também dono das suas vontades na construção da sua história pessoal. Junto aos demais passa a SER socialmente situado no mundo culturalmente identificado. Por conseguinte, terá de controlar, equilibrar e domar a força dos dois cavalos. Ao considerar o estudo sobre a Pedagogia Social de Paul Natorp, Urruti (1997) escreveu:

O indivíduo e a comunidade são tomados como dois fatores distintos que se influenciam, e daqui somos levados a uma representação mecânica, considerando ambos os fatores como dados empiricamente, enquanto para nós o conceito de pedagogia social consiste apenas em uma relação de educação-ideia, uma comunidade é igualmente considerada como ideia; isto é, não apenas como consciência de algo que é, mas também de algo que deve ser, não de um dado, mas de algo que se torna e se desenvolve; em uma palavra, como um problema e, como tal, eterno. (URRUTI, 1997, p. 48).

Assim sendo, sujeito e comunidade fundem-se, identificam-se e ressignificam-se eternamente. Então, a educação não se reduz na relação educador-educando. A educação está inserida em um processo social, torna-se parte integral de uma sociedade, com seus conflitos, seus desafios, suas conquistas, suas necessidades, seus fracassos e seus sucessos. A ação educativa e/ou educacional deixa de ser uma ação técnico-pedagógica e amplia-se para uma ação socioeducativa e sociocultural, que prescinde de uma formação. Daí a necessidade já levantada por Pestalozzi na formação dos educadores/professores, depois indicada por Natorp como uma formação para uma Pedagogia Social. Tal formação levaria em consideração a reflexão sobre a prática, ou seja, sobre aquilo que é. Levar em consideração o sujeito e sua existência no mundo é condição fundante para organizar um arcabouço teórico que ilumina a prática e vice-versa, em um moto-continuo.

A práxis socioeducativa da Pedagogia Social

Ao analisar os fundamentos de Paul Natorp sobre a construção da Pedagogia Social fica evidente que tal concepção tem alguns princípios que embasarão as práticas entre educadores, professores e pedagogos que se desejam sociais, quais sejam:

  • as demandas socioeducacionais e socioculturais que impregnadas nas vontades de cada sujeito revelam os desejos do vir-a-ser, sendo;

  • a relação entre o homem e sua comunidade dá identidade à cultura de cada período histórico;

  • a educação perpassa todos os sentidos humanos, e o amor é uma chave para abrigar o devir cheio da vontade do dever ser;

  • a práxis social é um movimento para um processo socioeducativo e sociocultural que se fundamenta nas percepções sociocomunitárias, nos sentidos e na reflexão crítica sobre o dever ser-sendo;

  • a práxis vai se fazendo no inédito viável dentro das políticas socioeducacionais nas quais se encontram os homens e as mulheres que desejam ser mais.

A intencionalidade educativa requer uma opção teórico-metodológica que a ancore, que a fundamente, que a esclareça sem escamotear objetivos, fins e meios ideologizantes, mas que os enfrente. Utilizando-se dos conhecimentos da ciência pedagógica amplia-se sua efetivação sem desvio de seu objeto fundamental que é a educação e a ação pedagógica empreendida para tal, além de não perder seu objetivo principal que é educar o homem, e que não se confunda com outras ações: compensatórias, paternalistas ou mercadológicas. O trabalho pedagógico desenvolver-se-á fundamentado pela práxis.

Refletir e analisar as práticas da educação que é social e se dissemina por todos os espaços compondo uma comunidade, uma sociedade inteira, delineia ações intencionais que se ofertam aos sujeitos aprendizes. Estes partilham as suas vontades e, na busca de equilíbrio entre o que se quer e o que se oferta, minimizam as dificuldades e enfrentam os desafios. Não nos esquecendo do professor/educador, que também se mobiliza nessa empreitada, transformando didaticamente aquilo que se quer ofertar em um conteúdo significativo para o aprendiz.

O socioeducativo e o sociocultural são aspectos que compõem o mesmo processo e não se fragmentam, nem se hierarquizam nas abordagens. Ambos se misturam, promovendo sentidos e significados aos que aprendem e aos que ensinam. E nesse processo são imprescindíveis a ética e a estética. Escreveu Urruti (1997):

A ética, como ciência do dever, diz ao homem qual é a obra que deve fazer, o trabalho que deve realizar; e converter essa perspectiva ética eternamente, no SER cheio de vontades, é um problema da educação. Mas cada trabalhador deverá conhecer o material que a natureza lhe oferece e sobre qual quer operar, assim é necessário que o educador saiba a que se refere a alma infantil para empreender os meios que influenciam e sinalizam a ela, a direção. (URRUTI, 1997, p. 12).

