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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 03-Jul-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21399.037 

Seção Temática: Ética em Pesquisa e Integridade Acadêmica em Ciências Humanas e Sociais: atualizando o debate

Ética e investigação em educação: a (in)visibilidade ético-epistemológica das crianças no consentimento informado

Ethics and research in education: the ethical-epistemological (in)visibility of children in the informed consent

Ética e investigación en educación: la (in)visibilidad ético-epistemológica de los niños en el consentimiento informado

Ana Paula da Silveira Simões Pedro* 
http://orcid.org/0000-0002-0179-3589

*Professora da Universidade de Aveiro, Departamento de Educação e Psicologia, Aveiro, Portugal, e doutorada em Ciências da Educação pela mesma Universidade. Possui Licenciatura e Mestrado em Filosofia e Teoria do Conhecimento e Epistemologia pela Universidade Católica de Braga. E-mail: <ana.pedro@ua.pt>.


Resumo

De caráter qualitativo, este texto tem por objetivo essencial analisar, no âmbito da investigação em educação com crianças, a invisibilidade ou a visibilidade ético-epistemológica que lhes é dada. Pretende-se saber qual o modus operandi ético e epistemológico que os adultos, enquanto investigadores, demonstram relativamente às crianças, no que diz respeito a quatro dimensões específicas que se cruzam: 1) consentimento informado; 2) confidencialidade, anonimato e privacidade; 3) relações de poder entre adulto e crianças; 4) autoria da produção do conhecimento. Perante cada um destes aspetos, pretende-se saber se o investigador compreende e assume a sua tarefa fundamental neste processo de profundo questionamento crítico e de reflexividade ético-epistemológica que se impõe, tendo consciência de que não existe uma ética à la carte pronta a aplicar em qualquer circunstância.

Palavras-chave: Ética na investigação; (In)visibilidade ético-epistemológica; Crianças

Abstract

Of qualitative character, this text has as its essential objective to analyze, in the scope of research in education with children, the ethical-epistemological invisibility or visibility that is given to them. It is intended to know what ethical and epistemological modus operandi that adults, as researchers, demonstrate in relation to children, with regard to four specific dimensions that are intersected: 1) informed consent; 2) confidentiality, anonymity and privacy; 3) power relations between adults and children; 4) authorship of knowledge production. Given each of these aspects, it is sought to know if the researcher understands and assumes his/her fundamental task in this process of deep critical questioning and ethical-epistemological reflexivity that are imposed, being aware that there is no à la carte ethics ready to apply in any circumstance.

Keywords: Ethics in research; Ethical-epistemological (in)visibility; Children

Resumen

De carácter cualitativo, este texto tiene como objetivo esencial analizar, en el ámbito de la investigación en educación con niños, la invisibilidad o la visibilidad ético-epistemológica que se les da. Se pretende conocer cuál es el modus operandi ético y epistemológico que los adultos, como investigadores, demuestran en relación a los niños, con respecto a cuatro dimensiones específicas que se cruzan: 1) consentimiento informado; 2) confidencialidad, anonimato y privacidad; 3) relaciones de poder entre adultos y niños; 4) autoría de la producción de conocimiento. Ante cada uno de estos aspectos, se pretende saber si el investigador comprende y asume su tarea fundamental en este proceso de profundo cuestionamiento crítico y de reflexividad ético-epistemológica que se impone, teniendo consciencia de que no existe una ética a la carta lista para aplicar en cualquier circunstancia.

Palabras clave: Ética en la investigación; (In)visibilidad ético-epistemológica; Niños

Introdução

Este artigo tem por objetivo essencial analisar a invisibilidade ou a visibilidade ético-epistemológica que, ao longo do processo da investigação em educação com crianças, lhes é dada. Pretendemos saber qual o modus operandi ético e epistemológico que os adultos, enquanto investigadores, demonstram relativamente às crianças, no que diz respeito a quatro dimensões, em particular, que se entretecem: a) ao consentimento informado: se os adultos, enquanto investigadores, encaram o pedido de consentimento como um processo a ser constantemente renegociado e não como algo linear como um ponto de partida absoluto, em outras palavras, se se tem em consideração que as crianças podem optar por desistir da pesquisa, sempre que assim o desejarem; b) à confidencialidade, ao anonimato e à privacidade que devem ser sempre resguardados em nome do superior interesse da criança: se os espaços onde a recolha de informação decorre são devidamente salvaguardados e protegem efetivamente a privacidade e o anonimato desejados, ou, ainda, se o material recolhido durante o processo de investigação (ex: notas, gravações, filmes, fotografias) protege efetivamente o anonimato e a privacidade da criança; c) às relações de poder entre adulto e crianças, que diz respeito à natureza assimétrica da relação de intersubjetividade que se estabelece entre a criança/participante e o adulto/investigador - se respeitam o seu falar e a sua voz, tendo em consideração a complexidade dos contextos de onde emergem e não realizam simplesmente uma transcrição do que a criança/participante afirma; d) à autoria da produção do conhecimento: se os adultos investigadores reconhecem e salvaguardam a autoria do conhecimento que as crianças vão produzindo em contexto de investigação, respeitando a complexidade de a representar.

Em suma, perante cada um destes aspetos que se interrelacionam, pretendemos saber se o adulto, enquanto investigador, compreende e assume a sua tarefa fundamental neste processo de profundo questionamento crítico e de reflexividade ético-epistemológica que se impõe, tendo consciência de que não existe uma ética à la carte (FERNANDES, 2016) pronta a aplicar em qualquer circunstância.

Deste novo processo, deverá resultar a compreensão de que desenvolver pesquisas eticamente informadas com crianças implica reconhecer a existência de algo mais complexo, em que o investigador é confrontado com novos dilemas éticos e novas responsabilidades. Resulta daqui, naturalmente, o respeito pela criança e pelas suas especificidades, e o facto de esta passar a assumir um espaço de visibilidade e legitimidade ético-epistemológica na investigação tal como lhe é devido, enquanto ator social e sujeito de direitos, competente para formular interpretações nos seus mundos, a partir dos quais se pode construir conhecimento científico relevante.

Mudança de paradigma quanto ao conceito de criança

Antes do final da década de 1990, a criança não possuía qualquer visibilidade ético-epistemológica no âmbito da investigação. A criança era considerada um ser frágil e vulnerável que havia de ser protegida, um ser incompleto e incapaz de se pronunciar com consciência racional acerca dos seus sentimentos, desejos, quereres e pensamentos face aos quais os adultos tomariam a sua voz, representando-a num tom mais maduro e orientando-a não para o que ela desejaria, mas antes para o que seria melhor para ela.

Sob a égide de argumentos falaciosos de tipo paternalista, que tornavam moralmente dispensáveis as opiniões das crianças na construção de conhecimento acerca das suas experiências de vida, considerava-se que estas seriam incapazes de compreender o que é uma investigação e que, por este facto, também seriam naturalmente incapazes de dar o seu consentimento para participar num projeto de investigação, muito menos considerar a sua participação na implementação de algo semelhante. Para além disso, ainda que se pudessem recolher, a título exemplificativo, algumas opiniões manifestadas pelas crianças, em última análise, os seus dados nunca seriam considerados suficientemente confiáveis dada a sua incompletude, vulnerabilidade e imaturidade. Era, pois, comumente aceite que, em nome da sua proteção, as crianças não deveriam participar nas pesquisas. Porém, qualquer um destes argumentos desvaloriza a perspetiva das crianças - precisamente aquelas que se queriam ouvir -, a sua autoria e o papel de ator social, ditando o seu afastamento do processo de pesquisa e tornando-a indevidamente invisível. Deste modo, todo o procedimento de construção de conhecimento da criança ficava inevitavelmente comprometido, votado à ignorância, condenado ao silêncio e à desvalorização dos seus sentimentos e pensamentos em nome de uma determinada moral superprotetora. Com efeito, o estatuto ético da criança na investigação mais correspondia à de um sujeito desconhecido da pesquisa do que à de um participante ativo da mesma (ALDERSON, 2004; FERNANDES; CAPUTO, 2020).

