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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília jan./dez 2020  Epub 23-Jul-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.24702 

Artigos

Democratização da educação básica no município de São Paulo (2013-2016)

Democratización de la educación básica en el municipio de São Paulo (2013-2016)

Democratization of the basic education in the municipality of Sao Paulo (2013-2016)

Democratisation de l'enseignement de base dans la municipalite de São Paulo (2013-2016)

Renata Maria Moschen Nascente1 
http://orcid.org/0000-0001-9395-3166

Vagnum Dias da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-9978-6087

1Doutora em Educação Escolar pela UNESP e professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos, atuando no curso de pedagogia e no PPGE, na linha de pesquisa Educação Escolar: Teorias e Práticas e coordenando o DEFORGES – Grupo de estudos e pesquisas em organização escolar: democracia, direitos humanos e formação de gestores.

2Mestre em Educação pela UFSCar - Universidade Federal de São Carlos. É diretor de escola da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Participa do DEFORGES – Grupo de estudos e pesquisas em organização escolar: democracia, direitos humanos e formação de gestores.


Resumo

O objetivo do artigo é analisar a democratização da educação básica no município de São Paulo de 2013 a 2016, na administração do Partido dos Trabalhadores (PT). A abordagem metodológica foi qualitativa e documental. O problema se constituiu na questão: quais seriam alguns dos indicadores de avanços na democratização da educação básica? Foram levantados alguns deles: valorização dos(as) profissionais; elevação da qualidade social pela universalização do acesso e trabalho sistemático para garantia de permanência das mais diversas aprendizagens; incentivo à participação e à autonomia nas e das escolas e esforço na formulação, aprovação e implantação de políticas democratizantes.

Palavras-chave Democratização; Educação básica; Indicadores

Resumen

El objetivo del artículo es analizar la democratización de la educación básica en la ciudad de São Paulo de 2013 a 2016, en la administración del Partido de los Trabajadores (PT). El enfoque metodológico fue cualitativo y documental. El problema era la pregunta: ¿cuáles son algunos de los indicadores de progreso en la democratización de la educación básica? Algunos de ellos fueron criados: valorando profesionales; elevar la calidad social a través del acceso universal y el trabajo sistemático para garantizar la permanencia y las experiencias de aprendizaje más diversas; alentando la participación y la autonomía en y desde las escuelas; y esfuerzo en la formulación, aprobación e implementación de políticas democratizadoras.

Palabras clave Democratización; Educación básica; Indicadores

Abstract

The objective of the article is to analyze the democratization of basic education in the city of São Paulo from 2013 to 2016, in the Workers' Party administration. The methodological approach was qualitative and documental. The problem refers to the question: what are some of the progress indicators of in the democratization of basic education? Some of them were raised: valuing professionals; raising social quality through universal access and systematic work to guarantee permanence and the most diverse learning; encouraging participation and autonomy in and from schools; and effort in the formulation, approval and implementation of democratizing policies.

Keywords Democratization; Basic education; Indicators

Résumé

L'objectif de l'article est d'analyser la démocratisation de l'éducation de base dans la ville de São Paulo de 2013 à 2016, dans l'administration du Parti des travailleurs (PT). L'approche méthodologique était qualitative et documentaire. Le problème était la question: quels sont certains des indicateurs de progrès dans la démocratisation de l'éducation de base? Certains d'entre eux ont été soulevés: valoriser les professionnels; améliorer la qualité sociale grâce à l'accès universel et au travail systématique pour garantir la permanence et l'apprentissage le plus diversifié; encourager la participation et l'autonomie dans et depuis les écoles; et des efforts dans la formulation, l'approbation et la mise en œuvre de politiques de démocratisation.

Mots clés Démocratisation; Éducation de base; Indicateurs

Introdução

A democratização da sociedade brasileira tem se constituído em um desafio permanente, uma vez que nossa história política, social e cultural é marcada por relações autoritárias, patrimonialistas e clientelistas (Faoro, 1989; Carvalho, 1997), opostas à democracia, definida por Toro (1999), como uma cosmovisão, isto é, uma maneira de ver o mundo e a vida e de construir relações que perpassam as instituições sociais, tais como o Estado, a família e a escola.

Segundo Miguel (2005, p. 5),

Há mais de cinqüenta anos, no mundo ocidental, a democracia tornou-se o horizonte normativo da prática e do discurso políticos. Tamanho consenso esconde uma profunda divergência quanto ao sentido da democracia: como é comum em relação a palavras que se tornam objeto de disputa política, os diferentes grupos empenhados em ostentar o rótulo promovem sua ressemantização, adequando seu significado aos interesses que defendem

Dessa forma, para discutir a democratização da educação, é imprescindível delimitar a qual conceito de democracia estamos nos referindo. O que adotamos se coaduna com o de Toro (1999) e alinha-se ao de Outhwaite e Bottomore (1996, p. 179):

Um sistema político no qual o povo inteiro toma, e tem direito de tomar, as decisões básicas determinantes a respeito de decisões importantes de políticas públicas […]; esse direito origina-se em um sistema de regras básicas, tais como a constituição.

