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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 03-Jul-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21495.044 

Artigos

A regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE) no Brasil: um longo debate*

The regulation of the National Education System (NES) in Brazil: a long debate

La regulación del Sistema Nacional de Educación (SNE) en Brasil: un largo debate

Karoline de Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0001-7298-0915

Catarina Ianni Segatto** 
http://orcid.org/0000-0002-5094-8225

*Doutoranda em Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC (UFABC). Mestre em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: <karoline.deoliveira2@gmail.com>.

**Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFABC. Doutora em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP) E-mail: <catarina.segatto@gmail.com>.


Resumo

Neste artigo, busca-se analisar o debate sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE) a partir da discussão sobre a criação dos sistemas nacionais para as políticas sociais. Nesse sentido, analisam-se as ideias relacionadas à coordenação federativa na Educação e as propostas de regulamentação do SNE, inclusive a proposta em tramitação no Congresso Nacional. A ideia é discutir a trajetória desse debate, que fatores foram importantes nesse processo e os avanços das propostas atuais do sistema para a cooperação federativa. Para tanto, o artigo apresenta uma abordagem metodológica qualitativa, baseada em revisão da literatura e análise de dados secundários, incluindo documentos técnicos, relatórios de pesquisa, projetos de lei e regulamentações. A análise mostra que as ideias presentes no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e a construção dos sistemas em outras políticas bem como mudanças na coordenação federativa pós-Constituição Federal de 1988 influenciaram a continuidade do sistema no debate educacional e as propostas sobre o SNE. No entanto, a morosidade de aprovação do sistema resulta da falta de consenso entre os atores sobre como o sistema deve ser organizado.

Palavras-chave: Sistema Nacional de Educação; Coordenação e cooperação; Relações interfederativas

Abstract

In this article, it was sought to analyze the debate on the regulation of the National Education System (NES) based on the discussion on the creation of national systems for social policies. In this sense, the ideas related to the federative coordination in Education and the proposals for regulation of the NES were analyzed, including the proposal under discussion in the National Congress. The idea was to discuss the trajectory of this debate, which factors were important in this process and the advances of the current proposals of the system for the federative cooperation. For that, the article presents a qualitative methodological approach, based on a literature review and analysis of secondary data, including technical documents, research reports, bills and regulations. The analysis shows that the ideas present in the Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Manifesto of the Pioneers of the New Education) and the construction of systems in other policies, as well as changes in the federative coordination after the Federal Constitution of 1988 influenced the continuity of the system in the educational debate and proposals on the NES. However, the delay in approving the system results from the lack of consensus among the actors on how the system should be organized.

Keywords: National Education System; Coordination and cooperation; Interfederative relations

Resumen

En este artículo, se buscó analizar el debate sobre la regulación del Sistema Nacional de Educación (SNE) a partir de la discusión sobre la creación de sistemas nacionales para las políticas sociales. En este sentido, se analizaron las ideas relacionadas con la coordinación federativa en Educación y las propuestas de regulación del SNE, incluso la propuesta en tramitación en el Congreso Nacional. La idea fue discutir la trayectoria de este debate, qué factores fueron importantes en este proceso y los avances de las actuales propuestas del sistema de cooperación federativa. Para ello, el artículo presenta un enfoque metodológico cualitativo, basado en revisión de literatura y análisis de datos secundarios, incluyendo documentos técnicos, informes de investigación, proyectos de ley y reglamentos. El análisis muestra que las ideas presentes en el Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Manifiesto de los Pioneros de la Educación Nueva) y la construcción de los sistemas en otras políticas, así como cambios en la coordinación federativa post Constitución Federal de 1988 influyeron en la continuidad del sistema en el debate educativo y las propuestas sobre el SNE. Sin embargo, la morosidad en la aprobación del sistema resulta de la falta de consenso entre los actores sobre cómo debe organizarse el sistema.

Palabras clave: Sistema Nacional de Educación; Coordinación y cooperación; Relaciones interfederativas

Introdução

A partir da Constituição Federal de 1988, a necessidade de fortalecimento da coordenação e cooperação federativa tornou-se central na formulação e na implementação das políticas sociais. Ao determinar competências compartilhadas entre União, estados e Distrito Federal e municípios, mantendo a União como importante decisora na maioria das políticas (ARRETCHE, 2012), a Constituição Federal estabeleceu um modelo mais cooperativo de federalismo (ABRUCIO; FRANZESE, 2007). No entanto, esse modelo somente passou a vigorar com a aprovação de diretrizes e regulamentações nacionais e de mecanismos de redistribuição de recursos, bem como a criação de arenas intergovernamentais e de participação social e de sistemas de informação, de monitoramento e de avaliação (BICHIR; SIMONI JUNIOR; PEREIRA, 2020; FRANZESE; ABRUCIO, 2013). Essas dimensões passaram a constituir o que se chamou de sistemas de políticas públicas setoriais, avançando mais nos casos da saúde e da assistência social (MARQUES; SOARES, 2021).

