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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 03-Jul-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21384.036 

Artigos

A produção do dispositivo sexualidade em tempos de avalanche neoconservadora na educação: discursividades científicas latino-americanas

The production of the sexuality device in times of neoconservative avalanche in education: Latin American scientific discursivities

La producción del dispositivo de la sexualidad en tiempos de avalancha neoconservadora en la educación: discursividades científicas latinoamericanas

Dulce Mari da Silva Voss* 
http://orcid.org/0000-0002-0672-7273

Eliada Mayara Alves Krakhecke** 
http://orcid.org/0000-0003-2686-4520

*Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Rio Grande do Sul. Doutora em Educação. E-mail: <dulce.voss@gmail.com>.

**Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul. Doutoranda em Educação. E-mail: <eliadamayara@hotmail.com>.


Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma metapesquisa de análise das perspectivas teórico-epistemológicas presentes em estudos latino-americanos que abordam o tema da sexualidade nas políticas educacionais contemporâneas. As teorizações de Foucault e Butler subsidiam as análises desenvolvidas ao longo deste trabalho. Nele, percebe-se que as perspectivas pós-estruturalista, materialista dialética e pluralista são as mais empregadas na discussão das políticas neoconservadoras concernentes aos discursos produzidos pelo movimento Escola sem Partido e a enunciação denominada ideologia de gênero que visam respaldar valores morais de famílias cristãs e retirar dos currículos das escolas a educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades. Conclui-se que os estudos latino-americanos visam contrapor-se às políticas educacionais neoconservadoras, pois mobilizam uma forte crítica aos padrões morais e às interdições políticas e pedagógicas que atingem os interesses e os direitos de grupos sexuais dissidentes na educação.

Palavras-chave: Políticas educacionais; Neoconservadorismo; Sexualidade

Abstract

This article presents the results of a meta-research of analysis of the theoretical-epistemological perspectives present in Latin American studies that address the theme of sexuality in contemporary education policies. Foucault and Butler’s theorizations support the analyses developed throughout this work. In it, it is perceived that the post-structuralist, dialectical and pluralistic materialist perspectives are the most used in the discussion of neoconservative policies concerning the discourses produced by the School without Party movement and the enunciation called gender ideology that aim to support moral values of Christian families and remove from school curricula the education of bodies, genders and sexualities. It is concluded that Latin-American studies aim to counter neoconservative education policies, as they mobilize a strong criticism of moral standards and political and pedagogical interdictions that affect the interests and rights of dissident sex groups in education.

Keywords: Education policies; Neoconservatism; Sexuality

Resumen

Este artículo presenta los resultados de una metainvestigación de análisis de las perspectivas teórico-epistemológicas presentes en estudios latinoamericanos que abordan el tema de la sexualidad en las políticas educativas contemporáneas. Las teorizaciones de Foucault y Butler subsidian los análisis desarrollados a lo largo de este trabajo. En él, se percibe que las perspectivas postestructuralista, materialista dialéctica y pluralista son las más empleadas en la discusión de las políticas neoconservadoras concernientes a los discursos producidos por el movimiento Escuela sin Partido y la enunciación denominada ideología de género que tienen como objetivo respaldar valores morales de familias cristianas y retirar de los currículos de las escuelas la educación de los cuerpos, de los géneros y de las sexualidades. Se concluye que los estudios latinoamericanos tienen como objetivo contraponerse a las políticas educativas neoconservadoras, pues movilizan una fuerte crítica de los estándares morales y a las prohibiciones políticas y pedagógicas que afectan los intereses y los derechos de grupos sexuales disidentes en la educación.

Palabras clave: Políticas educativas; Neoconservadurismo; Sexualidad

Introdução

A expansão do neoliberalismo, associada ao neoconservadorismo e à ascensão de governos populistas autoritários na América Latina, nas primeiras décadas do século XXI, demarcam o processo de avanço do neoconservadorismo no mundo ocidentalizado, haja vista que esse processo apresenta profunda semelhança com o transcorrido nos Estados Unidos, já no século XX. Como afirma Apple (2002, p. 57), o neoconservadorismo americano decorre da formação de um bloco hegemônico sob liderança dos neoliberais, “[...] o mais poderoso no seio da restauração conservadora”, em aliança aos neoconservadores, à nova classe média profissional e aos populistas autoritários.

Os estudos feitos por Lima et al. (2022) corroboram a compreensão do avanço do neoconservadorismo. Para os referidos autores e autora, o neoconservadorismo avança graças à formação de uma aliança em que a coalisão de forças se dá de modo tenso e não-homogêneo. No contexto brasileiro, essa aliança é demarcada pela predominância dos interesses de fundamentalistas religiosos e neoliberais. Indicam, ainda, que os fundamentalistas religiosos equivalem ao que Apple (2003) chama de populistas autoritários, sendo esse grupo que assume posições preponderantes em relação à política social e à educação, baseando suas ideias na “moralidade cristã”, principalmente quando se trata das questões relativas à gênero, à sexualidade e à família.