A rutura com este paradigma tradicional de conceção de criança começa a verificar-se com a evolução dos conhecimentos das ciências sociais sobre a infância (sociologia da infância, história da infância, antropologia da criança, psicologia do desenvolvimento) que trazem a debate questões relacionadas com o reconhecimento dos direitos da criança, de acordo com os quais a conceção de criança também se altera, passando esta a ser considerada como:

  • um ator social (JAMES; PROUT, 1997; PROUT, 2010; VAKAOTI, 2009) que, ao invés do paradigma tradicional, não é um ser passivo e inativo como se de um recetáculo do pensamento dos adultos se tratasse;

  • um agente ativo capaz de criar culturas e de se expressar sobre a natureza da sua própria infância (CORSARO, 1997);

  • um ser com competência para produzir interpretações acerca do mundo, contribuindo para o seu melhor conhecimento e compreensão;

  • um sujeito de direitos, segundo os quais a criança deve ser informada, envolvida, consultada e ouvida (BELL, 2008).

Com efeito, de acordo com o Art. 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef):

Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.

[…]. A criança tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração. (UNICEF, 2019, p. 13).

Este novo paradigma, fruto da evolução de um novo olhar construído pelas ciências sociais dos anos de1990, considera as crianças como participantes ativos na investigação e reconhece a sua importância fundamental ao atribuir-lhes o papel de coinvestigadoras nos projetos de investigação (LUNDY; MCEVOY; BYRNE, 2011).

Neste sentido, deixa de ter pertinência que se continuem a realizar investigações sobre crianças e passem a defender-se novos estudos com crianças (ALDERSON, 2000; CORSARO, 2003; PROUT; JAMES, 1990). Assim, “[…] é importante considerar o ponto de vista das crianças nas pesquisas, o que também exige certo abandono do olhar centrado no ponto de vista do adulto” (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 353). Daqui resulta, inevitavelmente, uma alteração ético-metodológica nas relações de pesquisa com crianças que enfatiza a adoção de métodos participativos mais próximos dos seus interesses (MCNAMEE; SEYMOUR, 2012; PROUT; JAMES 1990; TURTLE; MCELEARNEY; SCOTT, 2010) e que priorize efetivamente a sua voz, reconhecendo a sua capacidade para se expressar e produzir interpretações próprias acerca da realidade em que habita, mas também no que aos aspetos da investigação diga respeito (FERNANDES; SOUZA, 2020; MORAN-ELLIS, 2010). Contudo, este processo é acompanhado de algumas tensões e dilemas éticos ao nível da investigação com crianças (CHRISTENSEN; PROUT, 2002; MORROW, 2008; MORROW; RICHARDS, 1996; THOMAS; O’KANE, 1998). É o caso do consentimento informado.

Consentimento e assentimento informado: nem sempre simples nem sempre linear

Contrariamente ao que a maioria dos jovens investigadores possa pensar acerca da questão do consentimento informado na investigação, cujas premissas internacionalmente estabelecidas parecem ser simples e claras na atribuição de papéis distintos aos investigadores, por um lado, e às crianças, por outro lado. Na verdade, esta etapa da investigação está muito longe de assim se caracterizar. Muito embora possam ser evidentes as funções que se espera que cada um deles venha a desempenhar em contexto investigativo, aos primeiros, cabe a seleção da informação essencial do projeto, bem como o(s) modo(s) como esta deve ser partilhada; o enunciar dos principais objetivos, métodos e resultados a atingir com a investigação; a garantia e salvaguarda dos direitos de privacidade, anonimato e confidencialidade dos seus participantes e zelar pelo seu bem-estar; assegurar que o processo de consentimento esteja sempre em aberto, informando que o participante pode desistir em qualquer momento e, ainda, a indicação dos benefícios reais, bem como dos riscos que as crianças poderão vir a receber com a investigação que a elas recorre. Aos segundos, espera-se que a criança aceite participar nos projetos de investigação que a ela são devotados, demonstrando compreensão acerca da informação previamente veiculada; que possa decidir livre e voluntariamente acerca da sua participação sem coerção de qualquer tipo - na verdade, em termos práticos, este processo revela-se extremamente problemático desde a sua origem, sendo um dos assuntos mais debatidos na literatura sobre o tema (ALDERSON; MORROW, 2004, 2011; COCKS, 2006; WILES et al., 2005).

A questão fundamental que se coloca é a seguinte: poderá a criança efetivamente decidir de uma forma autónoma e livre em função do seu entendimento e da sua vontade demonstradas? Quando tal não parece possível, como acontece com o paradigma tradicional que protege a criança da sua própria vontade por a considerar um ser vulnerável e incompetente para o fazer, como acima referimos, será que a situação se altera radicalmente quando os seus representantes legais a representam? De outro modo, até que ponto essa representação respeita autenticamente as suas vontades e quereres quando, como sabemos, não raras vezes, são precisamente esses que deturpam a sua vontade ou, como também acontece, agem contra ela (ex.: quando a criança quer participar no projeto e os pais não a deixam, ou vice-versa)?

Muito embora a representação parental não esteja em causa, pois pode evitar usos e abusos de exposição gratuita do seu modo de ser da criança, parece que, ao não se solicitar essa autorização de consentimento necessária à criança, estamos a contribuir para a destituir de autoria e, portanto, a torná-la invisível. Entretanto, interessaria também saber até que ponto a criança é capaz de contrariar a vontade (instituída) dos adultos quando, na verdade, foi educada numa perspetiva de lhes obedecer, agradar ou de não gorar as expetativas que aquele detém acerca dela? Será que é dado à criança algum esclarecimento explícito ou é tomada alguma iniciativa, por parte dos investigadores, que a relembre que pode desistir do processo de participação no projeto a qualquer momento ou a preocupação da grande maioria destes fica-se apenas pelo consentimento inicial pressionado para conseguir fixar um certo número de participantes sem os quais o seu trabalho não se realizará? Será que é dado à criança algum esclarecimento em como o seu consentimento pode ser constantemente renegociado e renovado, criando com ela mecanismos, se necessário, que lhe permitam abandonar a processo em qualquer momento, sempre que tal se justifique, assim seja essa a sua vontade? Para além disso, a utilização dos termos usados para autorização ou aceitação na participação da investigação também é importante e altamente significativa: por exemplo, no caso das pesquisas com crianças pequenas de 3 anos de idade, não será mais apropriado falar em assentimento do que em consentimento? Tal não invalidaria, no entanto, que outras formas pudessem igualmente ocorrer em que para algumas crianças ou grupos de crianças seja possível utilizar o consentimento e o assentimento ser tomado como algo contínuo na pesquisa com crianças.

Se considerarmos que o consentimento só é válido quando os participantes estão informados sobre, e entendem a natureza, finalidades e, eventualmente, consequências da pesquisa (ALDERSON; MORROW, 2011; GALLAGHER, 2009; LEWIS; LINDSAY, 2000; MASSON, 2004), então, facilmente concluiremos que, no que diz respeito a crianças do pré-escolar1, talvez seja preferível e mais adequado falar de assentimento, em vez de consentimento.

Consideramos que a obtenção de autorização das crianças não se deve cingir à sua mera formalização assente somente no momento inicial da pesquisa, mas deverá requerer, igualmente, que o investigador desenvolva uma espécie de radar ético , como muito bem assinala Skånfors (2009), que seja sensível quanto às diversas formas de expressão que as crianças adotam quando comunicam os seus sentimentos, desejos e quereres expressos sob a forma de assentimento e/ou resistência (COCKS, 2006; GUCZAK; MARCHI, 2021).

Contudo, interpretar o assentimento das crianças é uma questão que se afigura complexa e que suscita algumas interrogações e cuidados de carácter ético que podem assumir a forma de recomendações a que o investigador deve procurar responder para atender ao respeito integral do ser pessoa que a criança representa. É o caso da criança que responde em termos de “sim” ou “não” que torna imperativa a colocação de algumas hipóteses explicativas do seu comportamento, pois ao investigador interessa averiguar a autenticidade da sua decisão. Ao investigador importa saber, por exemplo, se aquela resposta não terá ficado a dever-se mais a uma necessidade da criança em satisfazer os adultos, não se tratando, portanto, de um verdadeiro consentimento. Esta explicação ganhará ainda maior razão de ser, sobretudo se as ações da criança puderem ser interpretadas ao longo do tempo como expressões de querer evitar participar na investigação.

