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Práxis Educativa

Print version ISSN 1809-4031On-line version ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub Jan 20, 2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.20959.008 

Seção Temática: Perspectivas psicossociais sobre a educação no período pandêmico

Reconhecimento profissional do trabalho docente na visão de professores da Educação Básica em tempos de pandemia*

Professional recognition of the teaching work through the point of view of Basic Education teachers in times of pandemic

El reconocimiento profesional de la labor docente en la visión de los maestros de Educación Primaria en tiempos de pandemia

**Fundação Carlos Chagas/Universidade Cidade de São Paulo. Doutorado em Educação: Psicologia da Educação.

***Fundação Carlos Chagas/Universidade Cidade de São Paulo. Doutorado em Educação: Psicologia da Educação.

****Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Doutorado em Saúde Pública.

*****Universidade de São Paulo. Doutorado em Educação.


Resumo

Neste artigo, apresenta-se um recorte do estudo Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica realizado em 2020, com o objetivo de compreender como docentes da Educação Básica, no Brasil, desenvolviam suas atividades nas primeiras semanas de isolamento devido à pandemia da covid-19. Aborda-se o reconhecimento profissional do ponto de vista de 14.285 professoras/es. As respostas discursivas a um questionário eletrônico foram processadas com o auxílio dos programas Alceste e NVivo. Considerando o reconhecimento profissional como um processo global que integra uma dimensão avaliativa e uma dimensão de legitimação no contexto do trabalho, as respostas indicaram três eixos: um, ancorado na esperança, associado a expectativas de valorização, sobretudo por parte das famílias; outro, mais pessimista, fundado no descrédito na mudança; e, por fim, um que evidencia a insegurança e a incerteza do contexto atual, composto por textos sobre a (não) valorização do trabalho docente.

Palavras-chave: Covid-19; Reconhecimento profissional; Trabalho docente.

Abstract

In this paper, it is presented a cutoff of the study Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica [School education in times of pandemic in the point of view of teachers of Basic Education] carried out in 2020, with the aim of understanding how teacher of Basic Education in Brazil developed their activities in the first weeks of isolation due to the covid-19 pandemic. Professional recognition from the point of view of 14,285 teachers is addressed. The discursive answers to an electronic questionnaire were processed with the help of the Alceste and NVivo programs. Considering the professional recognition as a global process that integrates an evaluative dimension and a legitimation dimension in the work context, the responses indicated three axes: one anchored in hope, associated with expectations of valorization, especially by the families; another more pessimistic, based on the disbelief in change; and, finally, one that highlights the insecurity and uncertainty of the current context, composed of texts about the (non) valorization of the teaching work

Keywords: Covid-19; Professional recognition; Teaching work.

Resumen

En este artículo se presenta un recorte del estudio Educación escolar en tiempos de pandemia en la visión de los maestros de Educación Primaria realizado en 2020, con el objetivo de comprender cómo docentes de la Educación Primaria, en Brasil, desarrollaban sus actividades en las primeras semanas de aislamiento, debido a la pandemia de la covid-19. Se aborda el reconocimiento profesional desde el punto de vista de 14.285 maestros/as. Las respuestas discursivas a un cuestionario electrónico se procesaron con la ayuda de los programas Alceste y NVivo. Considerando el reconocimiento profesional como un proceso global que integra una dimensión evaluativa y una dimensión de legitimación en el contexto laboral, las respuestas indicaron tres ejes: uno anclado en la esperanza, asociado a expectativas de valorización, especialmente por parte de las familias; otro, más pesimista, basado en la falta de confianza en el cambio; y, finalmente, uno que evidencia la inseguridad y la incertidumbre del contexto actual, compuesto por textos sobre la (no) valorización del trabajo docente.

Palabras clave: Covid-19; Reconocimiento profesional; Trabajo docente.

Situando o ponto de partida

Com a pandemia causada pelo novo coronavírus (covid-19), um número expressivo de escolas no mundo todo teve suas atividades presenciais suspensas. Nesse contexto e com o objetivo de verificar como docentes das redes públicas e privadas do Brasil estavam desenvolvendo suas atividades nas primeiras semanas de isolamento social, o Departamento de Pesquisas Educacionais (DPE) da Fundação Carlos Chagas (FCC), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) - Brasil e com o Itaú Social, realizou o estudo Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica1, que contou com a participação de 14.285 docentes de todo o país.

O referido estudo (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2020) trouxe indícios das profundas modificações no trabalho dos docentes2, uma das categorias profissionais cuja atividade sofreu impactos imediatos com a pandemia, na medida em que o tempo para o desenvolvimento do trabalho remunerado invadiu o tempo destinado à vida privada, movimento especialmente facilitado pela utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação, as TICs.

Cerca de três quartos dos respondentes indicaram que a realização de afazeres domésticos aumentou, assim como cuidar de crianças e de adolescentes (40%). Também a habituação com a tecnologia virtual exigiu esforço extra. Por exemplo, para 80% dos professores, o tempo para preparar e ministrar aulas com as novas ferramentas foi maior, assim como cresceu a quantidade de solicitações para responder e mandar e-mails (91%).