Esse não foi o caso da política de educação, em que o debate sobre a instituição de um sistema nacional tem se estendido na agenda governamental brasileira até os dias atuais. A regulamentação de um sistema, organizado entre os três níveis de governo no chamado “regime de colaboração”, não foi consensual ao longo do tempo, já que uma série de propostas foram formuladas por diferentes atores governamentais e não governamentais, como legislativo, executivo e sociedade civil (LICIO; PONTES, 2020). Atualmente, a organização de um Sistema Nacional de Educação (SNE) está em tramitação por meio do Projeto de Lei (PL) Nº 235, de 2019 (BRASIL, 2019a) e encontra-se na Câmara dos Deputados para seu debate e possível aprovação. Do ponto de vista das dinâmicas das relações intergovernamentais brasileiras, esse sistema busca organizar a articulação federativa, criando instâncias de pactuação e de deliberação entre os entes federados e tem, como um dos objetivos, contribuir para atingir as metas nacionais e garantir a qualidade da educação em todo território nacional (NOGUEIRA; VIEIRA, 2021).

Assim sendo, neste artigo, tem-se por objetivo debater o federalismo e as relações intergovernamentais no Brasil a partir da análise sobre os sistemas nacionais nas políticas sociais, especialmente em relação à coordenação e à cooperação federativa. Especificamente, analisa-se a regulamentação do SNE, incluindo as características das propostas apresentadas e os fatores que levaram ao reconhecimento do tema na agenda governamental nacional. Argumenta-se que, entre os fatores responsáveis por isso, estão: as ideias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; a trajetória anterior de maior coordenação nacional consolidada após a década de 1990; e a construção dos sistemas nacionais em outras políticas.

A pesquisa foi qualitativa e baseou-se em material de natureza documental. Para tanto, foram utilizados: revisão da literatura e levantamento secundário de dados, a partir de documentos técnicos, relatórios de pesquisa, projetos de lei e regulamentações. Os Projetos de Lei sobre a regulamentação do SNE foram acessados nos portais da Câmara dos Deputados e do Senado, canais por meio dos quais é possível obter informações sobre a tramitação, os documentos anexos (despachos, pareceres, emendas e requerimentos) e os projetos apensados. Os documentos técnicos, relatórios de pesquisa e regulamentações sobre o tema foram encontrados em pesquisa virtual realizada nos portais Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SciELO). A análise foi realizada nos oito Projetos de Lei apresentados por iniciativa de Deputados ou Senadores. Além de verificar o conteúdo das propostas, a análise debruçou-se sobre a tramitação e o arquivamento (ou apensação) dos projetos, buscando apresentar uma linha do tempo e a evolução do debate governamental sobre o tema.

Este artigo está organizado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção, apresenta-se o debate teórico sobre a trajetória da coordenação e da cooperação federativa na política de educação brasileira. Na segunda seção, discute-se sobre a temática do SNE, especialmente após a Constituição Federal de 1988, e que fatores influenciaram a maior centralidade desta temática no debate sobre a política. Por fim, na terceira seção, analisam-se as dimensões centrais no debate de um sistema nacional, incluindo como as mudanças nas dinâmicas das relações intergovernamentais podem influenciar avanços na política nacional de educação.

Coordenação federativa e relações intergovernamentais na educação brasileira

Um importante enfoque das pesquisas sobre a Federação brasileira concentra-se na tentativa de compreender os efeitos do desenho federativo para a formulação e a implementação das políticas públicas (GRIN et al., 2022; SEGATTO; ABRUCIO, 2018), com destaque para as políticas sociais. Isso ocorreu porque o desenho do federalismo pós-Constituição Federal de 1988, ao determinar o compartilhamento de competências entre os três entes, colocou dilemas de coordenação à formulação e à implementação de políticas. Ainda, manteve a forte autoridade de regulação das políticas no governo central, de modo que, no que tange às políticas sociais, a União tem responsabilidades na formulação, na regulação e na coordenação.

Para Souza (2019, p. 7), o aumento das competências concorrentes na Constituição Federal de 1988, em comparação a outras constituições brasileiras, possibilitou a formação do desenho atual das políticas sociais que possuem regulamentação federal e implementação quase sempre local. Segundo Arretche (2012), esse desenho resultou em um processo de descentralização da implementação de políticas (policy making) com forte centralização da formulação e da regulação no governo central (policy decision-making).