No atendimento aos cuidados ético-metodológicos que o investigador deve desenvolver, recomenda-se ainda que este procure saber se as crianças não se terão sentido internamente obrigadas a participar na investigação por não serem capazes de manifestar abertamente a sua discordância: uma das razões poderá residir no facto de a criança considerar a maioria das atividades escolares obrigatórias ou como trabalho escolar a que há que responder (MORROW; RICHARDS, 1996). Por sua vez, também é preciso estar atento ao facto de que um ato de “não-recusa” pode ser muito diferente de assentir (assenting) como acontece, por exemplo, quando as crianças sentem demasiado medo ou estão demasiado confusas com a complexidade da situação para se afastarem e recusarem participar da investigação que lhes é proposta (ALDERSON; MORROW, 2020; COUTINHO, 2019).

Ao contrário do consentimento, em que é esperado que as crianças sejam capazes de negar ou aceitar livremente a sua participação se assim o entenderem, sem sentirem qualquer tipo de constrangimento ou pressão por essa razão ou outra, o assentimento pressupõe apenas uma certa compreensão do processo de investigação e um desejo de participar (LOVERIDGE, 2010), referindo-se, mais particularmente, a uma aquiescência (COYNE, 2010).

Já no que diz respeito à possível resistência das crianças do pré-escolar à investigação, são conhecidas diferentes formas destas a expressarem, às quais o investigador não deve ficar indiferente: desde a afirmação explícita (ex.: dizerem claramente para a investigadora sair) ao não responder pura e simplesmente, ou, ainda, optarem por se afastar, ou, então, tão somente, ignorarem intencionalmente a presença da investigadora (SKÅNFORS, 2009). Todavia, é bom relembrar, nem sempre estas reações significam necessariamente a sua retirada permanente da investigação, mas podem apenas denotar o exercício de um modo comportamental de agir da criança. Em alguns destes casos, poderá estar em causa uma rejeição temporária da sua participação no processo de investigação, tratando-se, portanto, de um certo tipo de consentimento provisório.

Em suma, por um lado, estes dados tornam evidente que a negociação sobre a natureza da participação das crianças só tem sentido se for (re)negociada permanentemente, ou seja, se for entendida como um processo continuum (ALDERSON, 2014); que o consentimento/assentimento dado pela criança não pode valer apenas para o início da investigação, mas que é preciso estar atenta/o ao que dizem os seus comportamentos ao longo de todo o processo em que este decorre, pelo que o consentimento deve ser constantemente aferido e respeitado. Por outro lado, a obtenção do assentimento das crianças depende claramente da relação de confiança e respeito criada com o/a investigador/a, bem como do conhecimento mais ou menos aprofundado que esta/e tiver delas, o que permitirá colocar um conjunto de hipóteses acerca da natureza desse assentimento e avaliar a sua autenticidade, respeitando, assim, o mais possível a natureza do seu verdadeiro querer.

Percebemos, então, que a ética é construída ao longo de todo o trabalho de campo e que é constituída a par e passo nas relações estabelecidas com as crianças no respeito total da sua alteridade e autoria. Não existe, por isso, qualquer receita moral à la carte pronta a aplicar em toda e qualquer situação. Trata-se, portanto, de um fazer contínuo, de um processo em permanente construção/reflexão ético-moral que deve ocorrer não somente ao longo da investigação, mas antes mesmo desta começar até ao momento posterior à sua finalização (GUILLEMIN; GILLAM, 2004; STOKES, 2020).

Quando as metodologias são participativas como impedir a visibilidade da criança?

Quando a investigação recai sobre metodologias que fazem uso de filmagens em jardins de infância, por exemplo, levantam-se inúmeras questões acerca da eticidade2 de tal ato por parte dos investigadores (CARVALHO, 2019; FLEWITT, 2006; ROBSON, 2011) pela extrema dificuldade que a utilização de tais metodologias representa na proteção do anonimato, da privacidade e da confidencialidade das crianças:

Como fazer uso da tecnologia que resulta na exposição da imagem do participante, desrespeitando a regra do anonimato? Como garantir a proteção da imagem dos participantes, especialmente no caso de crianças (consideradas vulneráveis)? Ou, pelo contrário, […] quais são as perdas tecnológicas quando estas se definem pela não exposição das imagens? Como atuar como pesquisador com este tipo de contradições? (RUTANEN et al., 2018, p. 3, tradução nossa).3

Como agir eticamente e filmá-las [as crianças] em ambientes naturalistas, nas suas vidas privadas? Como contribuir para o avanço do conhecimento, sem desrespeitar a honra e a intimidade dos participantes? Como não expor a intimidade da vida da criança, dos seus companheiros e familiares, se a apresentação da imagem evidencia a aspetos que são pobremente revelados quando se utilizam outros recursos? (RUTANEN et al., 2018, p. 10, tradução nossa).4

É, nesse sentido, que podemos afirmar que o dilema ético entre a participação da criança e a sua proteção constitui um equilíbrio difícil de obter. Um exemplo do que acabamos de afirmar é quando existe autorização dos pais para captação parcial ou total de fotografia das crianças, gravação de imagem ou som: não se deveria solicitar igualmente à criança a sua autorização, na medida em que ela é o sujeito da pesquisa?

No caso específico da captação de imagem parcial, ainda assim, não poderão as crianças ser facilmente identificadas através das imagens recolhidas, tendo em conta indicadores mínimos que permitem reconhecê-las? A questão complica-se quando as crianças não partilham das mesmas preocupações de privacidade e anonimato que o investigador e querem aparecer explicitamente nas filmagens, ou mesmo, quando não prescindem que os seus nomes constem das fotografias movidas por razões culturais (CAPUTO; SANT’ANNA, 2020).

É o interessante caso citado por Fernandes e Caputo (2020) ao referir que:

Para as culturas dos povos africanos, o nome é uma questão de vida ou de morte […]. […] bem como participando de diversos rituais que envolvem o nome, entre eles, a cerimônia do nome (dárúkó) em terreiros brasileiros. As crianças de terreiros no Brasil sabem disso e gostam de dizer seus nomes, sempre carregados com singularidades de suas comunidades. (FERNANDES; CAPUTO, 2020, p. 15).

Qual deverá ser o papel do investigador nestas circunstâncias; não constituirá antes um desrespeito não considerar a autoria(zação) da criança? O dilema ético que aqui se coloca consiste no seguinte:

  1. consentimento dos representantes da criança quanto ao uso parcial da sua imagem (filme/fotografia); problema - como proteger a sua imagem de utilizações futuras menos corretas se ocorrer uma exposição desta nas redes sociais5.

  2. consentimento explícito da criança e um desejo expresso de ver o seu nome associado à sua fotografia na divulgação desta; problema: como permitir veicular livremente a sua identidade - ainda que por razões culturais - sem desrespeitar a sua autorização (vontade) manifesta? Como permitir veicular livremente a sua identidade sabendo, no entanto que, ao proceder deste modo, estamos a expô-la a eventuais utilizações abusivas?

Numa investigação com crianças em creches em que também se pretendia acautelar o anonimato das crianças, optou-se pela seguinte solução:

Como não apagar o rosto dos bebés e garantir que as suas expressões permanecessem visíveis e, ao mesmo tempo, proteger a sua identidade? Para resolver o dilema, a opção da pesquisadora foi […] um recurso técnico, ou seja, a utilização de um filtro nas imagens cujo efeito, de acordo com ela, remete para a ideia da arte de banda desenhada (histórias em quadrinhos). A solução encontrada, ainda que alterando, manteve a expressão das crianças. (FERNANDES; CAPUTO, 2020, p. 13).

Para além desta solução encontrada, podemos ainda considerar que circunstâncias como as acima referidas que assinalam a importância do nome (ex.: cultura africana) poderão transformar-se num momento de aprendizagem por excelência suscitado quer pelos professores quer pelos investigadores quanto aos efeitos e às consequências de exposição da imagem, nomeadamente na sociedade/cultura hodiernas, e pensar juntamente com as crianças em diferentes modos de lidar criticamente com uma sociedade contraditória.

Acrescem ainda questões éticas de autoria e de interpretação quanto ao uso destas metodologias: “Que cuidados devemos ter na interpretação das fotos realizadas por crianças, de modo a evitar uma análise adultocêntrica das mesmas?” (FERNANDES; CAPUTO, 2020, p. 12). Em outras palavras, pretende-se saber em que medida, no caso das fotografias produzidas com as crianças, se estas são ou não fruto de decisões impostas por uma visão particularmente adultocêntrica que, quando não são devidamente questionadas quanto à forma, modo e sentido(s) como as suas imagens deverão ser utilizadas nos respetivos relatórios de investigação, correm o risco de perpetuar a reprodução da invisibilidade epistemológica da criança nos seus trabalhos. Neste sentido, defendemos que a postura do investigador se deve pautar pela escolha de um posicionamento ético ab initio, o qual deve ser devidamente fundamentado nas várias teorias éticas existentes, bem como num conhecimento teórico e prático profundos acerca dos modos de ser da criança, por forma a assegurar a autoria e os direitos desta. Uma maneira de evitar uma visão adultocêntrica poderá passar por criar formas de com ela pensar e decidir acerca do papel e visibilidade que quer ter, do modo como gostaria de aparecer nesses documentos e de que forma considera que é justa, digna e respeitadora de si.