Outra dificuldade se destacou: computadores, celulares e Internet eram de uso coletivo e tinham de ser compartilhados com os familiares que também estavam trabalhando e estudando no domicílio. Por um lado, quase 60% dos participantes do estudo indicaram que dispunham de dois equipamentos de informática e comunicação nas suas casas (celulares, quase totalidade, e laptops, três quartos); por outro lado, para um terço dos respondentes, a conexão de Internet nem sempre esteve disponível. Ao estresse do trabalho docente em domicílio, certamente se acrescentaram as incertezas quanto à manutenção do emprego e da remuneração e ao prosseguimento da carreira profissional.

Considerando esse momento de exceção, este artigo propõe realizar uma discussão acerca do (não) reconhecimento profissional no contexto pandêmico por meio de um recorte dos dados coletados no estudo desenvolvido pela FCC (2020), em que foram analisadas as respostas dos mais de 14.000 participantes da pesquisa à consigna: “Na sua opinião, o momento pelo qual estamos passando vai levar a uma valorização ou a uma desvalorização do trabalho docente? Justifique”.

A respeito, cabe considerar que, embora não seja atual, a discussão teórica sobre o reconhecimento profissional, bastante presente no contexto francês, por exemplo, não encontrou grandes desdobramentos no Brasil, cuja literatura da área de Educação tende a utilizar muito mais os termos valorização/desvalorização para qualificar certos aspectos do trabalho docente. Por exemplo, Gatti, em 2013, já apontava que “[...] a emergência, nas sociedades contemporâneas, das necessidades de reconhecimento social e do senso de injustiça estendem a problemática da valorização dos professores da educação básica para além das questões remuneratórias, embora estas sejam parte importante nesse processo” (GATTI, 2013, p. 109). Diante desse uso semântico, optou-se por utilizar, na consigna, os termos “valorização” e “desvalorização”.

Não obstante, vários são os autores que se consagraram ao estudo do reconhecimento, ora com aproximações, ora com divergências marcantes - de Aristóteles a Hegel, passando por Charles Taylor, Nancy Fraser, Jürgen Habermas, Paul Ricoeur e Axel Honneth, para citar alguns, o que já indica não apenas a polissemia dessa noção, mas também seu potencial heurístico. Problematizada em diferentes esferas (privada, social, política...), a discussão do reconhecimento chegou também ao contexto do trabalho, situando-se, mais especificamente, entre a exigência de conformidade e a necessidade de distinção.

Como produto e processo, o reconhecimento profissional tem se construído em um jogo de tensões entre diferentes tipos de interações e de espaços. De acordo com Brun e Dugas (2005), o ato de reconhecimento necessita ser concebido a partir de uma perspectiva interacional que pressupõe diferentes polos. No entanto, sejam mútuos, unidirecionais ou inexistentes entre as duas partes, o reconhecimento (ou o não reconhecimento) constitui uma forma de mensagem que cada uma das pessoas envolvidas deve enviar para a outra.

Levando em conta o reconhecimento profissional como um processo global que integra uma dimensão avaliativa acerca da atividade efetivamente desenvolvida e uma dimensão de valorização e de legitimação da posição do ator no contexto do trabalho, Jorro (2009) aponta ainda a existência de três formas de reconhecimento profissional: o reconhecimento do gênero profissional, que diz respeito ao uso das regras da profissão e à pertença a uma comunidade profissional; o reconhecimento do estilo profissional, relacionado à identificação do ajustamento a que o profissional recorre para atuar de forma eficaz em uma dada situação; e o reconhecimento do ethos profissional, que marca o distanciamento que o profissional é capaz de manter em sua própria atividade, indicando reflexividade e senso ético.

Dejours (2007, p. 66-67) enfatiza que “[...] o reconhecimento não é sobre ser, mas sobre fazer. É somente na segunda vez que o reconhecimento do fazer, quando obtido, pode ser repatriado no registro do ser pelo próprio sujeito”. Também Brun e Dugas (2005) fazem referência a essa dupla dimensão do reconhecimento profissional ao distinguir quatro formas pelas quais ele se manifesta: o reconhecimento existencial, que diz respeito ao ator social em relação ao outro; o reconhecimento da prática de trabalho, que caracteriza o desempenho da tarefa em si; o reconhecimento do investimento no trabalho realizado; e o reconhecimento dos resultados desse trabalho.

Sem desconsiderar tanto a polissemia do conceito de reconhecimento como a existência de um lastro teórico complexo em distintos campos do saber que recobrem, inclusive, registros sociais diferentes, a intenção, neste artigo, não é a de filiar-se a uma perspectiva teórica acerca do reconhecimento em geral (por exemplo, matriz teórica desenvolvida por Honneth (2009), acerca da luta pelo reconhecimento, versus a perspectiva de Ricoeur (2004), acerca do reconhecimento mútuo), ou mesmo a uma perspectiva do reconhecimento profissional em particular (concepção humanista, ética, a escola da psicodinâmica do trabalho, a abordagem comportamentalista etc.)3. Antes, a intenção é a de transitar entre essas diferentes abordagens, pinçando pistas para compreender o modo pelo qual os professores perceberam a valorização ou a desvalorização do seu trabalho diante das incertezas da pandemia.

Procedimentos metodológicos e análise dos dados

Para a coleta de dados, foi elaborado um questionário eletrônico na plataforma Survey Monkey, contendo 24 perguntas fechadas e duas abertas, com o objetivo de verificar como docentes das redes públicas e privadas de todo o país estavam desenvolvendo suas atividades e conciliando o trabalho profissional com a vida privada. O período de coleta foi de 30 de abril a 10 de maio de 2020.