Importa salientarmos que as leis vão sendo elaboradas e efetivadas na moralidade e, na citação anterior, fica explícita a moral como um campo de estudo da ética. Tal qual a vida humana prescinde da moral para uma boa convivência comunitária, assim a ética no seu sentido de equilíbrio traz princípios do bem, da justiça e da felicidade para o coletivo social. Dessa forma, a intencionalidade está presente nas demandas socioeducativas, bem como nas socioculturais. Daí que a eleição para empreender uma Pedagogia que é social mobiliza para práticas educativas e educacionais que denotam escolhas por uma sociedade mais justa, solidária, democrática e fraterna com “todes”, independentemente de cor, credo, gênero ou classe social.

Em cada período histórico, os sujeitos vão transformando a sociedade que, em movimento contínuo, se projeta para o futuro. Em meio a todas as possibilidades de VIR A SER-SENDO, relevante para a maioria é a felicidade e o amor a que somos submetidos. A convivência vem repleta de desencontros; entretanto, busca-se aprimorar e melhorar as relações humanas minimizando os conflitos, as tristezas, os obstáculos. Os desafios que se busca superar prescindem de compreensão, afeto, acolhimento, compreensão, amorosidade e respeito. Já lembra Paulo Freire, nas suas obras, dentre elas Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1982) e A importância do ato de ler (FREIRE, 1989), que as práticas educativas estão repletas de saberes. Estes são uma construção vivaz entre os seres humanos imbuídos no desenvolvimento das suas percepções, as quais dão sentido e significado a vida. É preciso humanizar-se! Atualmente, em meio a tanto desencanto, não se pode sucumbir ao desespero, esperançar e alcançar as metas de cada um para melhorar o coletivo é uma dimensão do inédito viável, do que ainda não é, mas poderá VIR-A-SER (FREIRE, 1982).

A contemplação e a elaboração de um processo intervencionista baseado na práxis social é mais uma dimensão da Pedagogia Social de Natorp. Uma prática transformadora, porque amplia o conhecimento dos sujeitos sobre a realidade e promove a crítica e a análise das possibilidades de alteração do cotidiano viável. A condição aqui é exercitar o ser social em todos os contextos educativos, nos diferentes níveis e nas diferentes modalidades educacionais. É articular realidade social com os saberes e os conhecimentos teórico-metodológicos que se iluminam mutuamente. Reportando-nos a Nico (2020), autor português, entre várias características da educação comunitária, podemos conceituá-la como:

Processo educativo e cultural, territorial, social e politicamente, situado, com dimensão holística, vital e intergeracional e concretizado em todos os contextos de educação, que - valorizando e gerindo, cooperada, participada e solidariamente, os recursos endógenos da comunidade e considerando todos os seus saberes e didáticas - contribui para o exercício dos direitos e deveres de cidadania e promove o desenvolvimento. (NICO, 2020, p. 82).

Essa é uma perspectiva de trabalho possível, dentro de uma concepção que qualifica a prática educativa em uma práxis, entendida por Freire (1982, p. 40) como uma “[…] reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. Assim, a práxis não é uma ação exclusiva de quem ensina, mas principalmente de quem aprende. Também não é uma atividade só teórica, ou só prática. Será, sim, uma atividade teórico-prática: uma prática que se teoriza e uma teoria que se evidencia na prática. Parafraseando Vazquez (2007), práxis é uma consciência teorizada no processo prático. Refletir sobre a prática é torná-la conscientemente teorizada. Portanto, a práxis existe na interseção entre a prática e a teoria que alicerça a ação consciente do sujeito.1 Segundo Franco (2008, p. 82): “A práxis é ativa, é vida, dá movimento à realidade, transforma-a e é por ela transformada”. É a Pedagogia Social uma concepção pedagógica que caracteriza a prática educacional como uma práxis pedagógica que está na escola e além dela e, porque nela, está uma prática socioeducativa, “[…] transformadora que responde a necessidades práticas e implica em certo grau de conhecimento da realidade que transforma e das necessidades que satisfaz” (VAZQUEZ, 2007, p. 257). Nesse contexto reflexivo, deixa de ser o Social uma adjetivação para a ciência pedagógica e passa a ser uma incorporação para o processo educativo que está lincado às realidades comunitárias.

Diante desses apontamentos, é a Pedagogia Social uma concepção a ser reconhecida e referenciada nas práticas entre educadores, professores e pedagogos sociais que não romantizam as intervenções, como aponta Gomes (2009). É uma educação da, na e com a sociedade que lida com os processos de inclusão e com as diferenças em um conceito baseado na alteridade e no altruísmo dinâmico. Com autoridade e rigorosidade científica, enfrentam as contradições, tornando-se inseparáveis do conceito de cidadania e buscam promover a consciência subversiva dos direitos civis, políticos e sociais para todos que integram a comunidade.

Considerações finais

O autor que aqui fizemos referência, Urruti (1997), provoca para uma reflexão muito positiva sobre o processo pedagógico que acontece quando se integra educador-educando, contextualizados na realidade em que se estabelecem as relações comunitárias. O autor traz à tona o sentimento mais instintivo de pertença que o sujeito carrega quando é aceito entre os seus pares, na comunidade, e como esse aspecto nos faz mais humanos como aprendizes, mais amorosos, como ensinantes, mais respeitosos como seres que convivem.

