Introdução
O relatório Professores na Europa: Carreira, Desenvolvimento e Bem-estar, publicado pela Comissão Europeia, Agência de Execução Relativa à Educação, ao Audiovisual e à Cultura (EACEA) e Eurydice (2021), afirma que ter professores motivados é um pré-requisito fundamental para o sucesso de um sistema educacional em que estudantes de diferentes origens possam alcançar o seu pleno potencial. A nível mundial, o relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO (2024) Addressing teacher shortages and transforming the profession alerta para o problema da falta de professores e, face ao elevado número dos que abandonam a profissão, para a necessidade de os reter. Reconhecendo que a falta de professores põe em perigo o futuro da educação, este relatório refere serem necessários 44 milhões novos professores para se conseguir, até 2030, uma educação primária e secundária universal. Em Portugal, a falta de professores está também documentada (Nunes et al., 2021) e mostra tendência para piorar. Por outro lado, a comparação das necessidades projetadas para novos professores com a capacidade das Instituições de Ensino Superior (IES) para formarem e atraírem novos candidatos para esses cursos revela um grande déficit (Leite; Marinho; Sousa-Pereira, 2023). Recorde-se que, já no princípio deste século, o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OCDE (2005), ao destacar a evolução demográfica do trabalho docente em todo o mundo, apontou a necessidade de atrair e reter novos professores competentes nos sistemas educativos.
Ao longo do tempo, vários estudos identificaram razões associadas à decisão de permanecer ou de abandonar a profissão. Por exemplo, em 2002, Youngs e King sublinharam, em estudo que analisou fatores que influenciavam a rotatividade dos professores, a satisfação no trabalho como tendo um papel significativo na decisão de permanecer ou sair da profissão docente. Youngs e King (2002) sustentaram ainda que os professores conscientes do impacto positivo do seu desempenho nas aprendizagens dos alunos são mais propensos a permanecer na profissão. Em sentido contrário, Lamboy (2023), em estudo que analisou o problema nos Estados Unidos da América, identificou a falta de apoio sentido pelos professores, a falta de profissionalismo das escolas e os baixos salários como fatores que influenciam o abandono da profissão docente. Nesse sentido, este autor referiu ser importante explorar maneiras inovadoras de atrair novos candidatos e de assegurar, no exercício da profissão, apoios como, por exemplo, a mentoria para professores na fase de indução na profissão e nos programas de residência.
A falta de incentivos para atrair novos professores tem vindo a ser alertada por alguns estudos (García; Weiss, 2019; Ingersoll, 2001; See et al., 2020) que destacam a urgência de melhorar as condições de trabalho e de investir em iniciativas que encorajem novos estudantes para a escolha da profissão “Professor”.
Apesar destes alertas, o problema da falta de professores tem-se vindo a agravar, nomeadamente pelo aumento crescente de aposentações, sem a correspondente entrada no sistema de novos profissionais. Em Portugal, o Conselho Nacional de Educação - CNE (Portugal, 2019) referiu que mais da metade dos professores (58%) se aposentariam até 2030, enquanto o número de estudantes em cursos de formação inicial de professores (FIP) tinha diminuído para metade entre 2011/2012 e 2017/2018. Mais recentemente (Portugal, 2023), este Conselho reforçou a “crise vocacional” da profissão docente com consequências no baixo número de estudantes que se inscrevem em cursos de FIP. É esta situação que, em Portugal, mas não só, torna urgente atrair novos candidatos para a profissão. É de enorme relevância para o futuro da educação que as IES cuidem, quer da qualidade de formação de professores, quer da atração de possíveis candidatos para a profissionalização docente. Por isso, conhecer as razões que levam estudantes do Ensino Superior a escolher cursos que preparam para a profissão docente é imperativo.
Este problema mostra a urgência de ampliar as ofertas de formação existentes e, mais importante ainda, de atrair novos candidatos para esses cursos, mantendo os professores que estão no sistema. Tendo em conta a atual conjuntura educativa, e o problema que está a ser sentido, importa conhecer as razões que levam os estudantes a optar por cursos de FIP e suas perceções sobre a profissão docente. Este conhecimento é fundamental para informar políticas educacionais e estratégias de recrutamento de professores.
Orientado por esta intenção, o estudo que este artigo apresenta responde às seguintes perguntas: (1) Que razões estão na base da escolha da profissão docente por estudantes que frequentam cursos de formação inicial de professores? (2) Que perceções têm estudantes/futuros professores sobre a profissão docente? (3) Que influências tiveram no momento da escolha do curso a frequentar e quão satisfeitos estão com a escolha?
Para responder a estas perguntas, foram inquiridos os estudantes que, em 2023-2024, frequentavam os cursos de formação profissional para a docência na Universidade do Porto, que, na adequação ao Processo de Bolonha, corresponde aos Mestrados em Ensino (Decreto-Lei nº 74/2006). Como procedimento metodológico, foi usado um questionário validado internacionalmente. Os dados obtidos foram analisados e interpretados à luz do quadro teórico a seguir apresentado.
A atratividade da profissão “Professor”
A atratividade da profissão “Professor” constitui o cerne de uma investigação robusta, com resultados imprescindíveis para a compreensão da questão: “O que é que leva alguém a querer ser professor?”. Numa revisão sistemática da literatura realizada por Dotta et al. ([2024?]), foram identificados 279 artigos científicos produzidos entre 2011 e 2022 sobre a atratividade da profissão docente e a retenção de professores. Da análise de artigos selecionados, resultou a constatação de que o fenômeno tem sido estudado na Europa, na América, em África e na Oceania, havendo referência a estudos empíricos em países tão diversos como: Estados Unidos da América, França, Rússia, Brasil, Austrália, Noruega, África do Sul, Sérvia, Inglaterra, Finlândia, Suécia, Espanha e Chile.
