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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 03-Jul-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21663.031 

Seção Temática: Ética em Pesquisa e Integridade Acadêmica em Ciências Humanas e Sociais: atualizando o debate

O processo de avaliação ética de pesquisas em Ciências Humanas e Sociais: considerações sobre uma peculiaridade brasileira

The ethical review of research in the Humanities and Social Sciences: considerations on a Brazilian peculiarity

El proceso de evaluación ética de investigaciones en Ciencias Humanas y Sociales: consideraciones sobre una peculiaridad brasileña

Erimaldo Matias Nicacio* 
http://orcid.org/0000-0002-4000-2719

*Psicólogo. Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor associado IV da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: <erimaldo.nicacio@ess.ufrj.br>.


Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar as dificuldades e os impasses enfrentados pelos pesquisadores em Ciências Humanas e Sociais (CHS) nos processos de avaliação ética de suas pesquisas. Essa análise tem por base a literatura crítica sobre o tema e a experiência pessoal do autor na coordenação de um Comitê de Ética específico para pesquisas em CHS. Em um primeiro tempo, destacam-se alguns aspectos da gênese histórica das normatizações éticas de pesquisa a partir de eventos-chave do campo biomédico. Em seguida, descreve-se a criação de um sistema duplamente centralizado no Brasil (uma área regula outras áreas científicas e uma plataforma nacional e única) bem como as dificuldades trazidas por esse sistema para os pesquisadores em CHS. Além disso, problematiza-se a expressão “pesquisa envolvendo seres humanos”. Por fim, apontam-se perspectivas de enfrentamento dessas dificuldades inerentes à indevida subordinação das CHS ao campo biomédico.

Palavras-chave: Ética; Pesquisa; Regulamentação

Abstract

This article aims to analyze the difficulties and impasses faced by researchers in the Humanities and Social Sciences (HSS) in the processes of ethical evaluation of their research. This analysis is based on the critical literature on the subject and the author’s personal experience in coordinating a specific Ethics Committee for research in HSS. At first, some aspects of the historical genesis of ethical norms of research from key events in the biomedical field are highlighted. Next, the creation of a doubly centralized system in Brazil (one area regulates other scientific areas and a national and unique platform) as well as the difficulties brought by this system for researchers in HSS are described. In addition, the expression “research involving human beings” is problematized. Finally, perspectives to face these difficulties inherent to the undue subordination of the HSS to the biomedical field are pointed out.

Keywords: Ethics; Research; Regulation

Resumen

Este artículo tiene por objetivo analizar las dificultades y los impedimentos enfrentados por los investigadores en Ciencias Humanas y Sociales (CHS) en los procesos de evaluación ética de sus investigaciones. Este análisis tiene por base la literatura crítica sobre el tema y la experiencia personal del autor en la coordinación de un Comité de Ética específico para investigaciones en CHS. En un primer momento, se destacan algunos aspectos de la génesis histórica de las normatizaciones éticas de investigación a partir de eventos clave del campo biomédico. En seguida, se describe la creación de un sistema doblemente centralizado en Brasil (un área regula otras áreas científicas y una plataforma nacional y única) así como las dificultades traídas por este sistema para los investigadores en CHS. Además, se problematiza la expresión "investigación involucrando seres humanos". Por fin, se señalan perspectivas de afrontamiento de estas dificultades inherentes a la indebida subordinación de las CHS al campo biomédico.

Palabras clave: Ética; Investigación; Regulación

Introdução

Nas duas últimas décadas, os pesquisadores do campo das Ciências Humanas e Sociais (CHS)1 no Brasil vêm enfrentando inúmeras dificuldades em relação aos processos de avaliação2 ética dos seus projetos de pesquisa. Desde a publicação da Resolução N° 196, de 10 de outubro de 1996 (BRASIL, 1996), pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), um número cada vez maior de pesquisadores e associações científicas vêm se manifestando criticamente em relação ao sistema de avaliação ética vigente no Brasil, o que ensejou a produção de uma importante literatura crítica em torno do tema.

Os problemas que os pesquisadores de CHS enfrentam são de tal monta que o Sistema Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/Conep) se tornou um objeto de investigação relevante para o campo. Toda a produção que se constituiu a partir daí não deixa de ser uma forma de dar voz a questionamentos que não encontravam eco dentro do Sistema CEP/Conep. Em 2004, por exemplo, a Associação Brasileira de Antropologia organizou uma publicação reunindo artigos que discutiam os problemas enfrentados pelos pesquisadores da área no Sistema CEP/Conep (VÍCTORA et al., 2004). Os autores, cada um focalizando um tema específico, convergiam para a constatação de que as pesquisas antropológicas possuem implicações éticas, ao mesmo tempo em que afirmavam a inadequação da subordinação da Antropologia a um sistema de avaliação ética que se orienta por uma outra lógica de pesquisa.

Segundo Oliveira (2004), a Resolução CNS N° 196/1996 expressa um claro “biocentrismo” (por analogia a etnocentrismo) na medida em que impõe a lógica biomédica como norma universal para toda prática de pesquisa. O autor chama atenção para que uma diferença fundamental tende a ser apagada por esse biocentrismo quanto à relação com os sujeitos de pesquisa. Ele chama atenção para a distinção entre pesquisas em seres humanos e as pesquisas com seres humanos. Nas primeiras, os sujeitos de pesquisa são objeto de intervenção como cobaias. Nas segundas, os sujeitos de pesquisa são atores e, portanto, assumem a condição de interlocutores do pesquisador. Ele mostra como no trabalho do antropólogo todo o processo de pesquisa é negociado com o grupo estudado, inclusive o objeto de pesquisa e a própria identidade do pesquisador. Nesse sentido, ele aponta as limitações de aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nesse contexto.

Duarte (2015) ecoa essa distinção mostrando que as pesquisas realizadas no campo biomédico são materializadas sobretudo em ensaios clínicos que envolvem intervenções no corpo dos participantes. Já nas CHS, que visam o acesso a sistemas de significação, o processo de investigação é necessariamente negociado e dialógico. Segundo o autor, a disposição imperialista da Bioética, pelo menos tal como ela se institucionalizou no Brasil por meio do Sistema CEP/Conep, tem passado por cima das diferenças entre essas grandes áreas.

Posteriormente, Zaluar (2015) descreveu vários impasses enfrentados na “trama burocrático-política” do processo de avaliação ética. A caracterização de riscos e de benefícios, a definição de amostragem, o processo de obtenção do consentimento e outros impasses são discutidos criticamente, mostrando as dificuldades que o sistema impõe para a pesquisa social.

Mais recentemente, Falcão, Mota e Cuervo (2021) desenvolveram uma etnografia dos critérios de avaliação do conhecimento científico (nas agências de fomento) e dos princípios reguladores da ética em pesquisa no Brasil (no Sistema CEP/Conep). Segundo os autores, a produção científica no mundo contemporâneo está submetida a um processo de governança pela norma, que consiste na universalização e na padronização de normas e protocolos que tendem ao apagamento das particularidades de cada campo científico. Assim, a regulamentação da ética na pesquisa é atravessada pelo mesmo processo de apagamento da heterogeneidade epistemológica e ética que caracteriza os diferentes campos de conhecimento.

Além da produção acadêmica, verifica-se ao longo dos anos uma forte mobilização político-institucional promovida pelas associações científicas no campo das CHS. As associações passaram a discutir os problemas do sistema nos seus congressos e simpósios. Nesse processo, algumas moções críticas ao Sistema CEP/Conep foram aprovadas, como, por exemplo, as seguintes áreas: Psicologia, pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia - Anpepp (2010), Antropologia e Sociologia, pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Anpocs (2011). Esse movimento culminou na formação, em 2013, do Fórum das Ciências Humanas e Sociais, Sociais Aplicadas (CHSSA)3 com o objetivo de criar um sistema próprio de avaliação ética (DUARTE, 2017). Esse movimento logrou importantes conquistas no processo de elaboração da Resolução CNS N° 510, de 7 de abril de 2016 (BRASIL, 2016), específica para as CHS, publicada em 24 de maio de 2016. No entanto, vários vetos à proposta original impediram a criação de um sistema próprio. Como se vê, a regulação ética da pesquisa em CHS possui muitas questões em aberto.