No cenário latino-americano, as reformas educacionais levadas a cabo pelos agentes políticos neoconservadores ferem o direito público à educação e colocam sob mira profissionais do ensino e comunidades de pesquisadores/as acusados/as de influenciar desvios de sexualidade e gênero em relação aos/às estudantes e forçá-los/as a conviver com outros sujeitos sem moral.

Políticas neoconservadoras postulam a vigilância sobre o trabalho docente e o ensino efetuado nas escolas, de modo a impedir que profissionais da educação abordem qualquer tema desviante ou conflitante com a moral cristã, a tradição e os valores patrióticos da nação. A defesa da educação domiciliar, entendida como direito das famílias de educar as crianças e os/as jovens sem frequentar às escolas acusadas de não oferecerem um ambiente adequado à conservação de valores morais cultivados pelas famílias de classe média e cristãs, é outra política que tem sido propagada e que tem atingido um número significativo de adeptos, incluindo a nova classe média e grupos religiosos no contexto latino-americano.

Assim, uma certa ordem naturalizada do mundo e da vida social pública e privada, calcada em valores patriarcais, racistas e xenofóbicos (APPLE, 2002, 2004), é constituída com a ascensão política de governos de direita neoconservadores que passaram a promover inúmeras reformas no campo educacional, em nome da retomada de valores tradicionais burgueses e cristãos. Tais discursos e ações de segmentos religiosos, governos populistas e setores midiáticos afetam diretamente a educação.

Contribuir na empreitada de enfrentamento ao neoconservadorismo é o objetivo deste estudo que evidencia a produção científica de análise das políticas educacionais neoconservadoras no que tange à temática da sexualidade. Para tanto, opera-se a análise do funcionamento do dispositivo sexualidade nas discursividades produzidas por autores/as latino-americanos/as que se dedicam ao estudo e à pesquisa do tema.

O estudo traz à tona os resultados de uma metapesquisa na qual se procedeu a identificação das perspectivas teórico-epistemológicas mobilizadas em produções científicas latino-americanas que analisam o tema sexualidade no contexto de avanço do neoconservadorismo. A seleção da amostra dos 35 textos analisados foi feita a partir de um levantamento de 219 publicações sobre o tema do neoconservadorismo, referente ao período de 2012 a 2022, realizado e disponibilizado por Voss (2022a).

Argumenta-se que a produção do dispositivo sexualidade se efetua mediante a formação de um campo político de disputas discursivas. Considera-se que as políticas educacionais em andamento no contexto latino-americano expressam o regime de governamentalidade moral das sexualidades que não se enquadram no padrão de normalidade. Regime que visa a conservação dos padrões morais em adesão às demandas de segmentos reacionários cristãos. Outras demandas estão em jogo, as quais se referem aos grupos sociais que representam diferentes performances sexuais e que escapam aos cerceamentos impostos pela moralidade neoconservadora.

Ao passo que a produção científica latino-americana tem se encarregado de contrapor-se às políticas educacionais neoconservadoras, pois age na desconstrução dos discursos neoconservadores, mobiliza uma crítica contundente aos padrões morais e às interdições políticas e pedagógicas que atingem os interesses e os direitos de grupos sexuais dissidentes na educação. Para tanto, perspectivas teórico-epistemológicas empregam e reverberam novos conceitos em relação aos corpos, aos gêneros e às sexualidades.

O dispositivo sexualidade e o governo dos corpos

Este estudo toma como base teorizações de Foucault (2019a, 2019b) e Butler (2018a, 2018b), filósofo e filósofa caracterizados como precursores do pensamento pós-estruturalista que desconstrói metanarrativas modernas, colocando em questão a produção discursiva e os modos de subjetivação gerados nas relações de poder-saber que definem um modo naturalizado de ser e existir na vida social. Produção de um sujeito moderno que serve de modelo ao conjunto das sociedades, definindo o que é ser e como existir de acordo com os padrões instituídos e reforçados pela cultura ocidentalizada, calcada no elemento europeu, branco, colonizador, capitalista, cis-heterossexual.

É indispensável, nas palavras de Foucault (2019b, p. 10), “[...] distinguir previamente a maneira pela qual, durante séculos, o homem ocidental fora levado a se reconhecer como sujeito”. Foucault explica que, desde o século XVIII, nas sociedades ocidentalizadas, proliferam práticas discursivas e não discursivas envolvidas pelas políticas de governo dos corpos. Segundo o filósofo, não se trata, efetivamente, da proibição das manifestações sexuais, mas, ao contrário, da necessidade crescente de fazer proliferar discursos sobre as sexualidades de maneira que se possa enquadrá-las em uma categorização do que é normal e anormal em termos de manifestação dos desejos e das experiências sexuais. Assim, a sexualidade foi constituída como campo moral, “[...] um conjunto de valores e regras de ação proposto aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos, como podem ser a família, as instituições educativas, as Igrejas” (FOUCAULT, 2019b, p. 32).

Foucault (2019b) problematiza a “hipótese repressiva” da sexualidade, pois entende que o governo da sexualidade não se limita às interdições das diversas experiências sexuais, mas afirma que a repressão, a censura e a negação são efeitos do regime de poder-saber-prazer pelo qual se passa a governar os corpos, torná-los visíveis, provocando a incitação ao dizer a verdade sobre o sexo como meio de condução das condutas individuais e coletivas, de modo a definir e instituir a normalidade, combater desvios e ajustar os corpos ao código moral verdadeiro.

Nesse sentido, tecnologias da confissão são empregadas no governo dos corpos e das sexualidades. Inicialmente, essas tecnologias fazem funcionar o poder pastoral propagado pelas igrejas cristãs e, posteriormente, essas práticas são incorporadas e se fortalecem mediante os conhecimentos das ciências modernas, criadas no século XIX, diante do surgimento da Medicina, da Psiquiatria, da Justiça Penal, da Pedagogia, entre outros campos científicos encarregados de dizer a verdade do sujeito moderno e de governar para a docilidade das condutas, das mentes e das almas. Entram em ação as confissões da carne que não permitem obscurecer o sexo, já que até sonhos e pensamentos devem ser revelados pela “[...] necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição” (FOUCAULT, 2019a, p. 28).

Governo da infância à velhice que põe em funcionamento normas morais de desenvolvimento sexual, via pastoral cristã, direito canônico e código civil. Todos centrados nas relações matrimoniais, na monogamia heterossexual, aliando família, igreja cristã, escola, Estado, poder judiciário, e demais instituições modernas - quartéis, hospitais, clínicas, fábricas - que formam e fazem funcionar a harmonia do sistema social capitalista, desde então.

O governo das sexualidades funciona, portanto, a partir de uma ordem moral sobre os corpos de indivíduos e grupos. Designa-se por moral a maneira pela qual o indivíduo ou a coletividade se submete a um princípio de conduta, obedece ou resiste a uma interdição ou a uma prescrição, respeita ou negligencia um conjunto de valores. A regulação moral das sexualidades permitiu a definição de normas de decência, a multiplicação de condenações judiciárias das perversões menores, a determinação das doenças mentais e o enclausuramento dos/as loucos/as, doentes e criminosos/as, a educação sexual das crianças no interior das famílias. O problema, segundo Foucault (2019b), é que a moral cerceia o corpo e negligencia pulsões e desejos, instituindo uma visão monolítica daquilo que compreendemos como verdade do corpo.

Butler (2018a) ressalta que o poder exercido sobre os corpos se conforma a uma matriz heterossexual de conceituação de gênero, sexualidade e desejo, um regime epistêmico e ontológico do sujeito sustentados pela “heterossexualidade compulsória”. Corpos são definidos e governados sob a lógica da estrutura binária que estabelece de modo estável a oposição “homem” e “mulher” como natureza e normalidade. Contudo, diz Butler (2018a), que não faz sentido definir gênero e sexo como categorias compulsórias, em outras palavras, entender o gênero como interpretação cultural do sexo vinculado à natureza sexuada ou um sexo natural. O corpo é em si mesmo uma construção e não um instrumento passivo à espera de uma definição de gênero ou sexualidade. Gêneros e sexualidades são constituídos discursivamente por meio de atos performativos que produzem os corpos e os compelem a se posicionarem no interior ou exterior de uma categorização limitadora. Logo, cabe compreender os corpos e as sexualidades como performances que agem na naturalização e na conformação dos códigos artificializados pela imposição de um padrão cultural hegemônico ou que escapam a eles, produzindo sexualidades ditas anormais.

É no intuito de normalizar os corpos desviantes que discursos e políticas tornam alguns corpos dotados de verdade e os transformam em corpos úteis, enquanto outros são considerados desajustados e impelidos ao exterior da vida social, afastados e discriminados por não se adequarem aos códigos morais e sociais hegemônicos. Logo, o direito de existir passa a ser a reivindicação visceral dos corpos precarizados, dos sujeitos e das coletividades abjetados. Como afirma Butler (2018b):

Quando corpos se juntam, na rua, na praça, ou em outras formas de espaço público (incluindo os virtuais), eles estão exercitando um direito plural e performativo de aparecer, um direito de que afirma e instaura o corpo no meio do campo político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite uma exigência corpórea por um conjunto mais suportável de condições econômicas, sociais e políticas, não mais afetadas pelas formas induzidas de condição precária. (BUTLER, 2018b, p. 17).

Butler (2018b) sugere que a performance produzida pelos corpos reunidos em assembleias públicas pode ser entendida como expressão nascente e provisória da soberania popular. Corpos que, juntos, formam redes solidárias de resistência, ao exporem a dimensão da carência de apoio a que estão forçados a enfrentar. Combatem, assim, a política perversa de precarização das existências imposta por condições sociais, políticas e econômicas que priorizam o avanço sem precedentes da expropriação dos corpos dissidentes.

E, no atual contexto de avanço do neoliberalismo associado ao neoconservadorismo em que se ampliam e agravam essas contingências de precarização, torna-se fundamental trazer à tona e multiplicar estudos e pesquisas que mobilizam comunidades epistêmicas filiadas às lutas e aos interesses dos grupos subalternizados, descartados, violentados pela expropriação do direito a existir e a gozar da própria condição digna de humanidade que lhe é negada. Comunidades científicas que investem esforços na interpretação/tradução das políticas neoconservadoras circunscritas ao governo moral dos corpos e das sexualidades assumem um posicionamento ético e ontológico politicamente afirmativo do direito de existir e desfrutar dignamente da vida.

Assim, comunidades epistêmicas de pesquisadores/as latino-americanos/as têm contribuído, substancialmente, na análise das políticas educacionais contemporâneas que afetam a educação pública no Brasil, no tocante à liberdade de ensinar, aprender e conviver diferentemente nas escolas.

Discursividades latino-americanas acerca da sexualidade nas políticas neoconservadoras

Em aliança às comunidades científicas empenhadas na leitura dos tempos presentes de avanço do neoconservadorismo associado ao neoliberalismo que afetam o campo educacional, opera-se este estudo. Nele, apresentam-se os resultados alcançados por meio de uma metapesquisa na qual foram analisadas perspectivas teórico-epistemológicas distintas mobilizadas em discursividades latino-americanas que se encarregam da discussão do tema sexualidade. Como afirma Mainardes (2018):

Os resultados da metapesquisa podem contribuir para a compreensão da pesquisa de determinado campo, em um contexto espaço-temporal específico. A partir dela, é possível identificar as tendências teórico-epistemológicas, as lacunas, as fragilidades e os pontos fortes das pesquisas que o envolvem. (MAINARDES, 2018, p. 4).

Mainardes (2021) também salienta que o uso dessa metodologia não visa comparar resultados ou apenas sintetizá-los, mas, sim, compreender os meandros dos estudos e das pesquisas em relação às abordagens, à fundamentação teórica empregada, como as análises desenvolvidas no campo das políticas educacionais sobre uma temática específica, neste caso, a sexualidade engendrada no contexto de avanço do neoconservadorismo nas políticas educacionais contemporâneas.

Outro aspecto referendado por Mainardes (2022) quanto às pesquisas no campo das políticas educacionais se refere à ligação entre as metodologias usadas na pesquisa para construção do conhecimento (epistemologia) e as concepções éticas e ontológicas implicadas nesse processo. Com base em Masson (2022), Barad (2007) e outros, o autor assinala a definição de uma perspectiva ético-ontoepistemológica, a qual tem em vista a indissociabilidade entre ética-ontologia e epistemologia na prática e na produção do conhecimento científico. Mainardes (2022) esclarece que

[...] o desafio colocado aos pesquisadores é integrar a ética, a ontologia e a epistemologia, em termos de conteúdo e forma, em outras palavras, verificar se esses elementos estão coerentes e articulados na pesquisa. Um ponto de partida importante é compreender que a teoria (ou teorias) que fundamenta(m) a pesquisa está articulada a matrizes epistemológicas específicas e a perspectivas ontológicas e éticas. A perspectiva ontológica envolve a cosmovisão do pesquisador, bem como a explicitação de conceitos fundamentais da pesquisa. A clareza do pesquisador a respeito dessas questões é fundamental para que ele possa operar com maior lucidez, discernimento e coerência com as perspectivas ontoepistemológicas. (MAINARDES, 2022, p. 5).

A explicitação das perspectivas teórico-epistemológicas empregadas nas pesquisas e nos estudos científicos quanto ao tema aqui proposto vai, portanto, ao encontro dessas orientações e definições ético-ontoepistemológicas, posto que o material empírico analisado foi extraído dos trabalhos desenvolvidos por Voss (2022a, 2022b). A partir do levantamento feito pela citada autora, o qual reuniu um conjunto de 219 artigos que tratam do tema neoconservadorismo e as políticas educacionais neoconservadoras, publicados em revistas nacionais e internacionais, no período de 2012 a 2022, realizou-se um recorte metodológico para seleção e organização da amostra da pesquisa aqui apresentada sobre a produção científica latino-americana na qual foi identificada a abordagem do tema sexualidade ou temas afins - referentes à gênero, família, religião, moral - relacionados às políticas educacionais neoconservadoras. O que delimitou a composição de uma amostra de 35 artigos. Na Tabela 1, apresenta-se a sistematização da amostra trabalhada no que se refere ao local de edição e ao número de artigos de cada revista usada na pesquisa.