As respostas à consigna “Na sua opinião, o momento pelo qual estamos passando vai levar a uma valorização ou a uma desvalorização do trabalho docente? Justifique” foram processadas com o auxílio do programa de análise de estatística textual Alceste (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte) que possibilitou analisar como os participantes da pesquisa estruturaram seu discurso sobre o reconhecimento profissional. Para tanto, foram elaborados dois corpora de textos, um deles com as respostas dos participantes do estado de São Paulo e o outro composto pelas respostas dos participantes das demais unidades integrantes da federação. Tal composição decorreu exclusivamente do volume de material obtido no estado de São Paulo e da capacidade de processamento do programa empregado na análise. Em outros termos, diante do expressivo número de participantes para essa análise (N= 14.285 respondentes), não foi possível consolidar os dados em um único corpus textual, uma vez que o software apresentou o limite máximo de processamento para a entrada de 10.000 sujeitos, incluindo suas variáveis sociodemográficas. Assim, foram preparados dois corpora de análises textuais, revisados pela equipe de pesquisadores, de forma a incluir em um corpus textual os respondentes do estado de São Paulo (N= 9.178) e, em outro corpus textual, os respondentes das demais unidades federativas (N= 4.493). Importa notar que foram descartadas as manifestações de 613 participantes (4,2 % do total de respondentes), visto que consistiam apenas em letras ou sinais gráficos.

Cada corpus, considerado como um conjunto isolado, foi processado seguindo os parâmetros definidos previamente pelo programa que realiza a “leitura” do material a ser analisado, montando um dicionário no qual se identifica o vocabulário de maior frequência. O aproveitamento do material analisado foi superior a 90% em ambos os corpora. Em uma segunda etapa, o programa procedeu ao cálculo das matrizes e à classificação de segmentos de textos compostos por sucessões de palavras principais e dimensionadas pelo próprio software, em função da semelhança de conteúdo dos enunciados por meio de uma classificação hierárquica descendente que considera o vocabulário com frequência igual ou superior à média, permitindo a visualização das relações existentes entre as classes resultantes desse procedimento. A partir dessa classificação, o programa gerou um gráfico indicando o número de classes, sua composição e a forma de relação entre elas, de modo a permitir a visualização da estrutura do material analisado.

Desse modo, cada agrupamento de palavras (classes hierárquicas) foi formado a partir dos segmentos de textos processados pelo programa computacional, composto pelas unidades textuais de análise (UCEs), em que cada palavra coocorre com outras palavras em seu contexto de aparecimento. O processamento dessas unidades de texto, considerando as ocorrências em cada classe, possibilitou ao Alceste particionar os corpora a partir da distribuição pelo teste qui-quadrado (X2). Assim, esses dados categóricos, palavras e dados sociodemográficos, foram distribuídos tendo em conta a frequência em que se encontravam associados em cada classe (se as ocorrências de palavras e de variáveis eram significativas ou não em cada conjunto de dados).

Participantes da pesquisa

A Tabela 1 permite visualizar o grau de correspondência do perfil dos participantes da pesquisa com o perfil do universo de docentes brasileiros tendo por base os dados do Censo Escolar de 2019, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep (2020). Se a representatividade por sexo é muito próxima àquela constante dos resultados do Censo Escolar, o mesmo não acontece no que concerne à distribuição por região. Há sobrerrepresentação de respondentes da região Sudeste, em especial do estado de São Paulo. Tal fenômeno decorre do volume de contatos da capital paulista que constavam do mailing da FCC, haja vista a localização da instituição. No entanto, um pareamento entre os resultados do Censo Escolar e os da pesquisa ora relatada pode ser feito se considerado que os participantes do estudo da FCC assinalaram apenas a opção correspondente à etapa de sua maior jornada de trabalho.

Tabela 1 Percentual de respondentes por sexo, variável e região 

Modalidades Pesquisa FCC (%) Censo Escolar (%)
Sexo Masculino 18,9 20,4
Feminino 80,2 79,6
Etapa/modalidade8 EI 12,5 27,1
EF I 28,2 34
EF II 29,1 34,3
EM 23,3 22,9
EP 2 5,9
EJA 2,4 10,5
EE 2,6 56,9
Região Nordeste 14,3 28,1
Norte 2,5 8,7
Centro-oeste 2,5 7,5
Sudeste 74,4 40,3
Sul 6,4 15,2

Fonte:Fundação Carlos Chagas (2020) e Inep (2020).

Legenda: EI = Educação Infantil; EF I = Anos iniciais do Ensino Fundamental; EF II = Anos finais do Ensino Fundamental; EM = Ensino Médio; EP = Educação Profissional; EJA = Educação de Jovens e Adultos; EE = Educação Especial.

Discussão dos resultados

A análise quantitativa realizada com o auxílio do programa Alceste, considerando as cinco regiões brasileiras, possibilitou gerar dois dendrogramas de classes de palavras por hierarquias de associação por similaridade (CHD). Ao agruparem palavras que coocorreram, em seus contextos de aparecimento (UCE), associadas às variáveis sociodemográficas dos participantes de pesquisa, os clusters permitiram organizar de forma estrutural a lógica do discurso em que os professores se posicionaram de maneira favorável, desfavorável ou neutra (por vezes ambígua), sobre suas concepções relacionadas à (des)valorização docente diante do contexto pandêmico provocado pela covid-19.