Contudo, nem sempre assim acontece, pois, não raras vezes, assistimos à divulgação de imagens de crianças em eventos pedagógicos, ou à ostentação de imagens que constam de relatórios académicos ou à sua difusão em apresentações de trabalhos de investigação com o intuito de embonecar, de assim chamar a atenção para o seu imenso gosto por crianças ou de provar que se esteve “lá” no local onde as crianças estão, mas sem que estas nunca tenham sido devidamente informadas e, muito menos, lhes tenha sido solicitado consentimento ou aos seus representantes legais para autorização do uso de imagem. Outras vezes, os professores escudam-se na autorização “cega” que é dada pelos pais para que estes não sejam incomodados de cada vez que a situação se apresenta, alheando-se do que acontece. Desta forma, assistimos à circulação de imagens de crianças em redes de informação social sujeitas a uma reprodução descontrolada agravada pelo desconhecimento da pessoa fotografada. Contudo, em nosso entender, o uso das imagens ou de fotografias devia ser sujeito exatamente ao mesmo rigor e cuidado com que vemos serem aplicadas outras medidas para proteger o seu uso e armazenamento (DEVAKUMAR et al., 2013).

A este propósito, coloca-se a questão do destino a dar às imagens recolhidas após a sua utilização, ou, ainda, quando o projeto é finalizado, realidades estas que julgamos serem indevidamente esquecidas e subvalorizadas pela grande maioria dos investigadores que contam com a bonomia ou (des)interesse de todos, esquecendo, porém, os direitos de autoria, privacidade e confidencialidade das crianças.

Estas são, no entanto, questões fundamentais que pretendem saber a quem pertencem, em última análise, os dados obtidos e como resguardá-los não só até à etapa final, mas inclusivamente depois de finalizada a investigação. Também pretendem saber quem é que determina (e segundo que critérios) e que pessoas podem ter acesso a esses dados e por quanto tempo deverão ser guardados. Com efeito, a quem pertencem, efetivamente, os dados - ao investigador ou à criança? À instituição financiadora ou à que permitiu a realização do estudo? E de quem é a sua autoria? No caso de se tratar de imagens, onde é que estas devem ser guardadas: num cofre da instituição escolar? Por quanto tempo? Quem poderá ter acesso a elas e sob que condições? Muito embora já existam respostas para algumas destas questões (ALDERSON, 2014), a verdade é que raramente constituem uma prática de investigação (BELL, 2008).

Os locais escolhidos para investigação - como reforçar a invisibilidade da criança?

Em alguns momentos, torna-se difícil negociar um local que permita a existência de privacidade e que assegure o anonimato das crianças que participam na investigação (BARKER; WELLER, 2003), o que, por si só, levanta inúmeras questões de natureza ética. Frequentemente, as condições institucionais em que a investigação é conduzida podem minar os direitos das crianças para decidir acerca da sua participação, pelo que é necessário ter consciência de que as relações de poder são inerentes às relações entre crianças e adultos, não podendo, por isso, ser ignoradas.

Habitualmente, os locais escolhidos para a realização da investigação são os espaços escolares ou a habitação das crianças por representarem lugares de familiaridade e maior conforto (ALDERSON, 2014; FARGAS-MALET et al., 2010; MALONE, 2003). Todavia, a questão da confidencialidade e do anonimato, bem como o comportamento natural e espontâneo da criança podem ficar comprometidos, quer pela imposição da presença parental, quer pela curiosidade dos vizinhos (SIME, 2008). O mesmo sucede quando a escolha recai no ambiente escolar, em que a decisão das crianças de participar numa investigação se torna bem mais complexa do que possa parecer (DAVID; EDWARDS; ALLDRED, 2001). Por exemplo, tem sido demonstrado que as crianças podem ver a sua participação na investigação como apenas mais um trabalho escolar (EDWARDS; ALLDRED, 1999), tal como já nos referimos anteriormente. Também é bem provável que, em algumas situações, o seu consentimento se baseie no desejo de agradar (HEATH et al., 2007) aos professores ou aos pais, ou, ainda, que possa sentir receio de sofrer potenciais consequências futuras na escola ou na avaliação do seu rendimento escolar se não cooperar.

Para além destes casos, outros há de maior gravidade quando, em algumas investigações cujas crianças estudam na única escola de uma determinada região (KRAMER, 2002) e em que os seus testemunhos expuseram muitas críticas à escola e às professoras, denunciam problemas graves vividos por elas e pelas suas famílias. Para estes casos, os princípios éticos de investigação em educação que visam a proteção da criança são claros (MAINARDES; CURY, 2019), aconselhando o uso de nomes fictícios como forma de acautelar a confidencialidade, privacidade e anonimato dos envolvidos. Tem de se ter em atenção, contudo, que o cumprimento deste princípio ético não é linear e que a sua aplicação não resultará necessariamente igual para todas as circunstâncias. Com efeito, e sobretudo, neste tipo de estudos que ocorrem em povoações de escolas únicas, resta sempre a dúvida - muitas vezes, tornada certeza - de que a identificação da criança que testemunhou, bem como a sua família, poderão ser facilmente estabelecidas pela comunidade em que se insere e, assim, ver a sua privacidade completamente devastada, podendo, inclusive, vir a sofrer represálias por essa mesma comunidade pelo que teve coragem de afirmar.

Neste sentido, alguns investigadores procuraram contornar a questão da identidade solicitando às crianças envolvidas a escolha de nomes fictícios; ainda assim, julgamos que essa escolha, ao incidir sobre os seus heróis preferidos, por exemplo, conhecidos pelos seus amigos, poderão vir a constituir um indício revelador da sua identidade.

O mesmo pode ocorrer quando a investigação se realiza em contextos escolares relativamente mais amplos e que, aquando da divulgação dos resultados da investigação nesses estabelecimentos de ensino, as crianças participantes dessa investigação sentem ser o foco de olhares identificadores por parte dos seus colegas e professores por terem denunciado algumas situações que, já antes, tinham sido nicho de conversas privadas com os seus amigos. Garantir e preservar a privacidade e o anonimato das crianças não é, pois, tarefa fácil, nem sempre simples nem sempre linear, a qual deverá procurar ser resolvida caso a caso. Outros investigadores optam por não divulgar inclusivamente o nome das escolas e até por não devolverem os resultados de investigação às escolas onde os estudos foram realizados.

Porém, tal como Kramer (2002) refere, deparamo-nos, por um lado, com um dilema ético difícil de resolver que, em nosso entender, continua a não devolver à criança o seu estatuto de visibilidade epistemológica precisamente por impedimentos de natureza ético-moral:

Segundo o referencial teórico-metodológico que nos tem orientado nesses e em outros estudos, a criança é sujeito da cultura, da história e do conhecimento. Pergunto: é sujeito da pesquisa? Embora os estudos transcrevam seus relatos, elas permanecem ausentes, não podem se reconhecer no texto que é escrito sobre elas e suas histórias, não podem ler a escrita feita com base e a partir dos seus depoimentos. As crianças não aparecem como autoras dessas falas, ações ou produções. Permanecem ausentes. (KRAMER, 2002, p. 51).

Por outro lado, quando o investigador é confrontado com momentos “ethically important6 (GUILLEMIN; GILLAM, 2004, p. 265), como é o caso de crianças que narram situações de sobrevivência complexas em que são usadas para tráfico de droga e posse de armas para fazer assaltos (ATKINSON, 2019; KRAMER, 2002), aquele sente que, por uma questão de justiça social e de guardião dos direitos das crianças, deverá denunciar estes casos à polícia. Contudo, ao fazê-lo tem igualmente consciência de que está a denunciar a identidade e autoria daquelas crianças fruto da sua participação na investigação ocorrida e que poderá não conseguir controlar as represálias que sobre elas (certamente) recairão.

