Introdução
Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada no período de 1993 a 1997, para a elaboração da dissertação de Mestrado intitulada Trajetórias do curso de Magistério de 2º grau no Paraná: as (re)formas da década de 1980 em questão (Subtil, 1997), cujo objetivo foi relatar a trajetória do Instituto Estadual de Educação Prof. Cesar Prieto Martinez (IEECPM)1 da cidade de Ponta Grossa, uma instituição destinada, em sua origem, à formação dos professores da escola primária. Nesse trajeto, o “Instituto de Educação” revelou a intrincada relação estabelecida entre o universo macro e micro, pois as determinações estruturais da sociedade interferem nas reformas propostas pelo Estado para a formação de professores para os anos iniciais (Escola Normal, Magistério de 2º Grau e, atualmente, Formação de docentes), ao mesmo tempo em que, em seu interior, os sujeitos constroem significados, realizam ações, interpretam as leis a partir das demandas e das condições existentes na realidade.
Para apreender a dimensão dialética dessa relação, foi realizada uma pesquisa teórico-histórica e empírica por meio de revisão do referencial teórico disponível sobre formação do educador, consulta a documentos, atas, leis, decretos, deliberações; questionários e entrevistas com professores, funcionários, diretores, alunos, coordenadores, supervisores que participaram dos diversos momentos instituidores do IEECPM. Foi possível perceber, então, que a sua atuação, como formador de professores, esteve diretamente ligada à atribuição de valor à profissão magistério e à função designada ao professor na sociedade nos diferentes momentos históricos, desde a sua gênese, na década de 19202, durante as reformas propostas pelo Estado na década de 1980, até a sua desativação, em 1997.
O começo da história...
A educação escolar na década de 1920 foi marcada por reformas educacionais em vários estados brasileiros. Tais mudanças traduziam uma nova concepção de educação, fruto de modificações que as relações capitalistas vinham provocando, não só no campo político econômico, mas também no campo sociocultural. A população, dentro de uma concepção capitalista burguesa, percebeu a importância da “escola liberal” como promotora da instrução que possibilitaria o acesso aos bens produzidos por essas novas relações. Nesse contexto, o problema da alfabetização tornou-se mais crucial, à medida que cresciam os centros urbanos, em decorrência da incipiente industrialização e consequente proletarização. No Paraná, a procura pela escola primária encaminhou também as reformas na Escola Normal, por meio de medidas racionalizadoras que viessem atender a essa demanda.
Ponta Grossa, nesse momento, tinha relevância no cenário estadual por sua situação histórica de caminho das tropas no processo de interiorização e como sede dos latifúndios rurais mais tradicionais dos Campos Gerais. Pelo papel político e econômico que desempenhava, a cidade oferecia condições para a instalação de instituições educacionais em vários níveis.
A primeira menção à criação da Escola Normal de Ponta Grossa foi feita em 1º de fevereiro de 1921, pelo Presidente do Estado, Dr. Caetano Munhoz da Rocha. O Inspetor Geral do Ensino, o Professor Cesar Prieto Martinez, era um dos entusiastas pela construção do prédio da Escola Normal de Curitiba (1922) e pela criação das escolas normais de Ponta Grossa e Paranaguá. No Relatório de 1923, o Inspetor Geral assim escreveu: “Muitos annos serão ainda precisos para resolver a importante questão do preparado do professor normalista. A creação e próxima installação das nuas escolas normaes, de Ponta Grossa e Paranaguá, virão sem dúvida apressar essa solução” (Paraná, 1923, p. 16).
O projeto foi oficializado pela Lei no 2.064, de 31 de março de 1921, e a inauguração da “Escola Normal de Ponta Grossa” ocorreu em 27 de fevereiro de 1924. O prédio, especialmente construído para seu funcionamento, localizado na Praça Barão do Rio Branco, um espaço central e privilegiado da cidade, apresenta as mesmas características arquitetônicas da Escola Normal de Curitiba3 e revela uma preocupação estética e funcional que denota a importância conferida a essa instituição (Figura 1).

Fonte: Acervo do Foto Bianchi, publicado em Luporini (1994).
Nota: A Escola Normal Primária de Ponta Grossa é o prédio do lado esquerdo. Atualmente abriga o Colégio Estadual Regente Feijó (fundado em 1927).
Figura 1 Escola Normal Primária de Ponta Grossa, em 1924
O Inspetor Geral, nos seus relatórios, dava notícia da construção na qual iriam funcionar a Escola Normal de Curitiba, “[...] o grupo-modelo anexo, o curso intermediário e duas escolas isoladas, modeladas pelo padrão que deve formar os demais estabelecimentos desse género” (Miguel, 1992, p. 50, grifo próprio). Em 1921, afirmava-se que:
A nova Escola Normal será um estabelecimento modelar. O edifício, de grandes proporções, comportará 1.200 alunos de diferentes cursos. Na sua construção teve-se em vista simplicidade e solidez, aliada à economia. Não há um palmo de obra desperdiçado, nem cômodo que não seja necessário. Tudo se aproveitou dentro do possível e do útil (Miguel, 1992, p. 50).
Em 10 de março de 1924, iniciaram-se, em Ponta Grossa, as aulas da 1ª série da Escola Normal e, em seguida, as da Escola de Aplicação, Escola Complementar e Jardim da Infância. Em março de 1933, pelo Decreto no 449, passou a denominar-se “Escola Normal de Ponta Grossa”, equiparando-se às Escolas Normais de Curitiba e Paranaguá. O mesmo Decreto regulamentava nova duração para o Curso Normal de três para cinco anos, sendo um curso geral de três anos e um especial de dois.