Além disso, o aumento da coordenação nacional por meio de regulamentações nacionais e redistribuição de recursos, combinado à criação de mecanismos de coordenação federativa, como as arenas intergovernamentais, levou à construção de sistemas nacionais. A construção dos sistemas foi crítica para assegurar a descentralização da implementação, a expansão e a universalização do acesso, o estabelecimento de padrões mínimos em todo o território nacional e a coordenação da implementação das políticas (BICHIR; SIMONI JUNIOR; PEREIRA, 2020; FRANZESE; ABRUCIO, 2013).

O tema da coordenação federativa na educação ganhou destaque com o desenvolvimento de mecanismos para reduzir a heterogeneidade nas políticas subnacionais, induzindo, por exemplo, a implementação de determinadas diretrizes e programas (MACHADO; PALOTTI, 2015; SOUZA, 2019). Esses mecanismos passaram a ser desenhados a partir da década de 1990, com reformas introduzidas à Constituição, o que contribuiu para minimizar os efeitos dispersos do desenho federativo e trouxe aos entes subnacionais maiores responsabilidades pela garantia da política de educação.

Essas mudanças ocorreram com o fortalecimento do papel coordenador do Governo Federal. Elas envolveram a criação de mecanismos para redistribuição de recursos (como, por exemplo, o antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, hoje Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb) e de indução financeira para adesão de determinados programas e o estabelecimento de diretrizes e regulamentações nacionais, além da criação de sistemas nacionais de avaliação da educação (como a Prova Brasil e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb) (SEGATTO; ABRUCIO, 2016).

Os primeiros mecanismos que estruturam essas mudanças foram a Emenda Constitucional Nº 14, de 12 de setembro de 1996 (BRASIL, 1996a), e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 - Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro (BRASIL, 1996b), que aumentaram a clareza das competências sobre as etapas de ensino, reservando aos municípios atuação prioritária na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Aos estados e ao Distrito Federal, ficou reservada a atenção ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio; e à União, a prioridade na oferta do Ensino Superior (SEGATTO; ABRUCIO, 2016).

No caso da Emenda Constitucional Nº 14/1996 (BRASIL, 1996a), houve a criação do Fundef, que passou a redistribuir recursos segundo o número de matrícula do Ensino Fundamental, o que foi essencial para a universalização dessa etapa de ensino. O Fundef foi substituído, em 2006, pela Emenda Constitucional Nº 53, de 19 de dezembro (BRASIL, 2006), que criou o Fundeb, ampliando a redistribuição para toda a Educação Básica (GOMES, 2019; SOARES; MACHADO, 2018).

Assim, é reconhecido de modo consensual que esses mecanismos de coordenação nacional buscam reduzir as desigualdades entre as regiões e entre os níveis de governo, elemento presente nas federações com maiores disparidades econômicas e sociais, como no caso do Brasil (SEGATTO; ABRUCIO, 2016). Ademais, é possível afirmar que:

Tal coordenação pode resultar de constrangimentos legais, incentivos financeiros ou parcerias que produzam convergência na direção de tais escolhas, seja no sentido de realizar objetivos fixados no plano nacional, seja de eliminar irracionalidades decorrentes da superposição ou da inexistência de iniciativas. (MACHADO; PALOTTI, 2015, p. 62).

A coordenação é um dos elementos que dão materialidade ao modelo cooperativo, definido pela Constituição Federal de 1988 (MACHADO; PALOTTI, 2015; SOUZA, 2019). Tendo em vista que a descentralização administrativa presente no desenho institucional do federalismo brasileiro definiu competências compartilhadas dos entes, mas não definiu claramente as formas de cooperação entre eles, caberia a criação de mecanismos de cooperação à legislação complementar com “[...] o detalhamento das atribuições e a definição das formas de cooperação entre os três níveis de governo” (SOARES; MACHADO, 2018, p. 87).

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 211, a cooperação entre os níveis de governo na educação, nomeada como regime de colaboração, deveria ocorrer com a pactuação entre entes federativos, com o objetivo de melhorar a qualidade da política e evitar ações desarticuladas ou conflitantes (BRASIL, 2016). No entanto, destaca-se que, no caso do Ensino Fundamental, o regime de colaboração também se refere à existência de uma duplicidade de redes de ensino estaduais e municipais na oferta de matrículas (CURY, 2008). Contudo, a Constituição Federal de 1988 não previu que o regime de colaboração se daria por organização de um “sistema único” como nas outras políticas sociais universais anteriormente citadas, já que os entes federados poderiam aprovar normas complementares para a organização de sistemas próprios.