Análise do corpus “São Paulo”

A análise do léxico (vocabulário) referente ao corpus do estado de São Paulo teve um aproveitamento bastante significativo (perda de 4% dos termos presentes no corpus). Para a formação de cluster, foram processadas 6.299 palavras distintas, agrupadas e reorganizadas a partir da raiz nominal de cada palavra (exemplo: responsáveis e responsabilidade). Coocorrendo, esse conjunto de termos constituiu 8.183 unidades textuais (UCEs), conforme mostra a Figura 1.

Fonte: Os autores.

Observações:

1) (X2) - Valor Qui-Quadrado.

2) UCEs - Unidades de Contexto Elementar (segmentos de texto).

3) % - Do total de UCEs ocorridas no corpus, essa é a percentagem que se encontra nessa classe.

4) Variáveis sociodemográficas:

*temp. - tempo de docência; *período MTN - total dos períodos que leciona Manhã, Tarde e Noite; *carga/h - carga/horária; NI - não informado.

Figura 1 Dendrograma das classes de palavras por hierarquia de similaridade, análise do corpus textual do estado de São Paulo4 

O particionamento do corpus do estado de São Paulo constituiu cluster formado por três classes hierárquicas por coocorrência de palavras em seu contexto de aparecimento (UCEs). A Classe 1, com 12,98% das unidades de análise, compõe a classe mais isolada do corpus contendo relatos, em sua grande maioria, que expressam posicionamentos indefinidos (por exemplo: “não sei informar”), falas sobre a impossibilidade de o professor se posicionar ou falas não específicas sobre como os professores atribuem sentidos à valorização docente. Como é possível perceber nos seguintes excertos: “Não sei dizer. É tudo muito recente e incerto. Até o momento, sinto que há grande colaboração por parte da equipe de professor, coordenadores e direção” (tempo de docência maior que 15 anos, período MTN, carga horária de 31 a 40 horas); “Não sei informar, só o tempo vai dizer. Não sei dizer. Não consigo avaliar esse episódio” (tempo de docência de até dois anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); e “Não vejo mudanças alguma. A desvalorização vem para além de apenas reconhecimento de trabalho” (tempo de docência de três a cinco anos, período M, carga horária de 31 a 40 horas).

Na Classe 2, as unidades de análise (32,74% do corpus textual analisado) destacam posicionamentos favoráveis à valorização dos docentes que precedem às repercussões no campo educacional advindas da pandemia. Professores, alunos e sobretudo familiares são agentes sociais que se interligam em uma rotina de atividades com interesses comuns no anseio da aprendizagem. O ensinar, como papel social direcionado ao professor, em seu espaço de atuação e tempo dedicado, esteve presente em relatos que exaltam a importância do docente, mas pela falta que ele faz. Para os participantes da pesquisa, no isolamento social, as famílias dos discentes passaram a sentir “na pele” a dificuldade de acompanhar as crianças e os adolescentes nas tarefas que são próprias do cotidiano de aprendizagem, como fica claro nos trechos a seguir: “Valorização, pois os pais estão em casa com seus filhos e estão tendo que os ajudar nas lições e tarefas e estão vendo que não é fácil o trabalho do professor” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); “Valorização, pois os pais e responsáveis puderam perceber o quão importante é o papel do professor na sala-de-aula” (tempo de docência de seis a dez anos, período M, carga horária até 20 horas); e “Valorização, porque agora os pais estão sentindo na pele como é difícil orientar seus filhos na aprendizagem” (tempo de docência de seis a dez anos, período M, carga horária de 21 a 30 horas).

Todavia, há uma polissemia quanto a esses relatos em que os termos “valorização” e “pais/famílias” coocorreram nas UCEs. Essa polissemia trouxe aproximações entre as Classes 2 e 3, uma vez que o termo “valorização” foi categorizado a partir de um conjunto bastante expressivo de relatos que qualificaram a importância que o professor tem para as famílias na rotina educacional dos estudantes por acentuarem outros aspectos pelos quais se sentem sem apoio e pouco compreendidos em seu contexto de trabalho. Alguns exemplos da Classe 2 são: “Valorização, porque agora as famílias estão sentindo e vendo como nosso dia a dia é trabalhoso, como nossa preocupação e empenho com a aprendizagem de seus filhos é grande e árdua” (tempo de docência maior que 15 anos, período M, carga horária de até 20 horas); “Valorização. Agora os pais estão sentindo realmente o que nós professores aguentamos em sala de aula” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MTN, carga horária de até 20 horas); e “Valorização. Os pais puderam perceber como é complexo ensinar. Na grande maioria, estão em casa com uma ou duas crianças. O professor fica com 33 a 35 em sala de aula” (tempo de docência de seis a dez anos, período M, carga horária de 31 a 40 horas). Já na Classe 3, alguns exemplos são: “Claramente vai haver uma valorização do nosso trabalho, pelo menos por parte dos pais. Por parte dos políticos, já não vejo essa valorização, nem da parte monetária nem mesmo pela consideração da quantidade de alunos em sala de aula etc.” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); e “Sim. O professor é tão desvalorizado. Não há respeito algum com o professor, mas com esta situação que estamos vivenciando creio que irá haver um reconhecimento que a sala de aula é muito importante” (tempo de docência maior que 15 anos, período T, carga horária maior que 40 horas).

