SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24O olhar do outro sobre a obesidade: uma aprendizagem sobre a rejeiçãoAtuação da enfermagem na escola na perspectiva de professores da Educação Básica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.24  Brasília  2018  Epub 15-Nov-2018

https://doi.org/10.26512/lc.v24i0.18969 

Dossiê: Narrativas, educação e saúde: o sujeito na cidade

Narrativas de experiências docentes em classe hospitalar: ensinar aprendendo

Narrativas de experiencias docentes en clase hospitalaria: encinar aprendiendo

Narratives of teaching experiences in hospital class: teaching learning

Récits de l’expérience enseignante dans des classes hospitalières : enseigner en apprenant

Maria da Conceição Passeggi1 
http://orcid.org/0000-0002-4214-7700

Simone Maria da Rocha2 
http://orcid.org/0000-0001-5414-8295

1Pesquisadora do CNPq, Pq2. Professora permanente dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade Cidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Linguística e Mestre em Letras Modernas pela Université Paul Valéry (Montpellier-França). Líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, Auto.Biografias, Representações e Subjetividades (GRIFARS-UFRN-CNPq). Suas pesquisas tematizam as narrativas autobiográficas e as escritas de si como método de pesquisa e dispositivos de pesquisa- formação e focalizam a reflexividade autobiográfica como disposição humana, promotora da reinvenção permanente das representações de si e do outro.

2Professora Adjunta da Universidade Federal Rural do Semi-Árido e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO-UFERSA/UERN/IFRN). Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas (Auto) biográficas em Educação (GEPNAE-UFERSA-CNPq).


Resumo

Quais concepções de ensino emergem nas narrativas de docentes que atuam em classe hospitalar? Que conteúdos escolares são ensinados nesse ambiente? O que contam professores sobre suas experiências com crianças e adolescentes com doenças crônicas? Tais questionamentos vêm guiando nossas reflexões na busca de depreender nuances das práticas pedagógicas em ambiente hospitalar pediátrico. As narrativas autobiográficas de professoras nos dão pistas concretas sobre ensinar e aprender na classe hospitalar, mostrando a necessidade de um posicionamento político e ético na atenção à criança hospitalizada, o cuidado compartilhado entre profissionais que desejam um atendimento de qualidade aos educandos em tratamento de saúde, abrindo expectativas para compreender as “redes de atenção à saúde” como espaços instituintes do acompanhamento enquanto lugar de dialogicidade e cooperação na escola.

Palavras-chave Classe hospitalar; Experiências docentes; Narrativas; Acompanhamento

Resumen

¿Cuáles concepciones de enseñanza emergen en narrativas de docentes que actúanen clase hospitalaria? ¿Que contenidos escolares se enseñan en ese ambiente? ¿Qué cuentan los maestros sobre sus experiencias con niños y adolescentes con enfermedades crónicas? Tales cuestionamientos vienen guiando nuestras reflexiones en la búsqueda de desprender matices de las prácticas pedagógicas en ambiente hospitalario pediátrico. Las narrativas autobiográficas de profesoras nos dan pistas concretas sobre enseñar y aprender en la clase hospitalaria, mostrando la necesidad de un posicionamiento político y ético en la atención al niños y niñas hospitalizado. as, el cuidado compartido entre profesionales, que desean una atención de calidad a los educandos en tratamiento de salud, abriendo expectativas para comprender las "redes de atención a la salud" como espacios instituyentes del acompañamiento como lugar de diálogo y cooperación en la escuela.

Palabras clave Clase hospitalaria; Experiencias docentes; Narrativas; Acompañamiento

Abstract

What conceptions of teaching emerge in the narratives of teachers who work in a hospital class? What school content is taught in this environment? What do teachers tell about their experiences with children and adolescents with chronic diseases? Such questions have been guiding our reflections in the search to understand nuances of pedagogical practices in a pediatric hospital environment. The autobiographical narratives of teachers give us concrete clues about teaching and learning in the hospital class, showing the need for a political and ethical positioning in the care of the hospitalized child, shared care among professionals, who want a quality care for the students in health treatment, opening expectations to understand the "health care networks" as instituting spaces of accompaniment as a place of dialogue and cooperation in school.

Keywords Hospital class; Teaching experiences; Narratives; Accompaniment

Résumé

Quelles conceptions d'enseignement émergent-elles dans les récits des enseignants qui travaillent dans des classes hospitalières ? Quels contenus scolaires sont-ils enseignés dans cet environnement ? Que racontent les enseignants à propos de leurs expériences avec des enfants et des adolescents atteints de maladies chroniques ? Ces questions guident nos réflexions dans nos recherches en éducation, dans le but de saisir les nuances des pratiques pédagogiques dans un environnement hospitalier pédiatrique. Les récits autobiographiques des enseignants nous donnent des indices concrets sur l'enseignement et l'apprentissage en classe hospitalière. Ils montrent la nécessité d'un positionnement politique et éthique dans la prise en charge de l'enfant hospitalisé, des soucis partagés entre professionnels qui veillent à des soins de qualité, ouvrant des attentes pour mieux comprendre les « réseaux de soins de santé », instituant des espaces d'accompagnement comme lieu de dialogue et de coopération à l'école.

Mots clés Classes hospitalières; Expériences d’enseignement; Récits; Accompagnement

Introdução

No Brasil, a classe hospitalar é um direito de crianças e adolescentes impossibilitados de irem à escola por questões de saúde. Trata-se, portanto, de um serviço que tem por objetivo “prover, mediante atendimento especializado, a educação escolar a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio” (Brasil, 2001, p. 51).