Richardson e Watt, professores da Universidade de Sidney, iniciaram a investigação sobre as motivações subjacentes à escolha da profissão docente em 2001, após terem observado duas constatações: (i) as motivações predominantes para escolher a profissão “Professor” identificadas em estudos submetidos à revisão de literatura eram categorizadas por diversos autores como motivações intrínsecas, altruístas e extrínsecas; (ii) os conceitos de intrínseco, altruísta e extrínseco associados a motivações para a profissão docente eram muito diferentes entre os autores dos estudos científicos, não havendo um quadro teórico e analítico consensual, o que tornava extremamente difícil a comparação dos resultados (Watt et al., 2012).
O primeiro estudo publicado por estes investigadores com a aplicação de uma escala especificamente produzida para o efeito (Richardson; Watt, 2006) foi realizado com estudantes de três universidades australianas que escolheram cursos de formação para a profissão docente, examinaram as suas características e motivações e concluíram que essa escolha teve na origem uma variedade de fatores de que são exemplo: paixão pelo ensino e pelos assuntos a ensinar; desejo de influenciar positivamente a vida dos outros; influências pessoais de professores anteriores; perceção de que a profissão docente é uma carreira estável e gratificante. Os autores constataram ainda que os estudantes que tinham experiência prévia de trabalho com crianças ou jovens, quer como voluntários, tutores ou em outras atividades que tivessem favorecido estes contactos, eram mais propensos a escolher a profissão “Professor”. Mais tarde, estes mesmos autores (Watt; Richardson, 2007), para estudarem fatores motivacionais que influenciam a escolha da profissão docente, desenvolveram uma escala (Fit-Choice Scale) que destacou influências sociais e pessoais, de que são exemplo modelos de professores, valores pessoais e crenças sobre o ensino e a educação, para além das perceções da profissão docente. Focados na mesma intenção de aprofundar o conhecimento sobre razões que estão na base da escolha da profissão docente, estes autores (Watt; Richardson, 2008; Watt; Richardson; Morris, 2017) exploraram as motivações, perceções e aspirações de diferentes tipos de professores em início da carreira e efeitos gerados quando, por exemplo, estes professores iniciantes entraram na profissão por vocação, por influência familiar, por oportunidades de trabalho ou por outras razões.
Nos últimos quinze anos, o Fit-Choice Scale tem sido usado em vários países, permitindo comparar resultados. Por exemplo, na Croácia, Jugović et al. (2012) investigaram motivações dos estudantes que frequentam cursos de formação de professores, na intenção de compreender o que os influencia nesta opção profissional, e exploraram relações entre a personalidade desses estudantes e as suas motivações para se tornarem professores. Watt et al. (2012), usando o Fit-Choice Scale, compararam motivações para a escolha da profissão docente em candidatos a professores de vários países, destacando semelhanças e diferenças dependentes de culturas e contextos educacionais. Conclusões semelhantes são enunciadas no estudo de Ryan e Deci (2020) que reconhecem que: na motivação intrínseca para a profissão, têm importância situações fundadas na autonomia, na competência e nas questões relacionais; na motivação extrínseca, têm influência recompensas externas, como, por exemplo, o reconhecimento social. Neste estudo, estes autores examinaram também os efeitos que o apoio ao exercício da profissão pode ter para manter os professores envolvidos e satisfeitos com a profissão.
No conjunto dos estudos internacionais com base na aplicação do FIT-Choice Scale, importa destacar o de Correia et al. (2022), realizado no Chile, e o de Nocito Muñoz et al. (2022), em Espanha. Ao analisarem o programa SerProfe, que pretendeu promover a equidade na admissão de professores, Correia et al. (2022) identificaram razões relacionadas com o desejo de contribuir para o desenvolvimento da sociedade, a paixão pela atividade de ensinar e a crença do potencial que pode ter a educação na transformação e na melhoria. É igualmente importante o estudo realizado em Espanha, por uma equipa (Nocito Muñoz et al., 2022) que avaliou o impacto de um programa destinado a estudantes do ensino médio superior. Nesse estudo, os autores concluíram que o programa, que tinha como objetivo aumentar a atratividade da profissão professor, na orientação seguida influenciou as perceções e intenções dos estudantes em relação à profissão docente.
Razões que justificam a entrada na profissão, mas também de nela permanecerem, foram estudadas também por Johnson e Birkeland (2003) que concluíram que a decisão é influenciada por uma combinação de fatores pessoais, profissionais e contextuais, e apoiada por situações que proporcionem oportunidades de desenvolvimento profissional e deem satisfação.
O interesse em compreender as razões subjacentes à escolha da profissão docente incide também em áreas disciplinas específicas. Na África do Sul, por exemplo, Preez (2018) investigou fatores que influenciam os estudantes de Matemática a escolher o ensino como carreira na intenção de compreender as motivações e influências que estão na base da escolha destes estudantes se tornarem professores e identificou fatores de uma forte relação com a disciplina, aliada à perceção de que ensinar matemática é gratificante e desafiador. Do mesmo modo, Han e Borgonovi (2020) investigaram as expectativas de carreira docente de estudantes de Ciências e de Matemática, examinando aspetos relacionados com o salário e se existiam diferenças de acordo com a área disciplinar e o género.
De acordo com os estudos mencionados, as razões enunciadas como mais relevantes para a escolha da profissão “Professor” são as seguintes: nas motivações intrínsecas, têm influência a autonomia, a auto-perceção da capacidade de ensino e questões relacionais; nas motivações altruístas, o sentido de utilidade social; nas motivações extrínsecas, a estabilidade e o ensino como carreira de recurso. Funciona ainda como motivação fortemente determinante a influência dos outros (família, amigos, professores, modelos positivos, experiências escolares e meios de comunicação social), influências sociais e pessoais, de que são exemplo modelos de professores, valores pessoais e crenças sobre o ensino e a educação, para além das perceções da profissão docente.