A educação, diversamente da saúde e assistência social1, não transformou o desenho complexo de compartilhamento de responsabilidades entre as esferas de governo. A definição constitucional que definiu que a “[...] União, estados e municípios, em regime de colaboração, organizariam os ‘seus’ sistemas de ensino” (MACHADO; PALOTTI, 2015, p. 65) não se materializou nas décadas seguintes. Nesse sentido, o modelo mais cooperativo proposto pela Constituição não se concretizou de imediato. Ao contrário, na ausência de mecanismos que favorecessem e induzissem a coordenação e a cooperação, prevaleceu uma descentralização centrífuga e desorganizada com conflitos entre os entes, inviabilizando, por exemplo, a universalização do Ensino Fundamental (ABRUCIO; SEGATTO, 2014).

Nessa política, houve a criação de apenas uma arena intergovernamental de pactuação, a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica, com um representante do Ministério da Educação (MEC) e cinco representantes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), limitada a tratar de aspectos operacionais específicos do Fundeb, conforme determina a Lei No 11.494, de 20 de junho de 2007 (BRASIL, 2007).

A necessidade da regulamentação de um sistema nacional foi historicamente reconhecida por militantes, acadêmicos e, inclusive, pelo Legislativo Federal (LICIO; PONTES, 2020). Um exemplo é a determinação de sua criação no atual Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 2014 a 2024 - Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014). Assim, cabe ressaltar que, embora as ações desenvolvidas ao longo dos anos tenham logrado fortalecer a coordenação federativa do ponto de vista da formulação e do financiamento da educação pelo Governo Federal, a ausência de um sistema nacional com mecanismos de coordenação federativa no pós-Constituição provocou um “projeto inacabado” na política nacional de educação. Efeitos disso incluem a falta de alinhamento entre os planos de educação nos estados, no Distrito Federal e nos municípios, e, ainda, a produção de diferentes resultados e respostas dos entes subnacionais no que tange a sua implementação (COSTA, 2010; LICIO; PONTES, 2020).

Em resumo, pode-se argumentar que a inexistência de um sistema nacional, incluindo a falta de normatização do regime de colaboração, implicou, ao longo do tempo, a ausência de esforços institucionalizados comuns para implementar as políticas, regionalizar as responsabilidades e distribuir as competências, criando assim uma

[...] grave fragilidade na regulamentação das atribuições e responsabilidades dos entes, o que pode ser ilustrado pela competição entre redes de ensino por matrículas dentro de um mesmo território para garantir financiamento. Em segundo lugar, a ausência de pactuação: não temos espaços instituídos para tomada de decisão de forma conjunta, de modo a termos situações nas quais uma dada rede estadual tem um calendário escolar e as redes municipais, outro. (LACERDA; MARQUES, 2019, p. 1).

Em suma, institucionalizar regras comuns de cooperação seria um elemento necessário para garantir a coordenação entre os sistemas de ensino, tendo em vista o caráter dual das redes no Brasil (SEGATTO; ABRUCIO, 2016) bem como para lidar com outros desafios educacionais, que envolvem pactuações e consensos nacionais e regionais. Esses desafios, altamente aprofundados durante a pandemia ocasionada pela covid-19, influenciam o debate sobre as desigualdades e revelam a importância do tema.

Embora haja um consenso sobre a necessidade de maior coordenação federativa, de acordo com a literatura, a pauta sobre a regulamentação do SNE não foi consensual ao longo do tempo. Há diferentes perspectivas sobre a instituição e a organização desse sistema pelos atores políticos. Nesse ínterim, o tema esteve presente na agenda governamental com a tramitação de, pelo menos, oito Projetos de Lei Complementar. No plano do Executivo, o tema esteve presente como pauta fixa da Secretaria de Articulação dos Sistemas de Ensino (SASE), do Ministério da Educação (MEC), com uma série de propostas para a regulamentação do SNE. Do ponto de vista do debate e da pressão feita pela sociedade civil, o SNE foi objeto de discussão nas Conferências Nacionais de Educação (Conae) dos anos de 2010, 2014 e 2018 (NOGUEIRA; VIEIRA, 2021).

Em suma, embora a previsão do regime de colaboração estivesse presente na Constituição Federal de 1988 e em outros dispositivos legais, como a LBD e o PNE, o SNE segue em tramitação no Congresso desde 2022, ano que marca o início da votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019.