O Ministério da Educação admite que a classe hospitalar é uma forma de oferecer educação escolar às crianças hospitalizadas. Por essa razão, sugere uma adaptação do currículo da escola regular do que considera indispensável na aprendizagem dos conteúdos escolares pelo paciente/aluno. Define o público-alvo como educandos em “condição clínica ou exigências de cuidado em relação à saúde que interferem na permanência escolar ou nas condições de construção do conhecimento, ou ainda, que impedem a frequência escolar” (Brasil, 2002, p. 15).

Para atuar no serviço de classe hospitalar, o(a) professor(a) deverá ter, preferencialmente, formação em Educação Especial, em Cursos de Pedagogia ou demais Licenciaturas (Brasil, 2002). Esse profissional precisa adquirir noções das patologias apresentadas pelos educandos e compreender os problemas emocionais decorrentes da hospitalização. Nesse sentido, deve considerar o quadro de saúde da criança para adaptar os materiais de ensino, planejar, diariamente, as atividades, registrar e avaliar os processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos.

O objetivo deste texto é refletir sobre experiências docentes narradas por duas professoras de classe hospitalar, na tentativa de depreender os sentidos que atribuem às suas práticas pedagógicas. Organizamos o artigo em duas partes. Na primeira, “Caminhos da pesquisa: da entrevista narrativa às rodas de conversa”, apresentamos as participantes, definimos os procedimentos realizados na recolha e análise das fontes autobiográficas. Na segunda, “Ensinar no hospital: o que narram as professoras”, apresentamos reflexões com base em três eixos temáticos: “Diálogos entre o instituído e as práticas docentes instituintes”; “Concepções de ensino na classe hospitalar”; “Conteúdos escolares: o que ensinar?”

Caminhos da pesquisa: da entrevista narrativa às rodas de conversa

Participaram do estudo duas professoras das redes municipal e estadual de educação, que atuam em hospitais pediátricos de Natal, Rio Grande do Norte. Sophia [1] e Andreia [2] são pedagogas e suas experiências em escolas regulares e em classes hospitalares ultrapassam cinco anos de atuação.

Na recolha dos dados, adaptamos para nossos interesses as orientações de Jovchelovitch e Bauer (2002), que consideram o caráter seletivo da memória e admitem que alguns eventos poderiam ser omitidos, ou transformados, conscientemente ou não. Por essa razão, sentimos necessidade de traçar um roteiro mínimo que pudesse nos ajudar na mediação da construção narrativa das duas professoras, caso se fizesse necessário. Inicialmente, havíamos pensado em realizar entrevistas narrativas e seguir os passos propostos pelos autores no que se refere às diferentes fases da entrevista: Preparação; Iniciação; Narração central; Fases de perguntas; Fala conclusiva (Jovchelovitch e Bauer, 2002). Porém, em conversa com as professoras, surgiu a ideia de utilizar também o protocolo de pesquisa do projeto interinstitucional[3]do qual participamos para estudar as experiências de adoecimento que emergiam de narrativas de crianças, atendidas em classes hospitalares (Rocha, 2012; Rocha & Passeggi, 2014).

Assim, optamos por entrecruzar princípios das entrevistas narrativas e das rodas de conversas como método para a recolha das narrativas. O protocolo, utilizado na pesquisa com crianças, criava uma situação lúdica de “faz de contas”, provocadora de estranhamento. Trata-se de um diálogo imaginário com um extraterrestre vindo de um planeta que não tinha hospitais. A roda de conversa se desenvolveu em três fases: no primeiro momento, fizemos o convite às professoras para participar da pesquisa; no segundo, recorremos ao protocolo mencionado para suscitar a narrativa; e no terceiro, para finalizar a conversa, anunciávamos o retorno do alienígena ao seu planeta. Embora sejam semelhantes a abertura e o fechamento das rodas de conversa, o diálogo com cada participante gerou perguntas diferentes, e dois roteiros foram sendo elaborados na medida em que as narrativas iam se desenrolando.

Ao narrar as suas experiências, as professoras faziam reflexões críticas sobre suas práticas de ensino e suas aprendizagens no hospital, provocadas pelo processo de reflexividade biográfica (Passeggi, 2011a), se permitindo escutar a si próprias e reinterpretar suas ações docentes.

Quanto às análises, seguimos igualmente, os direcionamentos de Jovchelovitch e Bauer (2002) acerca da compreensão hermenêutica das entrevistas narrativas. A proposta dos autores volta-se para um procedimento gradual de redução do texto, que chamaremos aqui de “condensação” ou de “adensamento” do texto. Entendemos que procedimento de ir reduzindo progressivamente o texto em duas ou três séries de paráfrases consiste num processo de interpretação do texto, que adensa o sentido, na própria escolha de palavras que devem ser eliminadas. Ou seja, “Primeiro, passagens inteiras, ou paráfrases, são parafraseadas em sentenças sintéticas. Estas sentenças são posteriormente parafraseadas em algumas palavras-chave. Ambas as reduções operam com generalização e condensação de sentido” (Jovchelovitch; Bauer, 2002, p. 107).

