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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.25  Brasília ene./dic 2019  Epub 10-Jul-2019

https://doi.org/10.26512/lc.v25i0.23562 

Dossiê: Currículo e Avaliação da Aprendizagem

Políticas de currículo em Portugal: Concepções e práticas

Políticas curriculares en Portugal: conceptos y prácticas

Curriculum policies in Portugal: conceptions and practices

Politiques curriculaires au Portugal: conceptions et pratiques

Adriana Cavalcanti dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-4556-282X

Carlinda Leite2 
http://orcid.org/0000-0001-9960-2519

1Pós-Doutora pela Universidade do Porto - Portugal, sob supervisão da Professora Catedrática Carlinda Leite (2018-2019). Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de Pernambuco (2003), graduação em Letras - Autarquia de Ensino Superior de Arco Verde (1998), Especialista em Avaliação Educacional de Língua Portuguesa, pela Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Conteúdos Programáticos de Língua Portuguesa e Mestra em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (2006). Em 2014, concluiu seu doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, Linguagem e Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas: Alfabetização e Letramento; Leitura e produção; e Saberes e Metodologia da Língua Portuguesa. É líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Didáticas de Leitura, da Literatura e da Escrita (GELLIT).

2Professora Emérita da Universidade do Porto, Portugal, e investigadora sénior do Centro de Investigação e Intervenção na Educação (CIIE) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Neste centro de pesquisa, ela preside a linha temática “Avaliação para a melhoria da qualidade educacional”. Interessada em educação em engenharia, inovação pedagógica, e b-learning, tecnologias e educação. Ela atua como consultora e revisora externa para órgãos de formulação de políticas.


Resumo

O artigo analisa posições de gestores de Agrupamentos de Escolas de Portugal envolvidos na implementação da política que concebe o currículo prescrito a nível nacional como um projeto que tem de ser reconfigurado em cada escola. O corpus de análise é composto por entrevistas analisadas pela técnica de análise de conteúdo, que mostrou que estes entrevistados aderem aos princípios de autonomia e de flexibilidade curricular, tanto no planejamento das ações docentes quanto na vivência das práticas curriculares, por considerarem que proporcionam uma ressignificação do currículo nacional. No entanto, nessa concretização, sentem dificuldades que advêm de medidas políticas que não se articulam entre si.

Palavras-chave Política educacional; Concepções curriculares; Gestores escolares

Abstract

This article analyzes opinions of school cluster managers in Portugal, enrolled in the implementation of the policy that considers the nationally prescribed curriculum as a project that needs to be recontextualized in each school. The corpus of analysis are interviews analyzed by using a content analysis technique. This showed that these school managers agree with the principles of curricular autonomy and flexibility, both in teaching action planning and in the curricular practices, having in mind that they provide a re-signification of the national curriculum. However, difficulties arising from political measures that do not articulate with each other are identified.

Keywords Educational policy; Curricular conceptions; School managers

Résumé

Cet article analyse les positions des dirigeants des groupements scolaires au Portugal, impliqués dans la mise en œuvre de la politique qui conçoit le programme scolaire pédagogique au niveau national comme un projet devant être reconfiguré au sein de chaque école.Le corpus d’analyse est constitué d’entretiens analysées selon la technique d’analyse de contenu, qui a montré les répondants adhéraient aux principes d’autonomie et de flexibilité du programme, tant dans la planification des actions d’enseignement que dans l’expérience des pratiques curriculaires, en considérant qu’ils conféraient une redéfinition du programme national. Cependant, dans ce contexte, les répondants rencontrent des difficultés résultant de mesures politiques qui ne s'articulent pas les unes avec les autres.

Mots clés Politique éducative; Conceptions curriculaires; Dirigeants scolaires

Resumen

El artículo analiza posicionamientos de gestores de Agrupamientos de Escuelas de Portugal involucrados en la implementación de la política que concibe el currículo prescripto a nivel nacional como un proyecto que necesita ser reconfigurado en cada escuela. El Corpus del análisis son constituidos de entrevistas analizadas por la técnica de análisis del contenido que enseñó que estos entrevistados adhieren a los principios de la autonomía y de la flexibilidad curricular, tanto en la planificación de las acciones docentes como en la vivencia de las prácticas curriculares, por considerar que ellos proporcionan una resignificación del currículo nacional. Sin embargo, en esa concretización, sienten dificultades que advienen de las medidas que no se articulan.

