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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.24  Brasília  2018  Epub 15-Nov-2018

https://doi.org/10.26512/lc.v24i0.18957 

Dossiê: Narrativas, educação e saúde: o sujeito na cidade

Narrativas posithivas: vulnerabilidade de mulheres ao hiv/aids em relações heterossexuais de conjugalidade

Posithive narratives: vulnerability of women to HIV / aids in heterosexual conjugality relationships

Narrativas positivas: vulnerabilidad de mujeres al VIH / sida en relaciones heterosexuales de conjugalidad

Récits positivihs: vulnérabilité de femmes au VIH/sida dans le cadre des relations de conjugalité hétérosexuelle

Patrícia Chaves do Nascimento1 
http://orcid.org/0000-0001-5687-4645

Luciana Kind2 
http://orcid.org/0000-0002-0327-0722

1Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas. Docente do curso de graduação em Psicologia da Faculdade Pitágoras.

2Doutora em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), com pós-doutorado em Psicologia Social (UFMG). Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas.


Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma pesquisa sobre a vulnerabilidade ao HIV/aids em narrativas de mulheres que se tornaram soropositivas em relações heterossexuais de conjugalidade. De escopo qualitativo, a pesquisa guiou-se por princípios metodológicos da pesquisa narrativa, combinando-se estratégias de produção de dados: pesquisa bibliográfica crítica; observação participante; entrevistas narrativas; e diário de campo. As entrevistas foram transcritas e analisadas com apoio de um software de análise de dados qualitativos (ATLAS.ti), articulando-se ferramentas de análise de narrativas nas perspectivas temática, estrutural e dialógico-performativa. Os resultados demonstram que as narrativas são ricas fontes de dados sobre as vulnerabilidades classificadas como individuais, sociais e programáticas em fontes governamentais e na literatura acadêmica. Estas vulnerabilidades permeiam o cotidiano das mulheres em relações de conjugalidade e têm como pano de fundo as desigualdades de gênero.

Palavras-chave Narrativas; Mulheres; Vulnerabilidades; HIV/aids

Abstract

The aim of this paper is to present a research on the vulnerability to HIV / AIDS in narratives of women who have become HIV positive in heterosexual conjugality relationships. The research had a qualitative design, and was guided by methodological principles of narrative inquiry, combining strategies of data production: critical bibliographical research; participant observation; narrative interviews; and field notes. The interviews were transcribed and analyzed with the support of qualitative data analysis software (ATLAS.ti), articulating the tools of narrative analysis in the thematic, structural and dialogical-performative perspectives. The results demonstrate that narratives are rich sources of data on vulnerabilities classified as individual, social and programmatic in government sources and academic literature. These vulnerabilities permeate the daily lives of women in conjugal relationships and have against the backdrop of gender inequalities.

Keywords Narratives; Women; Vulnerabilities; HIV/AIDS

Resumen

El objetivo de este artículo es presentar una investigación sobre la vulnerabilidad al VIH / sida en narrativas de mujeres que se han vuelto seropositivas en relaciones heterosexuales de conyugalidad. De alcance cualitativo, el estudio se guió por principios metodológicos de la investigación narrativa, combinando estrategias de producción de datos: investigación bibliográfica crítica; observación participante; entrevistas narrativas; y diario de campo. Las entrevistas fueron transcritas y analizadas con apoyo de un software de análisis de datos cualitativos (ATLAS.ti), articulando herramientas de análisis de narrativas en las perspectivas temática, estructural y dialógica y de performatividad. Los resultados demuestran que las narrativas son excelentes fuentes de datos sobre las vulnerabilidades clasificadas como individuales, sociales y programáticas en fuentes gubernamentales y en la literatura académica. Estas vulnerabilidades permean el cotidiano de las mujeres en relaciones de conyugalidad y tienen como telón de fondo las desigualdades de género.

Palabras clave Narrativas; Mujeres; Vulnerabilidades; VIH / sida

Résumé

Cet article vise à présenter une recherche sur la vulnérabilité au VIH/SIDA à partir de récits de femmes devenues séropositives dans le cadre de relations hétérosexuelles de conjugalité. Sous une approche qualitative, l’investigation a été guidée par les principes méthodologiques de la recherche narrative, associée aux suivantes stratégies de production de données: recherche bibliographique critique; observation participante; entretiens narratifs et carnet de terrain. Les entretiens ont été transcrits et analysés à l'aide d'un logiciel d'analyse de données qualitatives (ATLAS.ti), les outils d'analyse narrative étant articulés sous les perspectives thématique, structurelle et dialogique-performative. Les résultats mettent en évidence les récits comme des riches sources de données concernant les vulnérabilités classées comme individuelles, sociales et programmatiques, d’après des documents gouvernementaux et la littérature académique. Ces vulnérabilités liées aux relations conjugales imprègnent la vie quotidienne des femmes, tout en étant fondées sur les inégalités entre les genres.