Analisando os livros das atas de admissão ao Curso da Escola Normal e de promoção para o 2º e 3º ano, a partir de 1924 até meados da década de 1930, pode-se constatar alguns fatos interessantes:
a presença de homens, não só na direção (predominantemente), como na docência (em grande número) de um curso cuja clientela era majoritariamente feminina4;
a busca pela Escola Normal, pelas filhas das famílias tradicionais da cidade, porém muitas delas se destacaram no cenário educacional local e, hoje, emprestam seu nome a escolas públicas da cidade5;
a presença de nomes importantes da cultura paranaense no quadro de professores da Escola Normal de Ponta Grossa (como Emília Dantas, Nicolau Meira de Angelis, Erasmo Pilotto e Helena Kolody).
Segundo depoimento de ex-alunas, a Escola Normal Primária dava status e formação devido à qualidade do corpo docente. As “moças de sociedade” eram as frequentadoras privilegiadas da escola pública que ganhava na concorrência com a o colégio particular (Colégio Sant’Ana), que também formava professoras.
Nos anos de 1930, a preocupação evidente do governo, de cunho nacionalista, era de estruturar e organizar o ensino em um sistema nacional. No Estado do Paraná, isso ocorreu de 1930 a 1938, quando prevaleceu a reorganização educacional e a normatização administrativa. Em 1936, os cursos gerais das Escolas Normais foram transformados em cursos ginasiais, obedecendo ao regulamento e aos programas do curso fundamental dos ginásios equiparados ao Colégio Pedro II “[...] como medida preliminar para a transformação das Escolas Normais do Estado em Institutos de Educação” (Miguel, 1992, p. 88). Como consequência, em 1938, houve a fusão do Ginásio Regente Feijó ao curso ginasial da Escola Normal de Ponta Grossa, que, apesar disso, continuaram a funcionar separadamente. O regulamento de 1938 determinava que a direção da Escola Normal fosse exercida pelo diretor da escola secundária à qual estava vinculada. Assim se explica o fato de que, em várias gestões, o diretor do Colégio Regente Feijó dirigiu também a Escola de Professores (Luporini, 1994).
Em 1939, foi autorizada uma troca de prédios devido ao elevado número de alunos do ginásio, e a Escola Normal mudou de endereço (Figura 2). Nesse mesmo ano, ela funcionou apenas com o curso especial, e sua denominação passou a ser “Escola de Professores de Ponta Grossa”, sendo exigido o curso ginasial para o exame de admissão. Em 1946, recebeu novamente a denominação “Escola Normal de Ponta Grossa”, e, em 1948, voltou a funcionar como anexo do prédio que lhe foi destinado de início. Na visão de Luporini (1994, p. 43), essa “[...] instabilidade nas medidas oficiais, certamente gerou dificuldades para manter a identidade do Curso Normal, que naquela estrutura administrativa, se subordinava ao Ginásio que possuía maior número de alunos e professores”.

Fonte: Acervo do Foto Bianchi, publicado em Luporini (1994).
Nota: O prédio está localizado na Rua Dr. Colares, esquina com Rua Augusto Ribas, atualmente Centro de Cultura Cidade de Ponta Grossa.
Figura 2 Prédio onde funcionou a Escola Normal de 1939 a 1971
A política local/estadual, não desconsiderando os determinantes educacionais, teve forte influência nos destinos dessa escola. A troca de prédios demonstra que prevaleceram os acertos em detrimento de uma política que priorizasse a qualidade da formação do professor, se forem consideradas as intenções do Inspetor Geral do Ensino ao planejar as instalações apropriadas para tal fim. Na visão de uma ex-professora, os problemas educacionais em Ponta Grossa foram decorrência do enfraquecimento do poder político local.
Pelos relatos de ex-alunas e ex-professoras, a mudança e o funcionamento provisório em instalações alheias provocaram polêmica e tentativas de retomada do prédio, o que não ocorreu, segundo elas, porque a direção da Escola Normal não possuía a mesma força política que a do ginásio. Mais tarde, devido às condições precárias do prédio, depredado pelos anos de uso, começou a luta por novas instalações.
Durante muitos anos, a Escola Normal permaneceu vinculada ao Ginásio. Em 1956, foi criado o Ginásio Estadual Feminino anexo à Escola Normal “Regente Feijó”, o que parece não ter alterado tal situação, pois, em ata de reunião do corpo docente em maio de 1957, há o registro da “[...] necessidade de regulamentar a Escola Normal dando-lhe autonomia, fazendo funcionar o Ginásio Feminino já criado por decreto governamental e desligando-a do Colégio Estadual Regente Feijó” (Luporini, 1994, p. 44-45). Somente em 1958, por meio de ato governamental, foi revogado o decreto de anexação da Escola Normal ao Colégio Estadual Regente Feijó. Nesse mesmo ano, passou a denominar-se “Escola Normal Secundária Professor Cesar Prieto Martinez”, em homenagem ao Inspetor Geral que foi seu idealizador e fundador6. Essas particularidades são observadas justamente para demonstrar que a trajetória dessa instituição não foi pacífica, mas tumultuada por mudanças diversas ao sabor de leis, decretos e acordos que externamente conformaram seu modo de ser.