Palabras clave Política educativa; Conceptos curriculares; Gestores de Escuelas

Introdução

No movimentum de profundos debates que, em diferentes países, têm ocorrido sobre novas concepções epistemológicas de currículo escolar, e de práticas curriculares inovadoras e flexíveis que venham a garantir, no cenário de uma escola de sucesso para todos (Connell, 1999, 2012; Leite, 2002, 2006; Torres Santomé, 2013), a sua concretização, pensar as políticas educacionais que sustentam o discurso da promoção de inovações e mudanças curriculares, torna-se relevante. Reconhece-se a necessidade de promover melhorias educacionais que, no quadro de uma escola curricularmente inteligente (Leite, 2002), garantam uma justiça social (Connell, 1999) e uma justiça curricular (Sampaio & Leite, 2015, 2017, 2018). Nesse sentido, a investigação em educação tem apontado a importância da aproximação aos contextos de prática (Ball, 2002) como possibilidade de iluminar potencialidades e fragilidades dos discursos das políticas curriculares “materializados” na escola.

Em Portugal, a medida política que suportou o Projeto de Autonomia e Flexibilização Curricular (PAFC), proposta em regime de experimentação no ano letivo de 2017-2018, passou a ser extensiva a todas as unidades escolares do país a partir do ano letivo 2018-2019, pelo Decreto-Lei n.º 55/2018. No contexto de prática (Ball, 2002), esta autonomia e flexibilização curricular, entre outros aspetos, concede às escolas a possibilidade de gerir o que considera importante incluir no currículo, num intervalo de variação entre 0% e 25% da carga horária por ano de escolaridade, no caso das matrizes com organização semanal (Portugal, 2018). Tendo em consideração esta política curricular, problematizamos: Como se posicionam os gestores de Agrupamentos de Escolas em relação a esta medida política e à concepção de currículo que a suporta? Que relações estabelecem estes gestores escolares com os discursos produzidos por esta política, no que se refere aos princípios de autonomia e de flexibilização curricular?

Tendo por base estas interrogações, foi estruturada a investigação norteada pelo objetivo de conhecer o grau de adesão de responsáveis de Agrupamentos de Escolas de Portugal, envolvidos na implementação do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), a esta medida política, assim como semelhanças e diferenças nas concepções de currículo que os orientam e as que são veiculadas pelo discurso político.

Em Portugal, o PAFC foi justificado no âmbito da autonomia das escolas, e da importância dos professores se assumirem na sua agência/agency (Priestley, Biesta, & Robinson, 2013, 2015) de decisões curriculares. Desejou-se, com esta medida política, que os professores, tendo em conta as especificidades dos alunos, promovessem melhores e significativas aprendizagens, isto é, que se favorecesse uma justiça curricular (Sampaio & Leite, 2015, 2017, 2018) e social (Connell, 1999, 2012). Em outras palavras, esta medida política pretendeu garantir o “acesso ao currículo por todos os alunos num quadro de igualdade de oportunidades, assente no reconhecimento de que todos têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento educativo” (Portugal, 2018b, p. 13883). E pretendeu fazê-lo no contexto em que “o entendimento sobre a construção do currículo depende do Projeto de Escola ancorado nas decisões curriculares dos seus agentes educativos” (Santos & Leite, 2018).

É no quadro desta problemática que o artigo: caracteriza o discurso da política curricular do PAFC e da legislação que, em 2018, estendeu a todas as escolas portuguesas as ideias do projeto, no que diz respeito à concepção de currículo e aos seus pressupostos gerais; explicita o procedimento de pesquisa; interpreta concepções de gestores de escolas do 1º ciclo da Educação Básica, sobre este postulado; e tece considerações finais que sintetizam as semelhanças e diferenças entre o discurso político e os discursos destes responsáveis escolares sobre as concepções curriculares que suportam esta medida política.

O cenário de uma “renovada” concepção curricular em Portugal

No discurso das políticas curriculares, e dos princípios de autonomia e flexibilização curricular, em Portugal foi conferido ‘às escolas o poder de participar no desenvolvimento curricular’ (Portugal, 2017a) assumindo um papel mais ativo do que o que acontece quando as escolas são meras correias de transmissão do que é prescrito pelo Ministério da Educação. Para isso, as escolas que aderiram ao PAFC foram motivadas a definir as suas prioridades curriculares tendo por ponto de partida, por um lado, o reconhecimento das especificidades dos alunos e dos seus ritmos de aprendizagens, e por outro, o que tinha sido estabelecido em medida política anterior que estabeleceu as Aprendizagens Essenciais (AE) (Portugal, 2018a) e o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PA) (Portugal, 2017b).

Clarificando estas medidas políticas, as Aprendizagens Essenciais - Despacho n.º 6944-A/2018, de 19 de julho - estabelecem o que é esperado com a aprendizagem de todos os alunos, moldadas pelas interrogações: O que os alunos precisam aprender na escola do século XXI? Que processos cognitivos devem mobilizar para uma aprendizagem ativa? O documento relativo ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PA) - Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho - veicula uma concepção ampla de formação e de educação, que não se restringe à dimensão cognitiva, o que traz desafios acrescidos a escolas e a professores que se orientem por uma concepção restrita e tradicional de currículo.