Mots clés Récits; Femmes; Vulnérabilités; VIH/SIDA

O presente artigo[1] se interessa pela vulnerabilidade de mulheres heterossexuais ao HIV/aids[2], em relações de conjugalidade. Neste estudo buscamos problematizar o atrelamento socialmente construído entre conjugalidade e imunidade à infecção, argumento desenvolvido em trabalhos anteriores (Nascimento, 2016; Kind, Nascimento, Vieira e Cordeiro, 2015).

Focaliza-se a experiência de mulheres que contraíram o HIV por transmissão sexual, com seus maridos ou parceiros fixos, em relacionamentos que podem-se caracterizar como relações de conjugalidade. Em consonância com Dihel (2002), tomamos a conjugalidade como um neologismo da palavra conjugar, ligada à ideia de união, de ligação entre duas pessoas, sem a necessidade de um contrato formal entre elas.

Perpassada por diferentes contextos sócio-históricos e por relações de gênero, as análises sobre a vulnerabilidade de mulheres ao HIV/aids têm demarcado mudanças no padrão epidemiológico da doença. Carvalhaes (2012) destaca que entre essas mudanças se incluem o aumento da infecção com o HIV entre grupos como o das mulheres heterossexuais em relações de conjugalidade e a feminização da epidemia.

De acordo com a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia, 2014), o fenômeno da feminização da aids no Brasil se tornou mais evidente a partir da década de 1990 e se caracteriza pelo crescimento do número de mulheres infectadas pelo HIV em relação ao número de homens. Também com destaque na mesma década, o conceito de vulnerabilidade ao HIV surgiu na conexão entre vários campos do saber que buscavam estratégias de enfrentamento à aids. Os estudos produzidos por esses campos de saber conceituam a vulnerabilidade a partir de uma matriz em que as formas de exposição ao HIV se referem a fatores que se conectam a três dimensões de vulnerabilidade: a individual, a social e a programática ou institucional (Ayres, Calazans, Saletti Filho & França-Júnior, 2006; Man; Tarantola; & Netter, 1993).

No entanto, acreditamos ser preciso problematizar essas dimensões, questionando as definições de vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas, que são tomadas, a princípio, separadamente. Diferentemente, tomamos essas definições utilizadas na literatura científica e nos documentos governamentais para marcar a impossibilidade de discuti-las separadamente. Nossa defesa se pauta, deste modo, na ideia de que a divisão entre vulnerabilidades individual, social e programática não pode ser tomada isolando-se cada uma dessas vulnerabilidades como dimensões estanques. Compreendemos que essas vulnerabilidades se interconectam e são conjuntamente determinantes para a suscetibilidade dos sujeitos à infecção com o vírus HIV/aids.

O objetivo do estudo foi entender as vulnerabilidades a partir das narrativas sobre as experiências de soropositividade de mulheres que foram entrevistadas na pesquisa. Destacamos que as narrativas, mesmo quando apresentam a experiência de cada uma das entrevistadas de modo específico, possuem o potencial de apreensão tanto do individual quanto do social. Esse ponto de vista nos sugere a impossibilidade de uma separação precisa entre as vulnerabilidades individual, social e programática ao longo das histórias narradas.

Pressupostos teórico-metodológicos

Riessman (2008), De Fina e Georgakopoulou (2012), pesquisadoras que têm estudado e trabalhado com os métodos narrativos, afirmam não haver um conjunto único de regras sobre como realizar a produção e a análise de narrativas. O que encontramos, segundo essas autoras, é uma variedade de fazeres metodológicos baseados em escolhas que são marcadas pela combinação de ideias e concepções provenientes das mais diversas disciplinas. Portanto, cabe ao/à pesquisador/a efetivamente decidir o recorte de estratégias a serem utilizadas na produção e análise das narrativas.

Como momento inicial de execução do estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica crítica, seguindo as recomendações de Lima e Mioto (2007). Para a produção dos dados empíricos, além desta pesquisa bibliográfica crítica, foi privilegiada como perspectiva teórico-metodológica a etnografia narrativa, tendo como referências autores como Clandinin e Connelly (2011) e Gubrium e Holstein (2009). A etnografia narrativa, segundo Gubrium e Holstein (2009), se refere à prática investigativa que “focaliza a atividade narrativa cotidiana que se revela na interação situada.” (p.25).

Com o intuito de aprofundarmos o campo estudado, nos aproximamos dessa perspectiva e utilizamos como combinação de estratégias a observação participante, as entrevistas narrativas e . diário de campo. Neste artigo, apresentamos com maiores detalhes as entrevistas narrativas, tomando os registros de diário de campo como pano de fundo para contextualização do trabalho empírico.