Em 1959, o Governo de Moysés Lupion doou um terreno de propriedade do Estado para a construção da “Escola Normal Modelo”. A inauguração do novo prédio (na Rua Joaquim de Paula Xavier) ocorreu em setembro de 1971. Com a transformação da Escola Normal em Instituto de Educação, iniciou-se o cumprimento ao que preconizava a Lei Orgânica de 1946, e o Instituto passou a ofertar cursos de pós-graduação aos professores normalistas com o objetivo de formar professores para atuar em diferentes modalidades de ensino: pré-primário, complementar primário, supletivo. Tais cursos habilitavam também para o trabalho com desenho, música e artes aplicadas e preparavam Administradores Escolares (Luporini, 1994).
No depoimento que segue, confirma-se o papel do IEECPM como agente irradiador de orientação pedagógica:
Na década de 60, havia, na Secretaria de Educação, uma Chefia do Ensino Normal [que] criou nos IEs, que eram escolas centrais, um trabalho de assistência às escolas da região. Nós tínhamos que elaborar planos, aplicar, experimentar na Escola de Aplicação e transmitir as experiências para os professores das escolas da região. Isso só funcionou um ano porque faltou verba (Professora L.).
A Professora L. explicou, também, que a Inspetoria de Ensino, hoje Núcleo Regional de Educação, tinha apenas função administrativa, pois a parte pedagógica era coordenada diretamente pela Chefia de Ensino Normal, em Curitiba, que planejava reuniões e encontros com os professores. Evidentemente o sistema era centralizador.
Importante ressaltar as concepções teóricas que fundamentavam as ações no Instituto de Educação:
Havia uma grande preocupação com a reprovação nas primeiras séries, com a falta de maturidade (!) para aprender das crianças que vinham diretamente do lar, isto é, que não tinham o Jardim de Infância. Havia uma grande integração entre a Escola de Aplicação e a Escola Normal. Os planejamentos das aulas das alunas eram feitos mediante a consulta aos professores regentes [...]. As alunas saíam bem formadas na nossa época. Eu penso que a Escola Normal trabalha com disciplinas de formação [...], as meninas iam tomando conhecimento dos aspectos humanos e do papel da educação para viver melhor. As Escolas Normais sempre atuaram de uma maneira mais para a educação, a formação da aluna do que para a instrução. Pode ser que não soubessem bem História, Geografia, Matemática, mas aprendiam a se relacionar melhor, entender as crianças. A Escola Normal dava preparação para a vida (!) (Professora L.).
Esse depoimento reforça a tese de que a Escola Normal não tinha como finalidade preparar as alunas para um grau superior de estudos, mas propiciava um “lustro acadêmico” às mulheres destinadas ao magistério, em que prevalecia uma formação humanista.
O meio da história...
Com a inauguração do novo prédio em 1971, a busca por um espaço próprio chegava ao fim, uma vez que a construção reunia as condições ideais para uma escola de formação do educador: instalações para a Escola de Aplicação, salas-ambiente para todas as disciplinas inclusive com almoxarifado próprio, salas para estágio, orientação educacional, coordenação etc. Na visão de ex-diretores:
Era uma escola modelo, construção moderna, oferecia instalações amplas, tinha sala de audiovisual, possibilitava contato com aluno, era uma escola aberta [...], tinha espaço à vontade. Nós todos cuidávamos e era difícil porque era muito grande. Ficamos mais de um ano com o prédio, depois ele foi ocupado (Professora L).
O Instituto de Educação é apropriado para os cursos de Magistério. A estrutura era própria para isso. Tem cinco ou seis salas especiais com almoxarifado à parte. As salas maiores tinham um painel para que as alunas pudessem observar as aulas do primário na Prática de Ensino (Professor R.).
A posse da escola, no entanto, durou pouco tempo. Em 1974, nesse mesmo prédio, passou a funcionar o Colégio Estadual de Aplicação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), por meio de Convênio firmado entre a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEEC) e a UEPG.
Para compreender por que as instalações destinadas exclusivamente ao IEECPM e conseguidas a duras penas se tornaram novamente disponíveis para outra escola, é necessário explicitar alguns antecedentes. Em Ponta Grossa, a Faculdade de Filosofia dispunha de um Colégio de Aplicação que funcionava nas dependências do prédio onde hoje é o campus Central da UEPG. Segundo os relatos, surgiram desentendimentos entre as direções da Faculdade de Filosofia e do Colégio de Aplicação, por dois motivos:
o movimento dos alunos da Escola de Aplicação provocou danos físicos no prédio da Faculdade;
a transformação da Faculdade em Universidade demandou mais espaço físico para os cursos.
Estabeleceu-se um impasse e, no início da década de 1970, o Colégio de Aplicação necessitou de novas instalações. Ao descrever esse colégio, um dos ex-professores dá conta de que:
Era um colégio de elite [...]. Naquela época havia autorização para arrecadar dinheiro dos alunos e ele era o que mais arrecadava [...], tinha dinheiro para fazer um monte de coisas. Como a Faculdade cresceu muito e havia um espaço ocioso no recém-construído prédio do IE, porque a clientela era pequena e funcionava só no primeiro corredor de cima, o Colégio de Aplicação que tinha mais ou menos 15 turmas se mudaram para lá (Professor R.).
Como o IEECPM contava com salas ainda ociosas, por meio de acordo entre as direções, com o aval da Secretaria de Educação e Cultura, foram cedidas algumas dependências para o Colégio de Aplicação, que ali se instalou e, de certa forma, mudou a destinação da escola. Segundo os relatos, houve forte pressão para trocar inclusive o nome, que foi mantido após muitas discussões.