O objetivo deste artigo é, portanto, analisar os impasses e as dificuldades enfrentados pelos pesquisadores do campo das CHS no Sistema CEP/Conep e, também, apresentar perspectivas de enfrentamento que vem sendo construídas por diferentes atores nas associações científicas e na universidade. Essa análise tem a experiência do autor na coordenação de um Comitê de Ética específico para as pesquisas em CHS: o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP-CFCH/UFRJ).

Ética em pesquisa e o campo biomédico

A gênese histórica dos sistemas de avaliação ética das chamadas “pesquisas envolvendo seres humanos”4 coincidem com o surgimento da Bioética, e ambos decorrem de vários processos científicos e sociais bastante complexos na medicina e nas ciências da vida. Não é objetivo, aqui, refazer essa história, já descrita por diversos autores5, mas destacar alguns eventos que serão necessários para o argumento.

Os primeiros eventos que motivaram diretamente a constituição de uma regulamentação ética das pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos foram, sem sombra de dúvida, os experimentos médicos nazistas. Em 1947, o Tribunal de Nuremberg condenou os médicos nazistas por crimes contra a humanidade e por participação em organização criminosa (AMIEL, 2009; FERAL, 1997). A decisão do Tribunal Militar Americano intitulou-se “Experiências Médicas Aceitáveis”, estabelecendo uma lista de dez princípios para definir o que era lícito ou ilícito nas experimentações realizadas pelos acusados. Essa lista se tornou conhecida posteriormente como o Código de Nuremberg (BRASIL, 2006a). Cumpre notar que o primeiro princípio concerne, precisamente, à necessidade do consentimento do participante do experimento, um princípio sistematicamente violado nos experimentos nazistas.

Os médicos nazistas investigavam, por exemplo, os limites de resistência do ser humano a altas altitudes e temperaturas extremas, os melhores métodos de tornar a água do mar potável, imunização a determinadas doenças. A Eugenia de Francis Galton foi uma teoria fundamental no ideário nazista. Nesse sentido, alguns experimentos médicos foram feitos com gêmeos para investigar a suposta origem genética de características comportamentais indesejáveis para o ideal de aperfeiçoamento racial (BLAKEMORE, 2019). Eles pretendiam investigar características genéticas consideradas impuras em judeus, ciganos, homossexuais e pessoas com transtornos mentais. Os gêmeos seriam úteis para investigar as características que seriam inatas e aquelas que seriam aprendidas no processo de socialização.

No entanto, não foi apenas em um regime totalitário que acorreram abusos em pesquisas médicas. Um segundo conjunto de eventos históricos relevantes para a nossa temática refere-se aos escândalos médicos que aconteceram nos Estados Unidos da América (EUA). O mais famoso deles foi o Tuskegee Experiment. Na cidade de Tuskegee, no Alabama, 600 negros foram submetidos a um experimento médico realizado entre 1932 e 1972 nos serviços públicos de saúde dos EUA (WHITE, 2000). Os homens selecionados, portadores de sífilis, haviam sido convidados para o experimento com a promessa de atendimento médico gratuito. Embora já existisse o tratamento com penicilina, eles foram tratados com placebos e outros medicamentos ineficazes. Isso permitiu que os investigadores obtivessem maior conhecimento acerca da história natural da doença. Os participantes do experimento nunca foram corretamente informados sobre o diagnóstico da sua doença, nem sobre os meios de tratamento adotados. Dizia-se que eles tinham “sangue ruim” (bad blood) (WHITE, 2000).

É interessante notar que os experimentos médicos com seres humanos realizados pelos nazistas permaneceram na memória da comunidade médica norte-americana como práticas bizarras realizadas por oficiais sádicos que nada tinham a ver com pesquisadores sérios (DINIZ, 1999). Por isso, o próprio Código de Nuremberg permaneceu durante muito tempo como um documento irrelevante para esses médicos. Isso começou a mudar a partir do artigo publicado em 1966 pelo anestesista Henry Beecher, intitulado Ethical and clinical research. O artigo traz 22 relatos de experimentos biomédicos realizados em seres humanos envolvendo algum tipo de abuso (DINIZ, 1999). A maioria dos experimentos tinha sido realizada em pessoas que apresentavam alguma vulnerabilidade: pessoas com deficiência mental, idosos, presidiários, pessoas com transtorno mental. Ele demonstra que algumas pesquisas foram conduzidas sem o consentimento dos participantes, e outras e seus familiares, mesmo quando os participantes haviam dado o consentimento para participar do experimento, não se encontravam devidamente informadas do que aconteceria com elas. Além disso, o autor descreveu pesquisas em que os participantes não obtiveram nenhum benefício ou até mesmo ficaram marcados por sequelas previsíveis. Ele mostrou que os desvios éticos na pesquisa biomédica também estavam presentes em um país liberal e declaradamente democrático, como os EUA.

No entanto, a reflexão ética em torno da pesquisa biomédica não se desenvolveu apenas em decorrência dos abusos cometidos com os chamados “voluntários” ou participantes dos experimentos médicos. As consequências sociais, econômicas e morais dos avanços da ciência e da tecnologia também impulsionaram essa reflexão. O professor Jean Bernard, médico e presidente da Academia Francesa, chama atenção para as duas grandes revoluções que produziram enormes mudanças na prática médica e a vida social: a revolução terapêutica e a revolução biológica (BERNARD, 1990). A revolução terapêutica começou com a descoberta da penicilina e de outros antibióticos. Essa revolução trouxe três grandes consequências: a cura de várias doenças infecciosas, antes consideradas fatais; uma desordem decorrente do seu êxito, isto é, a prescrição abusiva de medicamentos; a necessidade de estudos muito rigorosos para cada novo medicamento.

A pesquisa de novos medicamentos ou vacinas passa por um processo bastante complexo que envolve várias etapas. Há a fase pré-clínica, que abrange experimentos laboratoriais em cultura de células e experimentos com animais. A pesquisa clínica é a etapa dos experimentos médicos que envolvem seres humanos. É próprio das pesquisas biomédicas fazer a distinção entre esses três tipos de pesquisa, pois as pesquisas laboratoriais com células e com animais não são suficientes para o desenvolvimento de novas formas de tratamento e prevenção. É necessário o recurso às “pesquisas envolvendo seres humanos”. Será visto mais adiante que a ampliação dessa noção para abranger qualquer pesquisa com seres humanos é uma particularidade do contexto brasileiro.

Ainda segundo Bernard (1990), a chamada Revolução Biológica possui um impacto mais amplo pois ela não diz respeito apenas ao sujeito enfermo, mas ao conjunto da sociedade. Ela se desdobra em três vertentes: o domínio da reprodução, o domínio da hereditariedade e o domínio do sistema nervoso. O domínio da reprodução inclui o aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais, o desenvolvimento das tecnologias de reprodução assistida. O domínio da hereditariedade inclui a possibilidade do diagnóstico pré-natal que possibilita o tratamento durante a gravidez, mas também pode ensejar medias eugênicas, inclusive interrupções da gravidez devido a características indesejadas. Os novos métodos de descoberta da “impressão genética” possibilitaram a identificação de criminosos bem com as pesquisas sobre paternidade. Finalmente, o domínio do cérebro está associado à grande expansão das neurociências. O maior conhecimento dos processos físicos e químicos do cérebro traz grandes possibilidades, mas também grandes perigos. O impressionante desenvolvimento da psicofarmacologia tem permitido novas possibilidades de tratamento para os diversos transtornos mentais, mas também um processo de medicalização do sofrimento e das emoções.