Particularmente significativos são os estudos que revelam a influência social associada à escolha da carreira docente. Watt e Richardson (2007) identificaram a dissuasão social como um dos fatores negativos de auto-eficácia no processo de escolha da profissão docente. Os candidatos à profissão docente são, muitas vezes, alvo de comentários relacionados com a sua falta de habilidade ou de características consideradas adequadas ao exercício da docência. No entanto, outras vezes é o contrário: ouvem comentários que elogiam as suas elevadas competências como argumento para não serem professores. A dissuasão social é referida como um dos fatores muito presentes ao longo do processo de tomada de decisão para escolher a docência como profissão. Smith (2022), num estudo realizado com 10 estudantes em formação inicial de professores STEM [Science, Technology, Engineering and Mathematic], na Carolina do Norte, explorou a questão da dissuasão social usando como método as histórias de vida. Deste modo, pôde identificar as fontes de dissuasão social exercidas pelos estudantes em formação inicial. O estudo revelou que, apesar de alguns participantes terem recebido mensagens de encorajamento, muitos foram frequentemente alvo de dissuasão ou persuasão para não serem professores por parte de familiares (mãe, pai, avô), amigos e professores. Dos relatos emergiram frases como: “[Y]ou can do so much more than what I do”, “I’ve had people ask my mom, ‘Are you okay with her doing that? Why are you letting her become a teacher?”’, “They were like, ‘teachers in North Carolina don’t get paid very well. It’s not a valued profession in North Carolina.”’1 (Smith, 2022, p. 111). No mesmo sentido, isto é, de registo de comentários negativos sobre a escolha da profissão docente por parte de candidatos à docência, vão os estudos de O’Sullivan, MacPhail e Tannehill (2009), com incidência em futuros professores de Educação Física, e de Eick (2002), em professores de Ciências.
A escolha da profissão docente resulta de um processo de decisão baseado em múltiplos fatores, em que intervêm várias influências. Sabemos, como referiram Everton et al. (2007), que são fatores de atração, para além do salário, das condições de trabalho, das oportunidades de desenvolvimento profissional e do apoio de que podem vir a usufruir os professores, o status e o prestígio da profissão docente. Como sustentaram estes autores, a profissão torna-se mais atraente para potenciais candidatos quando a sociedade valoriza e reconhece o papel dos professores como fundamental para o desenvolvimento social e individual.
Atualmente, tem sido referido que as condições sociais e econômicas relacionadas com a profissão “Professor”, em Portugal, não são favoráveis a um forte poder de atração de jovens para a docência. Apesar disso, os cursos de formação inicial de professores nas IES portuguesas funcionam. Os futuros professores que atualmente se candidatam aos cursos de FIP passaram o processo de tomada de decisão para ingresso na carreira docente, tendo entrado em cursos para habilitação profissional para a docência em IES que têm a responsabilidade de formar os futuros professores, preparando-os para a plenitude das funções que a profissão “Professor” exige. Para além dos conhecimentos científicos da área disciplinar a que os futuros professores virão a estar vinculados, dos conhecimentos necessários aos processos de ensinar e de fazer aprender e dos valores que suportam uma educação democrática orientada por valores éticos, é também fundamental trazer para a formação as atividades que o dia-a-dia profissional impõe (Leite; Marinho; Sousa-Pereira, 2023; Leite; Sousa-Pereira, 2022; Nóvoa, 2009, 2017). Assegurar uma formação em linha com o que é esperado do exercício docente na concretização de uma educação democrática (Apple; Beane, 2006; Freire, 1973, 2000) e que prepare os futuros professores para, no uso da sua autonomia, serem agendes de decisão curricular (Melo; Almeida; Leite, 2022; Santos; Leite, 2020) é uma responsabilidade de todas as IES.
Para que essa formação ocorra, é fundamental que esses cursos sejam escolhidos por estudantes suficientemente motivados para o exercício da profissão e que se conheçam as motivações (intrínsecas, altruístas, extrínsecas) que os levam a fazer essa escolha, nomeadamente por ser reconhecida a importância que as motivações intrínsecas assumem na permanência dos docentes na profissão (Correia et al., 2022; Watt; Richardson, 2008, 2012).
Com base nestas perspetivas, considerou-se importante investigar a atratividade da profissão docente, nomeadamente pelos contributos que pode oferecer para a autorregulação dos cursos de FIP, as decisões curriculares da formação e as políticas de educação.
Metodologia
O estudo, no procedimento metodológico e de interpretação dos dados recolhidos, seguiu uma orientação mista (Creswell; Creswell, 2018), como é explicitado.
A recolha de opiniões dos estudantes, futuros professores, foi realizada pela aplicação do questionário Factors Influencing Teaching Choice (FIT-Choice), desenvolvido e validado por Helen Watt e Paul Richardson (Richardson; Watt, 2006; Watt; Richardson, 2007). Construído com base em revisão de literatura sobre formação de professores, este questionário permite compreender, num quadro teórico coerente, por que razão as pessoas escolhem a profissão de professor. O questionário é constituído por um conjunto de itens que requerem dos inquiridos uma resposta, numa escala de Lickert, associada a razões relacionadas com: escolha da profissão de professor, perceções sobre o ensino, questões profissionais (e.g., desafios e retornos financeiros, valorização social). A sua utilização em contextos transculturais (Watt; Richardson, 2012) comprova a sua adequação a diferentes circunstâncias. Embora o FIT-Choice tenha sido aplicado em diferentes países (Sérvia, Croácia, Países Baixos, Alemanha, Turquia, Estados Unidos da América, China, Suíça, Noruega), não é conhecida nenhuma aplicação em Portugal, apesar do interesse internacional sobre estudos focados em motivações para a docência (Fokkens-Bruinsma; Canrinus, 2012; Jugović et al., 2012; Kilinç; Watt; Richardson, 2012; Lin et al., 2012; Marusic-Jablanovic; Vracar, 2019; Nesje; Brandmo; Berger, 2018). Estas razões justificam ter sido mobilizado este questionário como ferramenta de recolha de dados para responder às questões de investigação atrás mencionadas.
Antes da aplicação do FIT-Choice Scale, foram realizados os seguintes procedimentos: pedido de autorização a Hellen Watt e Paul Richardson, autores do questionário, para o utilizar em língua portuguesa; pedido de parecer à Comissão de Ética da Universidade do Porto para a sua aplicação; convite a todos os Diretores de Cursos de Mestrado em Ensino para divulgarem e incentivarem os estudantes a responder ao questionário; convite aos estudantes para responderem ao questionário depois de assinarem o consentimento informado.