A luta pelo poder no interior da escola ocorreu, como era de se esperar, pelo fato de duas instituições com origens e finalidades diferentes, por força de circunstâncias, serem obrigadas a partilhar o mesmo espaço. Ressalte-se também que, nessa época, a direção de uma escola, principalmente pública, conferia status e prestígio, e o IEECPM contava com três direções distintas e independentes: um diretor para a Escola de Aplicação (1ª a 4ª séries), um diretor para o Colégio de Aplicação (5ª a 8ª séries e Ensino de 2º Grau) e um diretor para o Curso de Magistério e Enfermagem. Segundo a ex-secretária do Instituto de Educação, em alguns momentos, havia mais que três diretores, em virtude do número de alunos e cursos oferecidos. Segundo o mesmo relato, no início, houve conflito entre o Curso de Magistério (2º Grau) e o Colégio de Aplicação (que passou a funcionar no prédio do Instituto de Educação, a partir de 1973, que só foi contornado pelo bom relacionamento dos professores que conseguiram superar as arestas em prol da manutenção da escola em bom funcionamento. A situação configurada foi oficializada com a Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971, que, em seu art. 3º, estabelecia o seguinte: “[...] os sistemas de ensino estimularão, no mesmo estabelecimento, a oferta de modalidades diferentes de estudos integrados por uma base comum” (Brasil, 1971).
Pelo Decreto de reorganização no 1.405, de 30 de dezembro de 1975, o IEECPM, a Escola de Aplicação e o Colégio Estadual de Aplicação passaram a constituir-se em um único estabelecimento, sob a denominação de Instituto Estadual de Educação Cesar Prieto Martinez - Ensino de 1º e 2º graus (Luporini, 1994).
Um dos depoimentos mostra a visão de que a Reforma de Ensino trouxe prejuízos para a Escola Normal, porque acarretou a perda da identidade do curso: “Por ocasião da Reforma lutamos junto ao CEE [Conselho Estadual de Educação] para manter a especificidade do Instituto de Educação, mas foi uma luta inglória, tivemos que fazer um leque de opções: aí entrou a enfermagem e os outros cursos” (Professora L.). Mais adiante a Professora complementou:
O IE não aceitava que no primeiro ano fosse formação geral como para os outros cursos, em função da preparação para o vestibular. Isso descaracterizou a escola de formação de professores porque nós achávamos que a Matemática, a História, a Geografia deveria ser aquela destinada ao ensino da escola primária (Professora L.).
Se hoje essa visão de conteúdo do Núcleo Comum parece pobre e reduzida, ao desconsiderar a necessidade do professor primário de dominar a totalidade do conhecimento historicamente construído, ela adquire sentido em um contexto em que se buscava, com todas as forças, preservar a identidade da Escola Normal como formadora do professor da Escola Primária. No entanto, percebe-se que, apesar dos percalços, a Escola Normal de Ponta Grossa procurou manter, através dos tempos, sua característica de formadora de professores. A prova disso é o fato de que a Escola de Aplicação, como campo de estágio para as alunas, mesmo com todas essas mudanças, sempre funcionou anexa à Escola Normal desde a sua fundação em 1922. Com a incorporação do Colégio de Aplicação e com o decreto de reorganização, estava configurada a descaracterização definitiva do IEECPM como instituição destinada exclusivamente para esse fim.
Assim, o IEECPM passou a ofertar as habilitações Auxiliar de Enfermagem, Patologia Clínica e Desenho Arquitetônico, além, evidentemente, das Séries Iniciais, 5ª a 8ª séries e Pré-Escola, extinta por determinação da Secretaria de Estado da Educação (SEED) em 1993. Como complemento do Magistério, foi ofertada, até 1984, a Habilitação Magistério Pré-Escolar Estudos Adicionais, com uma carga horária de 920 horas.
A implantação da profissionalização compulsória, por meio da Lei no 5.692/1971, transformou o antigo Curso Normal em uma habilitação entre tantas outras, desvirtuou sua identidade e transformou-o em uma habilitação de 2ª categoria: “Se a antiga Escola Normal apresentava falhas em relação ao preparo do professor, a partir da Lei 5.692/71 essas falhas assumiram proporções tão grandes que ficou impossível consertá-las” (Brasil, 1986, p. 27). A compreensão desses problemas levaria à articulação de uma série de reformas que culminaria com o estabelecimento do Magistério de quatro anos em 1990.
A última interferência legal do Estado sobre o curso de Magistério na década de 1970 foi a Deliberação 022/1979 do CEE, que estabeleceu as diretrizes curriculares gerais e aprovou a sugestão de diretrizes curriculares específicas para a habilitação plena Magistério, em que se observa uma predominância da parte de Formação Especial sobre a Educação Geral (Paraná, 1992, p. 11). Essa alteração não alterou substancialmente a trajetória da Habilitação Magistério no interior do IEECPM.
O princípio do fim... as reformas da década de 1980
A década de 1980, em um contexto de mudanças políticas, econômicas e educacionais conduzidas pela redemocratização da sociedade brasileira, buscou “consertar as falhas” no curso formador de professores. A reformulação da Habilitação Magistério assumiu uma dimensão diferenciada das demais reformas, em razão da importância atribuída ao papel do professor como agente das mudanças sociais que se faziam necessárias nesse momento histórico.
Em 1982, José Richa foi eleito governador (1983-1986), com o compromisso político de marcar diferença com os governos da ditadura, buscando implantar “uma sociedade democrática e popular”, iniciou o seu mandato com ênfase nas reformas educacionais, por meio do documento Diretrizes de Governo - Políticas da Educação, do então Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB (1982), elaborado por um grupo de educadores e intelectuais paranaenses, resultado de debates realizados em 28 diferentes cidades do Estado.