Na prática, distribuímos os passos em três colunas, chegando a seguinte distribuição. Na coluna à direita, inserimos a transcrição do texto na íntegra. Operamos a primeira condensação (redução) mediante paráfrases que inserimos na coluna do meio. Em seguida, adensamos o conteúdo das paráfrases em palavras-chave e palavra-tema. A partir desse movimento de adensamento do sentido do texto, construímos os eixos e categorias interpretantes que emergiam da interpretação das professoras. Para cada roda de conversa, criamos palavras-tema ampliadas e ordenadas em um sistema de categorização geral para as duas rodas de conversa.

Assumimos para a análise das narrativas o critério da categorização temática, agrupando suas narrativas em temas que condensavam a significação e sentidos. Seguimos as orientações dos autores, quanto às duas etapas estruturais: inventário,ao isolarmos os elementos; e a classificação,ao repartirmos os elementos, e assim procurar dar uma organização às mensagens.

Diálogos entre o instituído e as práticas docentes instituintes

Em suas narrativas, as professoras rememoram conhecimentos oriundos de suas formações iniciais e continuadas. Fazem referência a conceitos que embasam suas práticas pedagógicas em ambiente hospitalar. Elas vão, assim, dando sentido ao que fazem e produzindo saberes no ato de narrar suas experiências. Partilharam suas vivências, com base no que chamamos de “redes de conhecimentos e experiências”, que foram sendo tecidas, em suas práticas pedagógicas, na classe hospitalar, ao tempo em que vão atribuindo sentido ao que acontece e lhes acontece, como sugere Passeggi (2011b, p. 149):

Entre um acontecimento e sua significação, intervém o processo de dar sentido ao que aconteceu ou ao que está acontecendo. A experiência, em nosso entendimento, constitui-se nessa relação entre o que nos acontece e a significação que atribuímos ao que nos afetou.

A noção de “redes de atenção à saúde” vem sendo utilizada com a intenção de romper com as fragmentações dos serviços em saúde. Para Mendes (2010, s/n), “as redes de atenção à saúde são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços à saúde, vinculadas entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente [...]”. Essa noção ganhou espaço nos debates e ações em saúde, e compreendemos que ela pode ser intercambiada com as experiências vividas na classe hospitalar, entre professores e crianças hospitalizadas, e que temos denominado de “redes de conhecimentos e experiências”.

Larrosa (2002) propõe que pensemos a educação com base na noção de experiência. O autor define a experiência como “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, o que toca” (idem, p. 21). Nesse sentido, a experiência relaciona-se a eventos/acontecimentos que foram significativos para quem narra e que de alguma forma mobilizou, inquietou, transformou o/a narrador/a. Larrosa se refere ao sujeito da experiência, que ele define, não por sua ação no mundo, mas por sua “passividade”, entendida como receptividade, disponibilidade fundamental e abertura essencial para receber e viver a vida.

Assim, o sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”, ou seja, aberto às ocorrências de sua existência. A passividade, à qual se refere Larrosa, relaciona-se à ideia de “uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção”. (Idem, p. 19). Por essa razão, o sujeito da experiência se expõe, corre riscos, porque se deixa ser tocado, e porque intui que o acolher o que o afeta ele também se auto(trans)forma. Mas é pela narrativa das experiências e pela experiência narrativa que ele atribui significações aos acontecimentos, que viveu, está vivendo, ou imagina que viverá no decurso de sua vida.

A dialética entre instituído e instituinte conduz a uma realidade inacabada, um projeto em processo de construção. Conforme, adverte Pereira (2007, s/n):

O instituinte não deve ser pensado como força que resulta em instituído, mas como relação de forças permanente, que comporta tanto o poder como as singularidades de resistência e produção de novos sentidos. Nas bordas do espaço instituído, debate-se o espaço instituinte, não previsível e inexato. [...] O instituinte sobrevive encoberto no seio de toda instituição através de seu germe transformador, o desejo, iceberg do qual só vemos a ponta aguda, cuja parte submersa é uma potência energética.

As palavras de Pereira (2007), ao tratar o instituinte como uma relação de forças permanentes que alcança tanto as singularidades das resistências quanto a construção de novos sentidos dialogam com as falas das professoras. Existe compatibilidade entre escola-educação X hospital-saúde? Ou estamos diante de relações antagônicas? Podemos questionar o fato de a escola, historicamente, ter sido considerada lugar da educação? Da mesma forma que o hospital foi concebido como espaço reservado à saúde? E, portanto, que o atendimento ao ser que adoece deva ser realizado de forma isolada pelos profissionais de saúde, professores e familiares? Ou haveria uma troca entre espaços de aprendizagens: hospital-escola, e entre suas funções: educação- saúde?

Ao longo de suas narrativas, Andreia e Sophia contam as dificuldades de inserção como professoras no ambiente hospitalar. Num lugar destinado aos profissionais da saúde, elas adentram por descaminhos. A professora Andreia (2014) fala em camuflagem:

Então têm vários profissionais que trabalham lá. Os médicos, que são os doutores. Tem os enfermeiros. Tem o pessoal todo de apoio: da limpeza e higienização do lugar. E tem, também, os professores, que estão lá no meio, quase camuflados. Muitas vezes, porque a prioridade não é a educação, é a saúde. E aí, muitas vezes, os profissionais de saúde percebem a saúde dissociada do todo, enxergam apenas a doença, e não a criança como um todo.