A trajetória do SNE

A ideia de um SNE apareceu pela primeira vez no debate público com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 19322. Esse documento foi elaborado por um conjunto de especialistas e intelectuais e tinha como bandeira reivindicar a educação pública e gratuita, além da instituição de um sistema que pudesse reduzir as desigualdades educacionais e articular os entes federativos para garantir a oferta de uma educação de qualidade em todo território nacional (ABRUCIO; SEGATTO, 2014).

Embora importante para a relevância histórica da política de educação brasileira, as reivindicações bem como o arranjo federativo proposto no Manifesto não se efetivaram. A trajetória da política até a década de 1990 foi marcada por uma fraca coordenação nacional. A ideia de reformar a educação só apareceu com força novamente no debate público na Assembleia Constituinte. Nesse momento, de um lado, a Constituição determinou a União como responsável pela normatização nacional e assistência técnica e financeira a estados e municípios. De outro, a Constituição fortaleceu a descentralização da oferta e deu maior centralidade aos municípios na oferta da política, o que foi influenciado pelo movimento municipalista. Para equilibrar esses dois momentos, a Constituição também definiu como diretriz central o regime de colaboração, buscando assegurar a universalização do acesso, especialmente do Ensino Fundamental.3

O SNE surgiu como pauta na formulação da LDB. Entre os projetos de lei que tramitaram na Câmara dos Deputados, o SNE apareceu como central para superar dois desafios educacionais, que seriam: o de universalizar a Educação Básica e de garantir um padrão de qualidade do ensino. As diferentes propostas da LBD incluíam outros parâmetros importantes, como a distribuição das competências dos entes pela oferta das etapas e níveis de ensino, a criação de um Conselho Nacional de Educação (CNE) e a inserção do componente da participação (LICIO; PONTES, 2020).

No que diz respeito à coordenação e à cooperação federativa, o projeto da LDB aprovado na Câmara titulou a seção sobre o SNE de “organização da educação brasileira”. As mudanças promovidas no texto pela Câmara e pelo Senado resultaram em uma redação enxuta, que se limitou a tratar do conjunto das instituições que ficariam sob responsabilidade de cada ente federado. Entretanto, cabe ressaltar que foram os instrumentos e as políticas públicas adotados desde então, especialmente o forte papel coordenador da União, que contribuíram para avanços significativos na oferta educacional, resultando, por exemplo, na universalização do Ensino Fundamental na primeira década dos anos 2000 (ARRETCHE, 2015; LICIO; PONTES, 2020).

Em 2009, a Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de 2009 (BRASIL, 2009), alterou, entre outros tópicos, o texto dos Arts. 211 e 214 da Constituição Federal de 1988, introduzindo o SNE na redação e reservando sua previsão para o Plano Nacional. Nesse sentido, embora tenha sido desarticulada na LDB, a pauta sobre o SNE não deixou de fazer parte do debate público, aparecendo novamente com fôlego em 2010, na Conae, incluindo, assim, a participação de atores da sociedade civil, do setor privado e das três esferas de governo. As discussões ali realizadas fundamentaram a aprovação do PNE em 2014, documento que determina a articulação do SNE e a definição de metas e de estratégias nacionais para a educação ao longo de dez anos (LICIO; PONTES, 2020).

Em 2011, foi criada a SASE, que, no plano do Executivo nacional, era responsável por instituir efetivamente o SNE. A sua criação deu-se em função da pressão realizada pela Conae no ano anterior, que apontou o MEC como órgão responsável pela coordenação do trabalho para instituir o SNE. Assim, o objetivo da SASE era desenvolver ações de articulação bem como o fortalecimento de consensos sobre o tema (BRASIL, 2018).

Pode-se dizer que o período entre a redemocratização e a aprovação do PNE estabeleceu a consolidação legal e normativa do SNE. Em seguida, iniciou-se um processo de amadurecimento, de ampliação e de qualificação do debate sobre o sistema nacional, que ocorreu, especialmente a partir de 2014, com a tramitação de diversos Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e no Senado (MARQUES; SOARES, 2021).

O SNE foi amplamente debatido na agenda governamental, por meio de previsões e de consolidações normativas, assim como pelo debate de diferentes atores (nas conferências nacionais, por exemplo) reivindicando a sua formulação. A promulgação da Lei No 13.005/2014, que instituiu o PNE e determinou a criação de um sistema nacional visando articular a cooperação federativa na educação (BRASIL, 2014), marcou, na sequência, o processo de amadurecimento, de ampliação e de qualificação do debate sobre o sistema nacional e a sua formulação. Esse amadurecimento ocorreu com a tramitação de diversos Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e no Senado, funcionando como um momento de abertura de uma janela de oportunidades para a inserção do tema na agenda decisória (KINGDON, 2006; MARQUES; SOARES, 2021) e como um mecanismo de dependência da trajetória (PIERSON, 2000), em que as determinações do PNE afetaram a discussão sobre o SNE.