A condução das entrevistas teve como guia as recomendações de autores como Jovchelovitch e Bauer (2002) e Riessman (2008), e envolveu um processo aberto, que teve por finalidade desencadear a “contação de histórias”. Durante o processo, a entrevista narrativa aconteceu a partir de uma pergunta denominada por Jovchelovitch e Bauer (2002) como exmanente, “tópico inicial para narração”, por vezes referida como “pergunta geradora de narrativas”. Para esta pesquisa, a seguinte formulação se configurou como pergunta geradora: “Conte-me como foi para você a experiência de se descobrir infectada por seu companheiro com o HIV?” A essa pergunta geradora, seguiram outras indagações (quase sempre imanentes) com o propósito de aprofundar os temas e subtramas trazidos ao longo da entrevista (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

Participaram da pesquisa cinco mulheres que se tornaram soropositivas para o HIV em relações heterossexuais de conjugalidade, com tempo de diagnóstico variando de 10 a 20 anos. A idade das entrevistadas variou de 42 a 62 anos. Das cinco entrevistadas, duas possuem ensino fundamental, duas, ensino médio e uma, ensino superior incompleto. Duas se auto declararam negras e três brancas. Todas as entrevistadas participam ou participaram de movimentos sociais de militância contra o HIV/aids e/ ou organizações da sociedade civil com atuação nesse campo.

Para a efetivação do convite às mulheres entrevistadas, realizamos contato prévio com uma liderança de um movimento nacional de mulheres vivendo com HIV/aids, para envio de carta convite e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com intuito de divulgar a pesquisa e convidar as mulheres para participarem da produção das entrevistas narrativas. Como critérios de inclusão, foram convidadas mulheres maiores de 18 (dezoito) anos que tivessem se tornado soropositivas em uma relação heterossexual de conjugalidade.

Da análise das narrativas

Para as análises das narrativas foram utilizadas estratégias de análise estrutural, temática e dialógico-performativa. Empreendemos o processo analítico nos apoiando principalmente nas contribuições de Riessman (2008) sobre esses três tipos de análises e também em algumas contribuições de Gibbs (2009) e Labov (2013) acerca da análise estrutural. Como ferramenta de auxílio ao processo de análise, foi utilizado o software para a abordagem de dados qualitativos ATLAS.ti, versão 7.1.7, no qual todas as entrevistas passaram por distintas codificações inerentes aos três processos de análises (Friese, 2014).

A análise estrutural, de acordo com Riessman (2008), tem sua ênfase na estrutura das narrativas e possibilita ao/à pesquisador/a investigar “como” se narra. Labov (2013), sociolinguista e um dos proponentes da análise estrutural de narrativas, sugere que uma história completamente formada tem seis elementos narrativos, a saber: resumo, orientação, ação complicadora, avaliação, solução e coda, sugestão que também é utilizada por Gibbs (2009).

Existem algumas maneiras distintas de empreender uma análise estrutural de narrativas a partir da codificação desses seis elementos ao longo da construção narrativa. Labov (2013) apresenta alguns exercícios analíticos nos quais codifica esses elementos frase por frase. Outra proposta apresentada pelo autor é a codificação desses elementos em blocos maiores de narrativas, que relatam diferentes minihistórias, ou subtramas, divididos em episódios. A codificação a partir de episódios foi a proposta escolhida para a realização da análise estrutural desta pesquisa.

A análise dialógico-performativa enfatiza o contexto de produção, a dimensão interacional e a performatividade nas narrativas. As seguintes perguntas devem ser colocadas ao trabalharmos com a perspectiva dialógica: Para quem um enunciado pode ser direcionado? Como funcionam as histórias narradas? Para que servem? Quando? Por quê? A quem servem? Que “eus” se apresentam na dimensão dialógicoperformativa das histórias? Nesta análise são considerados “o que é dito e como isso é dito” e o ambiente dialógico da narrativa em toda sua complexidade.

Outros aspectos relevantes que devem ser considerados ao se trabalhar com a análise dialógico-performativa dizem respeito ao tipo de relação dialógica entre pesquisador/ a-participantes, o que possibilita compreender as narrativas como “atuações dramáticas” direcionadas a um “público alvo”. Riessman (2008) afirma que a ênfase no desempenho sugere ou relembra que os processos subjetivos dos/as participantes são situados, dramatizados e direcionados a uma audiência determinada. O foco na performatividade não sugere que as dramatizações sejam inautênticas, mas sim que se situam e são realizadas com vistas às possíveis respostas dos/as interlocutores/as.

Ao apresentar o processo de análise dialógico-performativa, Riessman (2008) descreve formas retóricas de persuasão e alguns recursos linguísticos de desempenho que devem ser observados e codificados na realização deste tipo de análise. São estes: o Discurso direto (Fala relatada), o Ventriloquismo, a Interlocução, a Sobreposição de discursos, a Repetição, . uso de Sons expressivos, . estilo Narrativo Heroico, . Uso Performático de Tempos Verbais, as Interrupções . Pausas, . uso de Inflexão (mudança de entonação e força pessoal), e a apresentação do “Self Preferido”.