A camuflagem, à qual se refere Andreia, é a forma como ela dá sentido à figura do professor, que entra de “contrabando”, num espaço no qual ele não tem uma função prioritária. Ou seja, em que a educação surge como algo secundário. Para muitos, o seu papel no hospital é de coadjuvante, ou até mesmo estranho na atenção à saúde da criança. A narradora atribui essa secundarização ao fato de os profissionais de saúde apresentarem certa dificuldade em apreender a criança como um todo, não apenas como um corpo físico em que se alojou a doença que precisa ser extirpada mediante o tratamento terapêutico. Nos parece que, na perspectiva da professora, se a mirada dos profissionais da saúde ocorresse de acordo com a abordagem do cuidado integral à criança, a presença do professor no hospital não seria tão estranha. É evidente que existem exceções. Há instituições hospitalares, no Brasil, que trabalham com esse foco. Mas, de maneira geral, o professor ainda é visto como brinquedista e a própria classe hospitalar como espaço lúdico, sem a compreensão de uma mediação pedagógica. Quiçá essas representações da escola e do professor estejam na origem da ideia de ‘camuflagem’, ou disfarce do professor, que deve se tornar ‘invisível’ aos olhos dos que cruzam com ele nos corredores do hospital. Para mudar essa imagem de si, a professora afirma que, para adentrar no hospital, deve percorrer um longo caminho até que seu trabalho seja compreendido, valorizado, reconhecido. Fontes (2005) lembra que se faz necessário esclarecer, por um lado, que a educação não é função exclusiva da escola, nem a saúde função exclusiva do hospital.

A respeito da inserção do professor no hospital, Sophia (2014) diz:

No ambiente hospitalar, o professor foi visto por muito tempo como um profissional invasivo. Você está socialmente num universo que não é o seu. O seu lugar é a escola. Então, assim, você tem que ter a sensibilidade de conquistar o seu espaço, porque você sabe que a coisa não é imediata. Até a própria mãe, a própria família, quer saber da cura do filho, não está querendo saber de estudar agora.

A narrativa de Sophia soma-se àquela de Andreia, no sentido de que ambas se referem à imagem do professor, seja como “profissional invasivo”, para Sophia, seja pela necessidade de “camuflagem”, para Andreia. Ora, a saúde da criança é uma prioridade. Tanto para os profissionais de saúde, quanto para os familiares, mas, também, para o/a professor(a) e, essencialmente, para a criança enferma. Mas essa não é uma evidência compreensível, no hospital. Para os profissionais de saúde e à família, após um diagnóstico de doença crônica tudo que se deseja é o reestabelecimento físico da criança, e os pais se angustiam com a doença que acomete seus filhos. Nesse sentido, o hospital é o lugar de cuidados onde se encontra a possibilidade de cura. Por isso, ao dizer que o professor precisa ter a sensibilidade de conquistar seu espaço, a Sophia sugere que eleja como guia a sensibilidade, de modo a voltar sua atenção para a compreensão tanto do acolhimento à criança enferma, quanto à sua família no enfrentamento do adoecimento e da hospitalização.

Aos poucos, com diálogos e ações de cooperação, as professoras passam a melhor compreender suas vivências no hospital de forma menos dolorosa e traumática. Os professores vão delineando seu espaço de atuação, ajudando a família a compreender a função da escola no hospital como um direito de seus filhos à educação, e que as atividades escolares podem colaborar com o processo terapêutico. Torna-se necessário que a família saiba que o professor também cuida, à sua maneira, da saúde da criança, e que para ele isso é uma prioridade.

Ao mencionar essa contribuição no processo terapêutico não nos referimos à doença em si, pois precisaríamos de mais pesquisas para confirmar se as experiências educativas no hospital colaboram efetivamente, ou não, para uma boa resposta ao tratamento. O que queremos enfatizar é a contribuição para a compreensão do adoecimento e das emoções, dores, mudanças físicas, parte da criança que padece a experiência do adoecimento e hospitalização. É, nesse sentido, que a presença de professores e da classe hospitalar contribuem para a aceitação de tratamento invasivos, à diminuição de desconfortos provocados por medicações, permanência em UTI, de modo a minimizar para criança o esforço de reestruturação da autoestima, e da imagem de si. (Rocha, 2012).

Concepções de ensino na classe hospitalar

A professora Sophia, ao lembrar os atendimentos realizados às crianças na UTI, narra a seguinte história:

[...] outra criança estava também na UTI, [ele era meu aluno] e eu levei atividades para ele. A menina disse: ¨Não adianta, porque ele não está respondendo”. E toda vida, quando eu chegava no COHI, eu dizia: “Diga meu amor!” E ele respondia: “Diga meu amor!”. Toda vida, eu tive essas coisas [...] carinhosa: “Minha flor”, “Meu amor”. Então, esse menino, eu chamava de meu amor. Uma vez, ao sair do hospital, me chamaram lá em baixo e disseram: _ “Professora diminua, porque o menino grita quando a senhora vai embora”. Eu sorri e disse: “Fazer o quê? Isso é amor!”. Fui para a UTI e me disseram: _ “Professora não adianta, ele está em coma, não está ouvindo e a senhora vai perder o seu tempo”. É sempre uma questão de tempo. Eu penso: “Meu Deus, eu estou ganhando tempo. Só em estar do lado dele, já é uma aprendizagem muito grande”. Porque aprendizagem para mim é troca. Eu ficar do lado dele, eu estou aprendendo muito. Mas eu ia, conversava, contava história. Foi passando o tempo e eu indo. Resistindo. Ele não tinha uma reação, de um dedinho mexido. (Sophia, 2014).