Ainda na Classe 2, a presença de relatos sobre a importância do contato com o professor e o convívio com os demais colegas da escola acrescentou, pela dimensão afetiva, o importante elo que perpassa pelo lugar do ensinar: os vínculos vivenciados por docentes e alunos por meio de suas interações sociais - Algo que, para esses professores, faz-se inerente pelo convívio presencial e no cotidiano da sala de aula. Por exemplo: “Valorização, pois os pais conseguem perceber o quanto é trabalhoso ensinar, o quanto é necessário o convívio com o professor e com outros alunos” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); “Valorização. Os pais estão percebendo o quanto a escola faz falta, o convívio do aluno com seus colegas e professor” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); “Valorização, porque os pais estão se colocando no papel do professor e percebendo a importância da escola e do convívio dos filhos com o ambiente escolar” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); e “Valorização por parte dos pais e alunos, porque estão sentindo falta das aulas presenciais, das explicações do professor na sala de aula” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas).

Na Classe 3, as unidades de análise (54,28% do corpus textual analisado) salientam posicionamentos desfavoráveis à valorização docente. Os relatos trouxeram um conjunto expressivo de UCEs que relacionam a desvalorização do professor à supervalorização das tecnologias de ensino a distância. Para esse grupo de professores, esse alto investimento nas ferramentas tecnológicas voltadas para o ensino a distância, somado à pouca valorização da educação por parte das instituições públicas (“infraestrutura, salários defasados”), tenderia ao enfraquecimento da importância do papel docente e do próprio ensino presencial, como podemos perceber nos seguintes trechos: “Desvalorização, diminuição de investimento no ensino presencial e a crença no ensino por plataformas virtuais” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MN, carga horária de 31 a 40 horas); “Espero muito que valorize, porém acredito que o professor no Brasil acabará sendo mais desvalorizado, pois a tendência em minha opinião seria o estado valorizar a gravação de aulas, e não o trabalho professor propriamente dito” (tempo de docência de seis a dez anos, período M, carga horária de 21 a 30 horas); “Maior desvalorização. O ensino remoto e o ensino a distância só colocarão foco na inutilidade do professor. Melhor um instrutor para centenas de alunos ao mesmo tempo do que uma professora para acompanhar pequenos grupos” (tempo de docência de três a cinco anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); e “Seremos engolidos novamente como aqueles que recebem para ficar em casa ou teremos uma sobrecarga maior de trabalho com a realidade virtual que, em boa parte, vai vir para ficar” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período M, carga horária de 31 a 40 horas).

Ainda assim, vale ressaltar que os relatos pertencentes a um grupo de professores, ainda que diminuto na Classe 3, trouxeram uma particularidade para esse corpus: posicionamentos favoráveis sobre o uso das tecnologias como convite a novas invenções no educar, bem como a segurança de que essas tecnologias acrescentam, não substituindo o lugar do docente. Alguns exemplos são: “Valorização. Estamos nos reinventando e melhorando o que já é atual e usando melhor a tecnologia a nosso favor” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); “[...] com certeza, uma valorização gigantesca. Além de usar do mecanismo de minhas aulas, ainda preciso me virar nos trinta, buscar tutoriais, aprender a lidar com a tecnologia para que meu aluno fique bem servido de informações e de aulas de qualidade com as ferramentas tecnológicas” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); “Valorização, pois o professor nunca será substituído por nenhum tipo de mídia. Ela pode agregar, mas somente isso” (tempo de docência de seis a dez anos, período T, carga horária de 31 a 40 horas); e “Na minha opinião, o momento pelo qual estamos passando vai levar a uma valorização do trabalho do professor. A tecnologia não substitui o professor, acrescenta, mas não substitui” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas).

Outro aspecto de destaque diz respeito à dimensão social. Os professores que contribuíram com relatos para esse conjunto de UCEs não se mostraram otimistas em relação ao apoio da sociedade frente a essa nova conjuntura socioeducacional. Governo, estados, municípios e secretarias foram, em sua grande maioria, apontados como instituições públicas que não valorizam o papel docente, como é possível perceber nos seguintes excertos: “Depende de que forma estamos vistos pela sociedade, pois valorizar o professor nunca teve, muito menos reconhecimento” (tempo de docência de três a cinco anos, período T, carga horária até 20 horas); “Valorização, por ser uma categoria desvalorizada atualmente pela sociedade e como sempre foi pelo governo estadual e municipal” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária até 20h); e “O professor no Brasil não é valorizado, nem pela população e menos ainda pelo governo” (tempo de docência maior que 15 anos, período MTN, carga horária maior que 40 horas).

Análise do corpus “Outros estados”

A análise do léxico (vocabulário), referente ao corpus dos participantes de outros estados brasileiros, teve um aproveitamento de 85%. Significa que, do total, apenas 15% não foi considerado para a formação de cluster. Foram processadas 5.121 palavras distintas. Coocorrendo, esse conjunto de termos constituiu 4.328 unidades textuais (UCEs) (Figura 2).

Fonte: Os autores.

Observações:

1) (X2) - Valor Qui-Quadrado.

2) UCEs - Unidades de Contexto Elementar (segmentos de texto).

3) % - Do total de UCEs ocorridas no corpus, essa é a percentagem que se encontra nessa classe.

Variáveis sociodemográficas: *temp. - tempo de docência; *período MTN - total dos períodos que leciona Manhã, Tarde e Noite; *car/h - carga/horária; NI - não informado.