Sucede que assim que se dá a tomada de consciência desses factos, assistimos a um ponto de não-retorno, a partir do qual jamais seremos os mesmos que antes fôramos previamente à implementação da investigação: como prosseguir, então, indiferente sem tomar uma atitude? Como agir sem prejudicar as crianças num mundo em que a neutralidade é uma total impossibilidade prática?

O sentido ético inabalável do dever de proteção e defesa dos direitos da criança deverá, no entanto, permanecer intacto ao longo da investigação sob pena de, se essas condições não se observarem, a investigação terá de parar para que o educador possa denunciar essas situações (BELL, 2008). Tal implica que este se sinta habilitado para exercer a sua capacidade de reflexão ética não só por si (BASIT, 2013; GUILLEMIN; GILLAM, 2004), mas também conjuntamente com os seus pares, bem como com as Comissões de Ética e de Proteção da Criança quanto à melhor posição ética a tomar na resolução de cada caso (ALDERSON; MORROW, 2020, 2004; ANGELUCCI et al., 2019). Neste processo de decisão, a criança deverá igualmente ser ouvida quanto ao que terá para dizer acerca da melhor solução para encarar um problema por ela sentido e vivido e que quer ver alterado. Contudo, não é apenas nestas condições que a capacidade reflexiva ética deve ser exercida, na medida em que a investigação é um processo continuum que

[…] tem uma série de funções eticamente importantes. Ao serem reflexivos, os pesquisadores podem refletir antecipadamente quer sobre a forma como a sua intervenção na pesquisa pode afetar os respetivos participantes quer sobre como responderiam perante diversas situações enquanto pesquisadores que, nesta fase, somente poderão imaginar. A partir daqui, o exercício reflexivo incentiva os pesquisadores a desenvolver as competências necessárias para responder adequadamente. Na implementação da pesquisa, o pesquisador reflexivo estará em melhor posição para identificar os momentos eticamente importantes à medida que estes surgem e, eventualmente, terá desenvolvido capacidades para responder de forma eticamente apropriada, mesmo perante situações imprevistas. Esta noção de reflexividade estimula os pesquisadores a serem reflexivos em relação aos aspetos interpessoais e éticos da prática de pesquisa e não apenas quanto aos aspetos epistemológicos de uma pesquisa rigorosa. (GUILLEMIN; GILLAM, 2004, p. 277, tradução nossa).7

Relações de poder criança-investigador: da assimetria à simetria ética?

A análise até aqui realizada permite-nos concluir que, apesar de o investigador dever ter por preocupação fundamental respeitar o supremo interesse e a vontade da criança ao longo de todo o processo de investigação, a verdade é que esbarra permanentemente com obstáculos de natureza ética diversa. As relações de poder criança-investigador não são exceção; muito pelo contrário, pois são inerentes às relações de natureza assimétrica que se estabelecem entre a criança, na qualidade de participante, e o adulto, no papel de investigador (GROVER, 2004; MORROW, 2008; PUNCH, 2002).

Dada a natureza assimétrica da relação de intersubjetividade entre a criança/participante e o adulto/investigador, de que modo poderá caracterizar-se esse sistema de relações que se desenvolve entre eles aquando da realização de uma investigação científica? Que questões éticas suscita?

Sabemos que as crianças são excelentes na forma de expressar delicadamente a sua vontade de não participar e que, muitas vezes, os adultos é que não querem ver. Sabemos também que, não raras vezes, as crianças sentem relutância em expressar a sua falta de vontade em continuar na investigação ou em dizer a um adulto que já não querem mais estar envolvidas naquela investigação e que não querem responder às questões que lhes possam ser colocadas. Quando acima nos referimos ao caso em que, quando uma criança participa numa investigação, devemos procurar perceber se esta o faz por essa ser a sua vontade ou para agradar ao investigador, aos pais ou mesmo aos professores, é efetivamente importante saber até que ponto é que a criança consegue fazer afirmar a sua vontade perante estas figuras de autoridade sem se sentir constrangida e influenciada pelo mundo dos adultos.

Contudo, a relação assimétrica de poder entre a criança e o adulto também se manifesta quando a iniciativa para a escolha do tema de investigação ainda é tomada pelo adulto. Mas existirão formas de minimizar ou eliminar esta relação assimétrica e transformá-la numa “simetria ética”? Face ao cenário acima traçado, seria importante que os adultos investigadores se munissem de estratégias éticas para enfrentar algumas questões assimétricas de poder que ocorrem nas relações de investigação, sendo que estas constituem um dos maiores obstáculos éticos na investigação com crianças (ALDERSON 2005; MAYALL, 2000; MORROW; RICHARDS 1996).

Se é verdade que as assimetrias éticas acontecem quando os interesses das crianças não são igualitariamente defendidos pelos adultos investigadores deduz-se, então, que ao adulto deve assistir um desejo ético de justiça na defesa e respeito dos interesses das crianças. Tal como Christensen e Prout (2002, p. 49, tradução nossa) referem: “O princípio de assimetria ética possui uma orientação estratégica: aos direitos, sentimentos e interesses da criança deve ser dada igual consideração como a que é dada à dos adultos”8. Assim, assume-se que a investigação realizada com crianças deve pautar-se exatamente pelos mesmos princípios de respeito, justiça e não-maleficência como a que é conduzida com adultos.

Tal pode ser conseguido mediante uma atenção e observação ética cuidadosas, bem como através de um diálogo permanente entre os investigadores e as crianças ao longo da investigação que permita a estas sentir verdadeiramente que têm uma oportunidade real e efetiva de apresentar os seus pontos de vista e que estes são valorizados sem sofrer qualquer tipo de penalização por isso, ou, ainda, que possam perceber que as suas vontades contam e são efetivamente respeitadas (CHRISTENSEN; PROUT, 2002).

A simetria ética constrói-se, pois, a par e passo sempre que os princípios de privacidade, confidencialidade e anonimato da criança, entre outros, são efetivamente assegurados e protegidos pelo investigador ao longo de todo o processo de investigação. É neste sentido que a promoção de metodologias mais participativas “amigas das crianças” constitui igualmente a melhor forma ética de acautelar os direitos das crianças, possibilitando a sua expressão de uma forma livre e natural, reconhecendo a sua voz, empoderando-as (CHRISTENSEN; PROUT, 2002; FRANCISCHINI; FERNANDES, 2016), muito embora não sem algumas dificuldades e obstáculos, como adiante veremos.

A voz da criança em contextos (as)simétricos de poder

O que move o investigador na investigação com crianças é a possibilidade de, ao recorrer à fonte - as crianças -, ser capaz de traduzir o mais fielmente possível o seu mundo e alcançar um conhecimento o mais aprofundado possível quanto à sua forma de pensar e de agir para melhor as poder respeitar e dignificar. No entanto, poderemos afirmar, com absoluta certeza, de que os adultos compreendem perfeitamente o mundo das crianças e qual a interpretação a atribuir-lhe (MAYALL, 2002)? Até que ponto conseguiremos distanciarmo-nos do “ventriloquismo etnográfico” (GEERTZ, 1988)?

Uma coisa é certa: na tentativa de compreender e interpretar os diferentes contributos da criança na investigação, existe um ponto incontornável - o do investigador - que jamais poderá deixar de o ser. Tal significa que não há forma de escapar ao trabalho de representação e que, por isso mesmo, existirá sempre uma interpretação estruturada e uma análise realizada nos termos do adulto que a faz, pelo que muito se perde nesta tradução entre as manifestações e expressões do mundo infantil e as respetivas interpretações que os adultos delas podem fazer. A não existência de um “ponto neutro”, ou universal, a partir do qual possamos observar e compreender a realidade das crianças remeter-nos-á sempre para um grau de relatividade bastante acentuado face ao conhecimento. Por esse motivo, assinalamos a importância do pensamento crítico sempre que verificamos que algumas das frases proferidas pelas crianças são escolhidas pelo investigador para ilustrarem um argumento ou sublinharem uma perspetiva que pretendem realçar, pois, não raras vezes, mais parece tratar-se do ponto de vista do pesquisador do que propriamente da criança. E, ainda que muitas vezes as palavras escolhidas sejam efetivamente as das crianças, a verdade é que o ponto de vista escolhido é o dos adultos e o destaque e a seleção das frases delas é o dos adultos (JAMES, 2007, p. 229). Daí, a pergunta: como nos devemos precaver eticamente de uma perspetiva adultocêntrica aquando da análise, interpretação e produção dos textos científicos a partir do que as crianças querem transmitir ao longo das diferentes fases do projeto de investigação?