Este questionário foi aplicado pelo Google Forms, tendo as respostas sido anónimas e sabendo os estudantes que poderiam, a qualquer momento, desistir de o preencher, sem qualquer penalidade. Foi também explicitado o fim a que se destinavam as respostas ao questionário e assegurado que poderiam ter acesso às respostas globais, depois de os dados terem sido tratados, se assim o desejassem através de um contacto direto por correio eletrónico dirigido as duas primeiras autoras deste texto. Importa referir, igualmente, que o questionário, apesar de anónimo, continha três variáveis de identificação: a instituição de ensino (Universidade do Porto) e o curso de mestrado que o estudante frequentava.
O questionário FIT-Choice Scale foi aplicado aos estudantes que, em 2023/2024, frequentavam, na Universidade do Porto, os cursos de FIP, que têm a duração de dois anos e correspondem a um Mestrado Profissional. A escolha da Universidade do Porto deveu-se ao facto de ser a IES portuguesa com maior número de vagas e maior número de estudantes em cursos de FIP. No ano de 2023/2024, o total de estudantes inscritos em todos os cursos desta Universidade foi de 798. A Tabela 1 sistematiza o número de estudantes inscritos em cada um dos cursos de FIP e o número e percentagem de respostas obtidas.
Tabela 1 Cursos de Mestrado Profissional para a docência na Universidade do Porto, número de alunos que os frequentam e número de respostas obtidas
Unidade Orgânica | Ciclo de Estudos | Total de estudantes inscritos | Total respondentes N (% do total de inscritos) |
---|---|---|---|
FADEUP | Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário | 309 | 206 (66,7%) |
FPCEUP/FBAUP | Ensino de Artes Visuais no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 64 | 35 (54,7%) |
FCUP | Ensino de Biologia e de Geologia no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 44 | 30 (68,2%) |
FCUP | Ensino de Física e de Química no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 28 | 27 (96,4%) |
FCUP | Ensino de Matemática no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Secundário | 42 | 31 (73,8%) |
FLUP | Ensino de Filosofia no Ensino Secundário | 39 | 36 (92,3%) |
FLUP | Ensino de Geografia no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 69 | 41 (59,4%) |
FLUP | Ensino de História no 3.º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 65 | 50 (76,9%) |
FLUP | Ensino de Português e de Língua Estrangeira no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário nas áreas de especialização de Alemão ou Espanhol ou Francês ou Inglês | 49 | 17 (34,7%) |
FLUP | Ensino de Português no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário | 38 | 34 (89,5%) |
FLUP | Ensino do Inglês e de Língua Estrangeira no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, nas áreas de especialização de Alemão ou Espanhol ou Francês | 51 | 12 (23,5%) |
TOTAL | 798 | 519 (65%) |
Fonte: Elaborada pelas autoras.2
O questionário foi respondido entre 21 de outubro de 2023 e 20 de março de 2024 e, como a Tabela 1 mostra, as respostas obtidas correspondem a 65% do total dos estudantes que frequentam cursos de FIP na Universidade do Porto.
A análise dos dados quantitativos obtidos pelas respostas ao questionário foi realizada com recurso ao software IBM SPSS Statistics 29. Para a análise, foram consideradas as partes e os construtos apresentados pelos autores da versão original da FIT-Choice Scale (Watt; Richardson, 2007) e os construtos acrescentados nas versões posteriores do questionário (Watt; Richardson; Morris, 2017; Watt; Richardson, 2023), dada a adequação que o instrumento tem revelado. Essa análise foi organizada em três categorias: (1) Motivações para escolha da carreira docente; (2) Perceções sobre a carreira docente; e (3) Dissuasão social versus Satisfação com a escolha pela carreira docente.
Para conhecer as Motivações que estes estudantes apontaram para escolher a carreira docente, recorreu-se à análise estatística ANOVA de Medidas Repetidas e consideraram-se 14 fatores: (1) Segurança e estabilidade; (2) Tempo para a família; (3) Mobilidade - que constituem o fator amplo “Valores de utilidade pessoal”; (4) Contribuir para a sociedade; (5) Moldar o futuro de crianças/adolescentes; (6) Trabalhar com crianças/adolescentes; Melhorar a equidade social - que constituem o fator amplo “Valores de utilidade social”; (8) Gosto pela área de estudo; (9) Gosto pelo ensino; (10) Experiências prévias de aprendizagem; (11) Competência para ensinar; (12) Autonomia; (13) Influências sociais; e (14) Segunda opção de carreira. A identificação dos pares de fatores em que existem diferenças significativas foi realizada através do teste Bonferroni Post-Hoc. Os dados que justificam as Motivações para a escolha da profissão Professor resultantes de respostas à pergunta aberta foram sujeitos a uma análise de conteúdo (Mayring, 2019), com recurso ao software NVivo14, que permitiu identificar categorias de respostas. Para esta análise, partiu-se de uma grelha de 23 categorias prévias inspirada em conceitos estabelecidos e acrescentados por Watt e Richardson (2007, 2023) e Watt, Richardson e Morris (2017).
-
1. Influências da socialização
-
2. Exigência da profissão
-
3. Ganhos com a profissão
4. Capacidade percebida para o ensino
5. Valores intrínsecos
-
6. Valores de utilidade pessoal
-
7. Valores de Realização social
8. Segunda opção de carreira
9. Interesse pela área de estudo
10. Autonomia
A análise de conteúdo das respostas dos estudantes, futuros professores, permitiu identificar 10 novas categorias que emergiram dessas respostas e que são apresentadas associadas (entre parêntesis retos) a fatores a que pertencem:
[Influências da socialização]
[Exigências da profissão]
[Ganhos com a profissão]
[Valores de Utilidade pessoal]
[Valores de Realização social]
11. Aliar o gosto pela área de estudo e pelo ensino
As referências dos respondentes a cada categoria foram quantificadas para se proceder à análise do número e percentagem de vezes que foi referida.