Miguel (2005, p. 5) complementa nossa conceituação ao afirmar, com base em David Beetham: “o conceito de democracia é incontestável: é uma forma de tomada de decisões públicas que concede ao povo o controle social”.

Tendo estabelecido a democracia (Miguel, 2005; Outhwaite & Bottomore, 1996; Toro, 1999) como marco conceitual, passamos a explicitar nosso marco teórico, no qual a educação escolar democrática pode ser compreendida em uma perspectiva crítica (Beane & Apple, 1997; Giroux, 1986), dialógica e emancipatória (Freire, 1996; Habermas, 2012a, 2012b). Nessa visão, a criticidade refere-se ao reconhecimento e análise da realidade social como ela se apresenta concretamente, para, com base nesse conhecimento, transformá-la, na busca do bem comum, por meio do respeito aos direitos humanos, da justiça social; da garantia da fidedignidade das informações disseminadas pelas mídias e redes sociais; da crença na capacidade individual e coletiva de resolução de problemas e da análise reflexiva, autoral e abalizada de ideias e políticas.

Segundo Habermas (2012a, 2012b), na modernidade tardia em que vivemos, para alcançar os ideais colocados pela Revolução Francesa, a liberdade, igualdade e a fraternidade, é necessário restabelecer o protagonismo do mundo da vida sobre o sistema, por meio da ação comunicativa, em busca do consenso no âmbito da democracia deliberativa, que pode ser entendida como uma forma de governo na qual as regras que regem as relações são elaboradas e vivenciadas pelas mesmas pessoas. A democracia deliberativa (direta) se opõe, assim, à democracia representativa (indireta), na qual alguns representantes são eleitos para tomar as decisões que regem a vida de todos. Evidentemente, em escalas nacional, estadual e municipal seria muito difícil se estabelecer uma democracia deliberativa, mas isso não quer dizer que em uma escala muito menor, de uma escola ou até de um sistema de ensino, ela não possa ocorrer por meio da participação direta dos diferentes segmentos nos processos de decisão que dizem respeito às suas próprias vidas e na conquista diária da autonomia (Martins, 2002). Assim, cremos que, pela participação democrática (Nogueira, 2011) concretizada na dialogicidade (Freire, 1996), definida como diálogo praticado na liberdade, enraizado na existência e contextualizado historicamente, seja possível a emancipação de crianças e jovens.

A emancipação humana pela educação escolar só é possível pelo pleno acesso e permanência de crianças, jovens e adultos à e na escola. Nesse sentido, é imprescindível a inclusão de todos(as), entendendo-a como “um conjunto de políticas de caráter público ou privado que visa atender a grupos específicos com o intuito de corrigir desvantagens em termos sociais, políticas e econômicas oriundas de processos históricos de discriminação” (Gomes, 2001, p. 9).

Outro elemento fundante da emancipação é a qualidade social da educação ofertada, que, segundo Silva (2009, p. 225):

[…] É aquela que atenta para um conjunto de elementos e dimensões socioeconômicas e culturais que circundam o modo de viver e as expectativas das famílias e de estudantes em relação à educação; que busca compreender as políticas governamentais, os projetos sociais e ambientais em seu sentido político, voltados para o bem comum; que luta por financiamento adequado, pelo reconhecimento social e valorização dos trabalhadores em educação; que transforma todos os espaços físicos em lugar de aprendizagens significativas e de vivências efetivamente democráticas.

Dessa forma, entendemos que a transformação e emancipação social estão diretamente ligadas à democratização da educação básica, com base na justiça (Dubet, 2004) e na inclusão (Gomes, 2001). Nas escolas, devem-se prover as condições necessárias para que todos(as) se desenvolvam em busca da igualdade sustentada por estratégias de equalização social. Isto é, em uma sociedade marcada pela desigualdade, é necessário educar na e para a participação, meio pelo qual crianças, jovens e adultos são empoderados(as) para questionar a sociedade em que estão inseridos(as) e agir para que as mudanças que entendam como necessárias aconteçam.

Nesse sentido, são essenciais pesquisas que possam contribuir para a construção de encaminhamentos para fortalecer a autonomia e a participação democrática (Nogueira, 2011) de todos os segmentos escolares, inclusive das comunidades de entorno. Assim, o problema que norteou este texto se constituiu na seguinte questão: quais seriam alguns dos indicadores de avanços na democratização da educação básica? Com o intuito de respondê-la, o propósito do artigo é analisar o processo de democratização da educação básica no município de São Paulo entre 2013 e 2016, durante a administração do Partido dos Trabalhadores (PT). A tese defendida é a de que, naquela administração, houve algumas tentativas de fortalecimento da participação democrática na educação básica, tendo os poderes executivo e legislativo como responsáveis pelo desencadeamento desse processo.