Figura 2 Dendrograma das classes de palavras por hierarquia de similaridade, análise do corpus textual das demais unidades integrantes da federação (excluído o estado de São Paulo) 

O particionamento do corpus dos demais estados analisados, excetuando-se São Paulo, constituiu um cluster com duas subpartições formando quatro classes hierárquicas por semelhanças de coocorrências de palavras em seu contexto de aparecimento (UCEs). Duas classes estão mais associadas por semelhanças de coocorrência. A Classe 4, com apenas 6,91% das unidades de análise, trouxe relatos associados à dimensão pragmática e expressam majoritariamente posicionamentos pouco definidos, de incertezas quanto às mudanças frente à (des)valorização docente. As respostas indicaram, na concepção dos professores, um panorama social motivado pelas políticas de saneamento e educacionais, ainda prematuras no que concerne às decisões que potencializariam, ou não, qualquer mudança quanto à relevância do docente no cenário da educação brasileira. Alguns exemplos foram: “Nada vai mudar em relação à desvalorização” (tempo de docência maior que 15 anos, período MTN, carga horária de até 20 horas); “Acredito que continue como antes” (tempo de docência maior que 15 anos, período MTN, carga horária de até 20 horas); e “Vai continuar a mesma coisa. O nosso país não é educado” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária maior que 40 horas).

Com maior proximidade por similaridade de coocorrências nas UCEs, as unidades de análise da Classe 2 (42,76% do corpus textual analisado) salientaram a desvalorização do professor, descrita tanto pela supervalorização das tecnologias de ensino a distância durante o período da pandemia, como também pela desvalorização do atual cenário da educação em que as instituições públicas brasileiras não investem em um sistema de políticas governamentais para a melhoria do ensino nas escolas. Isso fica nítido nos seguintes trechos: “[...] por parte do estado, confesso que não espero nada mais que a falácia de sempre, principalmente, por parte do Governo Federal que pode usar esse momento para justificar seu projeto de educação básica a distância, mesmo sabendo que não dará certo” (tempo de docência de até dois anos, período M, carga horária de até 20 horas); “O momento que vivemos será referência para o poder público tornar a educação ainda mais desnecessária e substituível pelo recurso por educação a distância” (tempo de docência maior que 15 anos, período MTN, carga horária de 31 a 40 horas); e “Desvalorização, pois parte das nossas atividades poderão ser colocadas para sistemas de educação a distância e, devido à crise financeira, nossos ajustes salariais em atraso não serão pagos” (tempo de docência de três a cinco anos, período MN, carga horária de 21 a 30 horas).

Somando-se a esses, os relatos da Classe 2 exprimem posicionamentos desfavoráveis à valorização do ensino presencial em relação à insegurança de investimentos por parte do poder público nessa modalidade; em contrapartida, os participantes apontam um amplo investimento na educação a distância, como é possível perceber nos seguintes excertos: “Desvalorização, visto que estamos sendo obrigados a utilizar recursos tecnológicos que podem ter grande alcance, diminuindo a quantidade de turmas, utilizando a mão de obra de um único profissional” (tempo de docência de até dois anos, período T, carga horária de 21 a 30 horas); “Esse tipo de postura acaba por impor uma pressão social sobre profissionais da escola pública que se recusam a aceitar, por exemplo, ensino a distância como alternativa de reposição da carga horária letiva” (tempo de docência maior que 15 anos, período M, carga horária de 31 a 40 horas); e “Desvalorização. O apelo pelo ensino a distância é muito grande. Imagino que o foco fique todo nesse tipo de suporte para as aulas” (tempo de docência de três a cinco anos, período MT, carga horária de até 20 horas).

Na Classe 3 (23,12% do corpus textual analisado), foi possível identificar elementos estruturantes nos relatos das concepções dos professores sobre como compreendem o posicionamento das famílias em relação à valorização de seu trabalho. São posicionamentos contraditórios. Os participantes assinalam a importância que têm frente a um momento em que a família teve seu cotidiano transformado durante a pandemia. Nos relatos, a valorização viria por serem os docentes necessários, imprescindíveis no dia a dia dessas famílias que passaram a orientar a educação de seus filhos em tempo integral. Entretanto, as respostas, em sua grande maioria, limitam essa relevância do papel docente ao caos social em que se encontram todos. As argumentações acabam por ancorar dimensões afetivas e sociais que parecem se traduzir, pelas próprias respostas apresentadas, como um lugar destituído de reconhecimento profissional. Seguem alguns excertos: “Valorização, pois as famílias estão presenciando as reais dificuldades de seus filhos e como é difícil os manter concentrados” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); “Valorização, pois as famílias estão percebendo o quanto é difícil ministrar determinados conteúdos às crianças e aos jovens” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária de 21 a 30 horas); “Espero que haja valorização visto que os pais estão sentindo na pele o que passamos com vários alunos em sala” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MTN, carga horária maior que 40 horas); e “Valorização, pois as famílias estão podendo perceber melhor o quanto é difícil manter os alunos atentos às atividades e que não basta saber o conteúdo abordado, precisa saber como ensinar” (tempo de docência de seis a dez anos, período M, carga horária de 21 a 30 horas).