É preciso mencionar, ainda, a revolução sexual, com particular destaque ao movimento feminista, que deu uma grande contribuição para o desenvolvimento das reflexões que culminaram com o surgimento da Bioética, na medida em que deu visibilidade ao debate em torno da questão do aborto, a partir dos anos de 1960. Conforme argumenta Mori (1994), nos EUA, é, sobretudo, o debate sobre o aborto que polarizou o interesse para um novo tipo de reflexão voltada para a ética aplicada. A questão do aborto deixou de ficar restrita aos especialistas e ganhou expressão social ao ser reivindicado como direito das mulheres, levantando uma ampla reflexão moral.

A invenção do termo “Bioética” foi obra do oncologista Van Remslaer Potter e difundida com a publicação do seu livro Bioethics - Bridge to the future, em 1971 (MORI, 1994; NEVES, 2000). Segundo Potter, era preciso mudar as relações homem - natureza e esse novo campo, a Bioética; seria uma visão de mundo científica que estabeleceria os alicerces para essa “ponte”. Baseada na Biologia, ela estenderia seu campo de investigação para as normas e para os valores. A Bioética seria, na concepção de Potter (1971), uma ética científica voltada para a garantia da sobrevivência humana e da qualidade de vida. Embora ele não tenha utilizado esta expressão, seria uma espécie de Weltanschauung científica (MORI, 1994).

No mesmo ano, por ocasião da fundação do Kennedy Institute for Study of Human Reproduction and Bioethics na Georgetown University (Washington DC), o termo passou a ser usado em um sentido diferente. A equipe do Kennedy Institute organizou a Encyclopedia of Bioethics, na qual a Bioética era definida não mais no sentido amplo de uma ética científica, mas como um campo de reflexão em torno dos problemas éticos colocados pela prática e pela pesquisa biomédica. A aceitação do termo não foi consensual, tanto é que os autores que desenvolveram uma análise dos princípios morais que deveriam ser aplicados à prática e à pesquisa biomédicas, T. L. Beauchamp e J. Childress, intitularam seu manual como Principles of Biomedical Ethics, afirmando que não se tratava de uma ética especial, mas da aplicação da reflexão ética ao campo biomédico. Em todo caso, o termo “Bioética” se consagrou. No caso dos autores mencionados, eles ficaram conhecidos como os pais da bioética principialista, por sua abordagem focada na aplicação de princípios éticos gerais à prática médica.

Em relação aos documentos normativos das pesquisas biomédicas, depois do Código de Nuremberg, vários documentos internacionais surgiram. No entanto, destacam-se, aqui, dois grandes textos de referência. Um deles é a Declaração de Helsinki, publicado em 1964 pela Associação Médica Mundial, na Finlândia. Ela sofreu pequenas emendas ao longo dos anos, a última tendo sido feita no ano de 2000, em Edimburgo/Escócia. O outro documento são as Diretrizes éticas internacionais para a pesquisa envolvendo seres humanos, uma produção conjunta do Conselho de Organizações Internacionais das Ciências Médicas (CIOMS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 1993 (CIOMS, 2018).

Como é possível verificar, os princípios que vêm servindo de fundamento para os procedimentos de avaliação ética de pesquisas com seres humanos se constituíram a partir dos problemas colocados pela prática e pela experimentação médicas. Essa constatação é crucial, pois ajuda a compreender as dificuldades que os pesquisadores de CHS passaram a enfrentar nas suas pesquisas. Observa-se que a Bioética nasce como uma resposta aos problemas que o campo médico enfrenta, na medida em que os avanços da ciência e da tecnologia permitem uma intervenção cada vez mais eficiente não apenas no tratamento e na prevenção de doenças, mas também na geração da vida e nas condições da morte.

Um sistema duplamente centralizado

O exame do processo de constituição do sistema de regulação de “pesquisas envolvendo seres humanos” no Brasil lança alguma luz sobre os problemas que os pesquisadores de CHS vêm enfrentando nos últimos anos em relação ao Sistema CEP/Conep. Uma primeira iniciativa de normatização da pesquisa biomédica no Brasil foi a elaboração, pelo CNS, da Resolução CNS N° 001, de 1988, que visava, como dizia o cabeçalho, “Aprovar as normas de pesquisa em saúde” (BRASIL, 1988, p. 1). No capítulo II, a Resolução trata dos Aspectos Éticos da Pesquisa em Seres Humanos. É interessante observar que essa iniciativa de regulamentação se restringia aos vários tipos de pesquisa na área da Saúde. Chama atenção também que, ao mencionar “seres humanos” na maior parte das vezes, o texto se refere à pesquisa em seres humanos. O uso dessa preposição parece indicar a consciência dos elaboradores do texto sobre a especificidade dessas pesquisas que envolvem, na maior parte dos casos, intervenções no corpo do sujeito de pesquisa.

Uma avaliação levada a cabo em 1995 constatou a pequena adesão à norma e o baixo credenciamento de instituições de pesquisa (hospitais e universidades) ao CNS, por desconhecimento ou divergência (ALVES; TEIXEIRA, 2020; FREITAS, 1998; GOLDIM, 2006). Essa constatação motivou a criação, pelo CNS, de um Grupo de Trabalho (GT) que se dedicou durante um ano à elaboração da minuta da Resolução CNS N° 196/1996, que foi levada para discussão no Congresso Brasileiro de Bioética (HOSSNE, 1998). Como é possível verificar, a elaboração de uma nova Resolução foi motivada pelas resistências que a Resolução CNS N° 001/1988 encontrou entre os médicos. Infelizmente, não se tem, até o momento, registro sobre os termos dessas resistências, nem do debate em torno dos meios que o CNS teria para enfrentá-las. Um outro fato que chama atenção é que os relatos históricos, ao descreverem o caráter mais participativo da elaboração da Resolução CNS N° 196/1996, mencionam apenas o Congresso Brasileiro de Bioética. Portanto, não houve consulta às associações científicas de CHS.

Segundo Hossne (1998), a Resolução CNS N° 001/1988 abordava de forma quase exclusiva os aspectos biomédicos das pesquisas em saúde. Diante disso, o GT criado em 1995 procurou ter um caráter multidisciplinar procurando imprimir o mesmo espírito à nova Resolução. Essa será uma das justificativas para uma das mudanças mais fundamentais da nova Resolução e se revela como uma de suas peculiaridades: a adoção de uma noção ampla de “pesquisas envolvendo seres humanos” (HOSSNE, 1998; MARTIN, 2002). O cabeçalho da Resolução CNS N° 196/1996 esclarece que seu objetivo é: “Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos” (BRASIL, 1996, n.p.). No item III.3, a Resolução estabelece que: “A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes exigências [e seguem as exigências]” (BRASIL, 1996, n.p., grifo nosso). E mais adiante, no item VII, a Resolução CNS N° 196/1996 estabelece: “Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa” (BRASIL, 1996, n.p.).

Não há relatos detalhados sobre as divergências relacionadas à Resolução CNS N° 001/1988, mas o que se pode recolher na literatura disponível é que essa Resolução enfrentou resistências no meio médico. Tal constatação é importante para que se possa entender esse salto dado com a Resolução CNS N° 196/1996. Retoma-se esse ponto mais adiante. Segundo Alves e Teixeira (2020), o alcance da regulamentação deveria se estender para além da área da Saúde, pois o GT entendia que a regulação da pesquisa com seres humanos deveria estar adaptada a um conceito ampliado de saúde que transcendia a área médica.

Com a Resolução CNS N° 196/1996, o CNS, um órgão responsável por acompanhar e monitorar as políticas públicas de um setor específico, a saúde, ampliando o escopo da Resolução anterior, passou a regular todas as pesquisas envolvendo seres humanos. Isso quer dizer que uma área do conhecimento passou a regular a avaliação ética das pesquisas de todas as outras áreas que desenvolvem a chamada “pesquisa envolvendo seres humanos”. É preciso dizer que essa é uma peculiaridade brasileira e, como tal, foi muito celebrada na época como uma iniciativa inovadora e pioneira. Um dos membros da Conep, alguns anos após a aprovação da Resolução, reconheceu que essa noção ampla de “pesquisa envolvendo seres humanos” é uma peculiaridade introduzida pela nova norma:

Entre as peculiaridades que chamam a atenção é o fato de a Resolução CNS n° 196/96 usar uma definição bastante ampla de pesquisa envolvendo seres humanos: “pesquisa que individual ou coletivamente, direta ou indiretamente, em sua totalidade ou partes dele, incluindo manejo de informações ou materiais (II.2)”. O documento pretende regulamentar toda pesquisa em seres humanos e não apenas pesquisas puramente biomédicas. Nesta perspectiva, pesquisas sociológicas e antropológicas também devem passar pelo crivo de comitês de ética independentes e ser alvo de discussão sobre sua eticidade. (MARTIN, 2002, p. 97, grifo nosso).