Para o desenvolvimento da investigação que deu origem a este artigo, foi utilizada uma abordagem qualitativa (Bogdan & Biklen, 2010), tendo como metodologia de levantamento de dados a análise documental (Gil, 2002). No artigo são abordados os processos de democratização da educação básica no Brasil nas últimas duas décadas para contextualizar os engendrados no município de São Paulo de 2013 a 2016.

A democratização da educação básica no Brasil

O Brasil presenciou algumas transformações na educação básica a partir da promulgação da Constituição Federal (CF) (1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (1996). Nesse processo, dois aspectos importantes devem ser considerados. O primeiro é que a LDB concedeu autonomia às unidades federadas para definirem, de acordo com suas peculiaridades, formas de democratização da educação básica, considerando o envolvimento dos profissionais de educação e as comunidades escolares e locais. Fica patente, assim, que a democratização seria primeiramente gestada no âmbito dos sistemas de ensino, devendo ser, posteriormente, implementada nas escolas por meio dos Conselhos Escolares e da elaboração de seus projetos pedagógicos.

O segundo é que, de acordo com Sudbrack, Jung e Weyh (2018, p. 59), que desenvolveram um estudo teórico e bibliográfico sobre as possibilidades e limites da gestão democrática nas escolas públicas brasileiras proporcionados pela LDB, existe forte “resistência por parte dos gestores escolares em permitir que a comunidade participe de fato na gestão escolar, principalmente nas comunidades mais carentes”. Para os autores:

A instituição escolar precisa abandonar sua posição autoritária, a qual acaba afastando a comunidade e criando uma dupla omissão: os pais não participam porque não se sentem acolhidos e a escola não conclama a comunidade a participar, porque diz que esta se omite (Sudbrack; Jung & Weyh, 2018, p.59).

Os dois aspectos indicam que a democratização da educação básica se mantém em uma perspectiva hierárquica, isto é, dos sistemas que a elaboram e a implementam por meio de políticas públicas; das escolas, que têm uma autonomia limitada por essas políticas, para implantá-la e fortalecê-la; e das comunidades, a quem cabe contribuir somente quando chamadas a fazê-lo, como evidenciaram Nascente, Conti e Lima (2018, p. 157), para quem, nas relações entre sistemas, escolas e comunidades:

[…] a forma burocrática continua vigorosa, principalmente quanto ao verticalismo das decisões, marcadamente nas relações escola-Estado, enquanto nas relações escola-comunidade se verificam traços gerencialistas […], ainda que se admita que a presença da participação na forma gerencial possa constituir um germe da forma emancipatória.

Não obstante essa imanente contradição entre as deliberações legais sobre a democratização da educação básica e como esse processo vem ocorrendo na prática, há que se reconhecer que, durante as administrações do PT em âmbito federal, de 2003 a 2016, houve esforços significativos para criar condições para uma educação de qualidade social, pautada na democracia e na inclusão:

[…] o governo federal pautou sua atuação pelo princípio da defesa da educação de qualidade, a partir do binômio inclusão e democratização. Algumas ações mereceram particular destaque, como a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, as políticas de ação afirmativa e, de modo estrutural, a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB (Dourado, 2007, pp. 928-929).

Ainda no primeiro quadriênio desse período, ocorreram mudanças de grande porte, tais como a inserção recorde de crianças, jovens e adultos em todos os níveis de ensino e os investimentos na área, que atingiram índices até então inéditos – à época, cerca de 223% – sendo multiplicados de R$ 18 bilhões, em 2002, para R$ 115,7 bilhões, em 2014[1].

O número de matrículas de crianças de quatro anos de idade no Brasil teve um salto de 24% de 2005 a 2014, atingindo uma cobertura de 61% da população nessa faixa-etária, e o ensino fundamental se universalizou, com quase 100% das crianças de seis a 14 anos na escola. Foi também implementada política pública com o objetivo de garantir a alfabetização de todas as crianças de até oito anos de idade por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)[2].

Em 2007, foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas (PDE), composto por um conjunto de programas educacionais, os quais deveriam ser desenvolvidos pelas escolas, objetivando o aprimoramento das condições de ensino e aprendizagem. Entre eles, destacou-se o Programa Mais Educação (2007), cujas ações incluíram a ampliação do tempo de permanência dos(as) alunos(as) nas escolas com currículos expandidos. Vários municípios aderiram ao programa, inclusive o de São Paulo, que criou o Programa Mais Educação São Paulo (2014), tendo por pressupostos e bases o modelo nacional, porém, adequando-o às suas especificidades[3].

Várias outras ações poderiam ser destacadas, porém, de acordo com o objetivo deste texto, os dados mencionados servem para demonstrar como algumas políticas públicas foram sendo construídas e implantadas no sentido de tornar a educação no país menos injusta e mais inclusiva e, portanto, mais democrática. Entendemos assim que o governo federal, entre 2003 e 2016, desencadeou um processo de democratização da educação básica que poderia subsidiar ações no mesmo sentido nos estados e municípios.