Referindo-se aos alunos que ingressam na escola no primeiro ano da Educação Básica em 2018-2019, e que após os 12 anos da escolaridade obrigatória, em 2030 a estarão a concluir, este documento do PA sensibiliza para a importância destes alunos desenvolverem competências pessoais e sociais que estão muito para além dos conhecimentos das disciplinas clássicas. De certo modo, poderemos inferir que existe, neste alerta, uma reação com o que é referido por Young (2016) quando sustenta a importância de a escola garantir o “conhecimento poderoso” (ibidem). Infere-se, da análise deste documento relativo ao PA, a importância de a escola e o currículo criarem condições que permitam aos alunos o desenvolvimento de competências para enfrentarem os problemas locais e globais. Em outras palavras, pode concluir-se que, alguns dos documentos desta medida política (PAFC e PA), nos seus enunciados, buscam garantir e orientar a construção de um currículo que concretize um projeto para a emancipação social (Santos & Leite, 2018). Apesar disso, alguns relatos informais referem que a concepção de formação que suporta estes documentos não é fácil de concretizar, situação que justificou o estudo emprírico que este artigo apresenta.

O modelo de projeto educativo legitimado no discurso político do PAFC, e extensivo, como já atrás foi mencionado, a partir do ano letivo de 2018-2019, a todas as escolas de Portugal, sustenta a defesa da conjugação de três princípios fundamentais ao se planear a construção do currículo: autonomia, confiança e responsabilidade. A autonomia no locus da escola é reconhecida por se considerar que cada escola é a instituição melhor situada para conhecer a realidade em que se insere (Portugal, 2017a) e, em função desse conhecimento, tomar as decisões mais adequadas. Este reconhecimento é bem claro no seguinte excerto do PAFC: “reconhecimento dos professores enquanto agentes principais do desenvolvimento do currículo, com um papel fundamental na sua avaliação, na reflexão sobre as opções a tomar, na sua exequibilidade e adequação aos contextos de cada comunidade escolar” (Portugal, 2018a, p. 13882).

Delegar à escola uma certa autonomia para gerir autem pars do currículo pode implicar, não podemos ignorar, por um lado, em termos operacionais, desresponsabilizar o governo central do poder de decisão face ao currículo enquadrado nos moldes da tradição de uma hierarquia de decisão vertical. No entanto, também pode implicar, como é lembrado por Bolívar (1999), a mobilização do capital nela existente, nomeadamente, como refere Leite (2003) quando se considera a escola uma “instituição curricularmente inteligente. Neste caso, os “que apostam na ([…]) autonomia, pretendendo ver a solução numa descentralização e numa maior capacitação das escolas e dos professores” (Bolívar, 1999, p.157) talvez tenham em mente que essa autonomia lhes permite configurar e desenvolver um currículo mais adequado às distintas realidades do que se ele for definido ao pormenor, para todo o território, não contemplando, por isso, os aspetos distintos dos diversos contextos. No entanto, nesta última perspetiva, há que ter em conta que, para que possa haver mudanças e inovações na escola, “é indispensável ganhar os professores para o esforço de mudança” (Fernandes, 2000). Como já tinha sido sustentado por Hargreaves (1998, p. IX), “os professores não se limitam a transmitir o currículo. Desenvolvem-no, definem-o e interpretam-no. Aquilo que pensam, acreditam e fazem ao nível da sala de aula é que dá forma ao tipo de aprendizagem oferecido aos mais novos”.

É tendo estas ideias por referência que consideramos as possibilidades de mudança e inovação no contexto em que “as escolas e os professores são convidados a mobilizarem competências para gerir e tomar decisões curriculares assentes na intenção de promoverem aprendizagens de todos os alunos” (Santos & Leite, 2018, p. 838-839). Na sequência deste pressuposto, uma vez mais realçamos que os professores são agentes centrais na (re)construção das mudanças em educação, quer o sejam como meros consumidores do currículo, quer como seus configuradores (Leite, 2003).

Em síntese, a medida da política curricular do PAFC e a que se lhe seguiu em 2018/2019, na nossa interpretação, reconhece o potencial que existe na escola, enquanto instituição curricularmente inteligente (Leite, 2003) e os professores como decisores curriculares (Leite & Fernandes, 2010), dando-lhes, para isso, condições para que usem o seu poder de agency (Priestley, Biesta, & Robinson, 2013, 2015). Neste cenário de mudança de conceções curriculares, há que ter, no entanto, em consideração que o poder de agency dos professores significa a construção de uma ‘qualidade' do envolvimento dos atores em contextos-para-ação-temporal, não podendo ser entendida como uma qualidade dos próprios atores (ibidem). Em outras palavras, o poder de agência dos professores não é algo que se constrói, mas algo que implica um agir em contexto de ação prática-competência, inusitadas, que favoreça a construção do currículo adequado a todos os alunos a quem ele se destina e do conhecimento poderoso (Young, 2016).