Em 2012, foi criada a Plataforma Brasil, que, como informa o seu site, é “[...] uma base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema CEP/Conep”6. Os protocolos de pesquisa sempre foram encaminhados para os Comitês de Ética por e-mail. A partir daquele ano, a Plataforma Brasil e a Conep passaram a centralizar o encaminhamento dos protocolos de pesquisa.

Como se vê, o sistema de avaliação ética em pesquisa padece de uma dupla centralização:

  • uma área (a da Saúde) passou a regular o processo de avaliação ética de todas as outras áreas não-biomédicas que desenvolvem as chamadas “pesquisas envolvendo seres humanos”;

  • um sistema nacional que centraliza todas as submissões e encaminhamentos de protocolos de “pesquisa envolvendo seres humanos”.

O quadro gerado por essas imposições normativas é que milhares de pesquisadores das áreas de CHS no Brasil vêm sofrendo com os problemas decorrentes do fato de ter de submeter seus projetos de pesquisa a um sistema que foi desenhado para as pesquisas biomédicas.

As primeiras críticas provêm da Antropologia. Segundo Duarte (2017), em 2001, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) fez uma reclamação oficial ao CNS sobre as Normas para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos/Área Povos Indígenas - Resolução CNS N° 304, de 9 de agosto de 2000 (BRASIL, 2000). Em 2002, a 23ª Reunião Brasileira de Antropologia, ocorrida em Gramado, Rio Grande do Sul (RS), abrigou um Simpósio sobre ética, onde foram feitas críticas ao Sistema CEP/Conep.

Há duas décadas, as associações científicas das CHS vêm se manifestando criticamente contra essa subordinação indevida ao campo biomédico. As críticas ao sistema CEP/Conep foram apresentadas em congressos, seminários e artigos científicos e até mesmo em dissertações e teses. Na área da Educação, desde 2007, as reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) discutem ética na pesquisa em educação e os problemas enfrentados no âmbito do Sistema CEP/Conep (MAINARDES, 2017). Moções críticas foram apresentadas por algumas associações científicas como, por exemplo, o Manifesto de Fortaleza, “Sobre a Regulamentação da Ética na Pesquisa que envolve Seres Humanos no Brasil” (ANPEPP, 2010) e a moção sobre “Ética em Pesquisa” aprovada durante a 36ª Assembleia Geral e Ordinária da Anpocs (ANPOCS, 2011).

Em 2013, os presidentes da ABA e da Anpocs realizaram a primeira apresentação oficial ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) de uma proposta de criação de outro sistema de avaliação da ética nas CHS, a ser organizado naquele Ministério. Apesar da boa recepção, a proposta foi inviabilizada pelas resistências provenientes do Ministério da Saúde (DUARTE, 2017).

Nesse mesmo ano, a mobilização das associações científicas de CHS resultou na criação, em 2013, do FCHSSALLA que, desde então, luta pela organização de um sistema próprio de avaliação ética em pesquisa nas CHS. A pressão do Fórum, somada às reivindicações de membros da Conep, convergiu para a organização do GT CHS/Conep que trabalhou na elaboração da Resolução CNS N° 510/2016. Esta trouxe avanços importantes: estabelece uma composição da Conep mais equilibrada entre membros das diferentes áreas; define que o mérito científico dos projetos não é objeto de análise do sistema CEP/Conep; introduz a noção de registro de consentimento, mais ampla do que termo de consentimento; estabelece que as etapas preliminares de inserção no campo podem ocorrer antes da aprovação do projeto pelo CEP (GUERRIERO, 2016).

Apesar desses avanços, muitos problemas persistiam, sobretudo porque a tramitação dos projetos de pesquisa em CHS não se alterou. Um fato que chama atenção é que a Resolução CNS N° 510/2016 sempre foi considerada dentro da Conep como uma “resolução complementar” à Resolução CNS N° 466, de 12 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2013), reafirmando uma hierarquia entre as Resoluções e, portanto, a preservação da subordinação das CHS à área da Saúde.

A Conep havia pactuado com o GT a elaboração de uma Resolução de tipificação e gradação de risco, com o objetivo de instituir uma tramitação de acordo com os riscos implicados em cada protocolo de pesquisa. É bastante instrutivo perceber que alguns meses após a aprovação da Resolução CNS N° 510/2016, que previa a elaboração da resolução de gradação de risco, a Conep extinguiu o GT CHS. Assim se consumou uma ruptura unilateral do diálogo entre a Conep e o FCHSSA. Uma carta aberta foi divulgada pelo FCHSSA para denunciar a manobra e exigir o restabelecimento do CHS. Esse documento foi assinado por nada mais nada menos do que 52 associações científicas da área de CHS. Algumas questões se colocam: Por que as associações científicas de CHS foram descartadas tão rapidamente logo após a aprovação da Resolução CNS N° 510/2016? Qual a relação dessa situação com o fato de que a Resolução CNS N° 196/1996 foi instituída sem a participação dessas mesmas associações?

Dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores

Que problemas são esses que afetam os pesquisadores de CHS? Eles são, basicamente, de duas ordens:

  • a Plataforma Brasil;

  • a análise de projetos nos CEPs.

Em relação à Plataforma Brasil, os problemas decorrem do fato de que ela foi desenhada, fundamentalmente, para as pesquisas biomédicas. Sendo uma plataforma nacional e única, diferentemente do que ocorre em outros países, ela é pouco afeita a mudanças propostas pelos usuários do sistema. Alguns campos a serem preenchidos pelo pesquisador simplesmente não se aplicam às pesquisas em CHS.

Uma primeira observação deve ser feita em relação à “hipótese” da pesquisa como item de preenchimento obrigatório. Em muitas pesquisas, trabalha-se com a elaboração de hipóteses em que se especificam as relações entre variáveis. No entanto, as pesquisas qualitativas, em geral, não trabalham com a definição prévia de hipóteses (ALVES-MAZZOTI; GEWANDSZNAJDER, 2002). É comum que o pesquisador trabalhe a partir de uma questão de pesquisa e um quadro teórico e construa uma ou várias hipóteses ou produza novas questões no curso do processo de pesquisa. Em termos rigorosos, não é obrigatório que o projeto de pesquisa contenha uma hipótese, o que colide com a exigência presente na Plataforma Brasil.

Os exemplos mais gritantes são os itens desfecho primário e desfecho secundário. Como membro e coordenador de um Comitê de Ética, pude testemunhar inúmeras vezes o esforço dramático de pesquisadores tentando descrever os desfechos primários e secundários da sua pesquisa. Evidentemente, era um esforço feito em vão simplesmente porque esses itens não se aplicam às pesquisas em CHS.

O desfecho é um aspecto importante das pesquisas na área biomédica, mormente nos ensaios clínicos randomizados. Consistem em variáveis monitorizadas ao longo de um estudo a fim de verificar o impacto de uma determinada intervenção ou fator de risco. O desfecho primário é a variável mais importante para se responder a uma questão de pesquisa, podendo ser a cura, piora clínica ou óbito (FERREIRA; PATINO, 2017). O desfecho primário é o principal resultado a ser medido no final de um estudo para avaliar, por exemplo, se um tratamento funcionou. Ele deve ser precisamente determinado antes do início do estudo. O desfecho secundário é uma variável de menor importância, mas cuja medida serve de suporte ao objetivo primário e à mensuração dos efeitos relacionados aos objetivos secundários. Chama atenção que não há nenhum esclarecimento, nem no formulário da Plataforma Brasil, nem nos manuais de apoio, sobre a não aplicabilidade dessas exigências às pesquisas em CHS.