A partir de 1983, no princípio por iniciativa do Ministério de Educação e Cultura e, depois, encampadas pelas Secretarias de Educação dos Estados, começaram as discussões sobre a reformulação dos cursos formadores dos professores. Em 1985, o estado, buscando a “Revitalização do Ensino Normal”, lançou o projeto “Magistério em Nova Dimensão”, que objetivava “[...] revitalizar os Cursos de Magistério, através da descentralização de ações, visando a melhor formação do professor de 1ª a 4ª séries” (Paraná, 1992, p. 16). Foram instituídos polos irradiadores de ações destinadas a levantar problemas, provocar discussões, coletar sugestões e propostas de mudanças.
O IEECPM constituiu-se na sede do Polo de Magistério de Ponta Grossa, tendo sob sua orientação das escolas, com a tarefa de:
Assessorar e orientar as Escolas que ofertam a Habilitação Magistério a nível de 2º grau, no âmbito do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Ponta Grossa, desencadeando ações técnico-pedagógicas que possibilitem um redimensionamento da formação dos professores do Magistério de 1ª a 4ª série (Relatório [...], 1985).
O Polo de Magistério era composto por três instâncias: NRE, escola sede e Universidade. A relação estabelecida entre o IEECPM e a UEPG deveu-se ao fato de que grande parte dos professores do curso de Pedagogia era ou havia sido professores do curso de Magistério na própria escola e estavam empenhados no trabalho do Polo de Magistério. Em decorrência, houve uma grande mobilização dos professores da instituição em torno dos estudos, das reflexões e dos debates propostos pelo “Projeto Magistério em Nova Dimensão”. Na visão de uma das coordenadoras do Polo, foi grande o empenho desses sujeitos em mudar a prática, em sala de aula, a partir das reflexões propostas nas diferentes áreas do conhecimento, e citou, como exemplo, as disciplinas de Fundamentos, Português e Arte. Além de reexaminar o significado social dos conteúdos de todas as áreas, os debates e estudos visavam rever a formação do professor das séries iniciais e seu papel de agente de mudanças na sociedade.
No entanto, a reforma proposta pelo “Projeto Magistério em Nova Dimensão”, em 1986, provocou impasses entre o CEE e a SEED e não chegou a se efetivar como mudança significativa, sendo logo suplantada pela Deliberação 002/1990, que iria provocar uma revisão ampla dos fundamentos e na estrutura do Magistério de 2º Grau. Cabe levantar alguns dados históricos para compreender melhor essa reforma, que provocou a aceleração de um processo de desativação da função histórica do IEECPM: formar professores.
Em 1987, Álvaro Dias assumiu o governo estadual e iniciou-se a segunda gestão do PMDB no Paraná (1987-1990), contando novamente com o aporte da intelectualidade que investia na institucionalização das ideias, ocupando cargos e propondo estratégias de governo, particularmente na educação, com a apresentação do “Projeto Pedagógico 1987-1990” (Paraná, 1987). As prioridades eram: “[...] os passos iniciais do processo educacional, notadamente as duas primeiras séries do 1º grau... Ciclo Básico de Alfabetização; e o fortalecimento da formação e aperfeiçoamento de docentes, seja mediante a reformulação das escolas de magistério ou a capacitação dos docentes já prestando serviços à rede estadual” (Paraná, 1987, p. v). Há, nesse momento, uma clara intenção de interferir, de fato e em profundidade, na Habilitação Magistério de 2º grau, pela constatação de que, “[...] apesar dos esforços já empreendidos [...], a formação do professor continua a oferecer preparação insuficiente [...]” (Paraná, 1992, p. 2).
Após um processo de avaliação dos cursos, levantamento de problemas, sugestões e análise crítica dos conteúdos das disciplinas, os consultores contratados pela SEED, embasados nas concepções da Pedagogia Histórico-Crítica, apresentaram propostas preliminares, para todas as áreas de conhecimento, que seriam levadas à apreciação dos professores dos cursos de Magistério de todo o Paraná. Desse processo, resultou o documento Proposta de Reformulação do Magistério, aprovado pela Deliberação 002/1990 da CEE/PR e Parecer no 001/1990 da CEE/PR, que foi concretizado nas Diretrizes Curriculares para a Habilitação Magistério no Paraná que apregoava:
O Curso de Magistério terá, no Estado do Paraná, a duração de 4 (quatro) anos. Para o período diurno a carga horária total será de 4.104 horas, com 5 aulas diárias o que perfaz um total de 25 horas semanais a serem trabalhadas em 46 semanas anuais (módulo 36), incluída a carga destinada ao Estágio Supervisionado de 504 horas. Para o período noturno a carga horária total do curso será de 3.478 horas, com 4 aulas diárias, perfazendo um total de 20 horas semanais, trabalhadas em 37 semanas anuais (módulo 37). Neste período a carga horária prevista para o Estágio Supervisionado será cumprida em parte no mesmo horário normal do curso [...] (Paraná, 1990, p. 35).7
É possível perceber a amplitude dessa mudança, não só na dimensão vertical do curso quanto na horizontal, dada a ampliação do tempo e a ênfase à relação teoria-prática, por meio do destaque ao Estágio Supervisionado.