A Perceção dos participantes sobre a carreira docente realizou-se com a comparação entre as médias dos dois fatores amplos relacionados com esta dimensão - Exigência e Retorno - através da análise estatística T de Student para Amostras Emparelhadas. Acrescentou-se a análise estatística Anova de Medidas Repetidas para explorar a diferença entre as médias dos quatro fatores de primeira ordem (Conhecimento especializado; Dificuldade da profissão; Estatuto social; e Salário) em que os dois fatores amplos (Exigência e Retorno) se dividem. A identificação dos pares de fatores onde existem diferenças significativas foi realizada através do teste Bonferroni Post-Hoc.
Para conhecer a perspetiva dos estudantes inquiridos sobre a Dissuasão Social sentida e sobre a Satisfação com a escolha da carreira docente, observaram-se as médias destas duas dimensões que correspondem diretamente a dois fatores com a mesma designação. Foram ainda analisadas as médias dos itens que compõem o fator Dissuasão Social - por exemplo: “Disseram-me que não era uma boa carreira”; “Fui encorajado a seguir outra carreira”; “Influenciaram-me para considerar outra carreira”. Dos itens que compõem o fator Satisfação com a escolha foram consideradas respostas do tipo: “Refleti sobre ser professor”; “Estou contente com a minha decisão”; “Estou satisfeito/a com a minha decisão”.
Apresentação de resultados
Os resultados do estudo são apresentados na relação com as três perguntas que orientaram a investigação.
Razões que estão na base da escolha da profissão docente por estudantes que frequentam cursos de formação inicial de professores na Universidade do Porto
O conhecimento das razões que levaram os estudantes inquiridos a escolher a profissão docente foi obtido pelas respostas aos itens de resposta fechada do questionário FIT-Choice Scale e pelas respostas à pergunta em que lhes foi solicitado que referissem sucintamente as principais razões da escolha da profissão docente. No caso das respostas aos itens de resposta fechada, como mostra o Gráfico 1, o cálculo das médias obtidas permitiu comparar os distintos motivos.

Fonte: Elaborado pelas autoras. Dados da pesquisa.
Gráfico 1 Médias de motivos relacionados com Valores de Utilidade pessoal, Valores de Utilidade social e com Outras motivações para a escolha da profissão
Os estudantes, futuros professores, apontaram como principal motivo para a escolha da profissão “Professor” o Gosto pela área de estudo (M = 6.37; DP = .95), seguindo-se os Valores Intrínsecos, isto é, o gosto por ensinar (M = 5.86; DP = .95). Quanto às razões enquadradas nos Valores de Utilidade social (M = 5.66; DP = .91), estes inquiridos colocaram em primeiro lugar o facto de esta profissão Contribuir para a sociedade (M = 6.04; DP = .98), seguindo-se a oportunidade de Moldar o futuro de crianças/adolescentes (M = 5.94; DP = 1.03), de Trabalhar com crianças/adolescentes (M = 5.54; DP = 1.38) e de Melhorar a equidade social (M = 5.11; DP = 1.30). A estes motivos seguem-se a existência de Experiências prévias de aprendizagem inspiradoras (M = 5.63; DP = 1.32), a perceção de terem Competências para ensinar (M = 5.60; DP = .95), a Autonomia proporcionada pela profissão (M = 5.52; DP = 1.46) e as Influências sociais (M = 3.84; DP = 1.75). Relativamente aos motivos relacionados com os Valores de utilidade pessoal, enquanto razões que levaram a escolher a profissão docente, estes estudantes, futuros professores apontaram, em primeiro lugar, a Segurança e estabilidade (M = 4.19; DP = 1.50), seguindo-se o Tempo para a família (M = 3.63; DP = 1.35) e a possibilidade de Mobilidade (M = 3.30; DP = 1.26). Em último lugar foi apontada a escolha do Ensino como Segunda opção de carreira (M = 2,03; DP = 1.09).
A análise da variância entre todas as médias, através do teste ANOVA de Medidas Repetidas revelou que existem diferenças significativas entre as condições intra-sujeitos, F (1, 518) 391.79, p = .001, ɲ2 = .431. O teste Bonferroni Post-Hoc permitiu encontrar onde se localizam as diferenças estatisticamente significativas entre as médias e, assim, perceber que os motivos apontados para a escolha do Ensino como profissão, se podem organizar de acordo com uma ordem de importância de oito níveis (ver Figura 1).

Fonte: Elaborado pelas autoras.
Figura 1 Razões para escolher a profissão docente, organizadas de acordo com oito níveis
No primeiro nível, como razão que mais motivou a escolha da profissão docente, foi referido o Gosto pela área de estudo. No segundo nível, foram apontadas três razões: o facto de o ensino Contribuir para a sociedade; a oportunidade de Moldar o futuro de crianças/adolescentes; o Gosto pelo ensino. No terceiro nível foram referidas quatro razões para a escolha do ensino como profissão: Experiências prévias de aprendizagem que foram inspiradoras; perceção de Competências para ensinar; oportunidade de Trabalhar com crianças/adolescentes; a Autonomia proporcionada pela profissão. No quarto nível encontra-se a razão Melhorar a equidade social como motivo para escolher o ensino. No quinto foi referida a Segurança e estabilidade como razão para escolha da profissão. No sexto nível foram referidas duas razões para escolher o ensino como profissão: as Influências sociais e Ter tempo para a família. No sétimo foi referida a Mobilidade. No oitavo e último nível, a escolha do ensino como Segunda opção de carreira.
As respostas à pergunta aberta “Refira sucintamente a(s) sua(s) principal(ais) razão(ões) para escolher ser professor” permitiram identificar 23 categorias, correspondendo 13 delas a motivos que constavam da grelha construída previamente, em linha com os estudos de Watt e Richardson (2007, 2023) e Watt, Richardson e Morris (2017). Constatou-se, também, que os estudantes não referiram, desta grelha prévia, as seguintes razões: Autonomia; Melhorar a equidade social; Transferibilidade da profissão; Conhecimento Especializado; Exigência elevada. No entanto, das respostas a esta pergunta aberta emergiram dez novas categorias: Inspiração em familiares e Experiência prévia a ensinar (relacionadas com o fator Influências da socialização); Aprendizagem contínua e dialética e Desafios de adaptação e criatividade (relacionadas com Exigências da profissão); Oportunidade de ter trabalho e Benefícios da função pública (relacionadas com Ganhos com a profissão; Gratificação emocional e Estilo de vida (relacionadas com Valores de Utilidade pessoal); Contribuir para o ensino (relacionadas com Valores de Realização social); e Aliar o gosto pela área de estudo e pelo ensino.