Tendo em vista esse panorama, destaca-se o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (2007), composto de 28 diretrizes a serem observadas e cumpridas em regime constitucional de colaboração entre os entes federados – União, Distrito Federal, estados e municípios – e em parceria com as famílias e comunidades por meio de ações de assistência técnica e financeira, visando à mobilização social pela elevação da qualidade da educação básica. Assim, o plano deve ter sido importante no processo de democratização da educação básica, pois, tinha o propósito de subsidiar sistemas de ensino e escolas na implantação da gestão democrática pelo envolvimento de todos os segmentos e comunidades de entorno por meio de órgãos colegiados. Uma amostra do seu alcance foi o processo de democratização da educação básica no município de São Paulo entre 2013 e 2016, o qual corroborou com a premissa de que políticas públicas educacionais elaboradas e aplicadas interdependentemente entre os entes federados são importantes para o desmonte do verticalismo administrativo e pedagógico que tem prevalecido ao longo da história da educação brasileira (Nascente; Conti & Lima, 2018; Sudbrack. Jung & Weyh, 2018).

A democratização da educação básica no município de São Paulo entre 2013 e 2016

No período de campanha na disputa pelo governo do município de São Paulo, entre outras propostas, o PT prometeu criar 150 mil novas vagas de educação infantil; 31 polos da Universidade Aberta do Brasil; construir 20 novos Centros de Educação Unificados (CEUs) e levar a educação em período integral para 100 mil estudantes no primeiro ano de mandato[4].

Depois de eleito e empossado, todo novo governo, de acordo com a Lei Orgânica do Município de São Paulo (1990), deve apresentar um plano de metas para a educação no período abrangido pelo mandato. Tendo essa tarefa a ser cumprida, a nova administração apresentou uma proposta de construção coletiva de suas metas, da seguinte maneira:

Em março de 2013, a Prefeitura de São Paulo apresentou à população da cidade o Programa de Metas 2013-2016. Após a apresentação dessa proposta, foram realizadas no mês de abril 35 audiências públicas, sendo uma em cada uma das 31 subprefeituras, 3 audiências públicas temáticas – de acordo com os 3 eixos temáticos do Programa de Metas – e uma geral, na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Em conformidade com o compromisso da atual gestão com a participação popular, foram recebidas propostas por meio de falas e por escrito nas audiências, além de propostas por e-mail. Todas as propostas foram sistematizadas, classificadas e avaliadas sobre a possibilidade de sua incorporação (Programa de Metas da Cidade de São Paulo, 2013a, p. 7).

Descreveu-se, nesse trecho, o modus operandi de uma administração eleita pelos instrumentos próprios da democracia indireta (representativa), mas eivada de aspectos próprios a uma gestão participativa, mais afeita à democracia direta (deliberativa) (Habermas, 2012a, 2012b; Miguel, 2005). Nesse sentido, a realização das audiências públicas remete a uma modificação na articulação entre governantes e governados, ainda que tenha cabido à administração o arbítrio sobre a incorporação ou não das propostas apresentadas. Segundo Nogueira (2011), essa forma de gestão participativa pode ser entendida como

[…] uma aposta democrática e republicana: o governar deve visar o povo, fazer-se em seu nome e ser por ele avaliado e controlado, funcionando segundo regras, critérios e procedimentos que privilegiem aquilo que é público, o bem comum e os interesses de todos (Nogueira, 2011, p. 150).

Dessa mobilização democrática resultou o Programa de Metas da Cidade de São Paulo Versão Final Participativa (2013). Assim, além de cumprir uma determinação legal, esse documento significou um avanço democrático, pois foi elaborado em conjunto com a população, de forma coordenada, com diversos órgãos da administração direta e indireta.

Além desse Programa (2013), o executivo foi propondo ao legislativo algumas outras medidas – discutidas e aprovadas – visando cumprir as promessas da campanha, com destaque para o Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (2013); Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para a implantação (2014); a Portaria nº 4.289 (2014), que instituiu o sistema de formação de educadores da rede municipal de ensino; e a Portaria nº 4.290 (2014) , que definiu ações e procedimentos para a organização da oferta dos cursos e eventos.