Na sua história, Sophia revela a concepção de ensino e aprendizagem que ampara a sua prática pedagógica, tendo como matriz principal a noção de trocas, compartilhamentos e que nós denominamos de acompanhamento, no sentido etimológico da palavra: estar ao lado de, partilhar com o outro, repartir o pão. Aqui, ela torna visível que a prioridade no seu fazer era estar com o outro, não desistir da criança, embora a situação se colocasse como limitadora de interações, pelas condições de saúde do aluno. Chama atenção, ainda, o fato de ela se perceber como aprendente, no processo de ensinar no hospital. Embora, naquele momento, não parecesse existir a mínima condição de aprendizagens por parte da criança. Mas para a professora, se fazia necessário dar continuidade ao “acompanhamento” que vinha desenvolvendo na enfermaria, antes das complicações que levaram a criança à UTI. Quando dizemos “embora parecesse não existir a mínima condição de aprendizagens por parte da criança”, fomos movidas pelo desfecho da narrativa de Sophia:

Eu dizia: “Olhe, a professora chegou, meu amor”. E contava história e tal. Quando foi um belo dia, eu estava saindo do hospital e vi aquela criança sentada na calçada com a mãe. Eu disse: _ “Menino você está aqui?”. Eu tomei um susto! Como alguém, que estava na UTI, em coma, e, de repente, estava na calçada do hospital? A mãe, disse: _ “Estamos esperando o carro do interior”. Eu falei para ele: “Você nem sabe quem sou eu?” Ele respondeu: “Diga meu amor!”. Diga aí, se isso não é forte?! Ele lembrou, não do meu nome, mas do que nos ligava. E eu fiquei imaginando. Veio a nuvenzinha, como toda professora constrói da questão imaginária, a fala da enfermeira dizendo: “Ele não vai te ouvir”. E eu pensei: “Como valeu a pena!” (Sophia, 2014).

Paulo Freire (1996, p. 30), ao discorrer sobre a consciência do inacabamento humano, profere: “Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade”. A atitude de Sophia nos parece intrinsicamente relacionada às palavras de Paulo Freire no instante em que ela não aceita o “não” (não aceita o determinismo do coma), e constrói a sua história com a criança, pautada no cuidado do acompanhamento, no “estar junto com o outro”, pela recusa de discursos instituídos. Sua atitude corrobora o que sugere Schaller (2008, p. 69), em que a professora reinventa o hospital como “um lugar [...] aprendente porque permite deixar marcas do conjunto das relações, das ligações, das associações entre os atores”. Assim, todo lugar é aprendente, e, mesmo os lugares mais improváveis, como a UTI, “os lugares se constituem e aprendem ao mesmo tempo em que ensinam e constituem os atores que vivem nele” (ibidem).

Um lugar aprendente suscita outras maneiras de aprender e ressignificar formas de ensinar já instituídas. O hospital, por suas características singulares, apresenta-se ao professor como um cenário desafiador para sua criatividade pedagógica. Não basta transferir práticas escolares para a classe hospitalar, é preciso construir novos modelos pedagógicos. Nas falas das professoras, observamos como elas sentem a necessidade de ressignificar os modos de ensinar, nos falam em desafios, limitações e nas condições de aprendizagem das crianças, vejamos seus relatos:

[...] Na sala onde eu trabalho [...], elas têm um espaço cheio de possibilidades lúdicas. E eu tenho que seduzi-las a fazer uma atividade comigo, escolar, digamos assim [...] Muitas vezes, acontece isso, especialmente onde estou hoje, porque estou numa casa de apoio, atuo numa brinquedoteca. A criança entra num espaço cheio de estímulos, diferente do que é no [Hospital] Varela que a criança vai diretamente para a classe hospitalar. Onde trabalho, até tem um espaço do atendimento, mas, eu raramente vou lá, ou fico lá com as crianças, porque são cadeiras grandes, altas e as crianças que atendo, muitas vezes, são pequenininhas. É um espaço que tem um formato muito tradicional, tanto é que tem lousa. Tem horas que eu uso, mas tem horas que não dá. Raramente eu uso. Se eu atendo 50 crianças por mês, duas eu levo para esse espaço. (Andreia, 2014).

No excerto acima, Andreia apresenta o cenário do seu trabalho: a brinquedoteca da Casa de Apoio à Criança com Câncer, demonstrando que os desafios são ainda maiores para “ensinar”, dentro da concepção tradicional de ensino, devido a estímulos lúdicos do ambiente. Reconhece que utilizá-lo para o acompanhamento das crianças não é uma tática muito eficaz, tanto que o número de crianças que fazem atividades na sala é bem reduzido. Andreia (2014) conta:

Às vezes, eles querem ir pra lá, porque tem a lousa e vai remeter à questão da escola. O que acontece, quando eles entram na brinquedoteca? É cheia de estímulos, jogos, brinquedos modernos, televisão, livros, então, é difícil para a professora. Lá na escola, a criança vai à escola para estudar, não tem outra escolha. Então é difícil, mas acontece. Raríssimas vezes, você quer um não. Se a criança é muito pequena, ou se é a primeira vez que vai lá, eu tenho que perceber e dar oportunidade daquela criança explorar aquele espaço, antes de chegar, tomar pela mão e dizer: “Olha, agora vamos estudar”. Se eu fizer isso, aquela criança não vai querer mais voltar, não vai gostar daquele lugar, nem de mim. Então, quando é uma criança que a gente não conhece e que é a primeira vez que vai ali, eu deixo ela entrar, me apresento, digo que sou professora, meu nome e tal, que estamos estudando algumas coisas, e convido para que ao terminar de brincar vir fazer uma atividade. Em geral, eu dou uns dez minutos, chamo – “E aí, vamos?” Eles vêm na mesma hora, vêm felizes, querem fazer a atividade [...].