Notadamente, o tripé que vai se fortalecendo, no estudo apresentado por Urruti (1997), entre os aprofundamentos que fez de Natorp em Platão e, depois, Pestalozzi, conduzem ao exercício fenomenológico de articulação com Paulo Freire, que, no processo dialógico, identifica a integridade de SER-SENDO. É nesse caminho que as reflexões são aprofundadas e garantem, apesar das dificuldades e dos desafios, uma educação comunitária que desvela o homem em sua dimensão sócio-histórica diante das suas possibilidades de construção e de elaboração sociocultural e socioeducativa. O DEVER SER já não é uma imposição, mas se torna fruto das perspectivas que vão se alinhavando nas interações pessoais comunitárias. Diante delas, as pessoas compreendem-se, criticam-se, analisam-se e descobrem-se protagonistas e transformadoras da realidade que as oprimia. Diante da clareza que se estabelece entre os iguais, identificados com o mesmo lugar de fala, promove-se a consciência sobre a realidade. Por isso, a relevância da educação em comunidade que se mostra na realidade desvelada por aqueles que se entrelaçam para identificá-la e subvertê-la.

Dessa maneira, não estamos sozinhos e não nos fazemos sozinhos, pois a aprendizagem acontece porque os seres integrados uns aos outros se (des)cobrem. Quando ensinam, também aprendem e, quando aprendem, já não são a mesma pessoa. Aí reside a beleza de SER-SENDO. Também é nesse processo que se aprofundam as relações humanas de respeito e de compreensão, de amorosidade e de ética, no exercício da convivência. Assim, a Pedagogia Social é uma concepção pedagógica que, a partir de cada contexto, elabora-se em constante transformação. É a própria concepção pedagógica num constante VIR-A-SER, SENDO.

É verdade também que, para o processo de educação comunitária, tornar-se algo positivo, emancipatório, consciente e consistente, não se negará os conflitos que dali decorrem. Existindo os descasos e as divergências que não serão superadas é importante que se estabeleça o exercício ético que está para além da norma pedagogicamente difundida. A Pedagogia Social passa, desse modo, a ser uma concepção que promove as análises e socializa as possibilidades na qual cada um enxergue mais e melhor aquilo que deseja ver. Não obstante, a práxis social será um caminho a ser percorrido pelo próprio sujeito diante da sua comunidade.

Referências

DOLLINGER, B. O elemento político no disciplinar: a identidade da Pedagogia Social entre difusidade e “olhar” próprio. Civitas - Revista Ciência e Sociedade, Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 437-457, set./dez. 2013. DOI: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.3.16523Links ]

FRANCO, M. A. S. Pedagogia como ciência da educação. São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

FREIRE, P. A Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. [ Links ]

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989. [ Links ]

GADOTTI, M. Educação popular, educação social, educação comunitária: conceitos e práticas cimentadas por uma causa comum. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 4., 2012, Campinas. Anais eletrônicos […]. Campinas: CIPS, 2012. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/pdf/cips/n4v2/13.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. [ Links ]

GOMES, P. T. Educação Sócio-comunitária: delimitações e perspectivas. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 2., 2009, São Paulo. Anais eletrônicos […]. São Paulo: CIPS, 2009. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092008000100013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 20 jan. 2023. [ Links ]

HORNICH, D.; EVANGELISTA, F. Educação sociocomunitária e o seu estatuto epistemológico na comunidade de comunicação crítica. Reunina, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 31-49, 2022. DOI: https://doi.org/10.51399/reunina.v3i1.108Links ]

JOVCHELOVITCH, S. Psicologia Social, saber, comunidade e cultura. Revista Psicologia Social, Belo Horizonte, v. 16, n. 2, p. 20-31, ago. 2004. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-71822004000200004Links ]

MARTINS, E. C. Pedagogia social em contexto comunitário: nos meandros das aprendizagens não formais. Revista Educació i Cultura, Palma de Maiorca, v. 25, p. 127-146, 2015. [ Links ]

NICO, B. Educação Comunitária: a teoria de uma prática. Santo Tirso: De facto Editores, 2020. [ Links ]

URRUTI, F. de los R. Fundamento científico de la Pedagogía social en Natorp (Anais de la Junta de Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas, 1911). In: RÍOS, F. de los (org.). Obras Completas, v. III, 1997. Barcelona: Fundación Caja de Madrid y Editorial Anthropos, 1997. p. 44-72. [ Links ]

VAZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. Tradução Maria Encarnación Moya. São Paulo: Expressão Popular, 2007. [ Links ]

VICHE GONZALEZ, M. V. Uma pedagogia de la cultura: la animación sociocultural. Zaragoza: Certeza, 2006. [ Links ]

1A práxis aqui entendida na concepção freireana de reflexão sobre a prática, com ação transformadora da prática e da reflexão que contempla um movimento constante, dinâmico e perene.

Recebido: 28 de Novembro de 2022; Revisado: 18 de Janeiro de 2023; Aceito: 19 de Janeiro de 2023; Publicado: 04 de Fevereiro de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons