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Práxis Educativa

Print version ISSN 1809-4031On-line version ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub July 03, 2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21328.042 

Artigos

“Direitos Humanos e Educação”: teoria e práxis em contexto educativo - relato de uma experiência no Ensino Superior em Portugal*

“Human Rights and Education”: theory and praxis in an educational context - report of an experience in Higher Education in Portugal

“Derechos Humanos y Educación”: teoría y praxis en un contexto educativo - informe de una experiencia en la Enseñanza Superior en Portugal

**Instituto Jurídico Portucalense (IJP-IPLeiria), Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS), Instituto Politécnico de Leiria. Doutora em Direito. Professora Adjunta da ESECS. E-mail: <susana.monteiro@ipleiria.pt>.

***Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA.IPLeiria), Centro de Estudos em Educação e Inovação (CI&DEI), Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS), Instituto Politécnico de Leiria. Doutora em Estudos Culturais. Professora Adjunta da ESECS. E-mail: <jenny.sousa@ipleiria.pt>.


Resumo

Educar para os direitos humanos e para a cidadania constitui o propósito central da unidade curricular de Direitos Humanos e Educação, inserida no 1.º ano da Licenciatura em Educação Social da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS) do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Pretende-se promover o conhecimento do que são os direitos humanos, do seu significado, dos valores e princípios enformadores, dos principais instrumentos jurídicos que os proclamam e protegem, bem como da sua importância e incidência em contextos genéricos e específicos, neste particular: contextos educativos e sociais. Visa-se contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres, em diálogo e no respeito pelos outros. Pretende-se, neste texto, discorrer sobre a teoria e a práxis na lecionação da unidade curricular de Direitos Humanos e Educação, com especial enfoque no respetivo processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Educação; Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Abstract

Human rights education and citizenship education constitutes the main goal of the curricular unit of Human Rights and Education, inserted in the 1st year of the Degree in Social Education taught at the Higher School of Education and Social Sciences (ESECS) of the Polytechnic Institute of Leiria, Portugal. It aims to promote knowledge of what human rights are, their meaning, their inherent values and principles, the main legal instruments that proclaim and protect them, as well as their importance and focus on generic and specific contexts, mainly: educational and social contexts. It is intended to contribute to the education of responsible, autonomous, solidary citizens, who know and exercise their rights and duties, in dialogue and respect for others. In this text, it is intended to discuss theory and praxis in the teaching of the curricular unit of Human Rights and Education, with special focus on the respective teaching-learning process.

Keywords: Human Rights; Education; Sustainable Development Goals

Resumen

Educar para los derechos humanos y para la ciudadanía constituye el propósito central de la unidad curricular de Derechos Humanos y Educación, insertada en el 1er año de la Licenciatura en Educación Social de la Escuela Superior de Educación y Ciencias Sociales (ESECS) del Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Se pretende promover el conocimiento de lo que son los derechos humanos, de su significado, de los valores y principios rectores, de los principales instrumentos jurídicos que los proclaman y protegen, así como su importancia e incidencia en contextos genéricos y específicos, en este particular: contextos educativos y sociales. Se mira a contribuir a la formación de personas responsables, autónomas, solidarias, que conocen y ejercen sus derechos y deberes, en diálogo y respeto a los demás. Se pretende, en este texto, discurrir sobre la teoría y la praxis en la enseñanza de la unidad curricular de Derechos Humanos y Educación, con especial enfoque en el respectivo proceso de enseñanza-aprendizaje.

Palabras clave: Derechos Humanos; Educación; Objetivos del Desarrollo Sostenible

Os direitos humanos: conceptualização

A Organização das Nações Unidas (ONU) define direitos humanos como “[…] garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana” (ONU, 2008, p. 16). Direitos humanos são os direitos que qualquer pessoa tem, pelo “simples” facto de ser pessoa. São inerentes a cada ser humano pelo simples facto de o ser. São inerentes porque nascemos com eles. Dito de outro modo são “[…] os padrões básicos sem os quais as pessoas não podem viver com dignidade” (FLOWERS, 2002, p. 16, grifo da autora). Neste mesmo sentido, Nancy Flowers sustenta que “[v]iolar os direitos humanos de alguém é tratar essa pessoa como se ela não fosse um ser humano. Defender os direitos humanos é exigir que a dignidade humana de todas as pessoas seja respeitada” (FLOWERS, 2002, p. 16).

Os direitos humanos são direitos universais porque são detidos por todas as pessoas de forma igual, universal e permanente. São inalienáveis pois não podem ser retirados a ninguém em nenhuma circunstância. Tal como não se perde a qualidade de humano, não se pode retirar estes direitos a ninguém. São indivisíveis pois todos os direitos têm a mesma importância, pelo que não se pode negar um direito a uma pessoa por se considerar esse direito como “menos importante” ou “dispensável”. São interdependentes pois os direitos humanos formam um quadro único, assumindo o caráter complementar das várias categoriais de direitos humanos.

Sem ter a pretensão de desenvolver uma categorização exaustiva, distinguimos os direitos humanos em direitos de primeira geração, de segunda geração e de terceira geração. Assim, numa primeira fase, foram reconhecidos os “direitos de”, os designados direitos de primeira geração, aqueles cuja aplicação efetiva exige uma abstenção por parte das autoridades públicas estaduais. Incluem-se nesta categoria os direitos pessoais e os direitos relativos às liberdades civis e políticas. Seguiu-se, depois, o reconhecimento dos “direitos a”, direitos baseados no princípio da intervenção do Estado e que exigem não uma abstenção, mas antes uma ação, em outras palavras, uma prestação por parte das autoridades públicas. Estes são designados direitos de segunda geração, cujo objeto de incidência concerne geralmente aos domínios económico, social e cultural. Por fim, foram proclamados novos direitos decorrentes da evolução social e da nova conjuntura mundial das últimas décadas do século XX, tais como o direito à paz, ao desenvolvimento harmonioso das culturas ou à proteção do ambiente. Estes são direitos difusos, geralmente intitulados de direitos de terceira geração e que implicam tanto uma omissão/abstenção como uma ação/intervenção por parte do Estado (MONTEIRO, 2015).

Efetuada esta conceptualização geral dos direitos humanos e na sequência da categorização efetuada, impõe-se perceber o contexto histórico, político e social que conduziu ao reconhecimento e à proclamação dos direitos humanos.

O reconhecimento e a proclamação dos direitos humanos na Europa e no Mundo: fundamentos, princípios e evolução

É inquestionável que os direitos humanos constituem um símbolo não apenas da Europa, mas também do mundo, ou pelo menos do mundo ocidental. Este reconhecimento é de tal forma que os direitos fundamentais, civis, políticos, económicos, sociais e culturais, assim como as liberdades fundamentais, que se encontram, hoje, consagradas nas Constituições da maior parte dos Estados da comunidade internacional, bem como em diversos instrumentos jurídicos internacionais (Cartas, Convenções, Declarações, Pactos e Protocolos Internacionais), não são mais do que o reflexo das vicissitudes e contingências da evolução histórica da humanidade.

São o resultado da luta e da conquista da humanidade por um conjunto de valores e princípios considerados essenciais e básicos aos olhos dos cidadãos do século XXI. Valores e princípios como a dignidade, a liberdade, a igualdade, a solidariedade que, por sua vez, se baseiam noutros como os da responsabilidade, da autoridade e da universalidade.

No entanto, o reconhecimento, a proclamação, a institucionalização e a difusão dos direitos humanos e das liberdades fundamentais não se concretizaram num curto espaço de tempo, nem de forma simultânea. Foram o resultado de uma longa luta e evolução dos homens pela liberdade, dignidade e igualdade de todos os seres humanos. Mais longa ainda, foi a interiorização e aceitação, pelas sociedades politicamente organizadas, da ideia de que os direitos de alguns deviam ser os direitos de todos, ou seja, do princípio da universalidade desses mesmos direitos. Para tal foi necessário ultrapassar muitos e variados obstáculos, impedimentos e resistências (LÚCIO, 2013).

As atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, nomeadamente o genocídio de milhares de judeus, fizeram aumentar as preocupações com a salvaguarda dos direitos humanos o que impôs uma atenção especial por parte da comunidade internacional, pela sua consagração e consequente proteção.

Logo em 1945, representantes de um total de 50 países, reunidos em São Francisco, na Conferência das Nações Unidas, sobre a Organização Internacional, redigiram a Carta das Nações Unidas (ONU, 2022). Assinada a 26 de junho de 1945, a ONU foi criada oficialmente a 24 de outubro desse mesmo ano, após o respetivo processo de ratificação. Reafirma-se no Preâmbulo da Carta a “[…] fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres” (ONU, 2022, p. 3) decididos que estavam a “[…] preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (ONU, 2022, p. 3). Com estes propósitos, assumiu como missão, conforme seu Artigo 1.º, n.º 2: “Desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal” (ONU, 2022, p. 5).

A preocupação central com a proteção dos direitos humanos enquanto fator essencial para assegurar a paz e a segurança internacionais foi determinante na decisão da ONU de equacionar e codificar um conjunto de direitos, princípios e regras fundamentais inerentes a todas as pessoas. Assim, a 10 de dezembro de 1948, foi aprovada, pela Assembleia Geral da ONU, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Logo no Preâmbulo, a Assembleia Geral considera que o “[…] desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade […]” e que “[…] um mundo em que os serem humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem” (ONU, 2020, n.p.). Proclama, ainda, a “[…] fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e mulheres […]” (ONU, 2020, n.p.).

É inegável e inquestionável o papel desempenhado pela ONU na edificação, proclamação e salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades fundamentais no contexto internacional e universal1. Com um total de 30 artigos que enunciam direitos económicos, sociais, culturais, políticos e civis, o texto promotor dos direitos humanos da ONU é uma declaração e não um tratado, pelo que as suas disposições não têm caráter vinculativo, ou seja, não têm força jurídica. Proclamada como declaração de intenções, “[…] atingiu o estatuto de lei internacional consuetudinária” (FLOWERS, 2002, p. 19). Para Bethania Assy (2022, p. 25), “[s]endo de força prescritiva jurídica de baixa densidade, já que não opera enquanto normatividade coercitiva, resta à declaração a potência de sua dimensão promissiva, o que lhe confere um viés mais político do que jurídico […]”.

Não obstante e após a tomada de posição da ONU, a Europa, principal vítima das atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, procurou a sua própria via, no sentido da proteção dos Direitos Humanos. Destaca-se a atuação do Conselho da Europa cuja criação se encontra indissociavelmente ligada à implementação de um espaço europeu de reconhecimento, valorização e proteção dos direitos humanos. Sob os seus auspícios, foi adotada, em Roma, em maio de 1950, a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), que entrou em vigor a 3 de setembro de 1953. Assente numa base ideológica comum centrada na defesa dos direitos humanos, na democracia pluralista e no Estado de Direito, bem como na valorização da identidade cultural e diversidade da Europa, o Conselho da Europa assumiu-se como o principal fórum europeu de implementação e desenvolvimento de uma identidade europeia de direitos humanos, enquanto espaço primordial de valorização e reconhecimento destes direitos, que se estendeu muito para além das fronteiras geográficas da Europa. Ainda a nível europeu, a União Europeia (UE) proclamou, a 7 de dezembro de 2000, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE). Inicialmente sem força jurídica vinculativa, que só veio a ser reconhecida com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em dezembro de 2009, traduz o compromisso solene da União para com os direitos humanos. Reuniu-se num texto único o conjunto de direitos (civis, políticos, económicos e sociais) de que são beneficiários os cidadãos europeus e, bem assim, salvo algumas exceções, todas as pessoas.

Ainda a nível regional, no âmbito do sistema africano de proteção dos direitos humanos, cabe destacar a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), adotada em 1981 e em vigor desde 1986, proclamada no seio da Organização da Unidade Africana - OUA (1981), atualmente União Africana. Ao enfatizar os “valores africanos”, como a não-discriminação e o direito da autodeterminação dos povos, a Carta Africana transformou-se num instrumento para a independência das colónias africanas (SANTOS, 2003). Também o continente americano dispõe de um sistema regional de promoção e proteção de direitos humanos, com destaque para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de São José, assinada a 22 de novembro de 1969, na capital da Costa Rica (CIDH2, 1969). Vigora entre os países que integram a Organização de Estados Americanos (OEA) que se comprometem

[…] a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. (CIDH, 1969, n.p.).

A Convenção consagra um elenco preciso de direitos civis e políticos, tais como o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, o direito à vida, o direito à integridade pessoal e à liberdade pessoal e garantias judiciais, o reconhecimento da liberdade religiosa e de consciência de pensamento e de expressão, assim como o direito de livre associação. Já no que concerne aos direitos económicos e sociais, a Convenção estabelece, no Artigo 26.º a obrigação de os Estados promoverem, na medida dos recursos disponíveis, “[…] a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura” (CIDH, 1969, n.p.). constantes da Carta da OEA. A CADH assume-se, assim, como um dos pilares do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos. A proteção dos direitos contidos na Convenção é assegurada pela CIDH, à qual cabe a função de investigar os factos que possam violar as normas da Convenção, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsável pelo julgamento dos processos decorrentes das referidas violações.

O direito à educação enquanto direito humano: consagração internacional

Centremos, agora, a nossa análise no direito humano à educação. Atestando a centralidade e, talvez, o caráter holístico do direito à educação, no contexto da promoção dos outros direitos humanos. Vital Moreira e Carla Marcelino Gomes caracterizam-no como um “[…] direito de empoderamento” […] [que] permite à pessoa experienciar os benefícios de outros direitos” (MOREIRA; GOMES, 2013, p. 277). O exercício de muitos dos direitos civis e políticos (tais como a liberdade de informação, liberdade de expressão, direito de votar e ser eleito) e bem assim dos direitos económicos, sociais e culturais (tais como o direito a escolher o trabalho, a receber remuneração igual por trabalho igual) depende de, pelo menos, um nível mínimo de educação (MOREIRA; GOMES, 2013). No mesmo sentido, Hostmaelingen (2016, p. 97) escreve que “[o] direito à educação é fundamental para garantir a universalidade dos direitos humanos. Educação é também essencial para o desenvolvimento de cada ser humano e da sociedade como um todo”.

Não sendo nosso propósito apresentar um elenco exaustivo, importa destacar alguns dos mencionados textos internacionais que enunciam o referido direito à educação no seu articulado, com destaque para o documento de referência, a DUDH. Nos termos do Artigo 26.º da DUDH, declara-se que:

  1. Toda a pessoa tem direito à educação. […].

  2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. (ONU, 2020, n.p.).

Reconhece-se aos pais a “[…] prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos” (ONU, 2020, n.p.). Realçando a importância da consagração do direito à educação enquanto direito humano, Tristan McCowan não deixa de destacar

[…] dois aspectos bastante polêmicos do direito à educação constantes da DUDH [e] não são abordados neste texto. O primeiro refere-se ao terceiro parágrafo do artigo citado, a saber, a prioridade de direito que os pais têm de educar os filhos segundo as suas crenças […]. O segundo é a afirmação de que a educação fundamental deve ser obrigatória. [Sintetiza, de seguida], que há alguns elementos problemáticos […] e três deles são […]: a identificação da educação com a escolaridade, a limitação do direito absoluto à educação ao nível fundamental e a falta de discussões sobre as formas assumidas pela educação. (McCOWAN, 2011, p. 10-11).

Em complemento, no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1966 (Artigos 13.º e 14.º), reconhece-se que “[…] a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre […]” (ONU, 1992, p. 6). Com aplicação mais particular, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 (ONU, 2013, p. 4) consagra, no Artigo 10, a necessidade de assegurar às mulheres “[…] a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação […]”. Por seu turno, e no que concerne às crianças, os Artigos 28.º e 29.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF3, 1990, n.p.) reconhecem “[…] o direito da criança à educação e, para que ela possa exercer esse direito progressivamente e em igualdade de condições […]” destinada a, nomeadamente, “[…] desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança” (UNICEF, 1990, n.p.), a inculcar-lhe o respeito pelos direitos humanos e a prepará-la para uma vida adulta ativa numa sociedade livre.

A nível regional4, e no contexto europeu, começamos por destacar que, estranhamente, a CEDH proclamada pelo Conselho da Europa, em 1950, não consagrou no seu enunciado o direito à educação. Tal viria a suceder, apenas dois anos mais tarde, pelo Artigo 2.º do Protocolo Adicional n.º 1 à Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que, sob a epígrafe “Direito à instrução, consagra que: “A ninguém pode ser negado o direito à instrução [e que no exercício das funções que incumbem ao Estado] no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas” (CONSELHO DA EUROPA, 2022, p. 34).

Este preceito contém duas normas distintas, com dois objetos distintos, mas com um denominador comum, a educação. A primeira refere-se ao direto à instrução, formulado pela negativa enquanto proibição de denegação de acesso à instrução, ou educação5 (livres); a segunda, ao dever que impende ao Estado de respeitar as convicções religiosas e filosóficas dos pais na tarefa educativa dos seus filhos. Esta valorização do papel dos pais na relação educativa surge como resposta e cisão face ao doutrinamento das crianças por parte de regimes fascistas e, em especial, ao regime nazista. Daqui decorre um dos principais desafios na aplicação desta norma, a saber, a necessidade de respeitar os dois termos em presença: as convicções dos pais (religiosas e filosóficas), por um lado, e a definição e delimitação dos currículos escolares por parte dos Estados, por outro (RAIMUNDO, 2020).

Ilustrando o caráter dual e interdependente do Artigo 2.º, Miguel Raimundo escreve que

[…] enquanto a primeira parte se refere essencialmente a um direito individual à educação, isto é, ao acesso e às condições da educação […], a segunda apresenta-se, de forma clara, como um corolário ou norma especial de reforço de outras normas da Convenção, em especial o seu artigo 9.º, que tutela a liberdade de pensamento, consciência e religião, e também o artigo 14.º, que consagra a proibição de discriminação, por entre outras “categorias suspeitas”, motivos ligados à religião ou às convicções de cada um. (RAIMUNDO, 2020, p. 2224-2225).

Também o documento que consagra no direito da UE um conjunto de direitos pessoais, cívicos, políticos, económicos e sociais dos cidadãos e residentes na UE, a propósito do Título das Liberdades, estatui, no Artigo 14.º, o “[…] direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua” (UNIÃO EUROPEIA, 2000, n.p.).

O direito humano à educação “[…] confere ao indivíduo mais controlo no percurso da sua vida, e, em particular, mais controlo sobre o efeito das ações do Estado em si” (MOREIRA; GOMES, 2013, p. 277). Neste sentido, os cidadãos constituem-se como beneficiários de direitos face ao Estado que tem a

[…] obrigação de respeitar, proteger e implementar o direito à educação. A obrigação de respeitar proíbe o Estado de agir em contravenção de reconhecidos direitos e liberdades, interferindo ou constringindo o exercício de tais direitos e liberdades. Os Estados devem, inter alia, respeitar a liberdade dos pais de escolher escolas privadas ou públicas para os seus filhos e de assegurar a educação religiosa e moral das suas crianças, em conformidade com as suas próprias convicções. A necessidade de educar rapazes e meninas, de forma igual, deve ser respeitada, tal como os direitos de todos os grupos religiosos, étnicos e linguísticos. A obrigação de proteger requer que os Estados tomem medidas, através de legislação ou por outros meios, que previnam e proíbam a violação de direitos individuais e liberdades, por terceiros. Os Estados devem assegurar que as escolas públicas ou privadas não aplicam práticas discriminatórias ou inflijam castigos corporais nos alunos. A obrigação de implementar prevista no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), significa a obrigação de uma concretização progressiva do direito. Com este propósito, obrigação de meios e obrigação de resultado podem ser distinguidas: A obrigação de meios diz respeito a uma determinada ação ou medida que o Estado deve adotar […]. (MOREIRA; GOMES, 2013, p. 279-280, grifos dos autores).

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no quadro dos direitos humanos

Em 2015, durante a 70.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, lançou o mote para uma nova agenda para o desenvolvimento que se materializou na adoção, a 25 de setembro de 2015, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Resolução intitulada “Transformar o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (A/RES/70/1) (ONU, 2015). O referido documento, resumidamente designado de Agenda 2030, foi assinado pelos Chefes de Estado e de governo dos 193 Estados Membros da ONU durante a Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de 25 a 27 de setembro de 2015, em Nova Iorque. Este marco global para redirecionar a humanidade para um caminho sustentável foi desenvolvido na esteira da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, Brasil, em junho de 2012.

Neste contexto, em 2015, num processo de três anos no âmbito de uma colaboração triangular que envolveu os governos nacionais e organizações da sociedade civil, assumindo o legado dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), adotados no dealbar do ano 2000 e a implementar até 2015; atestando o relativo sucesso da calendarização de metas; reconhecendo o muito trabalho que ainda importa(va) desenvolver, a ONU definiu um plano de ação assente em cinco vetores: as pessoas, o planeta, a prosperidade, a paz e as parcerias (os 5P) e assume como objetivo final a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável.

Ban Ki-Moon registou, no Relatório intitulado Critical milestones towards coherent, efficient and inclusive follow-up and review at the global level, a importância da adoção, em 2015, da Agenda 2030, nos termos que reproduzimos:

[f]rom Sendai to Addis Ababa and from New York to Paris, 2015 was a momentous year for multilateralism and international policy shaping. Transforming our World: the 2030 Agenda for Sustainable Development adopted in New York in September 2015 is the ambitious shared vision that will guide our efforts to eradicate poverty and achieve sustainable development over the next 15 years. Seventeen sustainable development goals (SDGs) and their accompanying targets are at its heart.6 (MOON, 2016, p. 3).

De dimensão e cariz universal e indivisível (característica diferenciadora face aos ODM aplicáveis, apenas, nos países em desenvolvimento), tem aplicabilidade em todos os Estados, que devem alinhar os respetivos esforços de desenvolvimento sustentável. Assim, em relação aos ODS, todos os Estados podem e devem ser considerados como países em desenvolvimento e todos devem assumir as devidas responsabilidades no que concerne à sua implementação, enfatizando-se que ninguém deve ser excluído ou deixado para trás, pressupondo a integração dos ODS nas políticas, nos processos e nas ações desenvolvidas nos planos nacional, regional e global. Nesta análise comparativa entre as duas Agendas, ODM e ODS, destaca-se a multiplicação da estrutura e o caráter mais ambicioso dos ODS face aos ODM. Assim, enquanto os ODM se estruturem em torno de oito grandes objetivos, desenvolvidos em 18 metas, aferidas por 48 indicadores; os ODS preveem 17 objetivos genéricos, materializados em 169 metas e 230 indicadores.

Carlos Gómez Gil reforça o caráter universal e indivisível dos ODS como um dos elementos inovadores face aos ODM, assegurando-se, assim, a sua

[…] aplicación en todo el mundo y para todos los países, con una visión holística e interrelacionada en la que cada objetivo se superpone y se refuerza mutuamente, con una actuación multinivel simultánea en los espacios locales, regionales, nacionales y globales, apostando por construir una solidaridad global reforzada e integrando los grandes acuerdos recogidos en las cumbres mundiales de los últimos años. […] [Não obstante] hay que añadir una sistematización diferenciada multinivel, a partir de cuatro elementos esenciales: objetivos y metas de validez universal, objetivos y metas con un componente nacional, objetivos y metas para países desarrollados, junto a objetivos y metas específicas para países en desarrollo. De hecho, aunque se insiste una y otra vez en la novedad del componente universal de los ODS, hay que señalar que de sus 169 Metas, 27 de ellas son únicamente de aplicación para los países en desarrollo, lo que representa un 16% del total, lo que también pone en duda la dimensión universal de la totalidad de la Agenda 2030. (GIL, 2017, p. 110 -111).

Considerada como uma Agenda transformadora para o desenvolvimento sustentável, nas palavras de Ban Ki-Moon, “os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos”7. Também o atual Secretário-Geral, António Guterres, destacou a importância dos ODS, tendo elencado o desenvolvimento sustentável como uma das três prioridades do seu mandato à frente da ONU, a par da promoção da paz, assim como da reforma interna da própria Organização.

No relatório voluntário apresentado por Portugal relativo à aplicação dos objetivos constantes da Agenda 2030 assume-se que

[o]s 17 ODS alteraram, pois, a forma de abordar o desenvolvimento, ao i) integrarem as 3 dimensões do desenvolvimento sustentável (económica, social e ambiental); ii) assentarem em objetivos e metas universais a serem implementados por todos os países (e não apenas por países em desenvolvimento); iii) terem uma maior dimensão de combate às desigualdades e promoção dos Direitos Humanos, como preocupação transversal a todos os ODS; e iv) implicarem uma nova dinâmica de conjugação de esforços de uma multiplicidade de atores, incluindo as ONG (organizações não-governamentais), o setor empresarial privado, a academia, parceiros sociais, e restantes membros da sociedade civil, não esquecendo também a cooperação entre o Parlamento, o Governo, autoridades regionais e autarquias locais. Estamos perante um desafio que diz respeito a todos. (PORTUGAL, 2017, p. 2).

Como enunciado supra, em 17 ODS e 169 metas de cariz universal, transformador e inclusivo, enunciam-se os principais desafios de desenvolvimento para a humanidade, i.e., desafios globais e considerados como fundamentais para a sobrevivência da humanidade. O propósito dos ODS é garantir uma vida sustentável, pacífica, próspera e equitativa para todos, no presente e no futuro.

O desenvolvimento sustentável não se limita à proteção e salvaguarda do ambiente e à utilização racional dos recursos naturais. Os ODS incorporam três dimensões do desenvolvimento sustentável: a económica, a social e ambiental. Fortemente acorados na defesa dos direitos humanos, os ODS priorizam a luta contra a pobreza e a fome; promovem a igualdade de género e o empoderamento das mulheres; assumem a necessidade de reduzir as desigualdades no interior de cada país e entre Estados; incorporam uma visão inclusiva e sustentável do crescimento económico, assente em padrões de consumo sustentáveis com respeito pela “saúde” do planeta e dos seus povos (GIL, 2017).

A Agenda 2030 assenta num conjunto diversificado de domínios que abarcam várias dimensões da vida coletiva, como a educação, a saúde, a proteção social, o emprego, a justiça no sentido da construção de sociedades mais inclusivas, pacíficas, sustentáveis, resilientes, diversificadas, equitativas, seguras e responsáveis. Reconhece-se expressamente a visão holística dos objetivos, começando pela ideia de que a erradicação da pobreza deve ser devidamente integrada com a adoção de estratégias que edificam o desenvolvimento económico. Abordam as principais barreiras sistémicas para o desenvolvimento sustentável, como a desigualdade, padrões de consumo insustentáveis, falta de capacidade institucional e degradação ambiental.

De entre os ODS, destacamos, neste trabalho, o n.º 4 destinado a: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (UNESCO, 2017, p. iii). O ODS 4 estabelece, em suas metas: Eliminar as disparidades de gênero na educação; garantir que todas as meninas e meninos tenham acesso a cuidados e desenvolvimento de qualidade na primeira infância; garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação para os mais vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, povos indígenas e crianças.

Atestando a importância da educação, não apenas enquanto objetivo autonomizado no ODS 4, mas enquanto instrumento para a concretização dos restantes ODS, Qian Tang sustenta, no prefácio da obra Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - Objetivos de aprendizagem, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que

[a] educação é tanto um objetivo em si mesmo como um meio para atingir todos os outros ODS. Não é apenas uma parte integrante do desenvolvimento sustentável, mas também um fator fundamental para a sua consecução. É por isso que a educação representa uma estratégia essencial na busca pela concretização dos ODS. (UNESCO, 2017, p. 1).

O papel da educação na promoção dos direitos humanos e instrumento privilegiado para o desenvolvimento sustentável

Atestando o indispensável e insubstituível papel da educação na divulgação e “disseminação” dos direitos humanos; na promoção de uma cidadania mais informada, consciente e participativa; na construção de sociedades mais desenvolvidas, informadas, inclusivas e responsáveis; na concretização de uma nova visão de desenvolvimento global sustentável, sublinhamos as palavras de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, que defende, precisamente ser

[…] necessária uma mudança fundamental na maneira como pensamos o papel da educação no desenvolvimento global, porque ela tem um efeito catalizador sobre o bem-estar das pessoas e para o futuro do nosso planeta […]. Agora, mais do que nunca, a educação tem a responsabilidade de se alinhar com os desafios e aspirações do século XXI, e promover os tipos certos de valores e habilidades que irão permitir um crescimento sustentável e inclusivo, e uma convivência pacífica. (UNESCO, 2017, p. 7).

A educação tem um papel essencial na promoção dos valores fundamentais da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito. A educação contribui para prevenir as violações e os ataques dos direitos humanos, estabelecendo limites à violência crescente, ao racismo, aos extremismos, à xenofobia, à discriminação e à intolerância. Neste mesmo sentido, Ana Campina escreve que

[o] reconhecimento, a proteção e a garantia dos direitos humanos de caráter universal e permanente foram formalizados na DUDH, pela ONU. Já a CEDH revelou-se um instrumento de alcance regional, crucial na continuidade e efetivação do objetivo da Declaração que precede. Todavia, mais do que os tratados e documentos jurídicos nacionais, regionais e internacionais, impera a necessidade de garantir a sua execução, adentro das reais necessidades, diagnosticando e identificando as situações - corretas e incorretas - e colmatando-as, atuando em prol de cada indivíduo. Assim, é necessário avaliar o que tem sido determinado, o que tem sido realizado, quais as fragilidades, quais as potencialidades e quais as mudanças e/ou ajustamentos em prol da proximidade entre o discurso (normativo) e a prática transversal. (CAMPINA, 2020, p. 3285).

Destaca-se, neste contexto, a inestimável função da educação e, em particular, da educação para os direitos humanos no apoio à ação de todos os atores e agentes: Estados, instituições/organizações, locais, regionais, nacionais e internacionais, de caráter privado, público e cooperativo e, bem assim, a sociedade em geral. Conclui Ana Campina que “[…] os direitos humanos só podem ser garantidos se existir uma estruturada e efetiva educação no espírito democrático, visando a promoção dos valores e dos direitos reconhecidos nos tratados - regionais e internacionais - e fazendo com que a justiça seja efetiva e protetora” (CAMPINA, 2020, p. 3299).

Nancy Flowers defende que “[a] ‘universal culture of human rights’ requires that people everywhere must learn this ‘common language of humanity’ and realize it in their daily lives”. Refere, de seguida, que, “[c]onveying this ‘common language of humanity’ is the whole purpose of human rights education”8 (FLOWERS, 2000, p. v).

A educação para os direitos humanos é, em si e por si, um direito humano. Atente-se, a este respeito, no texto do Preâmbulo da DUDH que convoca “[…] todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade [para que] se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover […] o seu reconhecimento e a sua aplicação universal e efectivos” (ONU, 2020, n.p).

Com este propósito, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou, em 19 de dezembro de 2011, a Resolução A/RES/66/137, intitulada de Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação (com base no relatório do Terceiro Comité [A/66/457)]. Reafirmando os princípios da Carta das Nações Unidas de 1945, no que tange à promoção e ao respeito de todos os seres humanos e liberdades fundamentais, a Resolução assume e realça a importância do ensino e da educação no e para o desenvolvimento da personalidade humana (ONU, 2012). Reconhece-se que a educação em direitos humanos contribuiu para o empoderamento individual e social, fomentando e contribuindo para uma sociedade mais pacífica.

Declara-se, no Artigo 1.1 da Resolução A/RES/66/137, que todas as pessoas têm “[…] o direito de conhecer, procurar e receber informação sobre todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e devem ter acesso à educação e formação sobre direitos humanos” (ONU, 2012, p. 2, tradução nossa). Considera-se, em seu Artigo 2.1, que a educação e a formação sobre direitos humanos compreende todas as

[…] atividades de educação, formação, informação e sensibilização destinadas a promover o respeito e observância universais de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, contribuindo assim para a prevenção de violações e abusos de direitos humanos, fornecendo às pessoas conhecimentos, capacidades e informação, desenvolvendo as suas atitudes e comportamentos, capacitando-as para que contribuam para a construção e promoção de uma cultura universal de direitos humanos. (ONU, 2012, p. 3).

Com esta redação, reafirma-se a relação inexorável entre a (in)formação e a educação e o cumprimento de todos os outros direitos humanos.

A educação para os direitos humanos “[…] é uma aprendizagem que desenvolve o conhecimento, as capacidades e os valores dos direitos humanos” (FLOWERS, 2002, p. 36). Constitui uma “[…] prática participativa com o objetivo de mobilizar as pessoas e as comunidades e capacitá-las com os conhecimentos, atitudes, valores e aptidões que precisam para usufruir e exercer esses direitos e para respeitar e defender os direitos dos outros” (AMNISTIA INTERNACIONAL, 2018, p. 10). Esta capacitação faz-se através da informação, do conhecimento e da educação, levando as pessoas a agir enquanto agentes de mudança, individual e coletiva; esta capacitação impõe o conhecimento de direitos, deveres, obrigações e responsabilidades, desenvolvendo, assim, competências para a ação (AMNISTIA INTERNACIONAL, 2018).

No n.º 2 do Artigo 2.º da Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação para os Direitos Humanos -Resolução A/RES/66/137 (ONU, 2012), distinguem-se três conceitos relativos à educação e formação em matéria de direitos humanos, a saber: “educação sobre os direitos humanos”, “educação através dos direitos humanos” e “educação para os direitos humanos”. Neste sentido, “educar sobre direitos humanos” implica promover o conhecimento, a compreensão, aumentar a consciência e a sensibilização sobre (o que são) os direitos humanos, o seu significado, os seus valores enformadores, nomeadamente, a dignidade, a liberdade, a igualdade, a não discriminação, a justiça, a solidariedade, a democracia, a responsabilidade e os seus princípios estruturantes, a saber, a universalidade, a interdependência e a indivisibilidade, e os principais textos jurídicos que os proclamam; “educar através dos direitos humanos” implica aprender e ensinar através de métodos inclusivos, participativos e democráticos; “educar para os direitos humanos” implica ensinar e aprender para interiorizar, atuar e praticar. Implica capacitar para respeitar os direitos dos demais. Implica incorporar os valores dos direitos humanos nos comportamentos diários, fomentando a igualdade, a responsabilidade, a empatia, a solidariedade e o respeito pela diversidade.

A educação para direitos humanos deve ser entendida como uma educação integral, no sentido de educação para conhecer, exercer e respeitar os direitos humanos (ALMEIDA; ALMEIDA, 2022). Não obstante, educar para os direitos humanos obriga a assumir as responsabilidades que acompanham os direitos. A responsabilidade de respeitar, defender e promover os valores da dignidade, da igualdade, da solidariedade. Uma responsabilidade que cabe a cada um de nós, enquanto indivíduo, mas também a todos nós, enquanto sociedade (LÚCIO, 2013) e que permitam o desenvolvimento das capacidades necessárias para reconhecer as consequências pessoais e sociais dos respetivos comportamentos (TRICHES; TRICHES; CARVALHO, 2022). Voltamos às palavras de Nancy Flowers para atestar a importância da educação para os direitos humanos na formação de cidadãos empoderados e ativos na medida em que “[c]oncerned citizens […] need to understand and embrace the fundamental principles of human dignity and equality and accept the personal responsability to defend the rights of all people”9 (FLOWERS, 2000, p. v).

Constata-se a intricada relação entre a educação para os direitos humanos e a educação para a cidadania que visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos. E porque a educação para os direitos humanos e a educação para a cidadania pressupõem educar em e para valores, impõe-se caracterizar a educação para a paz, como sendo

[...] uma forma particular de educar em valores. [...]. Educar para a paz pressupõe a educação a partir de - e para - determinados valores, como a justiça, a cooperação, a solidariedade, o compromisso, a autonomia pessoal e coletiva, o respeito, ao mesmo tempo que questiona os valores contrários a uma cultura de paz, como a discriminação, a intolerância, o etnocentrismo, a obediência cega, a indiferença e a ausência de solidariedade, o conformismo. Educar para a paz é uma educação a partir de uma ação. (JARES, 2007, p. 45 apudSANTOS; SOUSA, 2019, p. 641).

Precisam os preditos autores que, baseando-se em valores morais, a educação para paz adota uma visão não neutral. Assim,

[…] a Educação para a Paz, ao ter como defesa a “dignidade humana”, a “igualdade de direitos e deveres sociais”, a “democracia na educação”, entre outros elementos, pressupõe um olhar atento aos valores, às crenças, às representações, às experiências e às vivências que compõem os localismos e sua relação com a multiculturalidade. (SANTOS; SOUSA, 2019, p. 641).

A educação social e os direitos humanos: relações de complementaridade

Destacou-se, em pontos anteriores deste texto, a importância da educação na efetivação dos direitos humanos, e esta relação encontra ainda maior pertinência quando nos situamos no âmbito específico da educação social. A educação social é uma metodologia de intervenção que tem na educação o seu principal instrumento e contexto (BAPTISTA, 2012). Esta metodologia é destacada por Adalberto Dias de Carvalho e Isabel Baptista que traçam o paralelismo entre a agudização dos fenómenos de exclusão social e a sua tomada de consciência como fatores determinantes para o desenvolvimento da educação social. Definem educação social como a “[…] expressão da responsabilização da sociedade diante dos problemas humanos que a percorrem e que ela não pode radicar, sem mais, em determinismos ou fatalismos de ordem individual, histórica, estrutural ou transcendente” (CARVALHO; BAPTISTA, 2004, p. 11). Antes de se avançar na discussão, convém clarificar conceitos: o âmbito de intervenção da educação social não se situa na educação formal, ou mais concretamente, no sistema estruturado de educação e formação (que se inicia na educação pré-escolar e que se prolonga nos ensinos secundário e superior) e que conduz a uma certificação. Pelo contrário, a educação social desenvolve-se no domínio da educação não-formal. Este tipo de educação, não-formal, concretiza-se, tal como se explica na Carta do Conselho da Europa sobre Educação para a Cidadania Democrática e para os Direitos Humanos, de 2010, em programas educativos planificados e estruturados, numa ótica de desenvolvimento de aptidões e competências de cidadania democrática, que se materializam fora da educação formal (CONSELHO DA EUROPA, 2010).

A educação social desenvolve-se, assim, em diferentes modalidades, com diversos destinatários e em inéditos espaços (BAPTISTA, 2012). Procurando a promoção e a defesa de uma cultura universal dos direitos humanos na sociedade, estes agentes educativos são, acima de tudo, agentes da relação, que atuam com intenção educativa em diferentes contextos sociais. Esta intenção educativa tem uma significação pedagógica associada ao democrático, ao popular, ao cívico e comunitário e, por isso, a diversidade é uma marca muito preponderante do movimento da educação social. Contudo, é importante esclarecer que esta diversidade não significa fragmentação uma vez que a educação social está “cimentada” por uma causa comum - movimentos sociais e educativos em prol dos direitos humanos (GADOTTI, 2012). Trata-se, na verdade, de uma diversidade que precisa de ser compreendida, respeitada e valorizada (BAPTISTA, 2012; MOLINARO, 2017), e que se traduz num conjunto profícuo de práticas educativas.

Assim, está na génese da educação social o compromisso ético-político com a transformação da sociedade, desde uma posição crítica, política, social e comunitária. Consciente de que os atos educativos não são neutros, e assumindo-se enquanto pedagogia crítica, a educação social detém uma íntima relação com os direitos humanos, não escondendo a politicidade da sua ação (GAMARNIKOW, 2013; LÚCIO, 2013).

Ora, e face ao exposto, percebe-se que entre a educação social e os direitos humanos existe uma relação de verdadeira imbricação. Na verdade, estamos perante uma relação na qual nenhum elemento é realmente isolável. Por isso, e tendo consciência de que os direitos humanos não podem ser implementados apenas e exclusivamente através de processos legais, a educação social tem no seu âmago o trabalho em prol do respeito, da defesa e da promoção dos direitos humanos (BAPTISTA, 2012).

Assim, admitindo a relevância de um consenso em torno de princípios éticos que possam guiar a atuação do educador social, é preciso qualificar de que educação se está a falar, a partir de que ponto de vista se está a partir e onde se quer chegar (GADOTTI, 2012). Esta inscrição teórico-conceptual tem influência nas práticas e no agir profissional do educador social, que é movido por uma intencionalidade marcada por princípios democráticos e por valores no âmbito dos direitos humanos (LÚCIO, 2013).

Ao educador social não basta estar lado a lado, ou estar com, partilhando interesses e projetos. É necessário ir mais longe, dispondo-se a agir em favor dos outros, utilizando para isso diferentes veículos e estruturas sociais e educativas. Trabalhar no âmbito dos direitos humanos é procurar a construção de um mundo mais justo, produtivo e sustentável, numa equação onde entra, inevitavelmente, o desenvolvimento de atitudes e de comportamentos adequados na edificação de uma cultura universal dos direitos humanos para todos (SOUSA; FONTES; MESQUITA, 2021).

Porque educar e intervir para os direitos humanos é a base e o propósito da ação do educador social, a formação deste profissional deve passar por uma educação em direitos humanos, formando cidadãos e futuros profissionais participativos, solidários, conscientes dos seus deveres e direitos, para que, partindo dos valores essenciais, sejam capazes de os transformar em práticas de intervenção.

A unidade curricular de “Direitos Humanos e Educação”: a praxis em contexto educativo e as metodologias de ensino/aprendizagem

A unidade curricular de “Direitos Humanos e Educação”, inserida no 1.º semestre do 1.º ano da Licenciatura em Educação Social10 da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, pretende introduzir os estudantes ao conceito de direitos humanos e ao conjunto de normas e textos, nacionais e internacionais, que procuram proteger e respeitar a pessoa humana. Contudo, sendo esta a primeira aproximação dos estudantes ao universo jurídico, impõe-se, antes de tudo, sensibilizar e despertar para a importância do Direito na e para a vida social.

Para além do conhecimento dos principais textos internacionais relativos à proteção dos direitos humanos e o seu alcance em contextos gerais, importa conhecer a importância dos direitos humanos e a sua incidência em contextos específicos, neste caso, contextos educativos e sociais. Precisando, pretende-se refletir sobre a importância do direito à educação como direito e fator fundamental para o desenvolvimento integral de toda e qualquer pessoa, o que se revela imprescindível para a consolidação dos outros direitos humanos; acima de tudo, objetiva-se criar oportunidades de os estudantes conhecerem e refletirem sobre a relevância dos direitos humanos na educação para a cidadania, ao mesmo tempo que se pretende contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres, em diálogo e no respeito pelos outros (PORTUGAL, 2022).

Com este propósito, o conhecimento sobre os direitos humanos é completado como a ilustração do seu potencial na promoção de práticas sociais autonomizadoras, solidárias e construtoras de uma cidadania ativa e participativa. Através da criação de um ambiente de aprendizagem colaborativa assente nos valores da liberdade, da solidariedade, do respeito, da inclusão, da igualdade, pretende-se desenvolver (nos estudantes) um conjunto de competências para a ação. Destacam-se a escuta ativa e a comunicação bidirecional e colaborativa que permita a prevenção de conflitos e/ou a sua resolução de forma cooperativa; o pensamento e a capacidade de análise crítica e reflexiva; a capacidade de participação e intervenção em pequenos e grandes grupos (sociais); a identificação e o reconhecimento de situações de violação e/ou potencial violação dos direitos humanos, capacitando-os para a ação, ou seja, para o desenvolvimento de estratégias que promovam a defesa dos direitos humanos.

Pretende-se, portanto, contribuir para a formação de cidadãos ativos e participativos. Para tal, impõe-se sensibilizar e informar, pois só com cidadãos informados pode haver cidadãos ativos e participativos. Pedagogicamente, promover o debate sobre os direitos humanos na educação para a cidadania significa promover o desenvolvimento da consciência cívica em matéria de direitos humanos.

No que se refere às metodologias utilizadas, são priorizadas abordagens pedagógicas ativas, de modo a envolver a participação efetiva dos/das estudantes, reforçando a sua motivação e o seu comprometimento com os objetivos da unidade curricular e em particular a relevância dos direitos humanos em educação social. Assim, para além da exposição, explicação e debate dos conteúdos programáticos, análise de casos concretos e situações práticas, é também estimulada a capacidade de investigação, ou seja, a capacidade de pesquisa, seleção, interpretação e utilização de informação para a produção fundamentada de juízos relativos a direitos humanos e situações de educação com eles relacionados. É privilegiada uma metodologia participativa destinada a promover a reflexão, a partilha, a análise e o pensamento crítico, através da discussão aprofundada de temas e problemas, ao mesmo tempo que compreende a realização de trabalho autónomo.

De modo mais operacional, tem sido proposto aos estudantes a análise da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em concreto, a escolha de um tema livre, integrado num dos 17 ODS e/ou das 169 metas orientadoras da ação a desenvolver nos próximos 15 anos em áreas de importância crucial para a humanidade e para o planeta. Com o propósito de desenvolver capacidades de escrita e oralidade, para além do trabalho escrito, a avaliação contempla a apresentação da investigação em formato pitch, a que se segue a respetiva arguição. É especificamente valorizada a autonomia dos estudantes que dispõem de total liberdade para desenvolverem a abordagem metodológica que considerem mais adequada, nomeadamente, desenvolvendo um trabalho teórico com recurso a revisão bibliográfica e análise crítica do conteúdo; uma investigação empírica com a contextualização da temática e do problema de investigação, e com apresentação da questão de partida, dos objetivos gerais e específicos, da metodologia adotada e dos principais resultados; investigação em contexto, com a descrição de um projeto de intervenção/implementação ou de uma entidade, local, regional ou nacional cuja atividade se concretiza na promoção e defesa dos direitos humanos, em geral, e dos ODS, em particular. O objetivo é que os estudantes consigam refletir sobre o tema escolhido, tendo como centro nevrálgico a análise de práticas operacionalizadoras do ODS selecionado. Deste modo, os estudantes são desafiados a ocupar o lugar central na construção do conhecimento (MORIN, 2010) e a participar de forma ativa no seu processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo competências que se estendem para além da memorização (BARKLEY, 2018). Ao ser privilegiada uma metodologia que proporciona aos estudantes o contacto e o conhecimento de uma variedade de situações reais, abre-se um leque de oportunidades de uma melhor integração entre a teoria e a prática e, consequentemente, uma maior consolidação dos conteúdos pedagógicos (PAIVA et al., 2016; SULEMAN, 2016).

Assim, e face ao exposto, a unidade curricular assenta em estratégias pedagógicas que promovem o active learning, através do problem-based learning, combinando cenários de aprendizagem com práticas de conhecimento mais aprofundado da realidade social e profissional (KUKULSKA-HULME et al., 2022), envolvendo o estudante em situações reais de operacionalização do ODS. A inovação pedagógica consubstancia-se na promoção do papel ativo do estudante na implementação de pedagogias de resolução de problemas/casos, que envolvem colaboração, pensamento crítico e diferentes domínios de conhecimento.

Esta linha de orientação é especialmente pertinente na formação de técnicos de educação social, ou seja, de profissionais cuja área de ação se centra na promoção dos direitos humanos, através do desenvolvimento das relações sociais e de estratégias de intervenção em diferentes contextos educativos e sociais (SOUSA; FONTES; MESQUITA, 2021). Ao se proporcionar a transposição dos contextos reais para os espaços formativos, através da implementação de metodologias ativas e inovadoras, envolvem-se os estudantes nas temáticas abordadas, favorecendo posicionamentos críticos e reflexivos (SULEMAN, 2016). Neste tipo de metodologia, o processo de aprendizagem é mais personalizado, procurando-se ir ao encontro das necessidades dos estudantes, numa articulação entre a teoria e a prática, onde a parte teórica é mobilizada fora da sala de aula e a parte prática é trazida para o contexto escolar. A partir do que foi exposto, facilmente se percebe que numa unidade curricular que tem como objeto de estudo os direitos humanos e a educação e a relação entre eles, a utilização de estratégias mais práticas e estimulantes sejam fundamentais para a construção de comunidades de aprendizagem, numa lógica de potenciar a capacidade de aprender a aprender (BARKLEY, 2018).

Considerações finais

Proclamados no rescaldo da II Guerra Mundial, as razões que ditaram o reconhecimento, dos direitos humanos são tão válidas hoje como eram em 1948. Enquanto existir, nalgum lugar do mundo, uma pessoa silenciada e impedida de expressar a sua opinião, uma mulher violentada, uma criança abusada; enquanto existirem atentados à vida, à liberdade - nas suas mais variadas manifestações - importa educar e consciencializar para a promoção dos direitos humanos. Percebemos, assim, que a educação para os direitos humanos deve ser permanente, continuada e global (TRICHES; TRICHES; CARVALHO, 2022).

Reconhece-se, desta forma, o papel essencial da educação na promoção desses direitos e responsabilidades, na promoção dos valores fundamentais do respeito, da diversidade, da inclusão, da democracia, da liberdade, do Estado de Direito, ou seja, dos direitos humanos. Neste sentido, a formação do educador social deve ter por base a educação para os direitos humanos, sendo estes últimos ferramenta e contexto de atuação deste profissional (BAPTISTA, 2012; SULEMAN, 2016). Neste exercício de enriquecimento mútuo, as metodologias de ensino-aprendizagem têm de ser ajustadas e ir ao encontro de uma formação assente nas premissas atrás identificadas (BARKLEY, 2018; KUKULSKA-HULME et al., 2022; SOUSA; FONTES; MESQUITA, 2021).

Conscientes de que educar em direitos humanos é ter várias opções, com diferentes veículos e estruturas educacionais, nesta unidade curricular, para além da aposta em estratégias de ensino-aprendizagem inovadoras, práticas, flexíveis e diversificadas, o estudante também é chamado a participar ativamente no seu processo de formação, no desenvolvimento de competências que vão para além do saber/conhecer e que se prendem com o saber-ser e o saber intervir, numa lógica de construção de novos saberes técnicos e profissionais (SOUSA; FONTES; MESQUITA, 2021; SULEMAN, 2016).

Deste modo, na unidade curricular de direitos humanos e Educação são privilegiadas metodologias ativas de ensino-aprendizagem, que propõem novos desafios aos estudantes, possibilitando-lhes ocupar o lugar de sujeitos na construção do conhecimento (MORIN, 2010). Por isso, a educação de hoje, que prepara os profissionais de amanhã, envolve cada vez mais os estudantes na sua formação e nos seus curricula. Este tipo de metodologia proporciona aos estudantes o contacto e o conhecimento de uma variedade de situações reais, onde a aprendizagem autónoma e o desenvolvimento de competências como a comunicação, a colaboração, a criatividade e o pensamento crítico são essenciais (PAIVA et al., 2016).

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* Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projeto UIDB/04112/2020.

1Com o objetivo de estabelecer mecanismos para fazer cumprir a DUDH, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas delineou dois tratados: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o seu Protocolo opcional e o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Juntamente com a Declaração Universal, são frequentemente referidos como a Carta Internacional de Direitos Humanos. O PIDCP trata de questões como o direito à vida, à liberdade de expressão e religiosa e direito de voto. O PIDESC trata de questões como a alimentação, a educação, a saúde e a habitação. Ambos os pactos proclamam a extensão dos direitos a todas as pessoas e proíbem toda e qualquer a discriminação. Para além dos textos referidos, a ONU adotou mais de 20 Convenções destinadas a prevenir e proibir abusos específicos como a tortura (Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos e Degradantes, 1984) e o genocídio (Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, 1948) e para proteger pessoas e grupos especialmente vulneráveis, como os refugiados (Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, 1950), as mulheres (Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, 1979) e as crianças (Convenção Sobre os Direitos da Criança, 1989).

2Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

3UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância.

4Também a nível regional, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Económicos, Sociais e Culturais prevê, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no seu Artigo 13.º, que: “Toda pessoa tem direito à educação” que “[…] deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais pela justiça e pela paz. Convêm, também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz” (CIDH, 1988, n.p.). Também a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos reconhece, em seu Artigo 17.º, o direito de toda a pessoa à educação que “[…] pode tomar parte livremente na vida cultural da comunidade” (OUA, 1981, n.p.).

5Não vamos, nesta sede, debruçar-nos sobre a questão da distinção terminológica entre instrução e educação. Para um aprofundamento quanto à distinção terminológica, veja-se, entre outros, Raimundo (2020).

6“De Sendai a Addis Ababa e de Nova Iorque a Paris, 2015 foi um ano importante para o multilateralismo e a formação de políticas internacionais. Transformando nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável adotada em Nova Iorque em setembro de 2015 é a ambiciosa visão compartilhada que orientará nossos esforços para erradicar a pobreza e alcançar o desenvolvimento sustentável nos próximos 15 anos. Dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas que o acompanham estão em seu âmago” (MOON, 2016, p. 3, tradução nossa).

7Discurso do então Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, na Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a 25 de setembro de 2015, em Nova Iorque (EUA).

8“A ‘cultura universal dos direitos humanos’ exige que as pessoas de todos os lugares aprendam essa ‘linguagem comum da humanidade’ e percebam isso em suas vidas diárias”. “Transmitir essa ‘linguagem comum da humanidade’ é a finalidade da educação dos direitos humanos” (FLOWERS, 2000, p. v, tradução nossa).

9“Cidadãos preocupados [...] precisam entender e adotar os princípios fundamentais da dignidade e da igualdade humana e aceitar a responsabilidade pessoal de defender os direitos de todas as pessoas” (FLOWERS, 2000, p. v, tradução nossa).

10A licenciatura em Educação Social cujo plano de estudos foi aprovado pelo Despacho n.º 11087/2016, Diário da República, n.º 178, 2.ª série de 15-09-2016, tem a duração de seis semestres letivos a que correspondem 180 unidades de crédito (ECTS) (PORTUGAL, 2016). Encontra-se acreditado por seis anos e apresenta como áreas de estudo: as Ciências da Educação, as Ciências Sociais e o Trabalho Social e Orientação. Os objetivos do curso, elencados em https://www.ipleiria.pt/cursos/course/licenciatura-em-educacao-social/, incluem: conhecer e compreender os fundamentos académicos, científicos e praxiológicos que sustentam o campo formativo e profissional dos Educadores Sociais; analisar e compreender criticamente a natureza das teorias, metodologias e áreas de intervenção do Educador Social; conhecer e empregar estratégias e metodologias de intervenção socioeducativa junto de populações vulneráveis e culturalmente diversas no sentido do desenvolvimento dos indivíduos e das comunidades; desenvolver capacidades de promoção de processos de dinamização cultural e social; desenvolver e analisar as realidades sociopolíticas, educativas e culturais em que se desenvolve a prática profissional do educador social; diagnosticar situações sociais complexas que sustentam a necessidade de desenvolvimento de ações socioeducativas; adquirir conhecimentos e capacidades para conceber e desenvolver e avaliar projetos de ação socioeducativa em contextos diferenciados e para diferentes grupos de pessoas. Esta formação superior visa formar educadores sociais com capacidade para atuar, nomeadamente, enquanto mediadores comunitários, trabalhando como agentes de desenvolvimento local e comunitário e de promoção cultural; mediadores em processos de intervenção familiar e socioeducativa; gestores de serviços educativos ou de recursos socioeducativos (escolas, bibliotecas, museus, fundações e autarquias); animadores e gestores socioculturais; educadores de tempo livre e de lazer; formadores de pessoas adultas e de idosos; educadores em organizações de acolhimento e inserção social; gestor de redes sociais (numa ótica de equipas multiprofissionais) e especialista na mobilização de dispositivos de acompanhamento social personalizado.

Recebido: 27 de Novembro de 2022; Revisado: 21 de Abril de 2023; Aceito: 24 de Abril de 2023; Publicado: 01 de Junho de 2023

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