Resultante de toda essa produção de determinações legais, foi promulgado o Plano Municipal de Educação de São Paulo (PNE/SP) (2015), cuja análise levou à identificação de alguns pontos que indicaram uma valorização significativa da educação básica, haja vista a dedicação de 33% do orçamento para a educação, o que significou um acréscimo de R$ 700 milhões já no primeiro ano de aplicação do plano. Esse aumento no aporte de recursos possibilitou o investimento em várias ações de potencial democratizante, tais como melhoria da infraestrutura das escolas, compras de materiais, elevação do nível de qualidade da merenda e aumento da remuneração dos profissionais da educação. Uma evidência disso foi o consistente esforço para a diminuição da fila de crianças a serem atendidas nas creches municipais. Decerto, apenas o acesso não caracteriza a democracia; entretanto, sem ele não é possível que ela se estabeleça. Essa perspectiva é corroborada por Dourado (2007), para quem

[…] A democratização do ensino não se dá somente pela garantia do acesso, requerendo sua oferta com qualidade social, para otimizar a permanência dos estudantes e, desse modo, contribuir para a melhoria dos processos formativos e a participação cidadã (Dourado, 2007, p. 940).

Outra evidência de democratização refere-se à garantia de implementação dos Conselhos Escolares no PME/SP (2015), com representação de todos os segmentos e das comunidades. Essa garantia de instalação dos Conselhos Escolares deve ter propiciado o avanço da autonomia e da participação nas escolas municipais. Segundo Silva, Luiz e Silva (2013), além de se fazerem presentes, esses Conselhos devem ser fortalecidos, pois, são tempos e espaços de formação na e para a democracia para todos os seus membros. Segundo os autores, o diálogo baseado na ação comunicativa de Habermas é o instrumento fundamental na tomada de decisões coletivas:

Quando essa participação está pautada pela ação comunicativa (Habermas, 1987) e as pessoas têm a possibilidade de desenvolver diálogo igualitário dentro das escolas, há um ganho riquíssimo na aprendizagem das crianças, pois a comunidade externa pode contribuir com seus saberes e experiências para a equipe escolar em busca da promoção de uma educação de qualidade (Silva, Luiz & Silva, 2013, p. 267).

Os Conselhos Escolares devem ter contribuído, dessa maneira, para a democratização nas tomadas de decisão nas escolas, segundo perspectiva da ação comunicativa de Habermas (2012b). A ação comunicativa pressupõe a busca do entendimento, com base em argumentações genuínas, que contemplam os interesses coletivos, sem desprezar os individuais, na busca de consenso, que não diz respeito à lógica de que ganha a proposta mais votada, mas que se baseia em interlocuções voltadas à exposição, reconhecimento e convencimento em torno de propostas direcionadas ao bem comum. Nesse sentido, podemos incluir a dialogicidade como conceito fundante da ação comunicativa nos Conselhos Escolares (Freire, 1996).

Além disso, o PME/SP (2015), ao atender o princípio constitucional da publicização das atividades dos setores públicos, deu mais um passo para o fortalecimento da democracia no município. Esse processo foi desencadeado pelo lançamento de uma página na internet para que a população acompanhasse a execução e o cumprimento das metas para a educação básica no período. Com base no binômio publicização e construção democrática, o PME/SP (2015, p. 1), explicitou as seguintes diretrizes:

I - Superação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV - melhoria da qualidade de ensino; V - promoção a educação integral em tempo integral; VI - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VII - promoção da educação em direitos humanos; VIII - promoção humanística, cultural, científica e tecnológica do Município; IX - valorização dos profissionais de educação; X - difusão dos princípios da equidade, da dignidade da pessoa humana e do combate a qualquer forma de violência; XI - autonomia da escola; XII - fortalecimento da gestão democrática da educação e dos princípios que a fundamentam; XIII - promoção da educação em sustentabilidade socioambiental; XIV - desenvolvimento de políticas educacionais voltadas à superação da exclusão, da evasão e da repetência escolares, articulando os ciclos e as etapas de aprendizagem, visando à continuidade do processo educativo e considerando o respeito às diferenças e desigualdades entre os educandos.

A publicização dessas diretrizes pode ser entendida como um indicativo de democratização, processo que requer transparência das ações praticadas pela administração eleita. Algumas metas, emanadas dessas diretrizes, merecem destaque.

Uma delas referia-se à diminuição do número de alunos(as) por professor(a) em todos os níveis da educação básica, de acordo com o nível de ensino, variando entre 15% e 20%. Em uma proposta de educação escolar inclusiva, baseada no diálogo e em currículos que abrigam as dimensões global e local, é evidente que um menor número de estudantes por turma propicia a elevação da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. Portanto, o cumprimento dessa meta pode ser entendido como um indicativo de democratização.

Por isso, foi necessária a construção de novas unidades educacionais para atendimento da demanda em cada região, considerando projetos arquitetônicos e mobiliários adequados às respectivas faixas etárias, contemplando ainda os critérios de acessibilidade, respeitando as especificidades de cada etapa e a participação dos profissionais da educação em sua elaboração. A estratégia utilizada foi a construção de novas unidades escolares, além de 10 CEUs (centros educacionais que contavam com salas ambiente, biblioteca, refeitórios, telecentros, teatros e piscinas). Assim, seria possível cumprir a meta de oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as).