As 23 razões para escolher a profissão docente referidas por estes estudantes, futuros professores, e os dez motivos mais abrangentes em que estas se inserem foram analisados quanto ao número de referências, de forma a permitir conhecer a importância que lhes atribuem (ver Gráfico 2). Note-se que cada respondente podia referir mais do que uma razão para ter escolhido a profissão docente, por isso a soma do número de referências é 827.

Fonte: Elaborado pelas autoras. Dados da pesquisa.
Gráfico 2 Razões para escolher a profissão docente, organizadas de acordo com o número de referências
Os Valores intrínsecos, que correspondem a um motivo abrangente para escolher a profissão docente e se referem a “gosto pelo ensino”, “existência de um sonho” e/ou “desejo de longa data de ser professor”, foram a razão mais referida pelos estudantes, futuros professores, para terem escolhido o ensino como profissão (n = 232; 28.1%).
Os Valores de realização social foram o segundo motivo abrangente mais referido pelos futuros professores (n = 189; 22.9%) e englobam três razões que se enquadram nas categorias prévias: Moldar o futuro de crianças/adolescentes (n = 71; 8.6%); Trabalhar com crianças e adolescentes (n = 60; 7.3%); Contribuir para a sociedade (n = 36; 4.4%). Assim como uma categoria emergente: Contribuir para o ensino (n = 22; 2.7%).
O Interesse pela área de estudo foi o terceiro motivo abrangente mais referido (n = 94; 11.4%) e consiste no gosto e/ou paixão pela disciplina que vai lecionar.
As Influências da socialização surgem como um motivo referido 88 vezes (10.6%) e engloba quatro razões para a escolha da profissão. Duas dessas razões enquadram-se nas categorias prévias: Experiências prévias de ensino e aprendizagem enquanto aluno (n = 49; 5.9%) e Influências sociais, isto é, incentivos por parte de amigos, família ou colegas para escolher a carreira (n = 2; 0.2%). As outras duas razões correspondem a categorias emergentes das respostas dadas pelos inquiridos: Experiência prévia a ensinar, como, por exemplo, dar explicações ou aulas isoladas que incentivaram a escolha (n = 25; 3%) e Inspiração em familiares que têm a mesma profissão (n = 12; 1.5%).
Os Valores de Utilidade pessoal são o quinto motivo mais repetido pelos futuros professores (n = 75; 9.1%) e têm associadas a si quatro razões para a escolha do ensino como profissão. As duas razões incluídas nas categorias prévias são: Segurança no emprego, isto é, ter uma carreira estável e rendimento fiável (n = 47; 5.7%) e Ter tempo para a família por implicar um horário laboral mais curto (n = 2; 0.4%). As duas categorias emergentes correspondem a: Gratificação emocional, ou seja, a visão do ensino como uma experiência enriquecedora que traz alegria e/ou proporciona sensação de realização (n = 21; 2.5%) e Estilo de vida atrativo (n = 5; 0.6%).
Os Ganhos com a profissão foram referidos 44 vezes (5.3%) e englobam quatro razões para a escolha da profissão. Duas dessas razões enquadram-se nas categorias prévias: Estatuto social (n = 8; 1%) e Salário (n = 8; 1%). As outras duas são categorias emergentes e consistem na Oportunidade de ter trabalho (n = 25; 3%) e nos Benefícios da função pública, uma vez que, os funcionários que trabalham para o Estado português têm algumas regalias como é o caso do subsistema de saúde Instituto de Proteção e Assistência na Doença (ADSE) (n = 3; 0.4%).
Aliar o gosto pela área de estudo e pelo ensino é o sétimo motivo mais referido para a escolha da profissão docente pelos futuros professores (n = 38; 4.6%). Este motivo corresponde a uma categoria emergente dos dados e refere-se à docência como uma oportunidade de conciliar na mesma profissão o gosto pela área de interesse e o gosto por ensinar.
A Capacidade percebida para ensinar surge como o oitavo motivo abrangente mais referido pelos inquiridos quando apontam as razões para terem escolhido a profissão docente (n = 28; 3.4%). A perceção de ter competências para ensinar era já uma categoria incluída na grelha prévia de análise.
As Exigências da profissão surgem a par da Capacidade percebida para ensinar como um motivo abrangente para escolha da profissão, com 28 referências pelos futuros professores (3.4%). Este motivo engloba duas razões que correspondem a categorias emergentes: Aprendizagem contínua e dialética, isto é, a atração pela aprendizagem ao longo do tempo, assim como pela aprendizagem bidirecional com os alunos (n = 18; 1.9%) e Desafios de adaptação e criatividade que a profissão implica (n = 12; 1.5%).
O motivo menos referido para a escolha do ensino como profissão foi Segunda opção de carreira, isto é, a escolha da profissão ser um “plano B” em relação à profissão verdadeiramente pretendida (n = 11; 1.3%).
Perceções de estudantes da Universidade do Porto, futuros professores, sobre a profissão docente
A análise das respostas dos estudantes da Universidade do Porto, futuros professores, aos itens do FIT-Choice Scale relacionados com os fatores “Exigência da profissão”, “Retorno da profissão”, “Dissuasão social” e “Satisfação com a escolha”, permitiram conhecer a perceção que têm sobre a profissão docente.
O teste T de Student para Amostras Emparelhadas revela que existem diferenças significativas entre a perceção que estes estudantes, futuros professores, têm sobre a exigência da profissão (M = 5.88; DP = .76) e o retorno que a profissão docente (M = 3.25; DP = 1.06) dará [t(518)=44.51, p<.001]. É de notar que estes inquiridos enfatizaram que, na sua perspetiva, a docência é uma profissão exigente (M = 5.88; DP = .76, numa escala de Lickert de 7 pontos) e que oferece pouco retorno a quem a desempenha (M = 3.25; DP = 1.06, numa escala de Lickert de 7 pontos). O Gráfico 3 dá conta desta relação.