Tabela 1 Produção científica latino-americana em periódicos nacionais e internacionais acerca do tema sexualidade (2012-2022) 

Periódicos Local de edição Total de artigos
Práxis Educativa Ponta Grossa (Paraná, Brasil) 5
FAEEBA Salvador (Bahia, Brasil) 2
Estudos Feministas Florianópolis (Santa Catarina, Brasil) 2
Revista Brasileira de Educação (RBE) Brasil 2
Linhas Críticas Brasília (Distrito Federal, Brasil) 2
Plural São Paulo (São Paulo, Brasil) 2
Jornal de Políticas Educacionais Curitiba (Paraná, Brasil) 1
e-Curriculum São Paulo (São Paulo, Brasil) 1
Educação Santa Maria (RS, Brasil) 1
Educação Porto Alegre (RS, Brasil) 1
Ibero-Americana de Estudos em Educação Araraquara (São Paulo, Brasil) 1
Educação Teoria e Prática Rio Claro (São Paulo, Brasil) 1
Educação e Formação Ceará (Ceará, Brasil) 1
Espaço do Currículo João Pessoa (Paraíba, Brasil) 1
Educar em Revista Curitiba (Paraná, Brasil) 1
Educação em Revista Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil) 1
Ciências Sociais e Religião Campinas (São Paulo, Brasil) 1
Cadernos de Campo Araraquara (São Paulo, Brasil) 1
Educação & Realidade Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil) 1
Brasileira Estudos Pedagógicos Brasília (Distrito Federal, Brasil) 1
Revista Educação e Políticas em Debate (REPOD) Uberlândia (Minas Gerais, Brasil) 1
Religião e Sociedade Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil) 1
Sisyphus Journal of Education Lisboa (Portugal) 1
Mora Buenos Aires (Argentina) 1
Población y Sociedad Santa Rosa (Argentina) 1
Exitus Santarém (Uruguai) 1
Total geral 35

Fonte: Elaborada pelas autoras (2022).

Conforme indica a Tabela 1, a amostra reúne um conjunto de 26 periódicos, dos quais 22 correspondem a revistas brasileiras, duas a revistas editadas na Argentina, uma no Uruguai e uma em Portugal, sendo todas as publicações usadas na pesquisa de autores/as da América Latina. Ressalta-se que a revista brasileira com maior número de publicações sobre a temática analisada é a Práxis Educativa, periódico que se destaca no acúmulo de estudos sobre o neoconservadorismo no campo das políticas educacionais.

Percebe-se que o contingente de artigos produzidos por pesquisadores/as brasileiros/as é maior (31 textos) em relação à produção de outros/as advindos dos demais países latino-americanos (quatro textos). Observou-se ainda que, nos artigos analisados, as autoras argentinas e o autor uruguaio fazem referência às políticas educacionais movimentadas por grupos neoconservadores brasileiros. Indícios que levam a pensar que o contexto brasileiro tem chamado a atenção de comunidades científicas oriundas de vários países, provavelmente em virtude de configurar-se um avanço mais ofensivo do neoconservadorismo no Brasil no que tange aos movimentos de grupos reacionários e de governos de direita que tem promovido políticas educacionais antidemocráticas e excludentes em relação aos diferentes gêneros e sexualidades, como se evidencia nas análises seguintes.

Quanto à identificação e à análise das perspectivas teórico-epistemológicas, levou-se em conta as indicações feitas pelos/as próprios/as autores/as em seus textos e, quando as perspectivas não foram indicadas diretamente, considerou-se o desenvolvimento da discussão, os conceitos trabalhados e o referencial teórico usado por cada autor/a no decorrer do artigo. A análise das perspectivas teórico-epistemológicas se compôs da forma como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 Perspectivas teórico-epistemológicas presentes na produção científica latino-americana acerca do tema sexualidade (2012-2022) 

Fonte: Elaborada pelas autoras (2022).

Nos estudos latino-americanos referentes às políticas educacionais neoconservadoras que abordam a temática sexualidade, observa-se a predominância das teorias pós-estruturalistas, principalmente mediante o uso de conceitos de Foucault e Butler, filósofos reconhecidos mundialmente que oferecem contribuições significativas para a produção do pensamento no campo da análise do discurso e dos estudos de gênero e sexualidade voltada à desconstrução de metanarrativas pautadas na lógica da modernidade. Como afirmado anteriormente, na perspectiva teórico-epistemológica pós-estruturalista interessa compreender que corpo, gênero e sexualidade são produções discursivas e culturais decorrentes das relações de poder-saber criadas na vida social e que disputam um estatuto de verdade e governo dos corpos frente a um padrão de normalização moral.

