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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília jan./dez 2020  Epub 23-Jul-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.30545 

Artigos

A formação continuada em Mato Grosso: um olhar para as narrativas oficiais

La educación continua en Mato Grosso: una mirada hacia las narrativas oficiales

The continuous formation in the State of Mato Grosso: a look at the official narratives

La formation continuée au Mato Grosso: un regard sur les récits officiels

Rosimeire Dias de Camargo1 
http://orcid.org/0000-0002-7483-7001

Filomena Maria de Arruda Monteiro2 
http://orcid.org/0000-0003-3428-0533

1Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus de Cuiabá (2017). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente (GEPForDoc)-CNPq. Possui graduação em Pedagogia (1996) e mestrado em educação (2012), pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT- Campus de Cáceres. Professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso (2000).

2Possui graduação em Pedagogia (1985) e Mestrado em Educação Pública (1995), pela Universidade Federal de Mato Grosso. Possui doutorado em educação (2003) e pós doutorado (2012) pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente (GEPForDoc)-CNPq. Atualmente é professora Associada da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT e Editora da Revista de Educação Pública.


Resumo

Este artigo consiste em um recorte de uma pesquisa de doutorado, cujas reflexões partem de uma análise interpretativa das narrativas oficiais presentes na Política de Formação Continuada de Mato Grosso. Fundamenta-se nos pressupostos da pesquisa narrativa, defendidos por Clandinin e Connelly (2015), e objetiva-se compreender a organização do modelo formativo da rede pública de ensino, segundo as narrativas oficiais. Tal modelo é fruto de um itinerário formativo marcado por instabilidades e limitações oriundas de oscilações na construção das narrativas político-pedagógicas que articulam a formação aos índices de proficiência dos estudantes.

Palavras-chave Política de Formação Continuada de Mato Grosso; Documentos Orientativos; Narrativas oficiais

Resumen

El artículo presenta un recorte de investigación doctoral, cuyas reflexiones se basan en un análisis interpretativo de narrativas oficiales en la Política de Educación Continua de Mato Grosso. Se fundamenta en presupuestos de búsqueda narrativa, defendidos por Clandinin y Connelly (2015), y se objetiva comprender la organización del modelo continuo de la red pública de enseñanza, según narrativas oficiales. Ese modelo resulta de un itinerario formativo marcado por inestabilidades y limitaciones provenientes de oscilaciones en la construcción de narrativas político-pedagógicas que articulan la formación a los niveles de competencia de los estudiantes.

Palabras clave Política de Formación Continua de Mato Grosso; Documentos de Orientación; Narrativas Oficiales

Abstract

This paper is related to a doctoral research. The findings come from the legitimate interpretative analyses existing at the Policies of Continuous Formation in the State of Mato Grosso. It is based on the assumptions of narrative research, advocated by Clandinin and Connelly (2015). It aims at understanding, according to the official narratives, how the formation model of the Public Education Teaching is organized. The formation model is the result of a formation itinerary guided by instabilities and limitations originated from non-continuous movements tied up with the construction of pedagogical policies narratives which articulate the formation to the students’ proficiency level.

Keywords The Policies of Continuous Formation in Mato Grosso; Orientation documents; Official narratives

Résumé

Cet article est constitué d’un extrait d'une recherche doctorale, dont les réflexions partent d’une analyse interprétative des récits officiels présents dans la Politique de Formation Continuée au Mato Grosso. Fondé sur les principes, de la recherche narrative, préconisés par Clandinin et Connelly (2015), dans le but de comprendre l’organisation du modèle formatif du système scolaire public, selon les récits officiels. Ce modèle est le résultat d'un itinéraire formatif marqué par des instabilités et des limitations résultant des oscillations dans la construction de récits politico-pédagogiques qui articulent la formation aux indices de compétence des élèves.