Outro problema a ser apontado se refere à informação sobre o tamanho da amostra. Evidentemente, muitas pesquisas em CHS trabalham com a definição prévia de amostras probabilísticas ou não probabilísticas (RICHARDSON, 2014), sobretudo aquelas que se utilizam de métodos quantitativos. No entanto, boa parte das pesquisas em CHS é de natureza qualitativa e, como tal, possui características completamente diferentes do método experimental. Nas pesquisas qualitativas, ou não há definição de amostra ou ela se constitui a posteriori, a partir da recorrência dos temas fundamentais no limite da constituição de um corpus discursivo que permita a análise dos dados como expressão da representação de uma coletividade.

A Instância de CHS criada no âmbito da Conep elaborou, em 2017, a Carta Circular n° 110 (BRASIL, 2017a), que procurava orientar pesquisadores e membros do Sistema CEP/Conep para o preenchimento do Formulário de submissão de projetos da Plataforma Brasil de forma adaptada à realidade das pesquisas em CHS. Todavia, como a própria carta admite, “[...] o processo técnico burocrático que compreende essa atualização [da Plataforma] impede a imediata adaptação da ferramenta” (BRASIL, 2017a, p. 1). Assim, a partir dessa Carta, é possível que o pesquisador preencha o campo de desfecho primário e desfecho secundário escrevendo “Não se aplica”. Ou no item tamanho da amostra no Brasil, o pesquisador deve inserir o número “0” (zero), já que só é possível inserir números no referido campo. Essas adaptações são louváveis, mas apenas tornam mais visíveis os obstáculos de uma plataforma nacional unificada.

Depois de terem enfrentado dificuldades ao preencher o formulário da Plataforma Brasil, os pesquisadores encontram-se com os problemas do processo de análise/avaliação ética pelos comitês. E isso inclui pareceres emitidos pela própria Conep. Muitos pesquisadores deparam-se com questionamentos que extrapolam os aspectos éticos da pesquisa, isto é, o que diz respeito à proteção dos participantes da pesquisa.

Muitos comitês fazem análise de mérito acadêmico, se pronunciando sobre a consistência teórica do projeto. É comum que os pesquisadores sejam sobrecarregados por pendências como: detalhar como será realizada a análise de conteúdo; aprofundar a fundamentação teórica do projeto. É comum encontrar declarações em que o Parecer Consubstanciado do CEP indica que o pesquisador não desenvolveu bem determinados conceitos, mesmo que não tenham nenhuma relação com as questões éticas fundamentais do projeto. Isso quer dizer que o CEP exige uma exposição mais clara da fundamentação teórica, mesmo que isso não seja possível, considerando a complexidade teórica das categorias utilizadas pelo pesquisador. Se os conceitos não são transparentes para o pesquisador, o que dizer sobre aqueles que não têm familiaridade com o campo de investigação do projeto? Muitas vezes, o CEP solicita detalhamento da metodologia, porém a metodologia já está detalhada, o que revela desconhecimento da metodologia de pesquisa em CHS.

É comum os CEP apresentarem um número elevado de pendências na avaliação dos protocolos de pesquisa, colocando em pendência, por exemplo, o projeto de um pesquisador que declara pretender manter os dados da pesquisa armazenados por dez anos, quando a Resolução CNS N° 510/2016 preconiza que o pesquisador deve guardar os dados por no mínimo cinco anos. O CEP pede, então, que o pesquisador justifique por que pretende guardar por dez anos.

Não é raro o parecerista glosar o projeto devido ao uso do termo “sujeito” em vez de “participante” ou por declarar no Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE) que será entregue ao participante uma “cópia” em vez de uma “via”. Exigência de se paginar o TCLE ou RCLE indicando “1 de 2”; “2 de 2” etc.

Os pesquisadores que atuam na fronteira entre as CHS e a Saúde Coletiva também enfrentam problemas. É o caso do projeto em que o pesquisador declara articular as Ciências Sociais e a Saúde Pública e ser instado pelo CEP a escolher uma área apenas para definir a Resolução que orientará a avaliação ética do projeto7.

Muitos CEPs exigem a apresentação do Termo de Anuência Institucional (TAI), que é um documento em que o representante legal de uma instituição autoriza a realização de uma pesquisa nas suas dependências. Acertadamente, a Plataforma Brasil não inclui esse termo entre os documentos de apresentação obrigatória. No entanto, alguns CEPs insistem em exigir esse documento gerando um impasse altamente desconfortável para o pesquisador. O CEP declara que só pode apreciar o protocolo de pesquisa se o TAI for inserido na Plataforma. Já a instituição exige que o CEP tenha aprovado o projeto para assinar um TAI. Aprisionado nesse impasse, o pesquisador não consegue iniciar sua pesquisa.

Os problemas não param por aí. Os pesquisadores se veem obrigados a resolver pendências sobre benefícios e riscos. É comum alguns CEPs (e até mesmo a Conep) fazerem exigências sobre os benefícios relacionados à participação no estudo. Essa é mais uma exigência abusiva, considerando-se que as pesquisas em CHS não necessariamente proporcionam um benefício direto aos participantes. E, muitas vezes, não apresentam nem benefício indireto. Os benefícios são mais gerais relacionados ao avanço teórico em uma determinada área ou trazendo subsídios a uma determinada política pública na qual os beneficiários são outras pessoas diferentes dos participantes da pesquisa.

Outra pendência abusiva é a exigência de que o pesquisador expresse no RCLE o direito à assistência integral gratuita devido a danos sofridos pelo participante, quando é suficiente o pesquisador informar sobre as estratégias que ele mesmo pode acionar para minimizar certos danos, como, por exemplo, algum constrangimento em responder a uma pergunta ou o sentimento de estar sendo avaliado ou julgado. Além de “assistência integral” ser uma expressão bastante vaga, não faz sentido o pesquisador afirmar que garante alguma coisa que ele não pode garantir. Um parecer da Conep já chegou a exigir que o pesquisador garantisse o encaminhamento médico para os participantes da pesquisa no momento em que se constatasse a evidência de um problema de saúde não identificado previamente.

Por um novo modelo de avaliação ética

O documento intitulado Cronologia da Luta pela Regulação Específica para as Ciências Humanas e Sociais da Avaliação da Ética em Pesquisa no Brasil, redigido pelo professor Luiz Fernando Duarte, descreve o longo e conturbado processo de luta por um sistema próprio de regulação ética para as CHS (DUARTE, 2017). O texto oferece um panorama geral do conjunto de iniciativas das associações científicas e uma descrição particularmente detalhada da preparação da Resolução CNS N° 510/2016. E detalha também alguns acontecimentos imediatamente posteriores à aprovação da Resolução. Como visto, a desativação unilateral do GT CHS encerrou a possibilidade de diálogo entre as associações científicas e a Conep. Mesmo assim, a luta por um modelo de regulação ética específico para as CHS não se desfez.

Em dezembro de 2019, uma minuta de proposta de um sistema alternativo foi apresentada pelo FCHSSA para o MCTI. A ideia seria a de que o Ministério montasse um Conselho de avaliação ética de pesquisas em CHS, com representantes das associações da área para produzir um código de ética específico para as CHS, funcionar como órgão de avalição de denúncias de violação desse código e promover iniciativas de introdução da reflexão da ética em pesquisa na formação acadêmica em todos os níveis (FCHSSA, 2019).

Um outro ponto da proposta a ser destacado é o segundo item que trata da dimensão operacional da proposta:

2) Organização, em cada universidade ou centro de pesquisa, de um colegiado (que poderá se inspirar na organização dos atuais CEP/CHS, ou mesmo continuar sendo os que já existem, desligados de sua vinculação à Conep), que estabeleceria suas próprias normas de avaliação, orientação, informação e registro das pesquisas em CHSSA, em articulação com as instâncias superiores responsáveis pelo ensino e pesquisa em cada instituição - e nos termos e limites do Código formulado pelo Conselho nacional e aprovado pelo MCTIC. Esses colegiados poderão manter a função avaliativa dos atuais CEP/CHS ou ter apenas as funções organizacionais e educativas, compartilhando com algum outro colegiado a função de avaliação dos projetos em si - do ponto de vista integrado acadêmico e ético. (FCHSSA, 2019, p. 3).