Essas medidas inclusivas são indicativas de democratização do sistema de ensino municipal, pois, objetivavam o enfrentamento das injustiças sociais pelo tratamento igualitário entre todos(as) os(as) alunos(as) em ambientes especialmente pensados para uma educação não só em tempo integral, mas realmente integral. Como explica Bernardo (2020), a educação integral refere-se a oferecer aprendizagens diversificadas, nos mais diversos campos, articuladas em um projeto político pedagógico. Dada a magnitude dessa proposta, há a necessidade de se expandir a jornada escolar diária. Compreende-se, dessa forma, que proporcionar a crianças e jovens, principalmente das regiões mais periféricas, acesso às artes, esportes, excursões e projetos multidisciplinares tem o potencial de elevar a qualidade da educação básica, expandindo a formação cidadã, que é eminentemente democrática.

Vê-se, por essas metas, a intenção de decentralizar a gestão escolar tanto do ponto administrativo como pedagógico. Descentralizar, nesse caso, não significa desconcentrar, que se refere a responsabilizar as escolas por problemas de toda sorte, cujas soluções não estão ao seu alcance (Coutinho & Lagares, 2017). A descentralização da administração escolar, naquele período, caracterizou-se pela ampliação da autonomia, ainda que se deva reconhecer que essa ampliação tenha ocorrido de cima para baixo, isto é, tratou-se de alguma autonomia concedida pelo sistema de ensino às escolas, tendo sido decretada (Barroso, 1996).

Outra indicação de participação democrática na educação foi a elaboração de uma meta relativa à dinamização do fluxo escolar com base no fomento da qualidade de educação ofertada. Para seu atendimento, foram construídos padrões e indicadores de qualidade e ensino para serem usados em auto avaliações nas escolas, que deveriam, junto com suas comunidades, elaborar parâmetros de melhoria/aprimoramento das aprendizagens.

A valorização dos profissionais da educação também foi contemplada em uma das metas. Ela se baseava na equiparação de seus rendimentos médios com os dos demais profissionais com mesmo nível de escolaridade, além de garantir uma política de formação continuada. Essa meta foi atingida pela significativa quantidade e por características das ações formativas ofertadas aos profissionais da rede de ensino no período estudado, como demonstra o quadro 1, relativo apenas a uma das Diretorias Regionais de Ensino (DRE) da SME/SP, a de São Miguel Paulista.

Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 1 Ações Formativas oferecidas aos profissionais de Educação da Prefeitura de São Paulo no período compreendido entre 2013-2016 na DRE de São Miguel Paulista 

Uma análise semântica dos títulos das ações formativas oferecidas pode indicar princípios fundamentais da democratização da educação contemplados. Houve, por exemplo, uma clara priorização da formação para a educação infantil e também para a educação de jovens e adultos (EJA), que são, respectivamente, o nível e a modalidade da educação básica mais carentes, tanto em termos de oferta como de profissionais especificamente formados. Essa priorização refletiu-se em uma meta específica, que objetivava a superação do analfabetismo absoluto na população com 15 (quinze) anos ou mais e ampliar a escolaridade média da população.

Também foram oferecidas ações formativas voltadas ao acolhimento e à diversidade por meio da inclusão de estudantes público-alvo da educação especial, da tematização das relações etnicorraciais e de gênero e da educação em direitos humanos. Em mais de uma ocasião, reflexões sobre os currículos em ação e propostas de inovações foram promovidas. Além disso, o protagonismo dos(as) diretores(as) na busca por uma educação escolar emancipatória também se fez presente. Dessa forma, o binômio democrático igualdade/equidade pode ser identificado não só em ações específicas, mas como eixo condutor de todas elas.

A 12ª meta pode ser entendida como indicadora direta de democratização, pois, tinha como foco único assegurar condições para a efetivação da gestão democrática da educação, prevendo recursos financeiros e apoio técnico para isso, além de aprimorar mecanismos efetivos de controle social e acompanhamento das políticas educacionais no município. Sua estratégia basilar era a formação de conselheiras(os) para compor os seguintes conselhos: Acompanhamento e Controle Social do Fundeb; Alimentação Escolar; Municipal de Educação; Regional de Representantes dos Conselhos de Escola e Escolares.

Finalmente, foi previsto, na 13ª meta, a elaboração de Planos Regionais de Educação que deveriam visar a redução das desigualdades e a promoção da melhoria na qualidade de atendimento à população, em especial, nas áreas mais desfavorecidas. Os planos teriam suas elaborações coordenadas pelas DRE com a participação das comunidades escolares, sendo ao menos um representante de cada segmento de todas as escolas, de modo a garantir a participação dos diversos setores públicos e sociais que atuassem na educação. Essa meta indica como praticar uma administração educacional participativa, propiciando uma interlocução entre a SME/SP, as DRE e as escolas. Desse modo, objetivou estimular, nas comunidades escolares, práticas cotidianas de diálogo, colocando as equipes em situação de escuta ativa dos(as) alunos(as) e suas famílias para poder compreendê-los(as) e acolhê-los(as) como parceiros(as) na construção de uma educação de qualidade social (Silva, 2009). Essa meta propiciou, assim, a desconstrução da cultura autoritária do patrimonialismo (Faoro, 1989; Carvalho, 1997). De acordo com Ramos e Conti (2013, p. 175) trata-se de