Procedimentos metodológicos

Na intenção de responder às perguntas de pesquisa atrás enunciadas, foi realizada uma investigação, de cunho qualitativo (VILELAS, 2009), que explora as contradições e os paradoxos entre o contexto da enunciação política e os contextos da prática (Ball, 2002). Para Ball (ibidem), o contexto da prática é o lugar onde a política está propensa à interpretação e recriação, de modo a produzir efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações na política oficial. Seguindo este entendimento, os discursos da política do PAFC e do decreto que generalizou a todas as escolas esta concepção curricular, referidos em linhas gerais no ponto anterior, foram confrontados com os discursos de quatro gestores de Agrupamentos de Escolas, do 1º ciclo da Educação Básica em Portugal, sobre a concepção de currículo e seus desdobramentos em ações práticas, considerando também a sua natureza política (Ferraço, 2017), ou seja, o procedimento de análise contemplou e deu voz às perspetivas dos participantes (Bakhtin, 1992). Na tabela 1 são apresentados os sujeitos que participaram da investigação, a saber:

Tabela 1 Participantes da investigação 

Professor

Atuação Profissional

Experiência Profissional

PCP

Professora/Coordenadora do PAFC

18 anos

CO

Coordenadora do 1º Ciclo

21 anos

PCPC

Professora/Coordenadora do 1º Ciclo

22 anos

AD

Adjunto de direção

20 anos

Fonte: Dados coletados nos loci de investigação.

A coleta dos dados empíricos, que traduzem as opiniões de professores/gestores de escolas, foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas in loco, a partir de um guia. O objetivo destas entrevistas foi obter informação que permitisse mapear concepções curriculares destes gestores escolares e, posteriormente, identificar semelhanças e diferenças entre os seus discursos e o discurso desta medida da política curricular portuguesa. A par deste objetivo, e considerando que as escolas, na aplicação dos princípios em que se apoia o projeto de autonomia e flexibilidade curricular (PAFC) têm também de ter por referência o que foi definido pela medida política das Metas Curriculares (MC) - ambos implementados pelo Ministério da Educação em Portugal, embora pertencentes a governos com diferentes enquadramentos políticos -, pretendemos saber como as escolas e os professores se posicionam face a estas duas medidas políticas e como as articulam. Para isso, os participantes, entres outras questões, foram interrogados sobre: como a escola tem vindo a concretizar as orientações do PAFC? O que tem implicado esta medida política nos contextos de prática?

Os discursos enunciados pelos entrevistados, em contextos reais, foram interpretados pela técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2009), elegendo por príncipio para inferência das categorias de análise que “todo enunciado possui uma dimensão dupla, pois revela duas posições: a sua e a do outro” (Fiorin, 2006, p. 170). É a partir dessa análise dialógica (Bakhtin, 1992), relação eu-outro, que são apresentadas as opiniões desses professores que ocupam lugares de gestão em Agrupamentos de escolas, e que são tecidas as considerações finais.

Apresentação de discussão dos dados

A análise dos dados, correspondentes às opiniões dos professores/gestores de escolas acerca das concepções curriculares que estão na base do discurso político do PAFC, permitiu identificar as categorias descritas na tabela 2:

Tabela 2 Categorias emergentes decorrentes da análise dos discursos dos entrevistados 

Categorias
Concepções do PAFC
PAFC e o contexto de Prática
PAFC e o nível de escolaridade

Fonte: Dados coletados nos loci de investigação.

É tendo por referência estas categorias de análise que a seguir são apresentados e interpretados os sentidos e significados enunciados pelos discursos dos entrevistados, enquanto artefato semântico-social impresso nas palavras ditas por um eu na relação com o(s) outro(s) (Bakhtin, 1992).

(Re) pensando as categorias de análise num movimentum interdiscursivo

As categorias de análise listadas na tabela 1 (concepções do PAFC; PAFC e o contexto de Prática; PAFC e o nível de escolaridade) em torno das quais são organizados os dados coletados, e que constam desta parte do artigo, foram obtidas por meio de um processo de (inter) cruzamento discursivo. Estas categorias, que emergiram dos discursos dos entrevistados, foram “confrontadas” com o discurso político do PAFC e com um quadro teórico de discursos acadêmicos que permitem uma aproximação e releitura do objeto de investigação. Referia-se ainda a que os entrevistados foram questionados sobre o PAFC por ser o projeto que estava a decorrer no período de coleta de opiniões (2017/2018). No entanto, as suas respostas podem ser interpretadas em relação à legislação que se seguiu (Portugal, 2018b) e que generalizou em 2018/2019 a todas as escolas a aplicação dos princípios, conceitos e procedimentos previstos no PAFC.