Fonte: Elaborado pelas autoras. Dados da pesquisa.
Gráfico 3 Médias dos fatores Exigência e Retorno e dos fatores que os constituem: Conhecimento especializado; Dificuldade da profissão; Estatuto social; e Salário
Por um lado, a análise da variância entre os fatores “Conhecimento especializado”, “Dificuldade da Profissão”, “Estatuto Social” e “Salário”, através do teste ANOVA de Medidas Repetidas, revelou que existem diferenças significativas entre as condições intra-sujeitos, F (3, 1554) 1164.14, p<.001, ɲ = .692. Por outro lado, o teste Bonferroni Post-Hoc permitiu perceber que existem diferenças significativas entre todos os quatro fatores: “Conhecimento especializado”, “Dificuldade da profissão”, “Estatuto social” e “Salário”. Assim, no âmbito da exigência da profissão, estes estudantes, futuros professores, consideraram que a docência implica elevados níveis de conhecimento especializado (Conhecimento especializado: M = 5.99; DP = .99, numa escala de Lickert de 7 pontos) e que esta é uma profissão difícil, ao nível emocional e da carga de trabalho (Dificuldade da profissão: M = 5.76; DP = .88, numa escala de Lickert de 7 pontos). É, ainda, claro que, para estes inquiridos, o conhecimento especializado que o ensino implica é a principal exigência da profissão, quando comparada com a dificuldade emocional e a carga de trabalho a ela associada. No que respeita ao retorno que a profissão docente dá a quem a desempenha, estes estudantes, futuros professores, pensam que o ensino tem um baixo reconhecimento pela sociedade (Estatuto social: M = 3.63; DP = 1.12, numa escala de Lickert de 7 pontos) e é uma profissão mal remunerada (Salário: M = 2.87; DP = 1.34, numa escala de Lickert de 7 pontos). Ainda assim, consideram que a profissão permite obter mais estatuto social do que recompensa através do salário.
A satisfação e a dissuasão social sentidas pelos estudantes da Universidade do Porto, futuros professores, com a escolha do ensino como profissão
Relativamente aos fatores “Satisfação com a escolha da profissão” e “Dissuasão social” sentida pelos estudantes, a análise das médias das respostas mostra que enfrentaram bastante dissuasão por parte de quem os rodeia no momento de escolher a profissão (Dissuasão social: M = 4.77; DP = 1.49, numa escala de Lickert de 7 pontos), como podemos ver no Gráfico 4.

Fonte: Elaborado pelas autoras. Dados da pesquisa.
Gráfico 4 Médias dos fatores Dissuasão social e Satisfação com a escolha, bem como dos fatores itens que os constituem
Os dados mostraram que, embora estes estudantes, futuros professores, tenham enfrentado alguma dissuasão social no momento de decidir pela carreira, estão muito satisfeitos com a opção feita (Satisfação com a escolha: M = 5.84; DP = .97, numa escala de Lickert de 7 pontos). É, ainda, de notar que a decisão pela carreira docente foi, na perspetiva destes estudantes, muito ponderada (item “refleti sobre ser professor”: M = 5.88; DP = 1.16, numa escala de Lickert de 7 pontos).
Discussão dos resultados do estudo
Os resultados do estudo estão organizados em três campos: motivações para a escolha da profissão docente; perceções sobre a profissão; influências para a escolha da profissão docente. Esses tês campos estão relacionados com as perguntas de investigação: (1) Que razões estão na base da escolha da profissão docente por estudantes que frequentam cursos de formação inicial de professores? (2) Que perceções têm estudantes/futuros professores sobre a profissão docente? (3) Que influências tiveram no momento da escolha do curso a frequentar e quão satisfeitos estão com a escolha?
Relativamente às motivações que estão na base da escolha da docência como profissão, os dados revelaram que o que mais motiva estes estudantes, futuros professores, é, em primeiro lugar, o gosto pela área de estudo, e, em segundo lugar, no mesmo plano de importância: o contributo para a sociedade e para o futuro de crianças e adolescentes e o gosto pelo ensino. A estes motivos seguem-se experiências prévias de aprendizagem, competência para ensinar e autonomia.
Como tendo pouca importância nas motivações para esta escolha profissional, estes estudantes, futuros professores, referem os seguintes fatores: a docência corresponder a uma segunda opção, a possibilidade de ter mobilidade e a influência de outros (família, amigos, colegas).
Comparando estes dados com estudos realizados em outros países, permite constatar semelhanças com o estudo realizado em Espanha, por Correia et al. (2022), nomeadamente quando estes identificaram razões relacionadas com o desejo de contribuir para o desenvolvimento da sociedade e com a paixão pela atividade de ensinar. Está também em linha com a revisão de literatura realizada por Dotta et al. ([2024?]) quando estas investigadoras concluíram que a auto-perceção sobre a capacidade para ensinar e a autonomia são razões que estão na base de motivações intrínsecas para a escolha da profissão “Professor”.
Relativamente às perceções sobre a profissão docente, os dados mostraram que estes estudantes estão motivados para virem a ser professores, apesar de considerarem que a profissão “Professor” é difícil, exige elevados níveis de conhecimento especializado e de carga de trabalho e tem pouco retorno, quer ao nível do salário, quer do reconhecimento social. Como já foi referido, alguns estudos (Everton et al., 2007; Lamboy, 2023; Ryan; Deci, 2020) mostraram a influência, na motivação extrínseca, de recompensas externas, como, por exemplo o reconhecimento social e o salário. Esta constatação, embora sendo esperançosa quando se analisa o caso destes estudantes, futuros professores, exige medidas que lhes permitam continuar a ter esta boa vontade quando se confrontarem com o exercício profissional e com a amplitude de funções que a profissão exige. A falta de apoio sentido pelos professores no início da carreira e a falta de investimento em situações de desenvolvimento profissional são razões que têm sido apontadas para o abandono da profissão (Lamboy, 2023; Watt, Richardson; Morris, 2017; Youngs; King, 2002).