A proposta não teve acolhida e continua até hoje sem resposta, apesar dos insistentes pedidos do Fórum para marcação de reunião ou para algum posicionamento do Ministério.

Em abril de 2022, o FCHSSALLA8 constituiu um GT sobre ética em pesquisa que assumiu duas importantes tarefas. Acompanhar a tramitação do Projeto de Lei (PL) No 7.082, de 2017 (BRASIL, 2017b) e elaborar um documento de diretrizes éticas de CHS. Esse PL tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados e tem o objetivo de disciplinar a realização de Pesquisa Clínica com Seres Humanos (BRASIL, 2017b). A justificativa é proporcionar segurança jurídica, além de maior eficiência e agilidade ao processo de avaliação dos aspectos éticos das pesquisas clínicas que envolvem seres humanos. Trata-se de um PL bastante polêmico, pois muitos consideram que ele visa na prática atender a interesses da indústria farmacêutica em flexibilizar o processo de revisão ética. Não cabe na proposta deste artigo discutir o mérito desse PL em relação às pesquisas clínicas, porém é preciso observar que esse projeto representa uma grande ameaça para as pesquisas em CHS. Todo o projeto, tanto na sua ementa e preâmbulo tanto no corpo do texto se refere à pesquisa clínica, material biológico, medicamentos, doenças etc. Todo o texto versa sobre pesquisas biomédicas com seres humanos. No entanto, no meio de toda essa referência às pesquisas biomédicas, encontra-se o Art. 73, cujo texto estabelece o seguinte: “Art. 73. Esta Lei e seus termos se aplicam às pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento, no que couber, desde que não exista regulamentação específica em contrário” (BRASIL, 2017b, p. 228).

De forma insidiosa, foi embutida tardiamente no PL No 7.082/2017 um artigo que termina por fixar em lei toda a distorção que o movimento liderado pelo FCHSSALLA vem denunciando há duas décadas. A inadequada subordinação das CHS ao campo biomédico ficaria sacramentada em lei. O GT de ética do FCHSSALLA passou a acompanhar a tramitação com a assessoria parlamentar do Fórum e a mobilizar a comunidade acadêmica para apoiar a reivindicação de retirada do Art. 73 do PL. Após quase um ano desde o início do GT de ética, o PL continua em regime de urgência, porém sem relator9. É uma incógnita quando ele será levado à votação.

Uma outra tarefa mobilizou o GT de ética do FCHSSALLA: a elaboração de um documento de diretrizes éticas e de integridade na pesquisa. Na proposta do Fórum para o MCTI, esse documento seria elaborado pelo Conselho instituído no âmbito do Ministério. No entanto, a iniciativa de elaborar o documento pelo GT se colocou diante da urgência de se construir um texto de referência para a grande área das CHS. Após dez meses de intenso trabalho, no mês de fevereiro de 2023, o GT finalizou uma minuta de um documento intitulado Diretrizes para a ética na pesquisa e a integridade científica, que será submetido à consulta pública a fim de recolher as contribuições das associações e de pesquisadores individuais.

A elaboração desse documento baseou-se em documentos de conduta ética de várias associações científicas de CHS e, também, em guias de boas práticas, integridade em pesquisa, ciência aberta, além da Resolução CNS N° 510/2016, fruto da mobilização do FCHSSALLA. Essa iniciativa baseia-se na consciência de que as pesquisas em CHS possuem implicações éticas que devem ser identificadas, debatidas e normatizadas. Os pesquisadores de CHS vêm cada vez mais incorporando as questões éticas e de integridade em pesquisa na sua prática, bem como na formação de novos pesquisadores (MERCADO; RÊGO, 2023).

A experiência do CEP-CFCH/UFRJ

A luta pela afirmação da especificidade do processo de avaliação ética de pesquisas em CHS implicou diversas ações dentro do sistema. Além da intervenção do FCHSSALLA desde 2013 é preciso mencionar o surgimento de experiências novas de comitês específicos para CHS. O primeiro foi o Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS) da Universidade de Brasília (UnB), registrado na Conep em 2007. Em 12 de setembro de 2012, foi instituído o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CEP-CFCH) da UFRJ. Em seguida, surgiram o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Humanas) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o CEP-CHS da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ambos em 2017. Outros CEPs de CHS criados mais recentemente são os das seguintes universidades: CEP/CHS sediado no Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e CEP Humanidades da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)10.

A experiência desenvolvida ao longo de dez anos de existência do CEP-CFCH da UFRJ permitiu a construção de um trabalho menos burocrático e mais voltado para suas funções reflexiva e educativa da avaliação ética. Isso foi possível na medida em que os membros do Comitê compartilhavam suas dificuldades como usuários do sistema CEP/Conep. Ao mesmo tempo, a experiência com a análise de projetos permitiu identificar, na prática, os problemas que o sistema apresenta para os pesquisadores de CHS.

Nas reuniões, as exigências formais prescritas pelas resoluções eram sempre levadas em consideração, mas o trabalho se concentrava nas questões éticas substantivas que cada projeto apresentava. O CEP utilizou-se de diferentes canais para aproximar-se dos pesquisadores e socializar as informações necessárias para que a submissão de projetos fosse menos problemática. Nesse sentido, eram enviadas mensagens de esclarecimentos para os pesquisadores das unidades vinculadas ao CEP-CFCH/UFRJ. Além disso, o site do CEP passava por atualizações frequentes, principalmente com orientações sobre preenchimento da Plataforma Brasil. Uma outra iniciativa fundamental foi a organização de debates envolvendo pesquisadores, membros de outros comitês e outras instâncias da universidade.

Essa última iniciativa propiciou um desdobramento importante. Em 2018, o CEP organizou um ciclo de debates no qual foi apresentada a proposta de criação de um novo Comitê, desvinculado do Sistema CEP/Conep. Essa proposta está em consonância com a que foi apresentada pelo FCHSSA para o MCTI, conforme a citação no item anterior. Cumpre observar que não se trata de um comitê “autônomo”, pois ele estará subordinado às estruturas institucionais e de controle da universidade. A proposta foi aprovada pelo CEP e, depois, encaminhada ao decano do CFCH da UFRJ que a levou para o Conselho de Centro11. Este decidiu encaminhá-la para as unidades de ensino do CFCH a fim de que os pesquisadores pudessem discutir e deliberar sobre a matéria. Todas as congregações das unidades do CFCH aprovaram a proposta. Além disso, é digno de nota que esse encaminhamento produziu um efeito importantíssimo, que foi o de ensejar a discussão dos problemas da ética em pesquisa pelos professores e pesquisadores no nível das reuniões de departamento, o que contribuiu muito para aproximá-los do debate ético.

O Conselho de Centro instituiu um GT para elaborar o regulamento e o regimento desse novo CEP. Após a conclusão desse trabalho, os documentos foram discutidos no CEP-CFCH, quando foram feitos aperfeiçoamentos nos textos. Em seguida, foram encaminhados para um colegiado superior da UFRJ, o Conselho de Ensino para Graduados (CPEG)12, pois havia o entendimento de que o apoio institucional da UFRJ nos colegiados superiores asseguraria a legitimidade necessária para poder firmar a competência do novo CEP de prosseguir avaliando projetos mesmo fora do sistema CEP/Conep.

Operacionalmente, esse novo CEP continuaria trabalhando normalmente, mantendo a mesma composição do momento em que ocorresse a desvinculação. Os protocolos de pesquisa seriam recebidos, de início, por e-mail, com um formulário próprio mais adaptado às características da área. As agências de fomento e revistas científicas seriam devidamente esclarecidas da legalidade e da legitimidade dos pareceres emitidos pelo novo CEP da UFRJ. Essa proposta se apresenta como uma aposta na construção de um modelo de regulação ética descentralizado, tanto no sentido de ser específico para projetos de CHS quanto no sentido de ter uma organização local.