Vale destacar que a professora, ao mesmo tempo que utiliza o espaço da sala de aula, considera o desejo das crianças em fazer, ou não, uma atividade escolar, respeitando a sua curiosidade e o seu interesse, demonstrando-lhes sensibilidade, dando-lhes atenção como parte do seu fazer pedagógico. Outro aspecto relevante são as táticas que utiliza na aproximação com as crianças, considerando ser importante que cada uma vivencie experiências lúdicas, assim, ela aguarda que a criança explore a brinquedoteca, para apresentar-lhe as atividades escolares, como outra possibilidade de despertar seu interesse. Andreia ressalta as diferenças entre a criança que vai à escola, sabendo que vai estudar, e a criança que vai à brinquedoteca, imaginando que vai brincar. Daí a necessidade de ajustes na prática pedagógica, inferindo em novos modos de ensinar e aprender, com base no tempo da criança, no seu ritmo e não do tempo e ritmo institucionais.

Sophia, ao contar suas experiências na classe hospitalar, fala do lugar da ludicidade em sua prática e demonstra o respeito que dispensa à criança, colocando-a em primeiro plano:

Nada melhor do que conhecer meu aluno e levar o currículo de uma forma bem lúdica, bem atrativa, respeitando. Porque eu acho que o maior defeito de uma prática pedagógica, ou outra profissional, é não aceitar a dor do outro. Quando meu aluno diz que não quer, porque está doendo, algumas pessoas dizem: “Não tá doendo não”. Em você pode não doer, mas, eu olho para o meu aluno e digo: “Eu acredito que está doendo. Dói. Pode chorar, aperte minha mão, pode chorar”. Eu tento participar o máximo desse momento de dor também, eu fico muito junto e não explico como vai ser o decorrer, mas tudo que ele me pergunta eu tento responder. E quando eu não sei, eu digo: “Olhe vou pesquisar”. “Professora, eu vou sentir isso quando eu tomar esse remédio?” “Eita! agora eu não sei. Vamos perguntar ao médico?” Então, assim, eu sempre tento estar muito junto nas questões dos porquês dos meus alunos. (Sophia, 2014).

A narrativa da professora indica sua preocupação em conhecer o aluno, sua história e o momento de hospitalização que ele enfrenta, antes de propor a realização de uma atividade escolar. Outro aspecto importante a ser ressaltado é acreditar na criança, no que ela diz, por meio de um tratamento ético e respeitoso. Para ensinar no hospital, Sophia entende ser necessário vivenciar intensamente as experiências da criança com a criança, sobretudo nos momentos de dores, pois considera que, para elas, são momentos formadores da pessoa humana. Tanto para a professora, que deseja colaborar para a segurança afetiva da criança, quanto para a criança, que aceita (pede) essa colaboração para viver melhor no hospital. Para Sophia, legitimar a voz da criança e dar credibilidade à sua dor perpassam o ato de ensinar e aprender. Pois para ela, as aprendizagens se fazem mediante trocas, compartilhamento, estar junto com o outro, no processo de acompanhamento.

Se refletirmos com as professoras, poderemos perceber que conhecer a história do aluno, respeitar seu tempo e suas possibilidades não são questões novas nas teorias educacionais. Autores como Vygotsky (1998), Piaget (1987), Arroyo (2008), entre outros, apontaram essa necessidade. No entanto, a escola tem dificuldades de inserir em suas práticas cotidianas esses aspectos. Talvez pela grande demanda de alunos, pela carga de trabalho dos professores etc. O novo, nas falas das professoras, reside no fato de colocarem tais problemas no centro de sua prática diária na classe hospitalar.

Conteúdos escolares: o que ensinar?

Qual seria o sentido da educação no ambiente hospitalar? As professoras preocupam-se com a educação das crianças no hospital, e revelam os impasses referentes aos conteúdos escolares. O que ensinar para que essa educação seja reconhecida como continuidade do processo de escolarização da criança? Ao serem questionadas sobre o que ensinar no hospital, as professoras dizem:

Eu acho assim, no ambiente que eu trabalho a criança perde muito a identidade dela, é impressionante. A própria queda do cabelo, a própria doença que é muito discriminada. Todo esse contexto faz ela perder muito sua identidade. Eu penso que uma das questões mais importantes, para o professor no hospital, é trabalhar a questão da identidade. [...] [A criança] tem direitos, e tem uma identidade. Mostrar [isso] a ele, porque graças a Deus já mudou muito. Mas eu ainda cheguei [a ouvir]: _ “Ei menino do leito 82”; “Fulano do leito 97”. São muitas coisas. “Esse é um menino ou uma menina?” Porque está careca e não sabem quem é. Eles perdem muito a identidade. Por isso, acho que a base é fazer com que esses meninos reconheçam essa identidade humana. É o ponta pé inicial: “Eu existo!” [...] Estar junto comigo nessa busca do eu, e construir essa identidade que está meio fragilizada. (Sophia, 2014).

