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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.24  Brasília  2018  Epub 20-Nov-2018

https://doi.org/10.26512/lc.v24i0.23823 

Dossiê Didática desenvolvimental: diferentes concepções histórico-culturais

Uma introdução à Didática Desenvolvimental soviética e suas diferentes interpretações no âmbito Latino-americano (Brasil, Cuba e México)

Roberto Valdés Puentes1 

Andréa Maturano Longarezi2 

1Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracibaba com Pós-doutorado em Didática pela Universidade de Granada (Espanha). Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação e nos cursos de graduação.

2Universidade Federal de Uberlândia


Tradicionalmente, a ciência Didática tem vivido um movimento pendular e perverso que se estende para os dias de hoje. Pendular, por privilegiar umas vezes o conteúdo em detrimento dos métodos ou os métodos em prejuízo do conteúdo; outras, por valorizar o ensino em lugar da aprendizagem ou a aprendizagem em lugar do ensino. Perverso em ambos os casos porque a Didática ou se esqueceu do sujeito do processo ou não levou em consideração seu desenvolvimento psíquico e subjetivo.

A Didática Desenvolvimental, concebida no final da década de 1950 no interior da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental, a partir do esforço conjunto de diversos representantes do enfoque histórico-cultural da psicologia do período soviético, emergiu justamente em resposta às diferentes concepções que indistintamente ignoraram o lugar do sujeito e seu desenvolvimento na organização dos processos didáticos ao priorizar o ensino, a aprendizagem, o conteúdo e/ou os métodos.

Como seu nome já sugere, a Didática Desenvolvimental é uma teoria que contém pressupostos gerais sobre a organização das condições, dos modos e fundamentos mais adequados que potencializam ao máximo a capacidade de cada sujeito em particular de se desenvolver psíquica e subjetivamente em processos de aprendizagem dialógicos, regulados e colaborativos. Esses pressupostos têm sido produzidos como resultado de numerosas pesquisas teóricas e experimentais realizadas, muitas vezes de maneira longitudinal e interdisciplinar, há pelo menos seis décadas em duas direções fundamentais: uma psicológica e a outra didático-pedagógica.

A Psicologia tem permitido estudar em laboratórios e escolas experimentais, por intermédio da psicologia do desenvolvimento, das idades e pedagógica, a constituição psíquica do aluno, especialmente as condições micro sociais que são necessárias para que, da condição de indivíduo, o estudante emerja sujeito criativo. A Didática, por sua vez, auxiliando-se das descobertas da Psicologia, tem procurado criar nos espaços escolares, especialmente em sala de aula, essas condições de aprendizagem indispensáveis e adequadas para o desenvolvimento.

Como resultado do esforço conjunto de psicólogos, didatas, filósofos, linguistas, filólogos, metodólogos e fisiologistas, o enfoque histórico-cultural da psicologia e da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental, com base em uma matriz comum que se inspira na obra de L. S. Vigotski, S. L. Rubinstein e A. N. Leontiev, têm produzido diferentes sistemas didáticos desenvolvimentais, entre os quais os mais representativos são: sistema zankoviano, sistema Galperin-Talízina e sistema Elkonin-Davidov-Repkin (PUENTES, 2017; LONGAREZI; PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI, 2013, 2017a, 2017b; PUENTES, CARDOSO; AMORIM, 2017, 2018; LONGAREZI, 2018, 2019a, 2019b; LONGAREZI, SILVA, 2018).

No Brasil, a partir da segunda metade da década de 1990, tem se experimentado um movimento teórico crescente e significativo no interior dos programas de pós-graduação e áreas afins a favor do estudo e divulgação da obra dos principais representantes desses sistemas, especialmente de P. Ia. Galperin, D. B. Elkonin, V. V. Davidov e L. V. Zankov. Como resultado desse interesse coletivo e tendo por base o incremento paulatino dos problemas de aprendizagem dos estudantes na educação básica e superior, novas pesquisas teóricas e experimentais têm sido empreendidas com efeitos positivos na prática pedagógica dos professores.

