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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.24  Brasília  2018  Epub 20-Nov-2018

https://doi.org/10.26512/lc.v24i0.20274 

Dossiê: Narrativas, educação e saúde: o sujeito na cidade

Apresentação: Narrativas, educação e saúde: o sujeito na cidade

Elizeu Clementino de Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-4145-1460

Christine Delory-Momberger2 
http://orcid.org/0000-0002-8425-0175

1Universidade do Estado da Bahia

2Université Paris 13 Sorbonne Paris Cité


No domínio da pesquisa biográfica e autobiográfica as discussões sobre educação e saúde têm ganhando, cada vez mais, perspectivas diversas e interesse de pesquisadores de diferentes campos do conhecimento. Interessa-nos pensar relações possíveis entre narrativas, educação e saúde, a partir de modos como os sujeitos vivem os processos de adoecimento, como aprendem a viver com a doença e também, como, por meio das narrativas, potencializam formas de viver com a doença.

O Dossiê Narrativas, educação e saúde: o sujeito na cidade resulta de uma rede de cooperação acadêmico-científica entre a Université Paris 13 Sorbonne Paris Cité, no contexto de ações de pesquisa do Laboratório- Centre Interuniversitaire de Recherche EXPERICE- Eixo A “Le sujet dans la Cité: éducation, individuation, biographisation”, o Collège International de Recherche Biographique en Éducation (CIRBE), a Association Le Sujet dans la Cité, a Université Ouverte du Sujet dans la Cité, a Associação Brasileira de Pesquisa Autobiográfica (BIOgraph) e o Grupo de Pesquisa (Auto)Biografia, Formação e História Oral (GRAFHO/CNPq), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Da mesma forma, o Dossiê vincula-se à ação da pesquisa de pós-doutoramento realizada na Universidade de Paris 13 Sorbonne Paris Cité, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) [1] , ao centrar-se no estudo de processos de aprendizagens e narrativas com doenças crônicas.

Experiências prévias com pesquisas sobre processos de subjetivação e aprendizagens com a doença crônica têm mobilizado reflexões epistemológicas, teórico-metodológicas e práticas de formação, na vertente da educação e da saúde, com ênfase nos processos de biografização, subjetivação, no campo da pesquisa biográfica em educação.

Pesquisas desenvolvidas no contexto da rede acadêmico-científica, publicações de dossiês na Revista Le sujet dans la cité (Delory-Momberger e Tourette-Tourgis, 2014) [2] , notadamente sobre a temática ‘Viver com a doença: experiência, desafios e resistências’ e o dossiê ‘Educação e saúde’ (Souza e Alves, 2016) [3] , na Revista da Faeeba, além de livros publicados sobre a temática da educação, saúde e empoderamento, na coleção Pesquisa (Auto)biográfica & Educação, no Brasil e na França, somam-se a outros empreendimentos e atividades construídos pelos diferentes grupos, laboratórios de pesquisa e associações científicas em torno da importância do trabalho com as narrativas no campo da saúde e da educação.

Viver com a doença é um desafio que se coloca para os sujeitos quando narram sobre suas experiências com o adoecimento, implicando formas de aceitação, de superação, de resistências, mas, também, disposições de questionamentos múltiplos sobre políticas públicas de saúde, questões de democracia e atendimento à saúde, além de aspectos concernente à formação dos profissionais de saúde e seus diálogos com o campo educacional.

As relações entre saúde-doença geram movimentos diversos na atividade humana e implicam sentimentos de continuidade da vida, na medida em que remete para o próprio sujeito experiências e aprendizagens com o processo de adoecimento, suas marcas objetivas e intersubjetivas. A doença afeta a vida, transforma os sujeitos pacientes, interrogando olhares e ações médicas, de cuidado, de acompanhamento, além de questionamentos sobre os vínculos sociais, familiares e sociais relacionadas com as diferentes enfermidades e suas manifestações na e sobre a vida.

Aprender a viver com a doença é uma experiência, um desafio, um processo objetivo subjetivo que remete o sujeito a questionar-se sobre os sentidos da existência e da própria vida, possibilitando, muitas vezes entrega, em outros momentos enfrentamentos, mudanças de hábitos e conhecimentos sobre o adoecimento, a cronicidade, tratamentos, medicamentos, cuidados e a própria temporalidade da vida.

A diversidade de reflexões e temáticas abordadas nos textos do presente dossiê voltam -se para discussões sobre doenças crônicas (esclerose múltipla e HIV/Aids), narrativas virtuais sobre adoecimento e cronicidade, narrativas sobre HIV/Aids, obesidade e rejeição, redes sociais e cuidado de tetraplégicos, infância e autismo, trabalho docente e narrativas infantis em classes hospitalares, atuação da enfermagem na escola, psiquiatria e gesto profissional, formação de profissionais de saúde. Um fio condutor mobiliza as reflexões e teorizações das pesquisas e dos textos que integram o dossiê, ao tomarem dimensões e princípios da pesquisa biográfica e autobiográfica, por meio das narrativas e experiências com a doença e/ou com as ações de cuidado e de trabalho de diferentes profissionais de saúde, face aos processos educativos que remetem à doença.