Contudo, essa ambivalência não se aplica aos estudantes. Na Classe 1 (27,21% do corpus textual analisado) prevaleceram unidades de análise com posicionamentos bastante favoráveis ao papel docente. Esse posicionamento foi observado frente às argumentações em relação às famílias, mas foi pelo maior número de referências aos alunos, principalmente pela necessidade da sua presença e do seu contato durante o processo ensino-aprendizagem, que os professores exprimiram a importância daquilo que fazem: o exercício de ensinar, orientar, educar. Alguns dos trechos foram: “Valorização. Muitos alunos informam que sentem falta da explicação do professor” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); “Valorização. Muitos alunos, principalmente do Ensino Médio, conseguem sentir a importância e a necessidade da presença do professor” (tempo de docência de três a cinco anos, período M, carga horária de até 20 horas); e “Espero que uma valorização, já que sentem a falta da orientação do professor em sala de aula que os alunos sempre pontuam” (tempo de docência maior que 15 anos, período M, carga horária de 31 a 40 horas.Das semelhanças e das particularidades

Em uma análise de aproximações e de distanciamentos das categorias encontradas, não foi possível detectar diversidades discursivas que justifiquem salientar formas de pensar entre os professores do estado de São Paulo e das demais unidades federativas analisadas. Os diferentes corpora apresentaram unidades textuais que ressaltam formas de pensar compartilhadas por esses grupos sociais ancoradas nas dimensões afetivas (vínculo, contato, convívio, paciência), cognitivas (estudo, ensinar, aprendizagem, educação, educação a distância), sociais (instituições públicas, governo, política, escola, casa) e pragmáticas (dia a dia, dificuldades, carga horária, rotina).

A análise qualitativa permitiu realocar as unidades textuais a partir de buscas imersivas, com ênfase na produção de sentidos dos participantes, conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2 Distribuição das categorias temáticas por posicionamentos favoráveis e desfavoráveis quanto à valorização docente no contexto da pandemia da covid-19 

Categorias temáticas sobre os posicionamentos docentes Casos codificados (%)
Valorização 4.418 100,00
Valorização por parte da família 1.754 39,70
Valorização dos professores 1.484 33,59
Valorização por parte dos alunos 710 16,07
Valorização da escola 275 6,22
Valorização por parte da sociedade 162 3,67
Valorização por parte das instituições públicas 33 0,75
Desvalorização 1.306 100,00
Desvalorização do trabalho docente 428 32,77
Desvalorização por parte dos familiares 206 15,77
Desvalorização do espaço escolar e do ensino presencial 170 13,02
Desvalorização pela mudança das relações educacionais com os alunos 169 12,94
Desvalorização pelo aumento desmensurado do ensino a distância 144 11,03
Desvalorização por parte das instituições públicas 107 8,19
Desvalorização por parte da sociedade 82 6,28

Fonte: Os autores com base na Matriz temática via NVivo5.

Com a matriz de codificação confeccionada a partir da análise temático-categorial de um corpus unificado via NVivo, foi possível observar que houve certa proporção nas temáticas que emergiram sobre a valorização e a desvalorização do trabalho docente. Os atores sociais são o centro estruturante das respostas, precedidos pelas justificativas relacionadas à escola. Nessas unidades textuais sobre a instituição, os posicionamentos trouxeram cargas conflitantes, em que foi ressaltada a importância que o ambiente escolar ocupa na rotina da vida educacional dos alunos (e de seus familiares), assim como na diminuição do investimento nesse espaço físico de interações sociais, em função dos novos e acentuados investimentos no ensino a distância.

Com o maior número observado de contribuições analisadas qualitativamente (N=4418), os sentidos atribuídos pelos professores sobre a valorização docente foram relacionados às regiões brasileiras, conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 Categorias temáticas sobre a valorização docente frente à pandemia da covid-19 distribuídas por regiões brasileiras* 

Categorias temáticas Região Sudeste N= 3385 (%) Região
Nordeste
N= 573 (%)
Região Sul

N= 253(%)
Região
Norte N=
101 (%)
Região Centro-
Oeste
N = (106)
Total N

(%)
Valorização pelo Estado, Governo e Secretarias 25 (1) 3 (1) 1 (0) 1 (1) 3 (3) 31 (1)
Valorização por parte da Sociedade 107 (3) 30 (5) 14 (6) 4 (4) 7 (7) 162 (5)
Valorização da escola 204 (6) 42 (7) 19 (8) 4 (4) 6 (6) 275 (8)
Valorização pela importância que possuem para o alunos 566 (17) 92 (16) 27(11) 13 (13) 12 (11) 710 (22)
Valorização por parte da família 1.371 (41) 182 (32) 114 (45) 44 (44) 43 (41) 1.754 (54)
Valorização por parte dos professores 1.112 (33) 224 (39) 78 (31) 35 (35) 35 (33) 1.484 (46)
Total (exclusivo) 3.385 (100) 573 (100) 253 (100) 101 (100) 106 (100) 4.418 (100)

Fonte: Os autores com base na Matriz temática via NVivo.

* O N descrito em cada casela se refere ao número de casos codificados (participantes).

O quadro de distribuição das categorias por frequências absolutas e relativas possibilitou observar a proporcionalidade da distribuição entre as regiões brasileiras. As unidades de análise salientaram maior presença de temáticas de valorização relacionadas aos atores sociais (os próprios professores, pais e alunos) e menor presença de temáticas relacionadas à sociedade e às instituições públicas. Outrossim, há importante diferença entre essas categorias que apresentaram baixa frequência. As distribuições observadas ressaltam que as atribuições sobre valorização e desvalorização em relação à sociedade e às instituições públicas tendem a ser inversamente proporcionais. Foram observadas 162 contribuições sobre a valorização docente por parte da sociedade e 82 contribuições relacionadas à desvalorização (N=162; N=82). No tocante às instituições públicas (governo, estados, municípios, secretarias), foram observadas 33 contribuições sobre a valorização docente por parte da sociedade e 107 contribuições relacionadas à desvalorização (N=33; N=107).