O presente dossiê intitulado Didática Desenvolvimental: diferentes concepções históricoculturais, coordenado por membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente (Gepedi), da Universidade Federal de Uberlândia, em parceria com professores e pesquisadores brasileiros, cubanos e mexicanos, representa um panorama histórico do nível de consolidação atingido pelos distintos sistemas didáticos desenvolvimentais soviéticos e atual de suas diferentes interpretações no âmbito Latino-americano (Brasil, Cuba e México); assim como algumas produções brasileiras emergentes de confrontos teórico-metodológicos entre a psicologia produzida à época e as condições objetivas e subjetivas impostas pela realidade escolar no Brasil.

O conjunto dos textos pode ser agrupado em quatro eixos. Os três primeiros contêm artigos que discutem, nessa mesma ordem, as teses fundamentais dos sistemas Galperin-Talízina, Zankov e Elkonin-Davidov-Repkin ou expõem novos resultados empíricos sobre a base de pesquisas atuais alicerçadas nos fundamentos teóricos e metodológicos desses sistemas. O quarto eixo congrega um total de quatro artigos que abordam, em essência, os desdobramentos de duas concepções didáticas históricoculturais e desenvolvimentais genuinamente brasileiras: por um lado a Atividade Orientadora de Ensino, e pelo outro, uma Obutchénie por Unidades.

O primeiro eixo está integrado por três artigos e se inicia pelo intitulado Galperin revisitado desde o pensamento complexo: auto-organização da aprendizagem e desenvolvimento humano, da professora e pesquisadora cubana Gloria Fariñas León. O texto aborda em grandes traços os aportes da teoria de Galperin que, desde uma visão da teoria da complexidade, possam ser sistematizados atendendo às exigências atuais de construção do conhecimento. O segundo artigo, Orientação para a formação da consciência gramatical na educação primária, dos autores mexicanos Daniel Rosas Alvarez e Yulia Solovieva, discute a questão do ensino da gramática que favorece o desenvolvimento da consciência linguística nos alunos e apresenta uma proposta de ensino desenvolvimental na qual se resgatam conceitos elaborados desde a aproximação histórico-cultural e a teoria da atividade. O terceiro artigo, Controle e autorregulação da aprendizagem na teoria de P. Ya. Galperin, do autor cubano Isauro Beltrán Núñez e dos autores brasileiros Magda Maria Pinheiro de Melo e Paulo Gonçalo Farias Gonçalves, realiza uma discussão sobre o processo de formação do controle interno como forma de atenção e mecanismo da autorregulação da aprendizagem por parte dos estudantes, na educação escolar, com base na Teoria de Formação Planejada das Ações Mentais e dos Conceitos de P. Ya. Galperin, no contexto da Didática Desenvolvimental.

O segundo eixo está integrado pelo artigo dos autores cubanos Roberto Valdés Puentes e Orlando Fernández Aquino, intitulado Ensino desenvolvimental da atividade: uma introdução ao estudo do sistema zankoviano (1957-1977). Nesse trabalho, os autores tratam com caráter introdutório o lugar ocupado, o papel desempenhado e a evolução experimentada pelo sistema zankoviano, em relação aos outros sistemas desenvolvimentais. O texto aborda especificamente a trajetória percorrida e das principais contribuições teóricas do sistema zankoviano ao longo dos primeiros vinte anos (1957-1977), a partir da análise das etapas evolutivas do sistema, da sistematização de sua gênese e processo histórico; das contribuições teóricas e práticas que o sistema realizou por intermédio das pesquisas em laboratórios, em escolas experimentais e na rede pública de educação básica da antiga União Soviética.