Uma forma de aceder ao universo “autêntico” da criança9 consiste em observar e ouvir empática e ativamente (CLARK, 2005; COSTA; SARMENTO, 2018) o que estas têm para nos dizer. Por exemplo,

Quando as crianças tiraram fotografias, imprimi as fotografias e encontrei-me com elas. Discutimos as fotos, o que havia nelas e por que tiraram as fotografias. Estas entrevistas foram de vital importância, porque as próprias imagens contavam apenas parte da história. Sem as explicações das crianças, a minha compreensão e interpretações teriam sido muito diferentes. […]. Um menino de cinco anos mostrou-me as suas fotografias que para mim eram do parque infantil com crianças e brinquedos. Ele, no entanto, explicou que estava fotografando a sua casa e o bairro onde ficava a pré-escola. Apontou para a sua casa na foto, que mal podia ser vista ao fundo. (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 291, tradução nossa).10

Este processo de escuta ativa , tal como ilustrado acima, permite assegurar, desde o início, que a interpretação dos dados recolhidos e a sua interpretação são da criança - e não do adulto. Tal obriga a uma monitorização e vigilância constantes das afirmações proferidas pelo investigador com o intuito de respeitar os sentidos que as crianças atribuem às suas narrativas sem que este colonize as suas interpretações e se aproprie indevidamente das suas experiências (I’ANSON, 2013; KOMULAINEN, 2007; SPYROU, 2011).

Para além disso, requer, igualmente, uma predisposição desinteressada do investigador para colocar em causa, sempre que se justifique, as certezas que toma como absolutas, muito embora a infância se encarregue de desafiar, desestabilizar e questionar o edifício securizante do saber em que o adulto muitas vezes se resguarda. Requer, ainda, a criação de espaços onde o conhecimento, que é sempre gerado numa parceria de coautoria entre crianças e adultos (FACCA; GLADSTONE; TEACHMAN, 2020), possa pautar-se por uma permanente (re)construção do conhecimento através de um diálogo respeitoso, assegurando os direitos que assistem à criança enquanto agente competente produtora de uma cultura própria que não é nem neutra nem passiva.

Neste processo, exige-se ao investigador que: a) reconheça a importância das vozes das crianças que, apesar de multivocais, possuem particularidades, especificidades e singularidades que as caracterizam, ao invés de as homogeneizar referindo-se a elas como um todo indiferenciado que encobre a diversidade das suas experiências e perspetivas; b) contextualize adequadamente as vozes das crianças nos contextos de poder em que são produzidas (NYBELL, 2013); c) resguarde as suas vozes de preconceitos acerca das crianças, tais como assunções não revisitadas que os adultos detêm acerca destas e que as silenciam dessa forma (JAMES, 2007); d) adote um compromisso ético fino que respeite as vozes das crianças sem as deixar invisibilizadas na voz do adulto que as interpreta; e) desenvolva um olhar crítico e ético-reflexivo acerca da forma múltipla como as vozes das crianças são evocadas e apresentadas e que vão muito para além da oralidade (MALAGUZZI, 1998); f) tenha em consideração a natureza das complexidades sociais e culturais que enquadram o que as crianças relatam, em vez de recorrer simplesmente ao registo e à gravação da sua voz (LUNDY, 2007). Neste sentido, a criança é muito mais do que a sua oralidade representa cuja extensão se situa para além dos contextos de poder a que pertence, muito embora, os retrate. Por outro lado, o gerar de silêncios enquanto forma preferível de comunicação adotada por algumas crianças e jovens (SPYROU, 2016) constituem igualmente formas de (expressão de) voz importantes quanto à natureza da sua produção e (re)significado(s).

Em suma, ao investigador exige-se uma consciência ética acrescida e vigilante quanto aos estereótipos e preconceitos que possa deter das crianças no momento da interpretação e produção de conhecimento, devendo para tal proceder a um exercício contínuo de revisitação dos seus pré-conceitos que lhe permita o necessário distanciamento crítico na difícil tarefa de representação da criança (SPYROU, 2011). Essa consciência reflexiva ética assume ainda uma enorme importância na identificação, problematização e resolução de alguns desafios éticos que se colocam a partir da participação das crianças ao longo da investigação e que fomos assinalando até aqui.

Para responder a alguns dos problemas acerca da representação das vozes das crianças, a investigação tem recorrido cada vez mais exponencialmente a metodologias participativas que visam envolver as crianças e atribuir-lhes um papel ativo como investigadoras ou como coinvestigadoras11. Desta forma, procuram-se criar oportunidades que garantam e promovam os direitos de expressão e de manifestação das crianças, resgatando-as do silêncio e da exclusão a que estavam votadas, possibilitando o desenvolvimento do seu sentido crítico, bem como o empowerment das suas vidas (BRADBURY-JONES; TAYLOR, 2015; SPRIGGS; GILLAM, 2019).

Porém, são apontados alguns obstáculos metodológicos neste tipo de investigação que pretende dar “voz” às crianças. O facto de, por exemplo, estas não possuírem o conhecimento necessário nem as competências investigativas desejadas, ou mesmo, por serem sujeitos cuja maturidade e autonomia são (ainda) limitadas, devendo, por isso, receber formação específica e ser “vigiados” pelos adultos (KELLETT, 2010; MORAN-ELLIS; TISDALL, 2019; WILLUMSEN; HUGAAS; STUDSRØD, 2014).

Só que, em nosso entender, esta não é a verdadeira questão, pois não se trata de assegurar o conhecimento que as crianças “deveriam” ter, mas sim a demonstração da sua capacidade para apresentar e defender pensamentos representativos da sua cultura e mundividência. Para além disso, existem inúmeros estudos que demonstram que as crianças de qualquer idade possuem efetivamente competências de coinvestigação consideráveis ao longo das várias fases do projeto mesmo quando não recebem formação adequada (BRADBURY-JONES; TAYLOR, 2015). Excetuam-se, no entanto, estudos sobre os bebés que ainda são escassos quanto a esta matéria.

Também são colocadas questões éticas fundamentais acerca da representação (da voz) das crianças na investigação (DOCKETT; EINARSDOTTIR, PERRY, 2009). Uma vez que o grupo social das crianças não é homogéneo per se, pretende-se saber, em última análise, se será justo excluir algumas crianças da investigação; isto é, se devemos dar voz a todas as crianças ou só a algumas e quais.

Se a investigação for representativa, as crianças podem decidir quem as representa? As crianças são um grupo diverso - como é que a nossa investigação reconhece esta diversidade? Esperamos que algumas crianças falem por todas? Será que a nossa investigação considera genuinamente as crianças como agentes sociais ativos, se nem todas têm acesso aos mesmos níveis de agência? Como é que a nossa investigação reconhece “múltiplas realidades” […] das experiências da infância e da infância? (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 290, tradução nossa).12

Para além disso, subsistem igualmente outras questões relacionadas com o impacto que a investigação pode ter nas vidas das crianças, sendo que esta deverá pautar-se pelos princípios éticos de justiça, de beneficência e de não-maleficência (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002).

Estamos a contribuir para uma maior vigilância da vida e das experiências das crianças? Podemos justificar esta intromissão na vida privada das crianças? Como partilhamos os dados e de que forma? Quem detém os dados? Negociamos dados com as crianças? Terão eles a oportunidade de rever estas decisões? Eles têm a chance de verificar e/ou editar os dados gerados? Como respeitamos a confiança que as crianças depositam em nós quando partilham as suas experiências e perspetivas? (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 293, tradução nossa).13

Estas considerações demonstram-nos que as questões éticas são absolutamente incontornáveis numa investigação que procure a participação de crianças como coinvestigadoras. Assim é, quer do ponto de vista do adulto face à criança, como temos vindo a analisar até aqui, e em que se espera que o adulto desenvolva a sua sensibilidade e juízo ético necessários para reconhecer, identificar, compreender quais as questões éticas que se colocam em cada situação específica e agir em conformidade, quer, sobretudo, do ponto de vista da criança que, pela sua condição assumida de coinvestigadora, se encontra (inesperadamente) num terreno repleto de tensões éticas a que tem de responder sem que, para isso, esteja preparada. Apesar de esta dimensão ser pouco estudada até ao momento, é absolutamente essencial conhecer quais as tensões éticas que se colocam à criança coinvestigadora.