Essa proposta está alinhada às boas práticas de reflexão ética e integridade em pesquisa realizadas em experiências internacionais como na União Europeia, Reino Unido, Canadá e Finlândia13. Nessas experiências, há um texto normativo na esfera federal, mas a organização e a administração do processo se realizam no âmbito local, diferenciando-se os CEPs CHS e os CEPs da área biomédica.

Uma questão importante a considerar refere-se às bases legais que permitem à UFRJ autorizar o funcionamento de um CEP desvinculado do Sistema CEP/Conep. Sobre essa questão, é preciso ressaltar três pontos. O primeiro deles é que as diretrizes que regulamentam a revisão ética de pesquisas com seres humanos no Brasil se baseiam em um ordenamento infralegal. Essa regulação se iniciou de forma sistemática a partir da Resolução CNS Nº 196/1996. Em seguida, ela foi substituída pelas Resoluções CNS Nº 466/2012 e Nº 510/2016, além de outras Resoluções subsidiárias. Portanto, a vinculação ou não ao sistema não está fixada por lei.

O segundo ponto é que o CNS é uma instância colegiada de caráter político voltada ao acompanhamento e ao controle da execução da Política Nacional de Saúde no âmbito federal. Apesar da sua inegável importância na sustentação do Sistema Único de Saúde (SUS), ele não possui, entre suas atribuições, fixadas em lei14, a regulação ética de pesquisas. Mesmo que se reconheça a legitimidade do CNS criar essa regulação, sobretudo porque assegura a intervenção do controle social na regulação do sistema, mesmo assim, ela deveria ser restrita à área da Saúde, que é o escopo da sua atuação.

Na verdade, o único item do artigo primeiro do Decreto N° 99.438, de 7 de setembro de 1990, que menciona ética possui a seguinte redação: “[...] acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural do país [...]” (BRASIL, 1990, n.p.). Portanto, mesmo que se considere que esse item pode abarcar a questão da avalição ética em pesquisa, fica muito evidente que essa atribuição diz respeito, exclusivamente, à área da Saúde.

Como foi dito, o novo CEP não se pretende “autônomo”, mas desvinculado do Sistema CEP/Conep. Não será autônomo na medida em que estará subordinado às estruturas institucionais da UFRJ. Dentre os princípios norteadores da integridade e da ética em pesquisa, incluem-se a transparência e a necessidade da prestação de contas (accountability). O CEP/CFCH pretende manter-se afinado com esses princípios por meio da apresentação de relatórios periódicos encaminhados ao Conselho de Centro do CFCH. Esse colegiado pode vir a ser também a instância recursal diante das decisões do CEP/CFCH. Além disso, o CEP pode trabalhar em parceria com a Câmara Técnica de Ética em Pesquisa (CTEP) do CPEG, para a promoção do debate sobre ética em pesquisa dentro da universidade.

Hipóteses de trabalho

Muita tinta vem sendo gasta nas últimas décadas no Brasil para demonstrar a indevida subordinação das pesquisas em CHS à área biomédica tal como ela se apresenta no Sistema CEP/Conep. Neste item, serão apresentadas algumas hipóteses para contribuir para a análise desse processo.

Os pesquisadores já fizeram a dura experiência, há bastante tempo, de que o problema que eles enfrentam não é tanto epistemológico, mas político. Diante disso, uma questão crucial a ser levantada é: O que motivou o enigmático salto dado pelo Conselho Nacional de Saúde na Resolução CNS N° 196/1996? A hipótese que se propõe aqui é que a ampliação da abrangência da Resolução foi uma maneira de criar um sistema forte o suficiente para vencer aquelas resistências no meio médico à normatização das pesquisas introduzida pela Resolução CNS N° 001/1988.

Verifica-se que o uso dos termos “todo”, “toda”, “único” revelam uma tendência centralizadora na regulamentação da ética em pesquisa que criou um sistema que destoa das experiências internacionais. Como visto, as Resoluções que fundamentam o sistema CEP/Conep para regular todas as pesquisas com seres humanos. O discurso predominante no Sistema CEP/Conep é: se o interesse da avaliação ética é único (a dignidade do ser humano), o sistema de avaliação deve ser único.

Nesse processo, dois ideais serviram de arma ideológica que conferiram força à expansão do escopo normativo: a multidisciplinaridade e a proteção dos seres humanos. O ideal de multidisciplinaridade (ou de interdisciplinaridade), caro à Bioética, mas também um corolário da concepção ampliada de saúde presente no movimento sanitário, serviu para alavancar essa ampliação. A desejável multidisciplinaridade dos Comitês de Ética foi fundida com a necessidade de regular a ética na pesquisa fora da área da Saúde.

A Resolução CNS N° 196/1996 passou a usar a expressão “pesquisa envolvendo seres humanos” não mais para diferenciá-las dos experimentos com animais ou com culturas de células, mas para se referir a qualquer pesquisa que seja feita com seres humanos. A necessidade de proteger os participantes da pesquisa é uma ideia forte em relação à qual não é possível se opor. Amparados nesses nobres ideais, os defensores do atual sistema CEP/Conep têm sistematicamente desprezado todas as vozes que propugnam pela criação de um sistema próprio de avaliação ética para as CHS. Tal constatação converge para a análise de Guerriero (2023) que vê no Sistema CEP/Conep a manutenção de relação de tutela e de exercício de poder face às CHS.

Gunsalus et al. (2007), ao analisar o funcionamento dos Institutional Review Boards (IRB) nos EUA, já faziam a crítica ao “one-size-fits-all approach”, isto é, uma abordagem “tamanho único” baseado no modelo biomédico. Outra expressão utilizada pelos autores é “mission creep” para nomear a crise do sistema de avaliação ética norte-americano, operacionalizado pelos IRB. Mission Creep poderia ser traduzido livremente como “desvio de finalidade” ou expansão da missão além dos objetivos iniciais. Refere-se, sobretudo, à constatação de que lá os Comitês de Ética estavam focados mais em procedimentos e documentação, preenchimento de formulários do que nas questões éticas substantivas. Trata-se de uma boa descrição do que se vê acontecer aqui no Brasil.

Não há dúvida de que a preocupação fundamental das diretrizes éticas da avaliação de pesquisas com seres humanos é a proteção da dignidade e do bem-estar dos participantes da pesquisa. No entanto, as diferenças entre os campos de investigação e os tipos de pesquisa devem ser levadas em consideração.

O impressionante desenvolvimento das ciências da vida, que se traduzem nas revoluções terapêutica e biológica, apresenta dois grandes desdobramentos: um no plano da cultura e outro no plano econômico. O primeiro é que a marcha inexorável da ciência no campo biomédico gerou diferentes expressões de angústia entre os cientistas não apenas pelos desvios ou abusos cometidos nos experimentos com seres humanos, mas em função do próprio sucesso das ciências da vida que engendram novos problemas para a sociedade. Diante disso, não é apenas legítimo, mas também necessário criar espaços de reflexão e parâmetros éticos para essas pesquisas.

O segundo desdobramento é que essas revoluções propiciaram a formação de um verdadeiro complexo médico-industrial (VIANNA, 2002). A partir da Segunda Guerra Mundial, foi possível a produção em larga escala de novos medicamentos que trouxeram a cura para doenças antes consideradas fatais. Posteriormente, surgiu um setor capitalista de equipamentos médicos, exercendo impacto na formação médica por criar novas especialidades e especialistas na utilização desses novos equipamentos. Desde então, a saúde tornou-se um bem altamente valorizado, seja na forma de mercadoria a ser vendida e comprada, seja na forma de direito de cidadania a ser garantido pelo Estado.