Destaca-se, também, o uso da perspectiva materialista histórico-dialética nos estudos analisados. Pode-se dizer que essa evidência remete à persistência de uma tradição acadêmica que tende a privilegiar o conceito de ideologia ao conceber que as condições econômicas refletem a expressão de consciência dos sujeitos ou a falta dela, supondo estarem dados a priori e definitivamente “[...] o sujeito humano, o sujeito do conhecimento e as formas de conhecimento neles impressas pelas condições econômicas” (CASTRO, 2016, p. 296). No que tange à questão da sexualidade, os estudos em que se emprega tal perspectiva reforçam a compreensão do avanço do neoconservadorismo como expressão de conflitos deflagrados entre grupos de direita e esquerda que representam demandas sociais opostas em relação ao estado democrático.

A perspectiva pluralista é empregada em um número significativo de estudos. O pluralismo configura-se na perspectiva teórico-epistemológica que engloba correntes teóricas distintas para a construção do ato reflexivo. A produção do pensamento decorre de um posicionamento epistemológico assumido pelo/a investigador/a e de um enfoque epistemetodológico usado como guia nas análises que faz das políticas educativas (TELLO; MAINARDES, 2015).

Alguns estudos caracterizam-se pelo uso de conceitos e teorias distintas. Contudo, o nível da abstração limita-se à descrição de eventos e ideias sem que seja possível identificar neles um alinhamento aprofundado e coerente dos conceitos e das teorias indicadas, o que leva a categorizá-los como estudos sem perspectivas teórico-epistemológicas claramente definidas.

Com relação aos estudos que recorrem às perspectivas dos estudos feministas, multiculturalismo decolonial e intercultural crítica, percebe-se que o número de artigos é bastante reduzido. Talvez, estudos embasados nessas perspectivas ainda não tenham alcançado um desenvolvimento significativo no contingente da produção científica latino-americana que aborda o tema em questão. Contudo, cabe ressaltar que as novas perspectivas são extremamente relevantes por indicarem que “[...] estudos de gênero, sexualidade, etnia, raça constituem uma reviravolta epistêmica e política pela ótica das diferenças, entrecruzando as relações políticas, sociais e culturais de modo mais abrangente e contextualizado” (VOSS, 2022b, p. 14).

Com relação à análise das abordagens do tema sexualidade, foi possível identificar um conjunto de enunciados comuns nas discursividades latino-americanas presentes nos artigos pesquisados. Essa análise permitiu fazer o cruzamento das abordagens a partir da construção de categorias, assim denominadas: (1) Família, fundamentalismo cristão e pânico moral; (2) Escola sem Partido; (3) Movimentos sociais relativos à defesa da pluralidade de gênero e sexualidade; (4) Reformas na legislação educacional; (5) Fóruns internacionais de produção de políticas de combate às desigualdades de gênero e sexualidade, conforme especificado na Tabela 3.

Tabela 3 Enunciados comuns presentes nas discursividades latino-americanas acerca do tema sexualidade (2012-2022) 