Questões éticas vivenciadas pelas crianças coinvestigadoras14: uma realidade (in)visível?

Nem sempre as tensões éticas a que a criança se sujeita quando participa como coinvestigadora são tidas em consideração pela literatura. No entanto, as pressões e as dificuldades para enfrentar algumas das situações dilemáticas com que esta se confronta em contexto de investigação não deixam de se colocar com particular complexidade. Ao contrário do que seria expectável, não é pelo facto de as crianças participarem nos projetos de investigação como coinvestigadoras que as relações de assimetria de poder se extinguem (CONOLLY, 2008; KELLETT, 2010). Com efeito, o desequilíbrio de poder pode ocorrer não só entre crianças coinvestigadoras e adultos investigadores - a que já nos referimos anteriormente -, mas também entre as próprias crianças, por exemplo, entre aquelas que recebem formação para poder participar na investigação e as que não a recebem; ou, ainda, entre as que valorizam um certo tipo de cultura cool em detrimento de outras culturas infantis que são marginalizadas ou excluídas (LOMAX, 2012). Esse desequilíbrio de poder pode ainda ocorrer quando o investigador se serve da rede de relações das crianças apenas com a intenção de ter acesso a informações que, de outra forma, lhe seria muito mais difícil de obter, aproveitando-se da “cultura infantil” e da ausência de gap geracional.

Deste modo, é preciso ter em atenção a natureza das dinâmicas de comunicação e de poder que se podem estabelecer no grupo de crianças a que as que são coinvestigadoras também pertencem, pois daí podem resultar mudanças e desequilíbrios de difícil decisão e gestão, alterando drasticamente a natureza da relação com os seus pares. Efetivamente, tanto podem ocorrer comportamentos facciosos das crianças coinvestigadoras baseados nas suas preferências, por exemplo, ou atitudes condicionadas pela sua dificuldade real em recusar um pedido feito pelos seus colegas, como, ao invés, também pode suceder que a criança enquanto coinvestigadora procure exercer pressão sobre outras crianças suas colegas para que participem na investigação. Estas situações provocam inevitavelmente tensões éticas nas crianças - não só nas crianças coinvestigadoras, mas também nas outras a quem estas se dirigem -, podendo colocar em causa os seus sentimentos de amizade, prioridades, sentimentos de obrigações e responsabilidade que não são fáceis de gerir, muito menos nas suas idades (SPRIGGS; GILLAM, 2019).

A salvaguarda da confidencialidade, anonimato e privacidade das crianças que participam nas investigações parece estar comprometida devido ao seu estatuto de coinvestigadoras, deixando-as expostas e vulneráveis a uma série de constrangimentos valorativos ocasionados pela comunidade a que pertencem: a quem devem lealdade - aos investigadores? À comunidade a que estão vinculadas? À sua família? Aos seus amigos?

Por sua vez, o seu bem-estar emocional e psicológico também pode sofrer alterações significativas quando confrontadas com resultados da investigação obtidos através dos seus colegas, face a quem são particularmente sensíveis e por quem manifestam sentimentos éticos muito fortes (COAD; EVANS, 2008). Na verdade, passam a ter acesso a informação que de outro modo não teriam, mas, o mais importante, é saber como é que lidam com essa nova informação que lhes chega: sentem-se inseguros e com medo? Sentem-se responsáveis por ajudar alguém em função do conhecimento que passaram a ter dessa pessoa? É, no entanto, evidente que, neste processo, ao verificarem-se estas situações, o adulto investigador jamais se poderá demitir da sua responsabilidade maior em estar presente e ajudar as crianças a gerir momentos que podem ser stressantes para si. Uma forma possível de o fazer é recorrendo, por exemplo, à preparação prévia de algumas destas situações (previsíveis) através da discussão livre e aberta de alguns dilemas éticos com as crianças, bem como a técnicas de role-playing15. Igualmente imprescindível, é o apoio que os colegas lhe podem prestar.

Em contraste com estas realidades, não podemos escamotear o poder altamente influenciador que as crianças têm podendo, inclusivamente, constituírem-se em agentes catalisadores das vozes dos seus companheiros ou fazer com que questões importantes nas suas perspetivas sejam reconhecidas e devidamente agendadas pelos adultos (KELLETT, 2010).

As problemáticas éticas até aqui descritas exigem inevitavelmente da parte do investigador uma capacidade de reflexão ética acrescida, profunda e fundamentada, bem como uma capacidade de ponderação valorativa acerca dos riscos e benefícios que a participação das crianças num projeto de investigação lhe possa trazer, em todas as suas dimensões, e que a sua formação deveria contemplar obrigatoriamente. Essa capacidade reflexiva ética caracteriza-se por

[…] um processo ativo e contínuo de reflexão crítica em que os investigadores escrutinam e interrogam os dados que recolhem, o conhecimento produzido e o seu papel na criação de conhecimento […]. […]. Pode ter um propósito ético, no sentido em que implica ser sensível aos aspetos interpessoais e éticos da investigação. O pesquisador reflexivo refletiria, antes do início da pesquisa, sobre como ela poderia afetar os copesquisadores e participantes infantis. (SPRIGGS; GILLAM, 2019, p. 13, tradução nossa).16

Porém, quanto da consulta às opiniões das crianças é considerada e reverte em seu benefício? Porque é que a “voz” da criança, enquanto ator social capaz de refletir sobre as suas experiências acerca de si e do mundo, ainda não é devidamente ouvida (I’ANSON, 2013; WILLUMSEN; HUGAAS; STUDSRØD, 2014)? Ou seja, o que queremos dizer é que “dar voz” às crianças não é suficiente; não é suficiente deixá-las falar, apenas. Torna-se necessário fazer valer as suas ideias e perspetivas acerca da realidade para que mudanças efetivas nas suas vidas possam ocorrer.

Da visibilidade ético-epistemológica das crianças na pesquisa: o papel do investigador

O papel do investigador é, pois, absolutamente crucial na defesa de uma ética de respeito integral de maior visibilidade dos direitos da criança. Nesse trajeto, cabe-lhe saber encontrar uma resposta ética adequada aos constantes desafios e dilemas morais com que é interpelado em contexto de investigação com crianças. Por isso, é de vital importância que o investigador adote uma atitude de contínua reflexão ética e crítica fundamentada e situada acerca de sua própria prática. Ao longo desse processo deverá procurar igualmente examinar e confrontar as suas crenças, atitudes e valores com as principais teorias éticas existentes, e decidir por si, para que não as sobreponha às das crianças, julgando serem as suas. Requer-se, portanto, uma atitude de permanente exercício do juízo crítico e uma deliberação sobre valores e princípios de conduta ética acerca dos contextos que o enformam (POWELL; GRAHAM; TRUSCOTT, 2016; SPRIGGS, 2010).

Os referenciais ético-morais a que o investigador se deve ater permitem-lhe compreender os limites de um comportamento respeitador dos sujeitos envolvidos que não devem ser ultrapassados. Muito embora os princípios e códigos éticos sejam importantes no estabelecer de diretrizes e princípios mais gerais, a verdade é que cabe ao investigador saber aplicar adequadamente esses referenciais às complexidades éticas com que venha a deparar-se no contexto de investigação, encontrando, assim, uma solução fundamentada desejável em que nenhum resultado ou solução se encontra definida aprioristicamente. Não existe uma moral à la carte. Tal exigirá, portanto, da parte do investigador, uma maturidade ético-reflexiva não intuitiva ou baseada no senso comum, mas preferencialmente racional, ética e experiencialmente fundamentada. Neste sentido, a formação ética do investigador em educação é crucial e incontornável, assumindo um cariz absolutamente indispensável e permanente (DE LA FARE, 2019; PEDRO, 2022).

Resumindo, falar da visibilidade ético-epistemológica das crianças na pesquisa implica adotar uma perspetiva ético-moral clara e consciente que respeite os direitos das crianças, em que cada investigador empresta a sua visão ético-valorativa à análise e resolução dos dilemas com que se depara. Implica, de igual modo, que as opções metodológicas e as decisões sejam tomadas na perspetiva de salvaguarda da criança. Mas, para agir eticamente, os investigadores precisam de conhecer a natureza da moralidade e do raciocínio moral. Para tal, deve inspirar-se nas diferentes abordagens ético-filosóficas que constituem um guia referencial para a investigação em educação, uma forma de pensar sobre a ética e a moral situada nos contextos de investigação em que os dilemas éticos ocorrem e que podem fornecer alguns critérios a partir dos quais os investigadores elaboram os seus juízos ético-valorativos sobre qual o procedimento certo ou errado a tomar quando confrontados com um dilema ético para resolver.