A fala de Sophia mostra sua preocupação com as transformações físicas e prováveis incidências sobre as transformações identitárias da criança doente, por vezes mudanças radicais no seu corpo, o que acarreta mudanças nas representações que ela tem de si mesma, suscetível de desnorteá-la, pois é colocada numa situação de exclusão social, de violência simbólica[4], de baixa autoestima, de descrença em si mesma e no cerceamento de sua dignidade como pessoa humana. Convém lembrar que a inquietação da professora está marcada pelos princípios da Educação Infantil (2010), preconizados na Proposta Pedagógica e Diversidade:

A dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias competentes. (Brasil, 2010, p. 21).

Sendo assim, o problema da identidade da criança se apresenta como um aspecto importante da preservação de sua dignidade enquanto pessoa humana. Observamos que nas recomendações das Práticas Pedagógicas da Educação Infantil, o eixo “Currículo” propõe que sejam garantidas às crianças: “[...] experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; como também, “situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações do cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar” (Brasil, 2010, pp. 25-26). Se ampliarmos tais recomendações, incluídas as narrativas das experiências do adoecimento contadas pelas crianças, ao lado das narrativas da literatura infantil e demais gêneros, é sem dúvidas salutar pensar que as narrativas de si podem ajudar a criança a revisitar suas experiências de mundo. Ricoeur (2010) defende a ideia de uma identidade narrativa, que se constitui no diálogo consigo mesmo e com o outro.

Ao falar sobre os conteúdos a serem ensinados às crianças na classe hospitalar, a professora Andreia faz as seguintes considerações:

Eu acho que depende do momento, que a criança está passando por aquela situação. Quando você vê que a criança está, de certa forma, fragilizada. Aconteceu comigo, de chegar no hospital e a criança está deitadinha na cama, dormindo, e eu perguntar para a avó: “Como ela está?”. E a avó responder: - “Ela não está mais sentindo das pernas para baixo”. E, eu dizer: - “Ela vai melhorar! “Se a gente disser isso como professor, podem dizer: ”Que é isso?”. Professor não tem que dizer isso”. E quando eu disse: “É isso mesmo, ela vai melhorar, a criança acordou e disse assim: “Tia Andreia, você tá aqui? Você trouxe minha tarefa? (muita emoção). Isto não tem preço!” E se no outro dia você souber que aquela aluna não estava mais com você? Que não iria mais vê- la porque ela veio a óbito? É doloroso, difícil, mas eu tento não me preocupar muito, quando eu falo que ensinar depende muito do momento da criança. Agora, se a criança está esperta, naquele momento do tratamento está bem, pode se movimentar. Aí sim, você tem possibilidades de ensinar coisas que planejou previamente, de acordo com o projeto, se veio da escola, se não veio. Vai nas dificuldades da criança e potencializa as possibilidades. Ensinar é difícil, o que ensinar, é do momento (Andreia, 2014).

A professora se refere à seleção dos conteúdos a serem trabalhados com as crianças de acordo com a condição de cada uma delas, procurando perceber o que é possível, ou não, realizar no momento do atendimento. Ela faz seu planejamento. No entanto, são as crianças que direcionam seu fazer pedagógico. As diferentes faixas etárias, no hospital, os diversos níveis de aprendizagem das crianças exigem do professor muita flexibilidade e atenção aos conteúdos a ensinar, quando ensinar, como ensinar.

Os professores da classe hospitalar precisam estar atentos para verificar as possibilidades e os limites de cada criança. Assim, quando a lógica educativa da escola se materializa no hospital, são necessárias reflexões sobre o currículo, como recorda Taam (2004). Para o professor, o desafio não é fazer adaptações do currículo escolar para a classe hospital, mas antes construir modelos educativos que respondam às peculiaridades do ambiente hospitalar onde vive a criança em sua concretude.

Considerações finais

As narrativas autobiográficas das professoras participantes da pesquisa orientaram nossas reflexões para interpretar o que elas interpretam como o sentido às suas práticas pedagógicas em classe hospitalar. Elas concordam que acompanhar as crianças em classe hospitalar conduz a uma auto(trans)formação permanente de si. Para essas professoras, trata-se de um processo realmente autopoiético, de reinvenção de si. Tanto para elas, na busca de uma identidade profissional, quanto para as crianças gravemente enfermas que sentem as transformações de seu corpo provocadas pelo adoecimento. Ao narrar, elas sinalizam que passam a melhor compreender o mundo do hospital, o outro e a elas mesmas. Suas narrativas evidenciam experiências que nos ajudam a compreender os lugares de ensinar e aprender e a problematizar práticas pedagógicas instituídas e instituintes.

As professoras nos dão pistas concretas sobre o ensinar e o aprender, demostrando a necessidade de posicionamentos político e ético na atenção à criança hospitalizada. Um cuidado a ser partilhado, no hospital, entre professores, profissionais de saúde, a família e a criança, a favor de um atendimento de qualidade nos tratamentos terapêuticos de atenção à saúde física, emocional, intelectual, experiencial que fazem parte da vida, na complexidade de sua plenitude. Por que então não compor ‘juntos’ novas “redes de conhecimentos” partilhados, construídos no embate diário contra ideias herdadas e a favor de novas formas de compreender o ensinar e o aprender de forma dialógica, na escola e na vida?