Categorias Autores/as Total de artigos Percentual
Família, fundamentalismo cristão e pânico moral Acosta e Gallo (2020)
Almeida, Jaehn e Vasconcellos (2018)
Alves e Rossi (2020)
Arruda e Soares (2021)
Baez (2019)
Barajas (2018)
Barzotto e Seffner (2020)
Borges e Borges (2018)
Caetano e Silva (2020)
Caminotti e Tabbusch (2021)
César e Duarte (2017)
Costa, Coelho e Guerra (2022)
Dalbosco, Censi e Rosseto (2020)
Guilherme e Picoli (2018)
Katz e Mutz (2020)
Lima e Hypolito (2020)
Lima e Lima (2020)
Lima, Nolli e Voigt (2020)
Machado (2018)
Martinis (2021)
Melo (2020)
Moreira e César (2019)
Neves e Wachholz (2021)
Oliveira e Oliveira (2021)
Oliveira, Melo e Farias (2021)
Picoli, Radaelli e Tedesco (2020)
Pizolati e Alves (2019)
Resende et al. (2021)
Rivera (2021)
Santos et al. (2021)
Schütz, Fensterseifer e Cossetin (2020)
Seffner (2020)
Silva (2018)
Teixeira (2018)
34 97
Movimentos sociais Alves e Rossi (2020)
Baez (2019)
Barajas (2018)
Barzotto e Seffner (2020)
Borges e Borges (2018)
Caetano e Silva (2020)
Caminotti e Tabbusch (2021)
César e Duarte (2017)
Costa, Coelho e Guerra (2022)
Guilherme e Picoli (2018)
Lemos e Reis (2017)
Lima e Hypolito (2020)
Lima e Lima (2020)
Machado (2018)
Martinis (2021)
Melo (2020)
Moreira e César (2019)
Neves e Wachholz (2021)
Oliveira e Oliveira (2021)
Oliveira, Melo e Farias (2021)
Picoli, Radaelli e Tedesco (2020)
Resende et al. (2021)
Rivera (2021)
Santos et al. (2021)
Seffner (2020)
Silva (2018)
Teixeira (2018)
27 77
Escola sem Partido Acosta e Gallo (2020)
Barzotto e Seffner (2020)
Caetano e Silva (2020)
Costa, Coelho e Guerra (2022)
Dalbosco, Censi e Rosseto (2020)
Guilherme e Picoli (2018)
Katz e Mutz (2020)
Lima e Hypolito (2020)
Lima e Lima (2020)
Lima, Nolli e Voigt (2020)
Machado (2018)
Martinis (2021)
Melo (2020)
Moreira e César (2019)
Oliveira e Oliveira (2021)
Oliveira, Melo e Farias (2021)
Picoli, Radaelli e Tedesco (2020)
Pizolati e Alves (2019)
Resende et al. (2021)
Santos et al. (2021)
Schütz, Fensterseifer e Cossetin (2020)
Seffner (2020)
Silva (2018)
Teixeira (2018)
24 68
Ideologia de gênero Acosta e Gallo (2020)
Almeida, Jaehn e Vasconcellos (2018)
Alves e Rossi (2020)
Arruda e Soares (2021)
Baez (2019)
Barajas (2018)
Barzotto e Seffner (2020)
Borges e Borges (2018)
Caminotti e Tabbusch (2021)
César e Duarte (2017)
Costa, Coelho e Guerra (2022)
Lima e Hypolito (2020)
Lima e Lima (2020)
Lima, Nolli e Voigt (2020)
Machado (2018)
Melo (2020)
Moreira e César (2019)
Oliveira e Oliveira (2021)
Oliveira, Melo e Farias (2021)
Santos et al. (2021)
Schütz, Fensterseifer e Cossetin (2020)
Seffner (2020)
Silva (2018)
23 65
Reformas na legislação educacional Acosta e Gallo (2020)
Almeida, Jaehn e Vasconcellos (2018)
Alves e Rossi (2020)
Baez (2019)
Barzotto e Seffner (2020)
Borges e Borges (2018)
César e Duarte (2017)
Costa, Coelho e Guerra (2022)
Guilherme e Picoli (2018)
Machado (2018)
Martinis (2021)
Moreira e César (2019)
Oliveira, Melo e Farias (2021)
Pizolati e Alves (2019)
Resende et al. (2021)
Santos et al. (2021)
Schütz, Fensterseifer e Cossetin (2020)
Seffner (2020)
Silva (2018)
Teixeira (2018)
20 57
Fóruns internacionais Alves e Rossi (2020)
Baez (2019)
Barajas (2018)
Barzotto e Seffner (2020)
Caminotti e Tabbusch (2021)
Lima, Nolli e Voigt (2020)
Machado (2018)
Neves e Wachholz (2021)
Oliveira e Oliveira (2021)
Pizolati e Alves (2019)
Resende et al. (2021)
Santos et al. (2021)
Silva (2018)
13 37
Total geral da amostra 35 100

Fonte: Elaborada pelas autoras (2022).

Observa-se que a produção científica efetuada por autores/as latino-americanos/as, alinhada tanto à perspectiva teórico-epistemológica pós-estruturalista, materialista dialética, pluralista quanto às demais identificadas neste estudo, recorre a enunciados comuns, sobressaindo as discussões e as reflexões relativas à influência dos valores morais preconizados pelas demandas provenientes de segmentos que defendem a família tradicional formada pelo matrimônio monogâmico, binário e heteronormativo e os dogmas cristãos. O que é interpretado como efeito do neoconservadorismo e do crescimento de um fundamentalismo religioso altamente excludente nas sociedades ocidentais.

Os estudos também apontam o avanço do neoconservadorismo no campo educacional no que concerne à regulação de políticas de gênero e sexualidade mediante reformas nas legislações educacionais. Reformas que são efetuadas por meio de programas e ações dos Estados. No contexto brasileiro, uma das políticas educacionais mais citadas nos artigos refere-se à ação dos governos neoconservadores de direita na reformulação dos currículos com a retirada dos temas transversais como a sexualidade, o que reflete o endossamento da chamada “ideologia de gênero” preconizada pelo movimento Escola sem Partido1.

Foi possível identificar a tendência à afirmação do caráter repressor das políticas educacionais neoconservadoras. Estudos que apresentam como foco da discussão da temática sexualidade, a interferência do movimento Escola Sem Partido e a preconização da “ideologia de gênero” como ações políticas da direita que visam a defesa de demandas de segmentos religiosos e setores conservadores propagadores da moralidade cristã e de valores tradicionais das famílias heteronormativas e monogâmicas. Discursos que disseminam um clima de pânico moral e a repressão às sexualidades tidas como anormais. Uma dinâmica de controle dos corpos e das populações por meio de diversas instituições, em especial a escola.