O primeiro PLP que trata do tema foi apresentado na Câmara em 2011 (PLP 154), ainda no calor do debate intensificado pela Conae de 2010. O texto, de autoria do deputado Felipe Bornier, do Partido Humanista da Solidariedade do Rio de Janeiro (PHS/RJ), foi arquivado com a justificativa5 de não abordar, especificamente, o tema da cooperação de que trata o Art. 23 da Constituição Federal de 1988, mas tinha como teor as finanças públicas e as transferências de recursos. Posteriormente, o projeto foi apensado ao PLP 413/2014 de autoria do deputado Ságuas Moraes, do Partido dos Trabalhadores de Mato Grosso (PT/MT), e visava responder especificamente às disposições do Art. 23 da Constituição Federal de 1988, ou seja, da cooperação federativa (BRASIL, 2019a).

Nesse momento, a discussão sobre o tema estava sendo acelerada em função da aprovação do PNE, porém, do ponto de vista da tramitação do texto, foram realizados sucessivos arquivamentos e desarquivamentos. Nesse ínterim, a pauta não evoluiu e o PLP 413/2014 foi apensado ao PLP 448/2017 de autoria do deputado Giuseppe Vecci, do Partido da Social Democracia Brasileira de Goiás (PSDB/GO) (BRASIL, 2019a).

Em 2019, três projetos foram propostos na Câmara. O primeiro, o PLP 25/2019, de autoria da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, do Democratas de Tocantins (DEM/TO), foi apresentado no plenário em fevereiro daquele ano e, no mês de agosto, apensado ao PLP 235/2019. O segundo, o PLP 47/2019, de autoria do Deputado Pedro Cunha Lima, do PSDB da Paraíba (PB), foi apensado, ainda no mês de março, ao PLP 25/2019. O terceiro também foi a ele apensado, o PLP 216, de autoria da Professora Rosa Neide, do PT/MT. Por fim, no ano de 2020, o PLP 267, de autoria da deputada Rose Modesto, do PSDB de Mato Grosso do Sul (MS), também foi apensado à proposta da deputada Dorinha Seabra Rezende, que, finalmente, foi apensada ao projeto que teve a primeira votação no Senado em março de 2022, o PLP 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns, da Rede Sustentabilidade do Paraná (REDE/PR) (BRASIL, 2019a). O Quadro 1, traz um resumo do histórico desses Projetos de Lei e suas ementas.

Com exceção daquele PLP apresentado em 2011, todos os textos seguintes visavam instituir o SNE ou regulamentar o chamado regime de colaboração por meio da cooperação federativa, nos termos do Art. 23, parágrafo único, e do Art. 211 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2016). Embora apresentassem similaridades, ao longo do tempo, as propostas divergiram sobre o desenho que deveria ser adotado para o SNE.

Quadro 1 Apresentação dos Projetos de Lei Complementar propostos no âmbito do Legislativo 

PLP Autoria Ementa Situação
15/2011 Felipe Bornier (PHS/RJ) Estabelece normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com relação à responsabilidade na gestão pública da educação escolar brasileira. Apensado ao PLP 413/2014
413/2014 Ságuas Moraes (PT/MT) Visa responder especificamente às disposições do artigo 23 da Constituição Federal, acelerada, agora, pela recente sanção da Lei no 13.005/2014 que estabelece o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Apensado ao PLP 448/2017
448/2017 Giuseppe Vecci (PSDB/GO) Regulamenta a cooperação federativa na área da educação, com base no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de Educação - SNE, em regime de cooperação e colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio dos seus Sistemas de Ensino, com fundamento nos artigos 211 e 214 da Constituição Federal, considerando ainda os princípios da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, e da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, do Plano Nacional de Educação. Apensado ao PLP 413/2014
25/2019 Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO) Institui o Sistema Nacional de Educação (SNE), fixando normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas políticas, programas e ações educacionais, em regime de colaboração, nos termos do inciso V do caput e do parágrafo único do art. 23, do art. 211 e do art. 214 da Constituição Federal. Apensado ao PLP 235/2019
47/2019 Pedro Cunha Lima (PSDB/PB) Dispõe sobre instrumento de cooperação federativa para transferência à União de competências educacionais de Estados, Distrito Federal e Municípios. Apensado ao PLP 25/2019
216/2019 Professora Rosa Neide (PT/MT) Regulamenta o parágrafo único do art. 23 da Constituição, institui o Sistema Nacional de Educação e fixa normas da cooperação federativa entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, entre os estados e os seus municípios, para garantir a educação como direito social, e para cumprir o disposto no Plano Nacional de Educação - PNE e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Apensado ao PLP 25/2019
267/2020 Rose Modesto (PSDB/MS) Fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas políticas educacionais, em regime de colaboração, e institui o Sistema Nacional de Educação (SNE), nos termos do inciso V do caput do parágrafo único do art. 23, do art. 211 e do art. 214 da Constituição Federal. Apensado ao PLP 25/2019
235/2019 Flávio Arns (REDE/PR) Institui o Sistema Nacional de Educação, nos termos do art. 23, parágrafo único, e do art. 211 da Constituição Federal. Aprovado no Plenário do Senado; remetido à Câmara dos Deputados