Mots clés Politique de Formation Continuée au Mato Grosso; Documents d'orientation; Récits officiels

Documento de Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica

Dentro da estrutura organizacional sistêmica da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT), a Política de Formação Continuada é uma das ações desencadeadas pela Secretaria Adjunta de Políticas Educacionais (SAPE) que, em seu organograma, contempla a Superintendência de Políticas de Desenvolvimento Profissional (SPDP), órgão responsável pelos Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica, denominados de Cefapro[1] – reconhecidos dentro dessa estrutura como unidades administrativas regionalizadas desconcentradas – cuja finalidade é implementar a Política de Formação em toda a rede pública de ensino. As ações desenvolvidas em cada Cefapro são delineadas e acompanhadas por equipes da SEDUC ligadas à Superintendência, tendo, como referência, o documento de Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica, que foi elaborado no período de 2004 a 2010 e lançado em 2010, após passar por análise e colaboração de professores e técnicos do órgão responsável pelos Cefapros.

Articulado às diretrizes nacionais para a formação de professores, o documento de Política de Formação busca deslocar a responsabilidade do processo formativo do âmbito individual para a responsabilidade pública, assumindo-a como compromisso com a valorização profissional e com o fortalecimento do papel da escola como lócus dos processos formativos e das transformações sociais (Mato Grosso, 2010a).

O documento atual da Política fundamenta-se em uma concepção de formação ao longo da vida e está ancorado em vários autores da literatura atual de formação de professores, dentre eles Nóvoa (1997, 1999), Garcia (1999) e Imbernón (2010), ou seja, em uma compreensão da formação como processo, o que – pelo menos em termos teóricos – pressupõe um avanço em relação às ideias de formação vinculadas à reciclagem, ao treinamento e ao aperfeiçoamento, conceitos que marcavam o conjunto de ações destinadas à capacitação do professor:

[…] os princípios desta política estão alicerçados na articulação da formação inicial com a prática escolar, na formação em serviço vinculada a uma prática de aprendizagem ao longo da vida e na formação de um profissional reflexivo, investigativo, colaborativo e capaz de ações educativas em equipe. (Mato Grosso, 2010a, p. 13)

Neste sentido, o referido documento sinaliza que “a formação do educador deve ser um processo permanente, contínuo, não pontual, realizada no cotidiano da escola, em horários específicos e articulada à jornada de trabalho” (Mato Grosso, 2010a, p. 16).

O documento apresenta a necessária relação entre teoria e prática e, ainda, enfatiza considerar as formações e experiências anteriores, articulando a formação inicial e a continuada, corroborando com as ideias de Garcia (1999) em relação à articulação entre universidade e escolas. Para o autor, o conceito de desenvolvimento profissional de professores é o que melhor se adapta à concepção de professor enquanto profissional do ensino.

Nesta perspectiva, o desenvolvimento profissional está intimamente relacionado ao desenvolvimento pessoal e profissional, portanto, os processos de mudança não só estão relacionados à prática pedagógica, mas também ao desenvolvimento da escola, ao desenvolvimento e à inovação curricular, ao desenvolvimento do ensino e ao desenvolvimento da profissionalização, cuja articulação não é referendada nas narrativas oficiais que compõem o documento da Política.

Fundamentado em tais concepções, o documento de Política de Formação aponta as diretrizes para o desenvolvimento das ações formativas no contexto da educação básica. Tais diretrizes servem de base para a elaboração dos documentos Orientativos que dispõem sobre a organização do Projeto de Formação, denominado Projeto Sala de Educador.

Os referidos documentos são emitidos, anualmente, pela Superintendência de Formação e enviados aos Cefapros e às unidades escolares, sendo que suas narrativas são compostas de uma breve exposição teórica acerca das concepções de formação continuada.

Aos professores é garantida a participação nos processos formativos dentro da jornada de trabalho, como está previsto na Lei Complementar nº. 50, art. 38, parágrafo 1º, que dispõe 33,33% da jornada de trabalho semanal para atividades relacionadas ao processo pedagógico, incluindo a formação continuada, conforme expresso no documento da Política (Mato Grosso, 2010a, p. 19).

Após essa breve exposição, apresentar-se-á os procedimentos metodológicos e, na sequência, os documentos Orientativos produzidos no período de 2003 a 2020, ano atual.