Concepções do PAFC

O discurso do PAFC, de certo modo audacioso, em seus princípios gerais, legitima as escolas que aderiram ao projeto que suportou, em Portugal, a política de autonomia curricular em regime de experiência pedagógica, a possibilidade de fazer a gestão do currículo, a partir da definição das suas prioridades (Portugal, 2017a), e considerando a garantia das Aprendizagens Essenciais (Portugal, 2018a). Com base nas reflexões sobre os contextos da prática (Ball, 2002), em processo de ressignificação das práticas curriculares, estes entrevistados afirmaram:

o que chamamos agora flexibilização é a participação dinâmica dos alunos nas atividades, nas propostas de projetos, só que não dávamos esse nome. Nós já fazíamos isso. (PC)

com o PAFC foi dada realmente às escolas autonomia e liberdade para gerir o currículo de forma a trabalhar a medida mais importante que é a promoção de sucesso escolar e a diferenciação pedagógica. É realmente necessário ter tempo para gerir um currículo, atendendo aos diferentes ritmos e às dificuldades dos alunos e tem sido feita a verificação do que é essencial que eles aprendam, que eles saibam, permitindo a consolidação efetiva das aprendizagens, para uma melhor e maior possível inserção no mundo do trabalho no final da escolaridade obrigatória, porque também é para isto que aponta o perfil do aluno. (PCPC)

Nos discursos destes gestores de Agrupamentos estão explícitos os pressupostos defendidos pelo PAFC, e pela legislação que, posteriormente, ampliou a todas as escolas esta concepção curricular. Destes pressupostos destaca-se: ao nível da autonomia e flexibilização curricular, um maior poder de decisão curricular dos professores para gerir a carga horária, embora máxima em 25% do tempo curricular. Tal perspectiva, revelada pela entrevistada, coordenadora do 1º ciclo, dialoga com o princípio orientador desta medida política, nomeadamente quando é referido que deve ser garantida, em Portugal, uma escola inclusiva de ensino básico, “cuja diversidade, flexibilidade, inovação e personalização respondem à heterogeneidade dos alunos, eliminando obstáculos de acesso ao currículo e às aprendizagens, adequando estas ao perfil dos alunos” (Portugal, 2018a, p. 13882).

A preocupação com a melhoria das escolas e da flexibilização do currículo, segundo esta coordenadora do 1º ciclo, está também presente. Afirmou:

com o PAFC, temos ao nível das orientações do currículo, a possibilidade de os professores flexibilizarem as aprendizagens, as metodologias no domínio da escolha dos métodos. Por exemplo, nós temos professores que utilizam o método das vinte e oito palavras, que é um método muito específico e mais global de aprendizagem da palavra; depois temos métodos mais analíticos, que é o que prevalece na maioria das escolas que é juntar os fonemas; depois as sílabas e fazer a palavra. (CA)

Como foi proferido por esta coordenadora pedagógica, embora o PAFC oriente a construção de um currículo que venha a garantir as Aprendizagens Essenciais (Portugal, 2018a) e a construção do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Portugal, 2017b), aos professores é garantida também a “liberdade” da escolha dos métodos de ensino mais adequados às aprendizagens de todos os alunos. Esta visão se interelaciona ao princípio do PAFC de que, no referido projeto, deve-se garantir a “flexibilidade contextualizada na gestão do currículo utilizando os métodos, as abordagens e os procedimentos que se revelem mais adequados para que todos os alunos alcancem o Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória (Portugal, 2018b, p. 13882).

Apesar da percepção positiva atrás enunciada sobre a orientação curricular desta medida política em Portugal, é também reconhecido que o projeto que a introduziu gerou constrangimentos aos professores, nomeadamente porque a orientação curricular se ancora em duas orientações distintas, conforme explicita o adjunto de direção de uma das escolas envolvidas neste projeto:

[…] ouço muita gente dizer: ok, mas há contradições. Por um lado, há as Metas e as Aprendizagens Essenciais e, por outro, a flexibilização. Pensou-se que essas Metas, porque como não têm a ver com o que está escrito na flexibilização, iriam desaparecer, mas não, elas estão lá. E, portanto, as pessoas utilizam isso um bocado para se defender [da resistência em flexibilizar o currículo], e dizer, mas eu faço o quê? (AD)