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da Câmara dos Deputados sobre o PLP 235/20196.

Outros projetos foram propostos pelo Executivo, tanto pela SASE e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do próprio MEC, como também pelo Fórum Nacional de Educação (FNE). Esses projetos foram divulgados a partir de 2015, e o conteúdo relativo a essas propostas foi considerado naqueles projetos anteriormente citados. Dada a extensão do tema, cabe apenas ressaltar que as propostas apresentavam objetivos convergentes, quais sejam: reduzir desigualdades regionais; melhorar a qualidade da educação; ampliar a cooperação entre os entes; e valorizar os profissionais do Magistério. No entanto, os projetos traziam visões singulares sobre como operar o regime de colaboração e a cooperação federativa (LICIO; PONTES, 2020).

Por fim, cabe resumir que o PLP 235/2019 tem por alguns de seus objetivos: a universalização do acesso à Educação Básica; a erradicação do analfabetismo; o fortalecimento de mecanismos redistributivos; a articulação entre redes, etapas e modalidades de ensino; a garantia do cumprimento dos planos de educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (BRASIL, 2019b). Esse PLP retoma algumas das ideias propostas pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, como o modelo descentralizado de provisão com forte coordenação nacional, reforçando os argumentos da literatura de que determinadas ideias são mobilizadas pelos atores para promover mudanças nas políticas (BÉLAND; COX, 2010). Destaca-se que esse PLP foi aprovado em 2022 no Plenário do Senado Federal e seguiu para votação na Câmara dos Deputados.

A importância da regulamentação do SNE

Ainda que tenha havido uma trajetória anterior de fortalecimento da coordenação nacional, a política educacional brasileira é altamente descentralizada, o que dificultou a construção de consensos em torno do SNE. Há ainda outra especificidade: no caso da educação, o SNE deverá ser organizado como um “sistema de sistemas”, já que a educação já possui os seus sistemas locais de redes de ensino. Nesse contexto, o sistema atuaria “[...] reunindo e coordenando em um ambiente comum de diálogo todos os sistemas de ensino e articulando os diferentes níveis, contribuindo para uma gestão mais eficiente da política educacional em todo o Brasil, com equidade de oportunidades de acesso e permanência estudantil” (MARQUES; SOARES, 2021, p. 9).

Dada a sua complexidade, o aspecto mais caro para a definição dessa política foi o estabelecimento de consensos sobre como ela deveria ser organizada. Não à toa, o tema ficou, por um lado, presente na agenda pública com a tramitação no Congresso de, pelo menos, oito Projetos de Lei. Por outro lado, as tramitações e os debates sobre o tema trazem, em comum, pontos estruturantes da organização SNE, como uma “[...] definição clara de atribuições dos entes federados; a instituição de comissões intergestoras tripartite e bipartites; a adoção de padrões nacionais de qualidade e a importância da avaliação; o papel e as atribuições dos conselhos de educação; a dimensão de participação social e o accountability” (MARQUES; SOARES, 2021, p. 16).

A construção dos sistemas na saúde e, em seguida, da assistência social, considerados bem-sucedidos, influenciaram a consolidação do debate sobre o SNE, sua importância e seus efeitos para reduzir desigualdades de acesso e de qualidade. Assim, a discussão sobre o SNE foi influenciada não somente pelos mecanismos de coordenação federativa já presentes na política, mas pelas características dos sistemas já existentes.

De maneira semelhante aos outros sistemas, o SNE inclui definições sobre as competências dos entes federados e a pactuação, em que estão previstos mecanismos de indução financeira. Do ponto de vista dos avanços administrativos e pedagógicos, a existência de um sistema nacional possibilita o intercâmbio de boas experiências e boas práticas educacionais. Em relação à governança, o sistema orienta a construção de uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa e aborda o aspecto da gestão democrática: estão previstas a ampla participação e o controle social, bem como a coesão normativa entre os Conselhos de Educação (MARQUES; SOARES, 2021).