A análise temática preocupa-se com “o que” é dito, sendo o conteúdo seu foco exclusivo. Na análise temática a linguagem é vista como um recurso, em vez de um tema de investigação. Há maior atenção para o contexto social do que para o contexto local onde as narrativas são produzidas. Cabe destacar, mais uma vez conforme afirmação de Riessman (2008), que não existe uma única maneira de se empreender uma análise temática de narrativas. A autora apresenta a análise temática a partir de sua investigação sobre várias pesquisas e estudos que se utilizaram dessa estratégia de análise em suas investigações demostrando como foi utilizada por cada um dos autores destas pesquisas/estudos. Nesta investigação utilizamos uma escolha metodológica para a análise temática inspirada em alguns destes estudos apresentados por Riessman (2008).

Narrativas posithivas, vulnerabilidade e conjugalidade

A análise estrutural das entrevistas nos forneceu importantes elementos sobre a dificuldade das mulheres em falar sobre determinados temas, a partir da identificação da interferência desses elementos na cadência das narrativas. Ao narrarem episódios tais como os que relatam a descoberta de sua infecção com o HIV ocasionada pela relação com o companheiro, a revelação da soropositividade aos filhos e/ou episódios em que falaram sobre amor, sexualidade e HIV, a estrutura das narrativas é marcada pela presença de vários momentos de pausas e/ou interrupções ou por uma coda que interrompe ou finaliza o episódio como se a narradora estivesse a meio caminho da história.

Em outros episódios narrados por algumas entrevistadas como, por exemplo, os que falam sobre negociação e uso do preservativo ou os ligados ao tema da vulnerabilidade ao HIV em relação com a conjugalidade, essa estrutura apareceu fortemente marcada por momentos de “Ação complicadora” e “Avaliação”. O que demarca as intensas dificuldades e os processos de significação experenciados e/ou ocasionados por essas temáticas às entrevistadas. Outro elemento que a análise estrutrural das narrativas nos forneceu diz respeito à complexidade e aos desafios que envolvem as temáticas do preconceito, prevenção, políticas e ações de enfrentamento contra o HIV/aids. Na grande maioria das subtramas nas quais estes temas aparecem, a estrutrura das narrativas aparece marcada por vários momentos de “Ação Complicadora”, “Orientação” e “Avaliação”, porém com poucos ou nenhum momento de “Solução”. Ou seja, a análise das entrevistas demonstra que muito ainda tem que ser empreendido e conquistado na luta contra a epidemia e o preconceito em relação às pessoas soropositivas. Esses problemas tomam uma dimensão maior quando analisamos e levantamos a hipótese de que, nas narrativas das entrevistadas, esses temas possivelmente se tornam de certa forma atenuados pelo engajamento na militância, o que acreditamos que deva ser diferente na realidade de outras mulheres soropositivas que muitas vezes desconhecem seus direitos.

As narrativas analisadas na pesquisa, embora marcadas por processos de subjetivação políticos, sociais, culturais e históricos, que em certos aspectos podem aproximar-se, são também marcados por processos pessoais. Tivemos, portanto, a possibilidade de apreender, através das análises dialógicas realizadas, “o pessoal” dessas mulheres que compartilham uma mesma experiência “social” (o viver com HIV/aids), mas que a vivenciam de maneiras distintas, o que é demonstrado através de diferentes performances e escolhas de tipos de recursos linguísticos variados durante as entrevistas.

Julgamos impossível demarcar com precisão a separação entre as vulnerabilidades individual, social e programática nas narrativas analisadas. No entanto, com o intuito de sistematizarmos nosso esforço analítico, na combinação das análise estrutural, dialógico-performativa e temática demarcamos e problematizamos ao longo de três eixos temáticos, algumas vulnerabilidades identificadas nas narrativas que se aproximam das definições utilizadas nas unidades de análise temática e, portanto, dos documentos governamentais e textos científicos. Também como modo de síntese analítica, expõe-se o Quadro 1, onde se apresenta a dimensão performática central identificada em cada uma das entrevistas.

Fonte: Elaborador pelas autoras.

Quadro 1 Análise dos “eus” (selves) preferidos das entrevistadas 

Vulnerabilidade ao HIV/aids e relações de gênero

A partir da leitura detalhada das narrativas analisadas nesta investigação, identificamos três subtemas que aparecem ao longo das narrativas que evidenciam relações de gênero, e, portanto, demarcam o primeiro eixo temático, que aqui denominamos de vulnerabilidade ao HIV/aids e relações de gênero, são elas: as identidades e normativas de gênero, distintas para homens e mulheres, . Violência contra as mulheres e a Aceitação da infidelidade masculina. Esses subtemas não só evidenciam as relações de gênero, mas também demonstram como estas contribuem para o aumento do grau de vulnerabilidade de mulheres ao HIV/aids no contexto da conjugalidade.