Do ponto de vista de grandes desafios do PAFC, que eu saiba, como eu lhe digo não sei tudo, mas o quadro de orientações curriculares é este [duas orientações curriculares distintas: as Metas e Aprendizagens essenciais e a concepção da flexibilidade curricular]. Para além disso, as Metas, como eu já lhe disse, são muito exigentes. Segundo dizem os professores do primeiro ciclo: “são demasiado exigentes”, não deixando espaço para se pensar na flexibilidade curricular. (CA)

Como se infere dos depoimentos apresentados, estão a ser vividos, por gestores escolares e professores, conflitos e contradições nos modos de pensarem, planearem e desenvolverem o currículo a partir das recomendações da medida política aqui em análise. Isto está a acontecer, por um lado, porque a medida política que estabeleceu as Metas Curriculares, que tem subjacente uma perspectiva tradicional de currículo, pressupunha os professores como meros técnicos, cumpridores de um currículo prescrito de igual forma para todas as escolas portuguesas. Ao contrário desta orientação, o PAFC e a legislação que se lhe seguiu reconhece-os e exige-lhes um papel ativo como agentes de configuração curricular (Leite & Fernandes, 2010). No entanto, e apesar deste reconhecimento, o Ministério da Educação definiu as Aprendizagens Essenciais, entendendo-as como orientações que guiam os projetos educativos e curriculares das escolas, e que devem ser cumpridas por ‘todas as ofertas e modalidades educativas e formativas do ensino básico’ (Portugal, 2018a).

PAFC e o contexto de Prática

A autonomia e flexibilidade curricular, segundo o discurso do PAFC e também do decreto-lei nº 55/2018 que, como dissemos, ampliou a todas as escolas portuguesas a concepção de currículo que neste artigo já caracterizamos, segue princípios que, se aplicados em contextos da prática (BALL, 2001), permitem à escola melhorar a qualidade dos processos educativos mediante possibilidades de aproximações às realidades locais. Com este entendimento, as reflexões críticas dos professores/ gestores escolares entrevistados sobre a “política em uso”, quando se referem aos discursos e às práticas institucionais (Mainardes, 2006), direcionam-se para a reflexão sobre os alunos e suas aprendizagens, como se infere dos discursos:

Tem que se dar sentido às aprendizagens. Mas não se pode baixar o nível de exigência. É um equilíbrio muito difícil, porque temos alunos de fato com muitas dificuldades, que provêm de contextos familiares muito complicados, muito pouco estimulantes. Há contextos com muita violência e com muita falta de condições básicas de vida, que comprometem significativamente a aprendizagem. (CA)

Há meninos que precisam de mais tempo, e isso é falado e discutido. Mas legalmente não leva a nada, porque a nossa opinião fica em ata, nós podemos falar nisso tudo, mas as diretrizes são outras. (PC)

No contexto da política curricular que estamos neste artigo a analisar, esperase que as decisões das escolas e dos professores venham a tornar possível a operacionalização de um currículo que dê sentido às aprendizagens dos alunos. Esta concepção vislumbra-se em diferentes formas de agir e de conceber a construção da justiça social (Connell, 1999, 2012) e da justiça curricular (Sampaio & Leite, 2015, 2017, 2018) no plano da gestão do currículo e da sua realização em sala de aula. Neste sentido, corroboramos Ferraço quando propõe “pensar o currículo buscando romper com a possibilidade de sua representação fixa-definitiva em um sentidoclichê, indo ao encontro de sua condição de redes, de nomadismo, de composições e deslizamentos, de minoridade e de campos de disputas de sentidos, fazendo vazar toda e qualquer possibilidade de um significado único ou de determinismos conceptuais” (p. 531).

É esta ideia de imprevisibilidade que contraria a de uniformidade que caracterizou medidas políticas uniformes e uniformizantes. Apesar disso, não se pode ser inocente e ignorar a falta de condições necessárias para viabilizar a concretização de uma escola de sucesso para todos os alunos presentes nos espaços escolares. De qualquer modo, o entendimento do discurso político divulgado por esta medida política, aos poucos, foi-se adequando aos contextos de prática (Ball, 2002), como pode ser inferido no discurso da professora/coordenadora do 1º ciclo:

Embora o projeto [PAFC] preveja uma flexibilização do horário, isto é, podemos adaptar o que é previsto e fazer de forma diferente, inicialmente, assustou-me um pouco isso, e havia várias outras questões. Por exemplo, como articular com cumprir o horário, cumprir o sumário. Depois, começamos a perceber, após alguns seminários, congressos e encontros, com as colegas da DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), que nos elucidaram um pouco mais, que realmente não tinha que ser assim, tão rigoroso, porque de início fiquei assim um bocadinho assustada, e tive dificuldade em gerir o tempo, gerir o currículo, como escrever o sumário. Realmente é mesmo assim, nós até podemos chegar à aula e surgir um tema que nós vamos acabar por agarrar e explorar, e que às vezes nem tem a ver com o que nós planeamos. Depois, há que fazer mesmo a ligação com as diferentes áreas, isso, para mim, é flexibilização. (PCPC)

Como se depreende, a concepção desta professora coordenadora de escola tem relação com aspectos relacionados, quer com a autonomia das escolas e dos professores, quer com os contextos de origem dos alunos. A autonomia do professor está diretamente relacionada ao seu poder de agency que, como já neste artigo referimos, está “subordinado” à 'qualidade' do envolvimento dos professores com os contextos-para-ação-temporal e imediato, não sendo, portanto, uma ‘qualidade dos próprios atores’ (Priestley, Biesta, & Robinson, 2013). No quadro destes contextospara-ação-temporal, o PAFC, em suas orientações curriculares, sinaliza que a prescrição curricular das Aprendizagens Essenciais (Portugal, 2018a) e do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Portugal, 2017b), pode vir a gerar uma certa tensão e constrangimentos aos professores, nomeadamente porque têm por referência concepções distintas de currículo e de papéis a serem assumidos pelos professores.

Apesar destes constrangimentos, os discursos proferidos pelos entrevistados que atrás apresentamos, levam-nos a reconhecer que os professores, na releitura do discurso da referida política curricular, são reflexivos e buscam por mudanças no cenário de incertezas. Eles, historicamente, vêm “agindo contra constrangimentos sociais” (Priestley, Biesta, & Robinson, 2013, p.3), mas também demonstram “uma certa passividade por muitas vezes estarem acostumados a serem constrangidos por seus ambientes sociais e materiais” (ibidem, p. 3) de trabalho profissional.

PAFC e o nível de escolaridade

O enquadramento curricular legitimado pelo PAFC reconhece a necessidade da superação do distanciamento entre as áreas disciplinares, e “recomenda” a “valorização da gestão e lecionação interdisciplinar”, cujas ações docentes estejam engajadas no desenvolvimento de projetos interdisciplinares (Portugal, 2017a). Para o professor adjunto de direção por nós entrevistado, o rompimento das fronteiras entre as áreas disciplinares é de certa forma possível em contextos de monodocência, pelas razões que explicita:

Uma vez que neste ciclo de ensino há a monodocência, há liberdade de o professor trabalhar as várias áreas da forma que ele quiser. E, também, fazer o trabalho colaborativo com os colegas por grupos de ano. Portanto, no 1º ciclo da educação básica não é tanta a diferença; é uma questão mais de nomenclaturas e de uma nova forma de organizar o currículo. Há escolas que já o fazem, e há autonomia para isso. (AD)

Como se infere da opinião deste entrevistado, a monodocência, isto é, a existência de um professor que assegura todo o plano curricular, como acontece em Portugal, nos primeiros quatro anos de escolaridade básica, facilita a existência de Projetos de trabalho interdisciplinares que permitam a participação dos alunos e o reconhecimento dos seus diferentes ritmos de aprendizagens. No entanto, no contexto da regulação das aprendizagens em função das Metas Curriculares e das Aprendizagens Essenciais, e como é referido por Pacheco (2018), estes discursos políticos, ao delegarem nas “escolas, no âmbito de sua autonomia, desenvolver projetos e atividades que contribuam para a formação pessoal e social” (ibidem, p. 80) estão a “adiar a solução do problema, sobretudo quando as políticas de educação e formação valorizam os resultados de certas disciplinas” (ibidem).

Como reconhece a professora/coordenadora do 1º ciclo da escolaridade básica, a facilidade que advém de, neste nível de escolaridade existir monodocência, fica comprometida nos outros níveis de escolaridade onde existe um professor para cada área disciplinar ou para cada disciplina. Como foi por ela referido: “Eu já tenho dito que a nível deste ciclo, não é problemática [autonomia e flexibilização curricular], mas vai ser mais difícil de implementar a flexibilização nos outros ciclos” (PC). Esta opinião é reafirmada por um estudo anterior, realizado em Agrupamentos de Escolas do Conselho do Porto, e que mostrou que, nos cotidianos das escolas, as decisões curriculares “são ainda fortemente marcadas por um individualismo profissional” (Leite & Fernandes, 2010, p. 201). Na intenção de se distanciar dessa perspectiva, nos princípios orientadores do PAFC é expressa a intenção de “promoção de maior articulação entre os três ciclos do ensino básico e o ensino secundário, assumindo uma gestão integrada e sequencial do currículo” (PORTUGAL, 2018b, p. 13882).