O SNE também se inspira na criação das comissões intergestoras bipartite e tripartite, espaços dedicados à pactuação em que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão estabelecer acordos de como se dará a cooperação na oferta e implementação das políticas educacionais. Esses espaços de articulação devem orientar e facilitar a tomada de decisão dos gestores, evitando a sobreposição de esforços, lacuna e jogos de empurra-empurra. Em suma, há uma expectativa de que organizar a educação a partir de uma lógica de sistema proporciona “[...] maior entrelaçamento das relações intergovernamentais, na qual o atual modelo de gestão independente das redes estaduais e municipais de ensino, e a coordenação hierarquizada por parte da União, cederiam espaço para uma articulação mais negociada entre os entes” (LICIO; PONTES, 2020, p. 324).

Assim, essa organização é entendida como um passo na governança da educação, uma vez que garante a indução do regime de colaboração com a criação de instrumentos para medir a qualidade e a accountability, de modo a possibilitar que objetivos e metas comuns sejam alcançados. Um dos atuais desafios do atual governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2023-2026) é, portanto, liderar a estruturação das políticas nacionais e mobilizar a discussão e a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados.

Considerações finais

O fortalecimento da coordenação nacional, iniciado na segunda metade da década de 1990, possibilitou avanços importantes para a construção de políticas nacionais, o estabelecimento de padrões mínimos na provisão da política e a coordenação das relações entre os entes. A partir desse movimento, é que o debate sobre as estratégias de governança e a regulamentação dos mecanismos de coordenação e de cooperação federativa ganharam centralidade, entendidos como fundamentais para o desenvolvimento da educação e a melhoria da oferta baseada na equidade.

Este artigo buscou argumentar que, apesar da importância do papel coordenador e redistributivo da União ao longo dos últimos anos, a criação de um sistema para regulamentar a atribuição dos entes frente à implementação das políticas educacionais foi historicamente reconhecida, especialmente a partir de 2014 com a promulgação do PNE. Os sistemas nacionais de políticas públicas integram um importante papel no desenvolvimento de ações pactuadas entre os entes de uma federação. Nesse sentido, o SNE, se instituído, deverá organizar os sistemas locais de ensino, com o intuito de promover maior coordenação por parte da União bem como a cooperação entre os três níveis de governo.

A breve descrição das competências e responsabilidades dos entes desvelam uma relação imbricada e complexa dos arranjos federativos, pois, apesar de todos os mecanismos criados nos últimos anos, os governos subnacionais ainda possuem capacidades desiguais de planejamento e de implementação das políticas educacionais. Nesse sentido, é importante ressaltar a reivindicação da sociedade civil que impulsionou a consolidação de marcos regulatórios para a articulação do SNE. A atuação de múltiplos atores no debate sobre o tema foi reconhecidamente importante para a formulação do Projeto de Lei que segue em pauta, embora a temática não seja trivial e a falta de consenso sobre como a política deve ser organizada arrasta a discussão a passos lentos.

Por fim, o histórico da política educacional e a permanência de desigualdades na sua implementação revelam a importância de um sistema nacional, de modo a convergir esforços dos governos no que diz respeito a resolver a dualidade das redes de ensino, bem como as competências concorrentes por meio da pactuação e do desenho tripartite das comissões intergestoras.

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* O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Brasil - código de financiamento 001.

1Essas políticas possuem modelos semelhantes de distribuição de responsabilidade entre as esferas de governo (MACHADO; PALOTTI, 2015).

2Disponível em: https://www.histedbr.fe.unicamp.br/pf-histedbr/manifesto_1932.pdf. Acesso em: 25 maio 2023.

3De acordo com Abrucio e Segatto (2014), essa foi a única política social em que a Constituição Federal de 1988 previu o chamado regime de colaboração entre as três esferas de governo, motivada, entre outros fatores, pelo compartilhamento de competências dos entes subnacionais na oferta do Ensino Fundamental, em outras palavras, pela duplicidade de redes.

4Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=492957. Acesso em: 24 maio 2023.

5O relator do referido projeto era o deputado Sebastião Bala Rocha do Partido Democrático Trabalhista do Amapá (PDT/AP).

6Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2318217. Acesso em: 24 maio 2023.

Recebido: 10 de Janeiro de 2023; Revisado: 02 de Maio de 2023; Aceito: 04 de Maio de 2023; Publicado: 01 de Junho de 2023

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