Esse resultado enfatiza como os professores participantes do estudo se consideravam em descrédito frente às instituições públicas. Seguem alguns excertos que ilustram isso: “Desvalorização. O profissional de ensino está fazendo o que pode para direcionar os alunos para que tenham ainda um desenvolvimento em meio à pandemia, e o município não reconhece tirando 50% do nosso salário” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); “Por parte do estado, confesso que não espero nada mais que a falácia de sempre, principalmente, por parte do Governo Federal que pode usar esse momento para justificar seu projeto de Educação Básica a distância, mesmo sabendo que não dará certo” (tempo de docência de até dois anos, período M, carga horária de 21 a 30 horas); “Como tudo nessa vida tem dois lados, essa questão também terá, mas pelo posicionamento do governo atual frente a tudo que seja essencial para os pais sempre prejudica de uma forma ou de outra nossa área, com a pandemia não será diferente” (tempo de docência de até dois anos, período MT, carga horária maior que 40 horas); “Acredito que o estado vai querer optar por esse modelo horroroso, para diminuir ainda mais o investimento em educação” (tempo de docência maior que 15 anos, período M, carga horária de até 20 horas); e “Penso que o trabalho docente vai ser desvalorizado, esse modelo de ferramenta pelo estado promove a desvalorização do trabalho presencial e a precarização da função do magistério” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas).

Cabe ainda destacar uma particularidade presente nos corpora. Uma temática bastante específica emergiu de unidades de análise presentes no estado de São Paulo (N=10), em Pernambuco, Minas Gerais e Amazonas (N=3). Essa categoria foi constituída por respostas sobre a desvalorização docente pelo uso que a máquina pública exerceria para justificar a ampliação do ensino a distância e o desinvestimento na educação presencial, pelos interesses de uma economia liberal e com o apoio empresarial para a privatização do ensino público. Seguem alguns dos trechos: “Penso que este momento atual nos levará a uma grande decadência na educação, pois, se antes a educação já era desvalorizada, pense agora, que tem que organizar a economia do país” (tempo de docência maior que 15 anos, período T, carga horária de 21 a 30 horas); “Desvalorização. A utilização de materiais produzidos por youtubers, por exemplo, pela secretaria do estado de São Paulo é um exemplo disso. Transmitir informações é que vai ser essencial e não interpretar, relacionar” (tempo de docência de seis a dez anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas); “Desvalorização. Substituição pela Tecnologia da Informação e Comunicação e pelos Youtubers. Privatização e sucateamento do ensino presencial. Oportunismo e determinismo tecnológico” (tempo de docência de 11 a 15 anos, período MTN, carga horária de até 20 horas); e “Desvalorização, pois as ações governamentais visam impor o ensino a distância através de empresas educacionais. Assim, querem flexibilizar o currículo e possivelmente aumentar as desigualdades que já são grandes” (tempo de docência maior que 15 anos, período MT, carga horária de 31 a 40 horas).

Considerações finais

Nas respostas dos professores participantes da pesquisa, o período de crise causado pela pandemia não parece possibilitar o surgimento de uma nova figura docente, mas antes dar visibilidade à figura que já existe e que transita entre o reconhecimento “herdado”, percebido pela maioria dos professores como aquém das atividades realizadas, e o reconhecimento desejado. Como afirma Ricoeur (2004), reconhecer é tornar o outro visível. Nesse sentido, os resultados da pesquisa contribuíram para a elaboração, pelo DPE/FCC, de novos projetos que visam a identificar e a compreender a percepção de professores e estudantes acerca da educação escolar em diferentes momentos desse período de exceção, considerando as especificidades de cada etapa/modalidade de ensino oferecidas em escolas públicas e privadas no Brasil.

O conhecimento gerado pretende contribuir para a formulação de respostas educacionais coerentes e equitativas que minimizem os efeitos da pandemia nas oportunidades educacionais de crianças e jovens brasileiros da Educação Básica, mas que ajudem também a pensar o reconhecimento e a valorização profissional dos atores educacionais.

1Integraram o programa de pesquisa os seguintes pesquisadores do DPE/FCC: Adelina Novaes, Adriana Pagaime, Amélia Artes, Cláudia Pimenta, Lúcia Villas Bôas, Marina Nunes, Raquel Valle (estatística), Sandra Unbehaum e Thaís Gava.

2Adotou-se, aqui, o uso dos termos no masculino, considerando as especificidades da língua portuguesa, muito embora eles se refiram igualmente aos demais gêneros.

3A respeito dessas diferentes perspectivas, ver Brun e Dugas (2005).

4CHD constituída a partir do método Alceste.

5Software disponível em: https://www.qsrinternational.com/nvivo-qualitative-data-analysis-software/home. Acesso em: 22 ago. 2022.

Referências

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RICOEUR, P. Parcours de la reconnaissance. Paris: Seuil, 2004. [ Links ]

Recebido: 25 de Agosto de 2022; Revisado: 14 de Outubro de 2022; Aceito: 15 de Outubro de 2022; Publicado: 21 de Outubro de 2022

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Este estudo contou com o apoio da Fundação Carlos Chagas, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) - Brasil e da Fundação Itaú Social.

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