Uma apropriação do conhecimento dito especializado e dos certificados e títulos acadêmicos como verdadeiros escudos de proteção contra a participação dos supostos menos preparados para intervir na vida escolar. Algumas pessoas portanto, pela falta de uma suposta qualificação, são ‘desautorizadas’ a participar, seja porque não possuem as credenciais próprias, seja porque não são suficientemente informadas, e sabemos, com relação a esse particular, que de fato, os segmentos representados pelos profissionais da escola, sobretudo diretores e professores, têm muito mais informações – por exemplo e consequentemente, poder – do que os demais, como servidores e, acima de tudo, os pais dos(as) alunos(as).

Portanto, o PME/SP (2015) propôs metas direcionadas a tornar as escolas da rede mais inclusivas, justas e democráticas, cumprindo a CF (1988) e a LDB (1996). Ele avançou em relação a essas determinações legais na explicitação dos meios pelos quais esse processo pode ser deflagrado, mormente, pelo aumento das margens de autonomia e participação de todos os segmentos escolares e pela oferta de formação e apoio de órgãos colegiados. Estes, estabelecidos como previu o plano, poderiam superar a representação pura e simples, dando vozes mais audíveis aos seus representados (Silva; Luiz & Silva, 2013). Nesse sentido, o PME/SP (2015) criou condições para que a gestão democrática tivesse maiores oportunidades de ser implantada nas escolas e vivenciada em seus cotidianos, e, oxalá, gradativamente, tomar parte em suas culturas, tornando-se a amálgama das relações em seus interiores.

Além disso, a análise das diretrizes e metas do PME/SP (2015), com base nos conceitos de autonomia, participação e democracia (Martins, 2002; Miguel, 2005; Nogueira, 2011; Outhwaite & Bottomore, 1996; Toro, 1999) permite algumas inferências. Uma delas refere-se à autonomia na administração pública, que pode ser desenvolvida quando se assume com responsabilidade social as incumbências democraticamente estabelecidas, no caso da educação, a formação de crianças, jovens e adultos por meio, por exemplo, da educação integral em escolas planejadas para isso, com número reduzido de estudantes por sala.

Dessa forma, o PME/SP (2015) propiciou a efetivação da participação democrática nas escolas e nas DER dando a todos segmentos e comunidades de entorno condições efetivas de contribuição, de forma ativa e autoral, independentemente de nível de escolaridade e de informação.

Depreende-se, assim, que as propostas de campanha em 2012 foram gradativamente cumpridas e ampliadas no período entre 2013 e 2016, sendo (re)elaboradas pelo executivo e aprovadas pelo legislativo, com a participação popular por meio de audiências públicas.

Do ponto de vista de financiamento para execução das propostas e alcance das metas, a principal fonte de recursos seria o governo Federal, que faria um aporte de cerca de R$ 9 bilhões de reais. Ocorreu que, entre 2013 e 2016, apenas R$ 2 bilhões chegaram à cidade de São Paulo, o que comprometeu o alcance de todas as metas, inclusive às relativas à Educação. Essa discrepância é explicitada no quadro a seguir.

Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 2 Discrepância entre metas propostas na campanha e objetivos efetivamente alcançados no período entre 2013-2016 

Esses dados revelam que, em relação ao aumento de vagas na educação infantil, 66% do que foi prometido na campanha e previsto no programa inicial foi cumprido, isso mesmo com o orçamento muito comprometido com a falta dos repasses por parte do governo federal devido à crise econômica no período pesquisado.

As creches, que têm sido o calcanhar de Aquiles das administrações municipais nas últimas três décadas, entre as concluídas e as que estão estavam em obras ao final do governo, a porcentagem de cumprimento do que foi prometido em campanha foi de 40%. É uma percentagem expressiva, mas aquém do esperado, para uma etapa de educação básica historicamente negligenciada. No que se refere à construção de escolas de educação infantil, 86% do que foi prometido foi cumprido.

Os CEUs também alcançaram um índice de cumprimento significativo: 75%, considerando que apenas um foi entregue totalmente concluído entre 2013 e 2016, os outros ainda estavam em obras no final do governo. Cabe salientar que as obras em andamento no período já estavam aprovadas pelo Tribunal de Contas do Município, possuindo todas as condições necessárias para suas conclusões.

Em um balanço final, pode-se afirmar que boa parte das metas estabelecidas em campanha para a educação básica no município de São Paulo, no período compreendido entre 2013-2016, foram cumpridas. Esse resultado demonstrou a preocupação daquela administração com a elevação da qualidade social da educação e com sua democratização.