Os objetivos da Deliberação 002/1990 foram os mesmos formulados por Saviani (1991), ainda no início da década de 1980, quando das reflexões a respeito da formação do professor das séries iniciais, dentro dos princípios da Pedagogia Histórico-Crítica:
Art. 2º - a Habilitação Magistério objetiva formar professores capacitados para atuarem em nível das quatro primeiras séries do ensino de 1º Grau, que possuam conhecimentos, atitudes e habilidades de forma a lhes proporcionar:
I- desenvolvimento de uma aguda consciência da realidade de atuação profissional:
II- adequada fundamentação teórica que lhes permita uma ação coerente;
III- satisfatória instrumentalização técnica (Paraná, 1990, 1.02).
Feitas essas considerações, que abarcam a dimensão macro das reformas, pode-se retornar à micro - a implantação no interior do IEECPM.
A década de 1990: o fim do curso de magistério no IEECPM
Os anos de 1990 foram bastante movimentados no IEECPM. O magistério passou por reformas na primeira metade da década e foi desativado na segunda metade8.
Início da década: os problemas na implantação da Reformulação do Curso de Magistério de 2º Grau. Iniciou-se, nessa década, a terceira gestão do PMDB no Paraná com Roberto Requião (1991-1994), em uma nova configuração política e social, calcada nas premissas do neoliberalismo, que trazia à tona questões como globalização da economia e mundialização da cultura, além das dicotomias privatização x estatização e centralização administrativa x descentralização etc. A discussão proposta pela SEED centrava-se no discurso da “[...] gestão democrática da organização escolar e garantia do padrão de qualidade” (PMDB, 1990, p. 1).
Quanto ao Magistério, não houve empenho e vontade política por parte do governo em efetivar ações adequadas a uma reforma que provocasse tantas mudanças no curso. Prova disso foi a extinção dos Polos de Magistério em um momento crucial: o início de um curso totalmente reestruturado. Tal ação contrariava a Deliberação 002/1990, que salvaguardava garantias básicas de implantação e implementação da proposta em questão.
Apesar de a escola contar, naquele momento, com algumas condições favoráveis, como razoável estrutura administrativa, corpo técnico-pedagógico completo, espaço físico amplo e biblioteca com funcionamento nos três períodos, a ausência de condições de caráter pedagógico e a inexistência de uma política de efetivação de professores comprometeram a implantação da Reformulação no interior do IEECPM.
Em 1992, como parte das Políticas da SEED, o IEECPM elaborou o seu Projeto Político-Pedagógico, documento que se constituiria no norte orientador das ações administrativas e pedagógicas da escola, por um tempo de quatro anos. No documento, constata-se que, naquele ano, o número total de alunos era de 2.198, sendo 1.331 alunos de 2º Grau. Nesse segmento, o Magistério era minoria.
Como mostra a Tabela 1, o Curso de Magistério teve uma perda progressiva de alunos, e o curso de Educação Geral foi gradativamente ocupando o espaço antes destinado à formação do educador das séries iniciais. Não é de causar estranheza, portanto, que as ações referentes ao curso de formação de professores no Projeto Político-Pedagógico sejam inexpressivas.
Tabela 1 Número de turmas do Curso Magistério e Educação Geral do IEECPM (1981/ 1996)
Magistério | Educação Geral | |||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1º | 2º | 3º | 4º | 1º | 2º | 3º | ||||||||
D | N | D | N | D | N | D | N | D | N | D | N | D | N | |
1981 | 5 | 4 | 3 | - | - | - | - | - | - | - | - | |||
1982 | 6 | 5 | 3 | - | - | - | - | - | - | - | - | |||
1983 | 8 | 5 | 3 | - | - | 3 | - | - | - | - | - | |||
1984 | 11 | 8 | 4 | - | - | 4 | - | 2 | - | - | - | |||
1985 | 10 | 9 | 5 | - | - | 4 | - | 3 | - | 1 | - | |||
1986 | 11 | 8 | 8 | - | - | 4 | - | 3 | - | 2 | - | |||
1987 | 7 | 8 | 8 | - | - | 3 | - | 3 | - | 2 | - | |||
1988 | 7 | 6 | 8 | - | - | 3 | - | 2 | - | 2 | - | |||
1989 | 9 | 7 | 5 | - | - | 4 | - | 3 | - | 2 | - | |||
1990 | 7 | 7 | 7 | - | - | 5 | - | 3 | - | 2 | - | |||
1991 | 4 | 1 | 6 | 5 | - | - | 10 | 6 | 2 | |||||
1992 | 4 | 1 | 3 | 1 | 5 | - | - | 15 | 8 | 6 | ||||
1993 | 4 | 2 | 3 | 1 | 2 | 1 | - | - | 8 | 3 | 8 | 3 | 5 | 3 |
1994 | 4 | 1 | 4 | 1 | 3 | 1 | 2 | 1 | 5 | 5 | 6 | 2 | 6 | 3 |
1995 | 4 | 1 | 3 | 1 | 3 | 2 | 2 | 2 | * | |||||
1996 | 3 | - | 2 | 2 | 2 | 1 | 2 | 2 | * |
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos Relatórios do IEECPM - 1981/1996.
Legenda: D - Diurno; N - Noturno;
* dados não disponíveis (1995 e 1996).
Para compreender o processo de ascensão e queda do Magistério de 2° Grau, é importante fazer um retrospecto e analisar alguns números das estatísticas anuais, comparando-o a outros cursos da escola desde a década de 1980. O “Propedêutico” começou a funcionar no IEECPM em 1983, com um pequeno número de turmas que foram aumentando gradativamente, mas não fizeram frente ao Magistério em termos numéricos. Em 1988, passou a se denominar “Educação Geral” ou “EG”9, e, nos anos seguintes, cresceu de tal forma que se tornou expressiva a diferença numérica desfavorável para o Magistério.