Quanto a influências que estes estudantes, futuros professores, tiveram no momento da escolha do curso que frequentam e quão satisfeitos estão com essa escolha, os dados mostraram que, apesar de muitos deles terem sido dissuadidos e encorajados a escolherem outra profissão, estão muito contentes e satisfeitos com a escolha feita. Este é também um dado importante e que merece grande atenção. Como estudos anteriores mostraram (Smith, 2022; Watt; Richardson, 2007, 2008) a dissuasão social, assim como comentários que, elogiando as elevadas competências de estudantes do ensino não superior, argumentam em favor da escolha de outras profissões que não “Professor”, influenciam a tomada de decisão para a escolha da docência. Mais uma vez, esta situação merece a devida atenção para que estes futuros professores, aquando do exercício profissional, não se venham a sentir que a escolha feita correspondeu a uma má decisão.
Conclusões
Quando se debatem assuntos relacionados com a escolha e o acesso a cursos de habilitação profissional para a docência, é comum referir que estes cursos correspondem a uma segunda opção ou que a escolha é feita por jovens com um baixo grau motivacional para o exercício profissional futuro. Muitas vezes até é dito que vai para professor quem não sabe que profissão escolher. Aliado a estes discursos pouco fundamentados, quando se ponderam medidas de atração de jovens para cursos de mestrado em ensino e/ou de retenção de professores nos primeiros anos de docência, nem sempre existe informação sobre as razões que estão na base da escolha daqueles que enveredaram por essa formação e percurso profissional. É neste sentido que consideramos que os resultados do estudo que este artigo apresenta são muito importantes pois fornecem informação para apoio a tomadas de decisão que resolvam problemas relacionados com a falta de professores.
Um conjunto de dados muito relevante são os que revelam que muitos destes estudantes, futuros professores, foram sujeitos a intensa dissuasão social quanto à escolha profissional e têm consciência de que esta é uma profissão de grande exigência e baixo retorno a quem a desempenha. Contudo, apesar desses fatores adversos, após um período em que refletiram muito sobre a opção de seguirem a profissão docente, escolheram-na motivados pelo gosto pela área de estudo e pelo contributo para a sociedade e para o futuro de crianças e adolescentes. Este é um perfil em que importa investir já em níveis de escolaridade anteriores à entrada no Ensino Superior, reforçando competências interrelacionais associadas à empatia. Além disso, o facto de o estudo mostrar que alguns destes estudantes foram sujeitos a tentativas de dissuasão, provenientes de familiares e amigos, mas também de professores, abre hipóteses de intervenção específica quanto à sensibilização de professores experientes para a importância de produzirem um discurso valorativo da profissão, apresentando-se como testemunhos da escolha e da permanência na profissão, em vez de mensagens de desencorajamento. Neste caso, discursos de dissuasão sofridos por alguns destes estudantes não os afastaram da escolha do curso, mostrando, inclusive, muito satisfeitos por terem escolhido a profissão docente. No entanto, em muitos casos, esses discursos podem ter efeitos distintos. Por isso, programas como o realizado por Nocito Muñoz et al. (2022) em Espanha, com alunos do ensino não superior, são muito importantes pelos efeitos que podem gerar nas perceções dos jovens em relação à profissão “Professor”.
No caso do estudo a que este artigo se reporta ter permitido saber que a maioria destes estudantes, futuros professores, vai entrar na profissão docente muito motivada, não nos pode deixar de considerar a necessidade de medidas que alimentem essa motivação intrínseca e que evite o abandono, nomeadamente nos casos em que o confronto com a realidade laboral os faça viver situações de desgaste. Neste sentido convém não ignorar estudos (Plunkett; Dyson, 2011) que demonstram que o desgaste da profissão afeta sobretudo os jovens ou novos professores, estimando-se que aproximadamente um terço dos novos professores abandona a profissão ao fim de três anos e apenas 40% ou 50% se mantêm após os cinco primeiros anos de trabalho (Ingersoll; Smith, 2003). Medidas políticas como o ano de indução, em que existem apoios formativos na entrada na profissão docente, são fundamentais para atenuar os efeitos adversos dos primeiros anos de trabalho, nomeadamente quando esses apoios são oferecidos por professores mais motivados e mais entusiastas com a profissão docente e com experiência na amplitude de funções que ela exige.
Outro conjunto de dados a considerar com atenção, e que deixa muitas esperanças sobre o contributo que estes futuros professores terão na qualidade futura da educação, diz respeito às motivações intrínsecas, concretamente as que se relacionam com o facto de reconhecerem em si competências para virem a tornar-se professores preparados para um exercício da profissão com autonomia. Alinhando-se as políticas de educação e do currículo, em Portugal, a princípios de inclusão e que reconhecem os professores como decisores curriculares no uso do seu poder de agência (Freire, 1973, 2000; Leite; Sousa-Pereira, 2022; Melo; Almeida; Leite, 2022; Nóvoa, 2017; Santos; Leite, 2020), é muito promissor estes futuros professores indiciarem motivos que levam a crer virem a ter em consideração a sua intervenção face a distintos contextos e a distintas características dos alunos com quem vão trabalhar.
Além disso, não é despiciendo saber que o autoconhecimento de competências resulta de experiências anteriores em contextos que poderemos designar como educativos (no sentido mais amplo do termo), ainda que informais. Isto poderá querer indicar que a sensibilização para a profissão docente pode ser iniciada durante o ensino secundário através de meios dirigidos para contextos educativos informais, que os jovens associem a situações gratificantes.
Sobre a exigência da profissão, os dados que mostraram que estes estudantes, futuros professores, consideram que se trata de uma profissão difícil ao nível emocional e da carga de trabalho e que implica um alto conhecimento especializado, são fundamentais para a reorganização dos planos de estudo dos cursos de Mestrado em Ensino. A consciência desta exigência - cognitiva, emocional e atitudinal - deve ser levada em conta durante os dois anos de Mestrado, sobretudo no período do estágio, quer pelos professores das IES, quer pelos professores cooperantes que asseguram esse acompanhamento e supervisão (Leite; Marinho; Sousa-Pereira, 2023).
Pelas razões expostas, consideramos que este estudo contribui também para ampliar as possibilidades que resultam do questionário FIT-Choice Scale.