Algumas considerações

Este artigo teve, como ponto de partida, a seguinte questão: quais seriam alguns dos indicadores de avanços na democratização da educação básica? Para respondê-la, foram analisados aspectos desse processo no município de São Paulo, no período de 2013 a 2016, por meio de documentos referentes à sua administração, com destaque para o PME/SP (2015). A tese que nos propusemos a defender foi a de que, naquela administração, houve algumas tentativas de fortalecimento da participação democrática na educação básica, tendo os poderes executivo e legislativo como responsáveis pelo seu desencadeamento.

Por meio de uma análise documental (Gil,2002), foi possível levantar alguns indicadores de democratização, tais como: valorização dos(as) profissionais da educação via aumento de remuneração, formação continuada e melhoria das condições de trabalho; investimento para a elevação da qualidade social da educação pela universalização do acesso e trabalho sistemático para garantia de permanência e das mais diversas aprendizagens; incentivo à participação e à autonomia nas e das escolas; esforço na formulação, aprovação e implantação de políticas democratizantes.

Primeiramente, há que se admitir que os avanços democráticos da referida administração foram possíveis pelas ações federais nesse sentido, delimitadas por Dourado (2007) com base no binômio inclusão e democratização. Podemos afirmar, assim, que a democracia nas escolas depende da democracia nos sistemas de ensino, que, por sua vez, depende de políticas educacionais democratizantes em níveis estadual e federal.

Outro indicador importante da democratização da educação básica é que esse processo não ocorre isoladamente dos outros setores sociais, tais como a saúde, a urbanização e os transportes, para ficar em alguns exemplos. Evidência disso foi que, logo ao ser empossado, em 2013, o governo do PT no município de São Paulo desencadeou uma série de audiências públicas objetivando ouvir a população para elaborar as metas a serem alcançadas. Esse modus operandi democrático, com base na publicização de informações, se realiza na sociedade e com a sociedade da qual a escola faz parte.

Nas ações formativas ofertadas às equipes escolares, são reconhecíveis diversas pautas que compõem o ideário da democracia, portanto, que podem ser consideradas indicadoras de democratização. Alguns exemplos foram os estudos sobre a gestão dos currículos, que deveriam abrigar o acolhimento à diversidade pela inclusão de todos(as) sem perder de vista as diferenças, pois o objetivo era promover a equidade na diversidade, não homogeneizando as diferenças, ao contrário, valorizando-as. Para lidar com a heterogeneidade própria dessa forma democrática de inclusão, os(as) profissionais das escolas tiveram oportunidade de estudar direitos humanos e, dentro deles, os direitos específicos de crianças e adolescentes; formas de inclusão de estudantes público-alvo da educação especial; relações etnicorraciais; questões de gênero; além de focalizar a diversidade entre as escolas da rede municipal, o que demandaria de suas equipes que se voltassem para as peculiaridades das culturas locais, integrando-as aos projetos político pedagógicos de cada unidade.

Mais um indício de democratização referiu-se à implantação e ao fortalecimento dos mais diversos colegiados, com destaque para os Conselhos Escolares. Ainda que eles tenham sido historicamente estruturados na perspectiva da representatividade, podem ser concebidos como potencializadores da participação democrática nas perspectivas da dialogicidade e emancipação social (Freire, 1996; Habermas, 2012a, 2012b; Nogueira, 2011).

Mais alguns indicadores de democratização puderam ser identificados, tais como a descentralização da administração escolar, que na realidade analisada significou o aumento da autonomia relativa das escolas em relação à SME/SP (Barroso, 1996), e a ênfase dada à publicização dos processos pedagógicos e administrativos na rede, nas DRE e nas escolas, que aponta para a transparência na governança pública, basilar na democracia.

Não obstante esses indicadores de avanços democráticos, que corroboram nossa tese, há que se considerar que as ações democratizantes engendradas, apesar de compartilhadas com a população interessada e/ou atendida, não partiram dela. Tratou-se de um movimento vertical, de cima para baixo, o que não se coaduna com a horizontalidade própria das relações democráticas. Compreende-se, dessa forma, que a população foi instada e incentivada a participar. Entretanto, ela pode não ter conseguido incorporar os valores da autonomia e da participação, uma vez que o período estudado, de 2013 a 2016, foi curto em relação às aprendizagens democráticas, que precisam ser (re)construídas constantemente por meio de estudos e experiências para que se tornem esteio de práticas educativas cotidianas.

Finalmente, entendendo a democracia como uma visão de mundo, uma maneira de viver, como nos ensina Toro (2009), há que se continuar trabalhando pela construção da democracia nas e pelas escolas. Alguns indicadores de avanços nesse campo foram reconhecidos na administração da SME/SP no período estudado. Novos estudos com esse foco podem contribuir para uma maior compreensão dessa temática.

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Recebido: 17 de Maio de 2019; Aceito: 23 de Junho de 2020

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