Na visão de uma ex-professora da escola, o Magistério foi perdendo espaço dentro do IEECPM:
Numa certa época, foi o curso mais importante [...], acho que foi em 1988, 1989, antes dessa implantação de quatro anos, porque, quando apareceu essa implantação, parece que a maioria das moças resolveu optar por Educação Geral e resolveram deixar de lado o Magistério. Se o Curso tinha algum prestígio, ele perdeu com essa escolaridade maior [...], houve um problema nesse aspecto, daí ele ficou em segundo plano, porque se havia onze turmas de primeira série do EG, havia duas, três de Magistério [...]. Ele ficou lá no fundo, num cantinho, nas últimas salas e o resto da escola toda para a Educação Geral (Professora E).
As Tabelas 2 e 3 fornecem dados significativos quanto à situação do Magistério no que se refere ao Índice de aprovação, reprovação e desistência, tanto no período diurno quanto no noturno de 1991 a 1996.
Tabela 2 Taxas de aprovação, reprovação e evasão do turno diurno no curso de magistério do IEECPM (1991-1996)
1ª série | 2ª série | 3ª série | 4ª série | TOTAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | ||
1991 | Aprovações | 76 | 67,8 | 76 | 67,8 | ||||||
Reprovações | 6 | 5,3 | 6 | 5,3 | |||||||
Desistências | 30 | 26,8 | 30 | 26,8 | |||||||
1992 | Aprovações | 89 | 83,1 | 67 | 93,0 | 156 | 87,1 | ||||
Reprovações | 7 | 6,5 | 0 | 0,0 | 7 | 3,9 | |||||
Desistências | 11 | 10,3 | 5 | 6,9 | 16 | 8,9 | |||||
1993 | Aprovações | 68 | 56,2 | 74 | 88,0 | 54 | 96,4 | 196 | 75,0 | ||
Reprovações | 25 | 20,6 | 0 | 0,0 | 1 | 1,8 | 26 | 9,9 | |||
Desistências | 28 | 23,1 | 10 | 11,9 | 1 | 1,8 | 39 | 14,9 | |||
1994 | Aprovações | 56 | 65,1 | 56 | 87,5 | 60 | 92,3 | 47 | 97,6 | 219 | 83,2 |
Reprovações | 15 | 17,4 | 4 | 6,2 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 19 | 7,2 | |
Desistências | 15 | 17,4 | 4 | 6,2 | 5 | 6,2 | 1 | 2,1 | 25 | 9,5 | |
1995 | Aprovações | 57 | 85,0 | 59 | 98,3 | 42 | 93,3 | 41 | 97,6 | 199 | 92,9 |
Reprovações | 2 | 3, | 1 | 1,6 | 3 | 6,6 | 0 | 0,0 | 6 | 2,8 | |
Desistências | 8 | 11,9 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 1 | 2,3 | 9 | 4,2 | |
1996 | Aprovações | 32 | 36,8 | 34 | 66,6 | 61 | 80,2 | 38 | 95,0 | 165 | 64,9 |
Reprovações | 37 | 42,5 | 12 | 23,5 | 12 | 15,8 | 1 | 2,5 | 62 | 24,4 | |
Desistências | 18 | 20,6 | 5 | 9,8 | 3 | 3,9 | 1 | 2,5 | 27 | 10,6 |
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos Relatórios do IEECPM - 1991/1996.
Tabela 3 Taxas de aprovação, reprovação e evasão do turno noturno no curso de magistério do IEECPM (1991-1996)
1ª série | 2ª série | 3ª série | 4ª série | TOTAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | ||
1991 | Aprovações | 17 | 42,5 | 17 | 42,5 | ||||||
Reprovações | 1 | 2,5 | 1 | 2,5 | |||||||
Desistências | 22 | 55,0 | 22 | 55,0 | |||||||
1992 | Aprovações | 23 | 67,6 | 20 | 86,9 | 43 | 75,4 | ||||
Reprovações | 1 | 2,9 | 0 | 0,0 | 1 | 1,7 | |||||
Desistências | 10 | 29,4 | 3 | 13,0 | 13 | 22,8 | |||||
1993 | Aprovações | 43 | 67,1 | 25 | 58,1 | 24 | 77,4 | 92 | 66,6 | ||
Reprovações | 11 | 0,0 | 9 | 20,9 | 4 | 12,9 | 13 | 9,4 | |||
Desistências | 21 | 32,8 | 9 | 20,9 | 3 | 9,6 | 33 | 23,9 | |||
1994 | Aprovações | 42 | 56,7 | 48 | 70,5 | 34 | 73,9 | 27 | 84,3 | 151 | 68,8 |
Reprovações | 11 | 14,8 | 1 | 1,4 | 1 | 2,1 | 0 | 0,0 | 13 | 5,9 | |
Desistências | 21 | 28,3 | 19 | 27,9 | 11 | 23,9 | 5 | 15,6 | 56 | 25,4 | |
1995 | Aprovações | 21 | 77,7 | 20 | 68,9 | 54 | 88,5 | 61 | 95,3 | 156 | 86,2 |
Reprovações | 0 | 0,0 | 1 | 3,4 | 2 | 3,2 | 0 | 0,0 | 3 | 1,6 | |
Desistências | 6 | 22,2 | 8 | 27,5 | 5 | 8,2 | 3 | 4,6 | 22 | 12,1 | |
1996 | Aprovações | 32 | 36,8 | 36 | 72,0 | 28 | 87,2 | 58 | 95,1 | 122 | 85,3 |
Reprovações | 37 | 42,5 | 8 | 16,0 | 0 | 0,0 | 2 | 3,2 | 10 | 7,0 | |
Desistências | 18 | 20,6 | 6 | 12,0 | 4 | 12,5 | 1 | 1,6 | 11 | 7,6 |
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos Relatórios do IEECPM - 1991/1996.