É nesse contexto que surgiu a demanda de regulamentação ética das pesquisas biomédicas. Classificá-las como pesquisas em seres humanos é apropriado por sublinhar que elas possuem a especificidade de envolver intervenções no corpo dos sujeitos de pesquisa. Tais procedimentos comportam inúmeros riscos físicos e psicológicos, ao mesmo tempo em que trazem benefícios diretos e/ou indiretos aos participantes. Em função de todos esses determinantes, as pesquisas biomédicas tornaram-se mais suscetíveis de vir a serem reguladas por protocolos, códigos de deontologia, normas jurídicas e contratos.

No caso das CHS, as coisas se passam de um modo bastante diferente. Em primeiro lugar, porque se trata de um campo bastante heterogêneo na medida em que reúne disciplinas muito variadas. Tais disciplinas científicas possuem histórias muito particulares e discursividades próprias que se traduzem em teorias e metodologias diversas. Essa pluralidade não revela falta de rigor, mas mostra a riqueza epistemológica do campo. Dentro das metodologias quantitativas e qualitativas, encontra-se uma variedade de técnicas. Se existe algum denominador comum entre essas diversas disciplinas, talvez ele esteja no fato de que o material a ser colhido e submetido à análise é a palavra, escrita ou falada. É, portanto, no campo da linguagem que se joga o jogo das pesquisas em CHS.

Por isso, não é possível a padronização da avaliação ética de pesquisa nessa área. Não há dúvida de que qualquer pesquisa em CHS possui aspectos éticos importantes. É na medida mesma em que o objeto empírico de pesquisa envolve um sujeito humano é que as pesquisas em CHS possuem implicações éticas e não estão isentas de ter de passar por algum processo de avalição ética. As pesquisas nesse campo, por exemplo, tocam em questões sensíveis para os sujeitos de pesquisa, de modo que a garantia do anonimato e a preservação do sigilo das informações e dos dados pessoais estão entre os princípios fundamentais para os pesquisadores desse campo. No entanto, cada pesquisa, em cada disciplina científica, levanta questões éticas muito particulares e é preciso que existam espaços para debater essas questões.

E aqui surge uma outra hipótese. Em que medida, um dos determinantes desse processo é a tendência contemporânea de prevalência de relações contratuais na vida social. Considerando o que revela a psicanálise (LACAN, 2001), que o laço social é basicamente o laço entre falantes, o laço envolve um pacto simbólico no qual os interlocutores, apesar da imagem que um possa ter do outro, instituem uma instância terceira que é o grande Outro, lugar da fala e da linguagem. A fala é o meio pelo qual um sujeito pode vir a se fazer reconhecer emergindo como efeito dela. O pacto implica um ato de boa-fé do sujeito de constituir o outro que está na sua frente como um interlocutor válido, apesar das diferenças. O pacto dá lugar à dimensão da alteridade (MELMAN, 2002).

Já no contrato a relação se baseia em um acordo verbal ou escrito em que cada parte empenha algum bem ou compromisso. Geralmente, o contrato necessita de um documento escrito e assinado para que ele possa vir a ter validade jurídica. Em um certo sentido, a judicialização da vida social expressa essa mutação. Cada vez mais os problemas do campo da ética e da política tendem a ser enfrentados pela mediação do direito positivo. Historicamente, uma das maiores expressões disso foi o processo descrito por Bobbio (2000) como a constitucionalização dos direitos, verificada nas Declarações dos Direitos inseridas nas primeiras constituições liberais: “Desse modo, os direitos do homem tornaram-se, de direitos naturais, direitos positivos” (BOBBIO, 2000, p. 481).

O esvaziamento ou o empobrecimento do simbólico faz com que cada vez mais as relações assumam uma dimensão contratual. Disso decorre que a lei positiva (e com isso, os regulamentos, as normas) vem remediar esse esvaziamento como se ela pudesse dar conta de gerir todas as falhas do laço social.

Estas são hipóteses de trabalho para serem desenvolvidas ou superadas por outras melhores. Contudo, elas não substituem a ação política. Este debate ainda está muito distante da maioria dos pesquisadores das CHS. Ao que tudo indica, os apóstolos do universal seguirão sua marcha. Quanto aos gentios, não se sabe ainda como continuarão reagindo aos ensinamentos deles.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer aos professores Luiz Fernando Dias Duarte, do Museu Nacional da UFRJ e Antonio Augusto Passos Videira, do Instituto de Filosofia da UERJ, pelos comentários ao texto.

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1Doravante, será utilizada a sigla CHS. Trata-se de um conjunto bastante heterogêneo de campos de saber, que, por diversas razões, precisam ser agrupados e classificados. No entanto, a complexidade e a diversidade do campo da ciência tornam bastante difícil a classificação das áreas de conhecimento para os mais variados fins institucionais (SOUZA, 2004). Em todo caso, essa terminologia se apresentou como a forma mais simplificada e abrangente para designar o conjunto de disciplinas e profissões que se dedicam ao estudo de - ou à intervenção em - problemas da sociedade, da cultura e do comportamento, em outras palavras, que têm como objeto as diversas modalidades de discurso.

2Nos documentos e nos artigos de muitos países de língua inglesa, é comum se utilizar a expressão ethical review para se referir ao trabalho de um Comitê de Ética em pesquisa. No sistema de regulação ética de pesquisas norte-americano, por exemplo, os comitês são denominados Institucional Review Boards ou IRB (GUNSALUS, 2007). Neste trabalho, optou-se por utilizar o termo “avaliação ética”, considerando que o termo “revisão”, pelo menos na língua portuguesa, está semanticamente associado ao processo de leitura ou releitura de um texto, do qual podem decorrer alterações a serem feitas pelo seu autor. Aqui, parte-se do pressuposto de que a reflexão ética antecede qualquer intervenção sobre o texto de um protocolo de pesquisa.

3Conforme a nota anterior, neste texto, a sigla CHS servirá para fazer referência ao campo das Ciências Humanas e Sociais em geral. Em relação ao Fórum das associações científicas, cumpre esclarecer que, no momento de sua criação, ele era denominado Fórum de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FCHSSA) (DUARTE, 2017). A partir de 2020, ele passou a ser designado Fórum das Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (FCHSSALLA).

4Essa expressão, utilizada nos textos normativos nacionais desde a Resolução CNS N° 196/1996, será problematizada mais adiante.

5Para uma história da bioética consultar: Baron (2006), Mori (1994) e Rego, Palácios e Siqueira-Batista (2009).

6Descrição extraída do site da Plataforma Brasil, disponível em: https://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf. Acesso em: 22 ago. 2022.

7Além da Resolução CNS N° 466/2012 e da Resolução CNS N° 510/2016, existe a Resolução N° 580, de 22 de março de 2018, que trata dos aspectos éticos das pesquisas com seres humanos em instituições do SUS (BRASIL, 2018).

8Vide nota número 1.

9Essa era a situação em fevereiro de 2023.

10É possível que existam outros CEPs de CHS no Brasil, mas sua identificação é difícil pela Plataforma Brasil, pois a Conep não disponibiliza uma listagem específica.

11O Conselho de Centro é constituído pelo decano, pelos diretores das unidades vinculadas ao CFCH, bem como pelos representantes das categorias docentes. As unidades que fazem parte do CFCH são: Colégio de Aplicação, Comunicação, Serviço Social, Psicologia, Educação, Filosofia, Ciências Sociais, História, Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos.

12O CPEG é o órgão deliberativo que compõe a estrutura superior da UFRJ responsável pelas diretrizes didáticas e pedagógicas dos cursos de Pós-Graduação. É composto por membros eleitos em cada um dos Centros Universitários e presidido pelo(a) Pró-reitor(a) de Pós-Graduação e Pesquisa.

13Vide os seguintes documentos: Office of Research Ethics (2013), Finnish National Board on Research Integrity (2019), University of Oxford (2020), European Comission (2021).

14A normas legais referidas são: a Lei N° 8.142, de 28 de dezembro de 1990; o Decreto N° 99.438, de 7 de setembro de 1990; e o Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006 (respectivamente, BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990b; BRASIL, 2006b).

Recebido: 08 de Março de 2023; Revisado: 26 de Março de 2023; Aceito: 30 de Março de 2023; Publicado: 09 de Maio de 2023

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