O reconhecimento das mudanças na forma de conceber e de planejar o currículo nos Agrupamentos de Escolas, que numa fase inicial aderiram ao PAFC, é igualmente reconhecido por esta professora/coordenadora do 1º ciclo, quando afirma:

Com o PAFC já se verificam mudanças [na concepção de currículo]. Eu acho que este projeto deveria ser mesmo obrigatório e extensivo a todos os anos de escolaridade. Embora, se calhar, também como estamos a fazer no Agrupamento, aos poucos, também não será má ideia, não é? Ir andando devagarinho. Mas acho que mudou e vai mudar mesmo as mentalidades, a forma dos meninos estarem, de serem, de aprenderem. E mesmo eu ainda tenho que mudar muito. Mas acho que sim, que era mesmo de avançar. O meu receio é que haja um retrocesso, como muitas vezes acontece e que faz andar para trás [políticas curriculares em Portugal]. Isto fez-me lembrar um pouco a escola há uns anos; há uns quase vinte anos atrás, eu recordo-me, tínhamos um tema inicial de projeto e depois tínhamos que trabalhar em interdisciplinaridade. Era assim um pouco como a flexibilização curricular. E depois muda o Governo, mudam as mentalidades, mudam as políticas curriculares e acaba tudo. (PCPC)

O discurso da entrevistasda converge para o entendimento de que o PAFC, para além de ter sido justificado com o propósito de fomentar a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem nas escolas portuguesas, tem implicado mudanças significativas na forma de conceber e de planejar as práticas curriculares. Apesar disso, ressalta o seu sentimento sobre aspetos que influenciam a continuidade ou não desta política, e que demonstra que as políticas nacionais se constituem em “um processo de “bricolagem”, isto é, representam “um processo de empréstimo e cópia de fragmentos e partes de idéias de outros contextos […] de teorias canibalizadoras, de investigação, de adoção de tendências e modas […]” (Ball, 2001, p.102).

Considerações finais

Tendo por ponto de partida a medida política portuguesa que concebe o currículo prescrito a nível nacional como um projeto que tem de ser reconfigurado em cada contexto escolar e os professores como agentes dessas decisões, o estudo a que este artigo se reporta recolheu e analisou concepções curriculares de gestores de Agrupamentos de Escolas de Portugal que estiveram envolvidos na implementação do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (Portugal, 2017a) e que antecedeu a extensão desta política a todas as escolas dos ensinos básico e secundário (ensinos fundamental e médio). Nessa análise, identificou encontros e desencontros com o discurso da referida política. Entre os encontros, constatou que os professores/ gestores de Agrupamentos de Escolas entrevistados aderem e entendem a concepção de currículo que suportou o PAFC e a sua posterior generalização a todas as escolas. Nesta concepção, apontam para práticas curriculares que implicam o recurso a processos de construção e desenvolvimento do currículo que busquem promover o sucesso nas aprendizagens dos alunos. Como se deduz das opiniões expressas pelos entrevistados nas referências à gestão dos processos curriculares, há o entendimento de que são necessárias mudanças apoiadas em princípios de diferenciação curricular, tal como é proposto pelo PAFC e pelo decreto-lei que generaliza esta medida política, tanto no planejamento das ações docentes quanto na vivência das práticas de configuração e desenvolvimento do currículo. Apesar destas concepções de currículo e de práticas curriculares, os entrevistados consideram que esta medida política se configura em um processo de difícil aceitação por parte de um grupo de professores mais tradicionais. Consideram ainda que esta política curricular convive em tensão com medidas políticas que tiveram outra concepção de currículo, nomeadamente as Metas Curriculares e até mesmo as Aprendizagens Essenciais.

Reconhecem, no entanto, que os princípios do PAFC, no coletivo dos Agrupamentos de Escolas a que pertencem, está em curso na medida em que os professores se colocam como sujeitos principais da mudança educacional, tentando passar de consumidores do currículo prescrito a nível nacional para seus configuradores e construtores (Leite, 2003).

Em síntese, há semelhanças entre a concepção de currículo enunciada no discurso legal desta política e os discursos que acontecem no contexto da prática, isto é, e apoiando-nos no que foi referido por estes gestores escolares, está a ser configurada no interior de cada escola. Apesar disso, há também “diferenças/estranhamentos” que não podem ser ignorados e que geram tensões e constrangimentos procedentes de duas orientações opostas para a organização e o desenvolvimento do currículo. Este é um aspecto relevante e que nos obriga a interrogar até que ponto as políticas governamentais confiam, de fato, nos professores e lhes asseguram condições para usarem o seu poder de agência e de decisão curricular.

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