O texto de Christine Delory-Momberger, Réapprendre la vie: un exister dans le temps d’après (Reaprender na vida: um existir em um tempo do depois), teoriza sobre o tempo após a doença, face as provocações extremas que se vinculam às reaprendizagens e configuração da vida. A discussão apresentada toma como centralidade análises sobre processos de descoberta, por parte do sujeito, sobre a doença como uma ‘terra estrangeira’ e disposições como se reaprende e se reinventa a vida no contexto do adoecimento.

No texto, Uma vida em “condição crônica de doença”, Raquel Alvarenga Sena Venera e Roberta Fernandes Buriti analisam narrativas autobiográficas de blogueiros diagnosticados com esclerose múltipla, por intermédio dos discursos publicados em um posts de uma ativista sobre suas aprendizagens com a doença, configurando-se como um movimento autoformativo.

No texto Histórias de vida e esclerose múltipla: trabalho biográfico e formação de paciente expert na França, Camila Aloisio Alves amplia a discussão sobre esclerose múltipla, ao tratar das experiências de acompanhamento com um grupo de seis doentes que sofrem de esclerose múltipla, no âmbito de uma formação de paciente expert na França. O artigo revela efeitos formadores das histórias de vida como um dispositivo narrativo e aprendizagens sobre a doença, centrando-se na abordagem e formação de paciente expert, através dos conhecimentos construídos sobre a doença.

O artigo Post-it: narrativas biográficas e doenças crônicas, de Elizeu Clementino de Souza analisa narrativas publicadas na seção ‘Conte sua história’, da Revista saber Viver, sobre narrativas de HIV/Aids. O texto discute questões sobre produção, circulação e recepção da referida revista e situa modos como os colaboradores da revista narram suas experiências com o adoecimento e cronicidade, face ao processo de refiguração identitária e superação de rupturas biográficas instalados com a doença.

Patrícia Chaves do Nascimento e Luciana Kind abordam no texto Narrativas posithivas: vulnerabilidade de mulheres ao HIV/Aids em relações heterossexuais de conjugalidade, aspectos relacionados à vulnerabilidade ao HIV/aids, ao utilizarem narrativas de mulheres sobre a soropositividade em relações heterossexuais de conjugalidade. Múltiplas abordagens metodológicas se entrecruzam e revelam dimensões individuais, sociais, governamentais e de gênero nas interfaces entre vulnerabilidade, conjugalidade e soropositividade.

O artigo O olhar do outro sobre a obesidade: uma aprendizagem sobre a rejeição de autoria, de Kênya Lima de Araújo, Maria do Carmo Soares de Freitas e Paulo Gilvane Lopes Pena, ancora-se no campo dos estudos fenomenológicos e utilizam narrativas biográficas de uma obesa na cidade do Salvador-Bahia, para discutir questões sobre a obesidade como uma construção sociocultural panóptica que forja, de forma impiedosa, o sofrimento e experiências com a obesidade. As interfaces entre o normal e o patológico se inscrevem como dimensões do olhar do outro e da própria obesa, enquanto ser-obeso-sendo em um processo de pertencimento na cotidianidade.

Juliana Freitas e Lívia Fialho Costa, no texto Onde estão os outros? Mudanças e permanências nas redes sociais de apoio e cuidado de tetraplégicos, sistematizam processos de composição e recomposição das redes sociais de indivíduos tetraplégicos crônicos, ao desvelarem tensões e paradoxos que insurgem nas relações de dependência do sujeito, ao utilizarem narrativas biográficas e outras fontes de pesquisa, para revelarem necessidade de cuidado, apoio e acompanhamento para continuidade da própria vida do indivíduo acometido com tetraplegia adquirida, no que se refere à situação de alta dependência. O estudo demarca a importância das redes sociais de cuidado e também denuncia a importância e função do estado com políticas de atendimento, bem como da família e da sociedade, para possíveis superações rupturas e dinâmicas de cuidado.

O artigo de Anne Dizerbo, Inclure les enfants autistes en milieu ordinaire. Quelle relation entre agir, biographie et identité professionnelle des enseignants de lettres? (Incluir crianças autistas em escolas regulares. Qual relação entre práticas, formação e identidade profissional dos professores de letras?) discute questões sobre a política de inclusão na França, a partir da legislação, ao enfocar o direito à escolarização em escolas regulares às crianças deficientes. O texto avança com aspectos relacionados às questões de trabalho docente e da prática pedagógica, ancorando-se no campo da pesquisa biográfica em educação e de questionamentos sobre a inclusão de crianças autistas em escolas do ensino fundamental e jovens no ensino médio.