A utilização do conceito de vulnerabilidade em articulação com o de gênero é pertinente, pois estes abarcam as complexidades sócio-históricas, políticas, culturais e biológicas que atravessam o corpo feminino. Uma das entrevistadas tem como marca o medo de compartilhar com um parceiro sua soropositividade e sofrer violência.

[...] falei pra ele que tinha o problema... porque ele queria transar comigo sem camisinha... ele achava como eu era dona de casa...né? Já tinha filhos... tinha minha responsabilidade... era viúva... e nada podia acontecer com ele. Aí eu falei: “Não, de jeito nenhum” e mesmo naquele momento eu disse vou ter que dizer: “Ou eu vou levar um tiro... ou uma porrada na cara... ou sei lá o quê” [...] mas em nenhum momento eu me desprecavi com ele...[...] O medo era tamanho né... (Entrevistada 1)

Podemos ver a marca das identidades e normativas de gênero, distintas para homens e mulheres, a partir da análise temática de diferentes subtramas que apareceram nas narrativas, ao longo dos eixos temáticos, tais como: “participação nas reuniões da militância”, “infidelidade do parceiro” . “revelação da soropositividade à família”. A análise destas subtramas permitiu identificar vulnerabilidades ao HIV/aids, tanto individuais e/ ou sociais e/ou programáticas. Nesta perspectiva, a compreensão da realidade sobre a aids como uma doença ligada a comportamentos sexuais de promiscuidade, divergente e, portanto, distante de mulheres de comportamentos moralmente aceitos e prescritos pela sociedade aparece de maneira geral nas narrativas como um fator que contribuiu para sua vulnerabilidade ao HIV/aids. Identificamos nas narrativas elementos que demonstram a vulnerabilidade ao HIV/aids nos três âmbitos estabelecidos nas unidades de análise e que se relacionam a essas supostas normativas e identidades masculinas e femininas. Identificamos essas normativas e a suposta relação entre a infecção com o HIV/aids e promiscuidade sexual na narrativa da entrevistada 2:

Quando eu descobri que ele tinha me infectado com o HIV eu tive vontade de matar... né. Porque assim... como é que ele podia fazer isso comigo? Sabe... ahn... eu nunca... eu nunca tive assim uma vida como é que eu vou te dizer... é...((pausa 3s)) aí num é... ((pausa 3s))... aí fugiu a palavra.. ((pausa3s))...mas eu sempre tive assim... que nem tem agora... que nem as gurias de agora né... elas saem... vão pra um baile e aí já fica com três ou quatro... já vão pra um cantinho... já transa... já... sabe... eu nunca fui assim... eu fui fiquei paquerando... sabe... ficava assim... eu... pra mim entregar assim no sexo era mais difícil... e aí depois ele chegar e me falar um troço desse. E aí... porque assim... até tu ter.. até tu participar das reuniões e ver que não é assim... que tu pode pegar numa transfusão de sangue... e tudo... pra mim quem tinha HIV era uma pessoa promíscua... era drogado...sabe... então... EU NÃO ADMITIA ISSO. Aí eu vi que não... que não era isso... que num é assim... tem tantas mulheres que pegaram HIV por questões de sangue... por transfusão... por causa de um erro médico... por causa de um... sei lá... qualquer outra coisa... num é só a promiscuidade ou então as drogas. (Entrevistada 2)

No início da epidemia da aids na década de 80, a mídia e o Ministério da Saúde utilizaram uma estratégia no sentido de relacionar os prazeres sexuais, principalmente os homoafetivos, à morte. Segundo informações do próprio Ministério da Saúde (2015), o símbolo utilizado para a aids nas primeiras campanhas de prevenção era uma caveira entre dois corações. A figura divulgada pela Organização Mundial de Saúde por volta de 1987 contribuiu para que se construísse um processo histórico de não aceitação, atrelamento à promiscuidade e culpabilização das pessoas que viviam com a aids (Brasil, 2015; Vieira, 2015).

Podemos identificar as marcas da herança dessas relações de medo, violência, mal, morte e sexualidade presentes na narrativa das entrevistadas, assim como nas de outras mulheres, ainda hoje. A violência contra as mulheres como um elemento narrativo sobre as relações de gênero aparece nas narrativas não apenas como uma evidência das assimetrias entre homens e mulheres nas relações de poder, mas também em decorrência da estigmatização e preconceito relacionados ao HIV/aids.

As narrativas analisadas relatam a violência como um dos grandes problemas que as mulheres soropositivas enfrentam em função dos estigmas, preconceito e da naturalização das relações de poder entre os gêneros que na maioria das vezes a reforça. Outros fatores nos âmbitos da prevenção e do autocuidado quando problematizados a partir de suas possíveis relações com a violência entre gêneros intensificam as vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids. Semelhante ao que nos relatam as entrevistadas, em alguns trechos de suas narrativas muitas mulheres em relação de conjugalidade temem negociar o uso do preservativo por medo de sofrerem violência física e/ou psicológica. A negociação do uso da camisinha persiste como um dificultador para as mulheres, particularmente para aquelas que vivem com HIV/aids.