Considerações finais

Uma investigação que não se coloca questões éticas e que não se pauta pelo rigor da reflexão ética filosófica argumentativa-racional, não é uma boa investigação. Não existe, pois, uma boa investigação sem ética (SPRIGGS; GILLAM, 2019, p. 15). Por isso, ao investigador seja no papel individual de investigador ou no de membro de programas e de grupos de pesquisa, exige-se uma capacidade reflexiva ética que lhe permita identificar, problematizar e encontrar respostas eticamente satisfatórias para os desafios que se venham a colocar através da participação das crianças ao longo da investigação e que fomos assinalando até aqui.

Exige-se que detenha uma consciência ética acrescida e vigilante quanto à natureza dos seus estereótipos e preconceitos acerca das crianças, devendo para tal proceder a um exercício contínuo de revisitação dos seus pré-conceitos que lhe permita o necessário distanciamento crítico na difícil tarefa de representação da criança (SPYROU, 2011). Para tal, consideramos que a formação ética dos investigadores em educação assume particular relevância no respeito e na inclusão das perspetivas das crianças (DE LA FARE, 2019; PEDRO, 2022), bem como na defesa e promoção dos seus direitos; o mesmo será afirmar na justa visibilidade ética e epistemológica a que têm direito.

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1Tudo dependerá, no entanto, da realidade geográfica a que nos estivermos a referir. Por exemplo, em Portugal, a “[…] educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida (Lei-Quadro - Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro), destinando-se às crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico [aos 6 anos de idade]. É ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar, sendo a tutela pedagógica da competência do Ministério da Educação (Lei-Quadro e Decreto-Lei n.º 147/97, de 11 de junho)” (PORTUGAL, 2019, n.p.). Enquanto no Brasil, a Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013 - que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) -, estabelece que a Educação Infantil contempla crianças de 4 e 5 anos na Pré-escola (BRASIL, 2013).

2Apesar dos dilemas éticos que a sua utilização com crianças pode suscitar há que reconhecer, no entanto, alguns dos seus benefícios (ex: vídeos), nomeadamente, quando estes se transformam num instrumento precioso de transmissão, divulgação e defesa dos direitos das crianças através do registo da manifestação das suas vozes, ou ainda, quando contribuem para uma interpretação mais correta das suas ações, interações e experiências de comunicação, ou contribuem para a alteração de metodologias usadas com crianças e para a revisão de algumas teorias da infância (RUTANEN et al., 2018).

3“How to make use of technology that results in exposure of the participant’s image, disregarding the rule of anonymity? How to ensure participants’ image protection, especially in the case of children (considered vulnerable)? Or, on the contrary, […] What are the losses to the field when it is defined by the non-exposure of the images? How to act as a researcher within these contradictions?” (RUTANEN et al., 2018, p. 3).

4“How to act ethically to videorecord them [children] in naturalistic environments, in their private lives? How to contribute to the advancement of knowledge, without disrespecting the honor and the intimacy of the participants? How can we not expose the intimacy of the child’s, his/her companions and relatives life, if the image presentation gives light to processes that are poorly shown by other resources?” (RUTANEN et al., 2018, p. 10).

5O que não é difícil de acontecer, sobretudo se tivermos em consideração que o uso generalizado de tecnologias (ex.: telemóveis com câmaras; meios de televisão; redes virtuais e redes sociais) permite a divulgação de imagens com uma velocidade e facilidade extremas.

6Para Guillemin e Gillam (2004, p. 265): “There can be all sorts of ethically important moments: when participants indicate discomfort with their answer, or reveal a vulnerability; when a research participant states that he or she does not want to be assigned a pseudonym in the writing up of the research but wants to have his or her real name reported”./“Pode haver todo o tipo de momentos eticamente importantes: quando os participantes manifestam desconforto com a sua resposta dada, ou revelam uma certa vulnerabilidade; quando um participante da pesquisa afirma que não quer que lhe seja atribuído um nome falso que oculte a sua identidade no artigo resultante da pesquisa, pretendendo que o seu nome verdadeiro apareça” (GUILLEMIN; GILLAM, 2004, p. 265, tradução nossa).

7“It does have a number of ethically important functions. In being reflexive, researchers both reflect about how their research intervention might affect the research participants before any actual research is conducted and consider how they would respond as a researcher in the sorts of situations that they can at this stage only envisage. Leading on from this, reflexivity encourages researchers to develop the skills to respond appropriately. In the actual conduct of research, the reflexive researcher will be better placed to be aware of ethically important moments as they arise and will have a basis for responding in a way that is likely to be ethically appropriate, even with unforeseen situations. Our notion of reflexivity urges researchers to be reflexive in relation to interpersonal and ethical aspects of research practice, not just the epistemological aspects of rigorous research” (GUILLEMIN; GILLAM, 2004, p. 277).

8“The principle of ethical symmetry is one such strategic orientation: the rights, feelings and interests of children should be given as much consideration as those of adults” (CHRISTENSEN; PROUT, 2002, p. 493).

9A utilização desta expressão nem sempre é pacífica, pois remete para uma influência lockiana da mente da criança como se fosse uma tábula rasa, esquecendo o ambiente sociocultural na qual esta está impregnada naturalmente, influenciador dos seus modos de ser e de pensar.

10“When the children took photographs I printed out the pictures and met with individual children. We discussed the pictures, what was in them, and why they took the photographs. These interviews were of vital importance, because the pictures themselves only told part of the story. Without the children’s explanations my understanding and interpretations would have been very different. […]. One five-year-old boy showed me his pictures that to me were of the playground with children and playthings. He, however, explained that he had been photographing his home and the neighbourhood where the preschool was located. He pointed to his home in the picture, it could barely be seen in the background.” (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 291).

11Nestes contextos, é usual as crianças desempenharem papéis, tais como: realização de entrevistas aos seus colegas ou recrutamento de outros participantes (de entre os seus colegas) para o projeto de investigação.

12“If research is representative, do children get to decide who represents them? Children are a diverse group - how does our research acknowledge this diversity? Do we expect some children to speak for all children? Does our research genuinely regard children as active social agents if not all have access to the same levels of agency? How does our research recognize ‘multiple realities’ […] of childhood and childhood experiences?” (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 290).

13“Are we contributing to increased surveillance of children’s lives and experiences? Can we justify this intrusion into the private lives of children? How do we share the data and in what ways? Who owns the data? Do we negotiate data with the children? Do they have the opportunity to review these decisions? Do they have the chance to check and/or edit the data generated? How do we respect the trust children place in us when they share their experiences and perspectives?” (DOCKETT; EINARSDOTTIR; PERRY, 2009, p. 293).

14A designação “crianças coinvestigadoras”, que aparece abundantemente na literatura, ainda não se encontra definida com suficiente precisão quanto ao seu significado rivalizando com outras expressões, tais como: “[…] ‘research by children’, ‘children doing research’, ‘active researchers’, ‘participant researchers’, ‘peer research’ […], ‘active involvement’ in research, and ‘involving children as researchers’ […]” (SPRIGGS; GILLAM, 2019, p. 4). Neste trabalho, porém, consideramos que uma criança coinvestigadora, diferentemente da child-led investigation (criança que lidera a investigação), é aquela que participa ativamente na investigação recolhendo informação relevante junto dos seus peers recorrendo quer à entrevista quer ao recrutamento de outros colegas.

15A técnica role-playing permite colocar os estudantes numa situação de simulação, convidando-os a encarnar e a interpretar um determinado papel relativo a uma circunstância próxima da vida real, cuja finalidade principal é constituir um desafio para a sua aprendizagem.

16“[…] n active ongoing process of critical reflection whereby researchers scrutinize and interrogate the data they collect, the knowledge produced and their role in generating the knowledge […]. […]. It can have an ethical purpose as well in the sense that it entails being sensitive to interpersonal and ethical aspects of the research. The reflexive researcher would reflect, before the research commences, on how it might affect child co-researchers and participants” (SPRIGGS; GILLAM, 2019, p. 13).

Recebido: 05 de Dezembro de 2022; Revisado: 14 de Abril de 2023; Aceito: 18 de Abril de 2023; Publicado: 19 de Maio de 2023

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