Pode-se perceber que, na Tabela 3, a taxa de reprovação, em geral, era baixa. Em compensação, o percentual de desistência era alarmante, principalmente nos primeiros anos, mais especificamente no noturno. Os dados mostram que a ampliação desse curso de três para quatro anos afastou alunos, uma vez que retardava não só a entrada no mercado de trabalho como o ingresso na Universidade.
Nesse sentido, a implantação causou impacto indireto no interior do IEECPM. No depoimento do Diretor Geral, na época: “Magistério não era o maior problema. Os grandes problemas estavam na Educação Geral: a indisciplina dos alunos, abaixo-assinados [...]. O maior problema sempre foi a falta de professores. Temos mais ou menos 140 professores e funcionários e 2000 alunos” (Professor G.). Para ele, a situação se agravou em função da mudança no Magistério: “Com a implantação do Magistério de quatro anos aumentou o pedido de matrícula para o EG, aumentaram as turmas” (Professor G.).
Meados da década de 1990: a desativação do magistério de 2º grau no IEECPM
Segundo os depoimentos colhidos, existiam alguns complicadores na organização do trabalho pedagógico no interior da escola: o seu gigantismo; a existência de diferentes cursos e as dificuldades organizacionais daí decorrentes; o fato de os professores de formação geral, que trabalhavam no Magistério, também trabalharem nos outros cursos que gerou dificuldades quanto a considerar o geral ou o específico na condução didático-pedagógica dos conteúdos; e a ausência de concursos para a efetivação dos professores impedia um trabalho sequencial de capacitação, planejamento e estudo por parte da coordenação.
Outra questão levantada pelos entrevistados foi o fato de que os professores que, na década de 1980, haviam acompanhado todo o processo de reflexão, avaliação e proposição das mudanças no Magistério de 2º Grau estavam se aposentando, e os substitutos não possuíam o mesmo nível de compreensão teórica e filosófica da proposta, não havendo na organização da escola espaço, tempo ou material para uma discussão abalizada quanto aos aspectos teóricos e práticos do curso.10
Cabe ressaltar que o curso de Magistério ofertado à noite constituiu-se em um problema a mais para a escola. A qualidade deixava a desejar, o estágio não era cumprido em sua carga horária (muitas vezes era fictício, na visão da coordenadora); e, segundo uma professora de Matemática, os alunos tinham sérias dificuldades de aprendizagem pelo fato de serem egressos, em grande parte, do curso supletivo. A desistência foi significativa, e, em razão desses problemas, o diretor tomou a iniciativa de não ofertar o primeiro ano a partir de 1996 e gradativamente extinguir o curso nesse horário.
Apesar dos problemas levantados, todos os professores, alunos e coordenadores foram unânimes em confirmar a qualidade do currículo proposto, os avanços conceituais e a possibilidade de formação adequada ao professor das séries iniciais. Havia uma convicção de que a ênfase em uma formação geral sólida somada a um adequado tratamento aos conteúdos específicos, particularmente por meio das reflexões suscitadas pelos estágios, teria como resposta professores mais bem qualificados para trabalhar com as crianças das camadas populares.
Um grande avanço dessa experiência foi justamente suscitar a discussão sobre a função da escola pública como promotora da cidadania, pela adequada intervenção do professor. Esse é um saldo positivo das propostas de reformas calcadas nos fundamentos teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica.
Em 1997, a primeira série do Curso de Magistério diurno deixou de ser ofertada, iniciando assim a gradativa desativação do curso, e o IEECPM optou pelo Programa Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM), que dizia respeito à Educação Geral em três anos, com intenção de, na sequência, ofertar o Pós-Médio, profissionalizante.
À guisa de conclusão
A história do Instituto Estadual de Educação Prof. Cesar Prieto Martinez de Ponta Grossa, instituição historicamente destinada à formação de professores dos anos iniciais, confirma a relação que se trava entre as forças externas da sociedade e as relações pedagógicas no interior das instituições. Além dos embates políticos que revelam a correlação de forças no interior do aparato estatal em determinados momentos históricos e são determinantes na consecução ou não de propostas educacionais, também é relevante considerar a mudança de concepção que foi estabelecendo modificações no aparato conceitual quanto ao que é ser professor, quem é esse sujeito e qual a sua importância na sociedade.
Se, no princípio dessa história, foi possível perceber o valor atribuído aos professores, professoras, alunos e alunas do Curso Normal, como profissionais respeitados naquele contexto histórico-social, vale ressaltar o depoimento de uma supervisora da escola, em 1997, afirmando que a decisão de acabar com o curso se deveu ao “baixo nível dos alunos e do próprio curso” e decorreu da exigência de repensar a formação do professor das séries iniciais, porque, segundo ela, “a sociedade está a exigir uma qualidade cada vez maior desse profissional”. Cabe indagar: De que qualidade se está falando? Que profissional é esse? Qual instituição daria conta dessa tarefa? Essas são questões que, no terceiro milênio, ainda estão em aberto.