Referências

Andréia (2014). Entrevista narrativa. Natal, RN. [ Links ]

Arroyo, M.G. (2008). A infância interroga a pedagogia. In M. Sarmento & M. C. S. Gouvea (Orgs.). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Rio de Janeiro: Vozes. [ Links ]

Brasil (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9.394, 20 de dezembro de 1996. Brasília. [ Links ]

Brasil (2001). Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica/ Secretaria de Educação Especial. Brasília. [ Links ]

Brasil (2002). Ministério da Educação. Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e orientações. Brasília. Recuperado em 24 janeiro 2018, de http://www.dominiopublico.gov.br/download/me000423.pdfLinks ]

Brasil (2008). Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília. [ Links ]

Brasil (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília. Recuperado em 23 janeiro 2018, de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdfLinks ]

Brasil (2010). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizescurriculares nacionais para a educação infantil. Brasília. [ Links ]

Fontes, R. (2005). A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, (29), 119- 139. [ Links ]

Fontes, R. (2007). Narrativas da infância hospitalizada. In M. R. Vasconcelos, & J. Sarmento (Orgs.). Infância (in)visível. São Paulo: Junqueira&Marin. [ Links ]

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (2a ed.). São Paulo: Paz e Terra. [ Links ]

Jovchelovitch, S. & Bauer, M. W. (2002). A entrevista Narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (2a ed). Rio de Janeiro: Vozes. [ Links ]

Larrosa, J. (2002). Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de J. W. Geraldi. Revista Brasileira de Educação, (19), 20-28. [ Links ]

Leontiev, A.N (1998a). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In L. S. Vygotsky, et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone. [ Links ]

Mendes, E. V. (2010). As redes de atenção à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 15(5), Rio de Janeiro. [ Links ]

Passeggi, M. C. (2010). Narrar é humano! Autobiografar é um processo civilizatório. In M. C. Passeggi e V. B. Silvia (Orgs.). Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. São Paulo: Cultura Acadêmica. [ Links ]

Passeggi, M. C. (2011a). A pesquisa (auto) biográfica em Educação. Princípios epistemológicos, eixos e direcionamentos da investigação científica. In M. F. Vasconcelos & E. Atem (Orgs.). Em torno da noção de alteridade. Fotaleza: Expressão Gráfica. [ Links ]

Passeggi, M. C. (2011b). A experiência em formação. Educação, 4(2), 147-156, Porto Alegre. [ Links ]

Passeggi, M.C.; Furlaneto, E.C.; De Conti, L.; Gomes, M.; Chaves,I (2014). L’enfance à l’école: Scénarios et enjeux de la recherche avec des enfants au Brésil. In M. Lani- Baile; M. C. Passeggi. Raconter l’école: à l’écoute de vécus scolaires en Europe et au Brésil. Paris: L’Harmattan. [ Links ]

Passeggi, M.C.; Rocha, S. (2014). Récits d’enfants hospitalisés sur leur accueil en milieu hospitalier. In M. Lani- Baile; M. C. Passeggi. Raconter l’école: à l’écoute de vécus scolaires en Europe et au Brésil. Paris: L’Harmattan. [ Links ]

Pereira, W. C. C. (2007). Movimento institucionalista: principais abordagens. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 7(1), 10-19, Rio de Janeiro. [ Links ]

Piaget, J. (1987). O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara. [ Links ]

Ricoeur, P. (2010). Tempo e narrativa. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, Tomo 1; Tomo 3. [ Links ]

Rocha, S. M. & Passeggi, M.C. (2013). Inclusão escolar pela classe hospitalar: o que nos contam as crianças sobre suas experiências educativas no hospital. In E. C. Souza; M. C. Passeggi; P. P. Vicentini (Orgs.). Pesquisa (Auto)Biográfica: trajetórias de formação e profissionalização. Curitiba: Editora CRV. [ Links ]

Rocha, S. M. (2012). Narrativas infantis: o que nos contam as crianças de suas experiências no hospital e na classe hospitalar. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. [ Links ]

Schaller, J.J. (2008). Lugares aprendentes e inteligência coletiva: rumo à constituição de um mundo comum. In M. C. Passeggi & E. C. Souza (Orgs). (Auto) Biografia: formação, territórios e saberes. Natal: EDUFRN; São Paulo: PAULUS. [ Links ]

Sophia (2014). Entrevista narrativa. Natal. [ Links ]

Taam, R. (2004). Pelas trilhas da emoção: a educação no espaço da saúde. Maringá: Eduem. [ Links ]

[1]Nome fictício, sugerido pela professora participante do estudo.

[2]A professora solicitou que fosse identificada por seu nome completo: Andreia Gomes da Silva. Ao longo do trabalho, nos referiremos apenas ao primeiro nome.

[3]Projeto “Narrativas infantis. O que contam as crianças sobre as escolas da infância?”. Financiado pelo Edital de Ciências Humanas [CNPq/CAPES 07/2011-2, Processo no 401519/2011- 2], foi desenvolvido por pesquisadores de seis universidades: UFRN, UFPE, UNICID, UNIFESP, UFF e UFRR. Aprovado pelo Comitê de Ética [Parecer no 168.818]. A pesquisa integra um projeto internacional “Raconter l’école en cours de scolarisation”, coordenado pela Professora Martine Lani-Bayle (Université de Nantes), desenvolvido, em rede, por pesquisadores da França, Polônia, Bélgica, Suíça, Brasil.

[4]Entendida na perspectiva de Pierre Bourdieu (1970), na qual se expressa na imposição, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não coloca-se em oposição ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo, mas ao contrário o oprimido considera a situação natural e inevitável.

Recebido: 15 de Novembro de 2018; Aceito: 15 de Novembro de 2018