A institucionalização da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2017, é constantemente indicada como política educacional que reporta ao avanço do neoliberalismo associado ao neoconservadorismo nos artigos analisados. Por meio da BNCC, determina-se a execução de reformas nos currículos da Educação Básica brasileira, entre elas, o enxugamento da carga horária dos componentes de humanidades e a expansão das áreas do conhecimento do Português, da Matemática e do Inglês, ênfase na formação de habilidades e competências, na incorporação das Tecnologias da Informação e da Comunicação e em metodologias operacionais no trabalho pedagógico, principalmente no Ensino Médio (BRASIL, 2018). Em alinhamento à BNCC, novas Diretrizes Curriculares de Formação de Professores/as editadas em 2019 e 2020 foram impostas aos cursos de Pedagogia e Licenciaturas de modo a interligar a profissionalização docente aos objetivos de aprendizagem e metas previstas para a Educação Básica.

É recorrente a ideia da existência de embates políticos ocorridos em função de propostas e reivindicações distintas, porém ambas baseadas na defesa da democracia e no papel do Estado como regulador da vida social. São indicados fóruns internacionais promovidos, principalmente, por agências bilaterais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), que foram precursoras das políticas de igualdade de gênero e sexualidade. Os movimentos sociais dissidentes, principalmente de feministas e de pessoas trans, também são, reiteradamente, apontados como precursores das lutas pelo direito à representatividade social e legal, o combate à violência e uma educação voltada à diversidade de gênero e sexual.

Considerações finais

Buscou-se, nesta pesquisa, analisar como se configura o dispositivo sexualidade nas produções científicas desenvolvidas por pesquisadores/as latino-americanos/as. A partir de Foucault e Butler, compreende-se que o dispositivo sexualidade é produzido e entra em funcionamento na produção científica latino-americana em resposta às políticas neoconservadoras no campo educacional. É no bojo dessas relações de poder-saber que as disputas por veracidade se intensificam entre forças reacionárias e neoconservadoras e forças transgressoras e desviantes de produção normalizadora de gêneros e sexualidades que encerra os corpos em unidades homogêneas e pares antagônicos.

Logo, é preciso perceber que os conflitos são inerentes ao processo político de disputas entre demandas e que estas são produtoras do que se diz e do que se atribui veracidade. Não se trata, por conseguinte, da repressão às sexualidades, mas, sim, da intensificação das práticas discursivas e não-discursivas que incidem na regulação das condutas individuais e coletivas.

O acirramento das relações de poder-saber no campo das políticas educacionais decorre das disputas entre discursos que preconizam o ajuste da educação às demandas neoliberais e neoconservadoras, confrontadas pelos movimentos sociais de grupos dissidentes e comunidades científicas de educadores/as e pesquisadores/as que têm se posicionado firmemente em defesa da autonomia e da democracia, denunciando a precarização das condições de vida e de trabalho, das políticas públicas e o cerceamento dos direitos sociais, como a educação. Voss (2022b) afirma:

[...] agentes sociais, como pesquisadores/as e comunidades científicas diversas e espalhadas pelo mundo, têm empreendido esforços na leitura dos acontecimentos decorrentes de discursos e políticas neoconservadoras. Para isso, operam diferentes perspectivas epistemológicas, enfoques teóricos e procedimentos metodológicos específicos em estudos e pesquisas. (VOSS, 2022b, p. 3).

Entende-se que o estudo realizado e apresentado neste texto corrobora a compreensão de que qualquer movimento para fora das estruturas sociais de dominação deve privilegiar o debate acerca da produção da sexualidade e das políticas que incidem na educação dos corpos de modo a desnaturalizar a organização binária e cis-heteronormativa.

É inegável que, por muitas vezes, os corpos escapam, agenciam novos desejos, novas subjetividades, outras formas de pensar e sentir a vida. Movimentos políticos que colocam em ação novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas formas de relacionamento e novos estilos de vida, desestabilizando regimes de verdade cristalizados. Em suma, trata-se de uma desordem cada vez mais perturbadora que evidencia a relevância dos estudos sobre a temática da sexualidade no campo de análise das políticas educacionais.

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1O movimento Escola sem Partido é um dos principais agentes de disseminação dos discursos de ideologia de gênero e de antimarxismo. Foi fundado em 2004, pelo advogado Miguel Nagib, e caracteriza-se como “[...] associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária”, cujo objetivo anunciado pelo movimento é barrar “[...] um exército organizado de militantes travestidos de professores [que] prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo”. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/. Acesso em: 20 mar. 2023.

Recebido: 01 de Dezembro de 2022; Revisado: 22 de Março de 2023; Aceito: 25 de Março de 2023; Publicado: 19 de Maio de 2023

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