Integram o terceiro eixo dois artigos. No primeiro, Didática desenvolvimental e políticas educacionais para a escola no Brasil, os autores brasileiros Raquel A. Marra da Madeira Freitas e José Carlos Libâneo apresentam inicialmente a concepção de didática desenvolvimental e despois apontam suas contribuições para práticas de ensino-aprendizagem na educação escolar brasileira frente às políticas educacionais neoliberais em curso no país. No segundo, intitulado Sistematização da tabuada em duas proposições de ensino, os autores também brasileiros Josélia Euzébio da Rosa e Ediséia Suethe Faust Hobold revelam pesquisas sobre o processo de sistematização da tabuada proposta em dois livros didáticos do segundo ano do ensino fundamental, um brasileiro e outro russo. As autoras constatam que as duas proposições seguem movimentos distintos, pois enquanto na brasileira a tabuada surge a partir da observação das quantidades, na russa o ensino da tabuada contempla a inter-relação das significações aritméticas, algébricas e geométricas no movimento que envolve o geral, universal, particular e singular.

O quarto e último eixo está integrado por quatro artigos que revelam duas formas histórico-culturais de abordagem do ensino no contexto brasileiro. Os dois primeiros tratam o ensino na perspectiva da Atividade Orientadora de Ensino. Um, intitulado Atividade Orientadora de Ensino: fundamentos, de Manoel Oriosvaldo de Moura, Elaine Sampaio Araújo e Maria Isabel Batista Serrão, no qual apresentam-se os fundamentos teórico-metodológicos da concepção de Atividade Orientadora de Ensino, os quais estão sustentados na tese leontieviana de que a atividade é o agente da materialidade da vida de qualquer sujeito. O artigo, ao analisar os elementos constitutivos da Atividade Orientadora de Ensino com base na Teoria Histórico-Cultural, busca demonstrar como ela se configura em um modo de organização do ensino para que a escola possa promover o desenvolvimento humano em sua máxima potencialidade. No segundo, Desdobramentos da Atividade Orientadora de Ensino para a organização do ensino e para a investigação sobre a atividade pedagógica, os autores Wellington Lima Cedro, Vanessa Dias Moretti e Sílvia Pereira Gonzaga de Moraes discutem os desdobramentos do conceito de Atividade Orientadora de ensino (AOE) para a organização do ensino e o desenvolvimento de pesquisas educacionais. O artigo traz resultados de uma pesquisa documental em que se analisam dezenove teses de doutorado produzidas no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica (GEPAPe), da Universidade de São Paulo, no período de 2003 a 2016.

Os dois últimos textos do quarto eixo abordam aspectos relacionados com uma concepção didática que aponta no sentido de uma Obutchénie por Unidades. O primeiro deles, intitulado Unidades possíveis para uma obutchénie dialética e desenvolvedora, das autoras brasileiras Andréa Maturano Longarezi e Walêska Dayse Dias de Sousa, como o próprio título indica, discute uma concepção de “Obutchénie por Unidades” como proposição para uma didática dialética no contexto da educação pública brasileira. O trabalho, fundamentado na Psicologia Histórico-Cultural, problematiza unidades possíveis para uma obutchénie desenvolvedora a partir de intervenções didáticoformativas realizadas por pesquisadores do Gepedi, na Universidade Federal de Uberlândia. O segundo trabalho, Princípios didáticos e movimentos para uma “Obutchénie por Unidades”, dos autores Patrícia Lopes Jorge Franco, Leandro Montandon de Araújo Souza e Bianca de Carvalho Ferola, aborda movimentos e princípios didático, como sínteses possíveis, decorrentes desse processo em um conjunto de pesquisas teóricopráticas em escolas públicas de MG desenvolvido à luz da teoria histórico-cultural, Didática Desenvolvimental, do método histórico-dialético e da intervenção didáticoformativa.

Em síntese, o presente dossiê se soma ao esforço sistemático que o Gepedi realiza desde 2008, junto com os demais grupos de pesquisas nacionais e internacionais que são parceiros nesse projeto de estudo, pesquisa e divulgação científica, com o objetivo de ajudar a consolidar os campos e as dimensões da ciência didática e contribuir para a melhoria da educação, da escola e da docência nos diferentes níveis educacionais a fim de propiciar as condições adequadas e necessárias que garantam o desenvolvimento pleno dos sujeitos que desse processo participam.

Desejamos a todos os interessados na temática uma leitura crítica e construtiva, mas que seja, sobretudo, cheia de fé, esperança e otimismo.

Referências

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