De acordo com Gomes, Camargo e Silva (2012), “a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos que traz repercussões físicas e psicológicas, sendo fator de risco para o desenvolvimento de diversos problemas de saúde [...]” (p.110). Ao lado das autoras, acreditamos que o risco para a infecção com o HIV encontra-se entre esses diversos problemas de saúde que se relacionam com a violência contra a mulher em relações de conjugalidade.

Outro aspecto significativo que apareceu sobre relações de gênero é a aceitação da infidelidade masculina. Muitas mulheres, ao estabelecerem com seus parceiros conjunturas afetivo-conjugais, se pautam em ideias de confiança. Esses ideais, em alguns casos, se encontram desvinculados da necessidade de prevenção no tocante à aids. As ideias reproduzidas são as de que quem ama confia e, portanto, não precisa usar camisinha, que homem é só um e que a mulher não deve se separar, pois corre o risco de ficar sozinha, como afirmado por Carvalhaes (2010).

Um fator que apareceu nas narrativas como associado à essa questão da aceitação da infidelidade masculina e que contribui para a vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids foi o “mito do amor romântico”. As narrativas apresentam argumentos que ressaltam a ideia do amor romântico como um fator que colabora para as vulnerabilidades definidas como individuais e/ou sociais de mulheres em relação de conjugalidade ao HIV/aids. Nas narrativas há argumentos nessa direção, tais como: “é o amor da minha vida”, “eu estava apaixonada” e “eu era uma mulher que amava ele muito”. O fragmento narrativo que se segue expõe a dimensão heroica que se acopla à aceitação da infidelidade, quando o pedido de perdão do companheiro é enfatizado:

Não teve mais assim... “você fez isso... você fez aquilo”... não teve mais e houve uma cumplicidade... principalmente depois que ele descobriu. Minha mãe morreu em 2004...em janeiro de 2004... ele morreu em... em... agosto de 2005... meu marido. Foi com problema de câncer foi nem de aids... ele tomava dois comprimidos... ele tomava um comprimido agora de manhã como se fosse um anticoncepcional... e um de noite... eu já tomava um cacete né... num senti uma dor na unha. Ele morreu com todo corpo... meu marido tinha um metro e noventa. Mas nenhum momento no leito da morte dele... nenhum momento ele me pediu... ele deixou de me pedir perdão... Ele me pediu perdão todos os dias [...] (Entrevistada 1).

De acordo com Maia, Guilhem e Freitas (2008), a introjeção de valores e ideais sobre a virtude conjugal como garantia de proteção ao risco de infecção com o HIV/aids e a aceitação da infidelidade masculina contribuem para um aumento da vulnerabilidade das mulheres ao HIV/aids. As elaborações dos autores, assim como as narrativas das entrevistadas, nos convidam a ressaltar o argumento de que a aids ainda é vista por muitos/as como a “doença da rua”, “a doença do outro”.

A visão romântica e eternizada do amor, de acordo com as discussões dos autores, pode fazer com que o casal abandone a utilização de preservativo e assuma comportamentos tais como o de aceitação da infidelidade do parceiro, como discutimos. Tais comportamentos contribuem para a vulnerabilidade do casal e a consequente feminização da aids. Acreditamos que esses mesmos valores culturalmente construídos têm ainda colaborado para o posicionamento de muitas mulheres de permanecerem ao lado de seus maridos como cuidadoras e companheiras nos momentos de adoecimento e/ou morte por aids. Outras questões acerca do amor romântico aparecem nas narrativas dentro do segundo eixo temático de discussão criado a partir de nossas análises.

Vulnerabilidade ao HIV/aids e conjugalidade

Os ideais femininos de conjugalidade e da suposta fidelidade do parceiro no amor romântico se constituem como fatores que, em algumas relações conjugais, têm contribuído para as vulnerabilidades das mulheres ao HIV. Na cultura ocidental, o uso de preservativo tem se contraposto a esses ideais que são percebidos por homens e mulheres como absolutos, assim como destaca Oltramari (2007, p. 84): “homens e mulheres partilham a ideia de que o eu e o outro somos um.” Desta maneira, a interpretação corrente é que “se eu sou um com meu parceiro e o amo, não preciso de preservativo.” Essas interpretações feitas pelos parceiros aparecem em alguns trechos das narrativas e demonstram as vulnerabilidades definidas como sociais.