Outra temática que ganha visibilidade no Dossiê volta-se para as questões atinentes às narrativas de crianças e trabalho docente em classes hospitalares. O texto Narrativas de experiências docentes em classe hospitalar: ensinar aprendendo, de autoria de Maria da Conceição Passeggi e Simone Maria da Rocha, questiona as concepções de ensino e narrativas docentes, bem como conteúdos que são ensinados nas classes hospitalares e as relações pedagógicas construídas com as crianças e adolescentes com doenças crônicas. O artigo apresenta reflexões sobre práticas pedagógicas em ambiente hospitalar pediátrico, ancorando-se em narrativas autobiográficas de professoras sobre questões de ensino e de aprendizagem, e sobre a necessidade de ações políticas e éticas, voltadas para o atendimento e a atenção à criança e adolescentes hospitalizados, ao defenderem as redes de atenção à saúde, configurando-se como locus de acompanhamento e dialogicidade em interlocução com a escola.

Na mesma vertente teórica, o texto Narrativas de professores sobre sua formação e atuação em classes hospitalares, de Cristiane Nobre Nunes e Ecleide Cunico Furlanetto, discute aspectos legais das classes hospitalares e o direito de atendimento às crianças e adolescentes hospitalizados. O texto desvela a inexistência de formação para o trabalho docente em classes hospitalares, evidenciando que esse trabalho vem sendo desenvolvido, muitas vezes, por profissionais sem formação compatível, e destaca a implementação de dessa formação em muitos hospitais do país. A análise incide sobre narrativas de professoras que exercem a docência em classes hospitalares em hospital da cidade de São Paulo, voltado para o atendimento de crianças e jovens com tumores malignos.

O artigo de Neire Aparecida Machado Scarpini, Wanderlei Abadio Oliveira, Marta Angélica Iossi Silva, Luciane Sá de Andrade e Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves intitulado Atuação da enfermagem na escola na perspectiva de professores da Educação Básica, dialoga sobre a atuação da enfermagem na escola, no que se refere ao desenvolvimento e à manutenção de hábitos de vida saudáveis dos estudantes. A centralidade do texto incide sobre questões de formação de profissionais da enfermagem, estágio supervisionado no contexto da formação e políticas de promoção à saúde.

Enio Rodrigues da Silva e Daisy Moreira Cunha, no texto O gesto profissional em psiquiatria: um debate de normas em múltiplas dimensões, discutem aspectos voltados para a prática profissional em psiquiatria, ao tomarem como referência experiências, desconfortos e questionamento de um dos autores. O texto questiona dimensões sobre normas antecedentes da Psiquiatria, as Clínicas do Trabalho e as práticas em Saúde Mental no contexto da Reforma Psiquiátrica, ao analisar o gesto profissional no âmbito do Centro de Referência em Saúde Mental (CAPS III - CERSAM), em Betim-MG.

Experiências desenvolvidas na formação universitária em saúde, em um módulo de formação nomeado “Encontros e Produção de Narrativas”, são apresentadas no texto Experiências narrativas: um relato de formação em saúde, escrito por Patrícia Martins Goulart, Luciane Maria Pezzato e Virgínia Junqueira, empregando relatos concernentes ao campo da formação e suas relações com os usuários na Unidade de Saúde.

O último texto que integra o Dossiê intitula-se Experiência de autocuidado nos processos formativos: uma análise fenomenológica hermenêutica, de autoria de Clara Maria Miranda de Sousa, Marcelo Silva de Souza Ribeiro e Tamires de Lima Sousa Santos, e apresentam experiências de estudantes num projeto de formação voltado para o autocuidado. O objetivo do texto é relatar experiências formativas dos estudantes e promoção da saúde de docentes de uma rede municipal de ensino.

As distintas temáticas e as abordagens apresentadas revelam contribuições significativas para a ampliação das discussões sobre narrativas, educação e saúde, na medida em que a diversidade institucional e regional dos autores explicitam modos próprios como os pesquisadores e formadores vêm se debruçando sobre o campo dos estudos com narrativas, no domínio da educação e da saúde.

Desejamos que os textos apresentados neste Dossiê possam contribuir para outros estudos que vêm utilizando a pesquisa biográfica e autobiográfica, ao ampliarem modos diversos do trabalho com a educação e a saúde, bem como outras práticas de formação para os profissionais da saúde e para os domínios e interfaces da saúde no campo educacional.

Referências

[2] Delory-Momberger, c. & Tourette-Turgis, C. (2014). Vivre avec la maladie : expériences, épreuves, résistances. Le sujet dans la cité – Revue Internationale de Recherche Biographique, Paris, n. 4. [ Links ]

[3] Souza, E.C; Alves, L.R.G. (2016). Dossiê Educação e saúde. Revista da Faeeba – Educação e Contemporaneidade. V. 25, n. 46. [ Links ]

[1]Processo CAPES No 88881.120884/2016.1, Edital nº 16/2016, Programa de Estágio Sênior no Exterior, realizado por Elizeu Clementino de Souza.

Recebido: 20 de Novembro de 2018; Aceito: 20 de Novembro de 2018