Eu acho assim... das mulheres casada você sabe que é muito difícil... no meu pensamento é um... mas pra passar pra elas já é outro... a gente sabe é o amor da vida delas... é o amor delas que teve filhos e tudo... então elas são muito apegadas e muitas nem tão aí e querem continuar com seus companheiros... quer continuar pode... mas elas têm que ter outra vida... tem que usar a camisinha feminina se eles não querem... pra eles não ficarem que só tem que usar o preservativo da parte deles... entende? (Entrevistada 3)

Figueiredo, Silva, Silva, Souza e Silva (2013) observam que a vulnerabilidade das mulheres ao HIV/aids é permeada por questões como: a prática sexual como dever da esposa, a banalização da violência de gênero pelo parceiro íntimo, as relações amorosas incondicionais, e a manutenção da família como um valor para a qualidade de vida e para os cuidados. Observamos esses valores relativos ao amor incondicional, à manutenção da família e aos deveres da mulher como esposa cuidadora presentes em vários trechos narrativos das entrevistas evidenciando as vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids no contexto da conjugalidade.

A negociação do uso do preservativo nas relações sexuais entre homens e mulheres se apresenta como fator diretamente associado às vulnerabilidades definidas tanto como individuais quanto sociais das mulheres ao HIV/aids. Além disso, “para muitas mulheres, depois de anos de casamento, é difícil propor ao marido novos acordos e pactos que incluam o uso do preservativo” (Kind, Nascimento, Vieira & Cordeiro 2015, p.99). O fragmento narrativo a seguir explicita a dificuldade de negociação da camisinha e as múltiplas vulnerabilidades a que estão suscetíveis muitas mulheres:

[...] ela até faleceu essa menina [...] há um tempo atrás ela deu um depoimento... que ela ... ela disse ao parceiro que era positiva... depois de muito tempo o parceiro esfaqueou ela... né... por quê? Porque ele muito drogado pediu pra ela transar com ele sem camisinha... ela por causa do amor que tinha por ele foi transar sem camisinha... ela mesma falou... ela mostrou as marcas ... de como foi... ela ficou numa outra posição pra ele [...] ele por trás dela... ela esfaqueou ela todinha. Parecia uma carne assim ‘pipinada’. Porque ... “ah sua vagabunda... você quer me matar mesmo né... quer me passar HIV?” [...] né... facada nela... porque ela se submeteu a transar com ele sem camisinha.

[Você escuta muitos relatos de violência?]

Demais... por causa do HIV e do uso da camisinha. Do uso da camisinha porque tá traindo... porque é vagabunda... saiu com outro agora quer... sempre esse relato. Então esses relatos me fazem ficar com medo... (Entrevistada 1).

Passaremos agora ao terceiro eixo de discussão identificado na análise temática que apresentamos neste estudo.

Vulnerabilidade ao HIV/aids: invisibilidade e silenciamento

Ao longo da história, as mulheres tem sido invisibilizadas de muitas formas e em muitas relações, sendo a feminização da aids uma das consequências dessa invisibilização. Diante desta afirmação, destacamos as contribuições de Rodrigues, Paiva, Oliveira e Nóbrega (2012) quando ressaltam que se fazem pertinentes as discussões e estudos acerca do fenômeno da feminização da aids através do prisma da vulnerabilidade ao HIV/aids dentro do contexto das relações de conjugalidade.

[Você falou do preconceito... da dificuldade... que você tinha medo da sua filha passar por isso. Depois também isso de ir pra outra cidade] [...] é medo de eu aparecer no posto... medo de fazer os exames tudo... medo de aparecer lá e de as pessoas me verem e já dizer... olha ela tá com HIV... era medo disso... não dos profissionais... que até então eu nem conhecia... né. E agora não... agora eu já conheço... eu faço parte da comissão... agora já tá bem tranquilo [...] assim. Mas eu tinha esse medo de eu aparecer [...]. E aí me tratava no... em Porto Feliz... que era bem distante (Entrevistada 2)

De acordo com Oliveira e Rezende (2012), durante os últimos 30 anos, muitos foram os atores sociais e instituições que se utilizaram do campo das mídias, e o tornaram um espaço propício para a discussão e produção de ideias e conceitos sobre a epidemia da aids em nossa sociedade, de maneira a evidenciar diferentes processos do ver referentes à doença. Em contraste a esses atores que detinham a fala, o anonimato daqueles que viviam e conviviam com a realidade da aids, principalmente nas décadas iniciais da doença era, muitas vezes, preservado por tarjas pretas em suas imagens e pelo uso de nomes fictícios.

A utilização dessas estratégias de anonimato permanece, por vezes, na atualidade. As escolhas de nomes fictícios para identificação ao longo da pesquisa que embasa este trabalho, realizadas por duas das entrevistadas, evidencia a busca desse anonimato justificadas nestes casos, pelo medo de que as filhas e/ou elas mesmas possam sofrer preconceitos em função de suas soropositividades. A busca por esse anonimato evidencia também a vulnerabilidade individual, social e programática a que muitas mulheres vivendo com HIV/aids, assim como nossas duas entrevistadas, se encontram suscetíveis devido a estigmas, violências, medos e preconceitos.

Nos anos iniciais da doença, quase que diariamente, os jornais noticiavam os novos números das “vítimas da aids”, associando a doença à morte. Naqueles anos, o mundo vivia não só a epidemia da doença, mas também a proliferação de informações sobre a aids, com uma hipervisibilização dos outrora chamados “grupos de risco”. A hipervisibilidade dada a esses “grupos de risco”, de certo modo “invisibilizou” outros grupos, também vulneráveis ao HIV/aids, como por exemplo, o grupo das mulheres heterossexuais em relações de conjugalidade, e retardou o início das primeiras respostas coordenadas sobre a epidemia para a população feminina (Brasil, 2007).

Essas discussões indicam a correlação entre visibilidade e cuidado, o que gera impactos significativos nas formulações de políticas públicas. Essa correlação pode ser percebida, por exemplo, em relação ao Plano Integrado de Enfrentamento à aids e outras ISTs, implantado em 2007. A invisibilização da vulnerabilidade da aids entre as mulheres em relação de conjugalidade tem feito com que essas não estejam incluídas entre as populações alvo das agendas afirmativas do plano, com exceção, é claro, das mulheres em relação de conjugalidade que são também profissionais do sexo. A invisibilidade e o estigma em relação, que reforçam as vulnerabilidades programáticas à aids, podem ser percebidos não apenas pelas inadequações e desafios em relação às políticas de enfrentamento, como também através das práticas empreendidas pelos serviços e profissionais de saúde e que são narradas por três das mulheres entrevistadas neste estudo.

Segundo Oliveira e Rezende (2012), é “difícil não reconhecer, a relação entre o par visibilidade/invisibilidade e as questões referentes ao silêncio entre mulheres vivendo com HIV e aids” (p.149). A invisibilidade das mulheres soropositivas pode ser observada, segundo esses autores, tanto no cenário da epidemia, por questões classificatórias, quanto pelo silenciamento público da doença por questões de estigmatizações.

Identificamos, em alguns trechos retirados das narrativas das entrevistadas, a presença desse silenciamento no cotidiano das mulheres vivendo com HIV/aids nos mais diversos âmbitos: familiar, afetivo, no engajamento militante e até mesmo nas decisões sobre o tratamento que destacam vulnerabilidades definidas como sociais a que estas encontram-se suscetíveis.

Considerações finais

As narrativas confirmaram as vulnerabilidades ao HIV/aids de mulheres que se tornaram soropositivas em relações de conjugalidade heterossexuais. As diversas aproximações com o campo empírico através de leituras, observações participantes, e principalmente a partir das narrativas coconstruídas com as entrevistadas, confirmaram a hipótese inicial levantada e pesquisada de que as mulheres se consideram imunes ao HIV/aids por estarem em relações de conjugalidade.

Apesar de desafiadora, a opção por realizar o processo de análise utilizando três estratégias distintas do trabalho com narrativas proporcionou um maior aprofundamento sobre a questão da vulnerabilidade de mulheres ao HIV/aids a partir das experiências narradas. Acreditamos que as discussões construídas a partir dessas múltiplas análises que oportunizaram correlações entre os dados produzidos e as revisões teóricas empreendidas podem contribuir para elaboração de propostas de enfrentamento à feminização da epidemia da aids.

Como foi problematizado em um dos eixos de discussão, os ideais do amor romântico modulam as práticas e escolhas amorosas e sexuais de muitos homens e mulheres. Estes ideais se tornam ainda mais significativos quando acontecem no contexto das relações de conjugalidade e têm em grande medida contribuído para adoção de práticas sexuais que aumentam a vulnerabilidade das mulheres à infecção com o HIV.

Ao propor a investigação da vulnerabilidade ao HIV/aids de mulheres em relações heterossexuais de conjugalidade, o que este trabalho pretendeu não foi culpabilizar, nem tampouco desmerecer a conjugalidade ou o amor romântico presente em muitas relações. Ao contrário, o que se pretendeu foi alertar para o risco que não só as mulheres, mas que todas as pessoas correm ao respaldarem suas ações, escolhas e práticas sexuais apenas nos ideais de amor e conjugalidade, sem atentarem para outros atravessamentos que perpassam tais escolhas, dentre eles a aids.

A possibilidade da infecção com o HIV não está posta apenas para os outros, nem para alguns poucos, mas para todos. Ela não escolhe sexo, tipo de relacionamento afetivo, nem estado de apaixonamento. Portanto, acreditamos que a discussão e implementação de ações que minimizem a vulnerabilidade feminina ao HIV é um tema que deve ser estimulado, principalmente quando observamos que o fenômeno da feminização da aids se faz também pela invisibilização e pelo silenciamento historicamente contingentes de mulheres em relações de conjugalidade.

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[1]O texto apresenta síntese do trabalho de Nascimento (2016), ao discutir questões sobre HIV/AIDS entre mulheres e relações de conjugalidade. Pesquisa desenvolvida com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

[2]Optamos pela grafia da palavra aids com letras minúsculas, tendência que lemos em algumas publicações recentes e que nos parece dar menos acento à doença.

Recebido: 01 de Junho de 2018; Aceito: 01 de Julho de 2018