Metodologia

O estudo apoia-se em uma abordagem qualitativa, fundamentado na perspectiva teórico-metodológica da pesquisa narrativa, defendida pelos estudiosos canadenses Clandinin e Connelly (2015), que afirmam que a narrative inquiry é tanto o fenômeno estudado quanto o método de pesquisa, uma vez que o pensamento narrativo é uma forma-chave de escrever e pensar sobre ela. A ênfase não está na utilização de dados narrativos, e, sim, no processo de indagação narrativa, compreendendo que este não se dissocia daquilo que se pesquisa.

Influenciados pelo pensamento de Dewey, os autores definem a pesquisa narrativa como o estudo da experiência. Assumida como conceito-chave, a experiência é entendida como contínua e interativa, contempla aspectos pessoais e sociais, contextuais e temporais, caracterizando o que os autores chamam de espaço tridimensional.

Utilizando esse conjunto de termos, qualquer investigação em particular é definida por este espaço tridimensional: os estudos têm dimensões e abordam assuntos temporais, focam no pessoal e no social em um balanço adequado para a investigação; e ocorrem em lugares específicos ou sequência de lugares. (Clandinin & Connelly, 2015, p. 85)

Conforme afirmam os autores, na pesquisa narrativa, o foco não está apenas nas experiências dos indivíduos, mas também nas narrativas sociais, familiares, culturais e institucionais. Nesta direção, o presente estudo apresenta como fonte os documentos da Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica (2010) e Orientativos[2] do Projeto Sala de Educador.

Analisar as narrativas presentes nos documentos da Política de Formação e os Orientativos apresentados nesta produção compõe a etapa de contextualização de estudo em andamento em nível de doutorado, cujo contexto de investigação é o Cefapro, espaço de atuação dos formadores, participantes da pesquisa. Diante do exposto, analisar os documentos que traçam as diretrizes político-pedagógicas e seus fundamentos teóricos faz parte de um movimento investigativo de abordagem narrativa em que se busca compreender o lugar de onde os formadores narram, experienciam e ressignificam suas práticas formativas.

Assim, seguindo os fundamentos teóricos da pesquisa narrativa, compreender as experiências vividas e narradas pelos formadores no contexto de implementação das diretrizes políticas, conforme estudo em andamento, implica compreender que as histórias pessoais e profissionais são moldadas por narrativas maiores, tais como: as narrativas culturais, familiares, sociais, bem como as institucionais, aqui compreendidas como narrativas oficiais.

Desse modo, o recorte aqui apresentado fundamenta-se em uma análise interpretativa, cujo objetivo é compreender como se organiza o modelo formativo da rede pública de ensino, segundo as narrativas oficiais. Assim, toma-se como fonte essas narrativas, concebidas aqui como a Política de Formação e os documentos Orientativos, cujas diretrizes subsidiam a organização do Projeto Sala de Educador, instituído há 18 anos na rede pública de ensino.

Adotar a perspectiva da abordagem narrativa, permite compreender os documentos oficiais como importantes textos de campo, assim como os dados o são para as demais abordagens. Clandinin e Connelly (2015, p. 157) sinalizam:

Talvez um dos pontos mais importantes, para nós, é constatar quão facilmente em nossa experiência, esquecemos ou ignoramos a existência e a importância dos documentos. O pesquisador, que estabelece relações com os participantes, pode tornar-se tão centrado na relação que o fluxo de documentos, que pode ajudar a contextualizar o trabalho, passa despercebido.

Os documentos oficiais oferecem pistas para que se compreenda os sentidos e os contextos de sua produção, além de sinalizarem as concepções que direcionam os processos formativos.

O acesso aos documentos se deu por meio de buscas junto às secretarias dos Cefapros e de arquivos pessoais de profissionais que atuaram no Centro de Formação desde a sua implantação. Foi possível selecionar, além do documento referência da Política de Formação, 16 documentos Orientativos, não compondo esse acervo os Orientativos de 2004 e 2005.

Para analisar as narrativas que compõem os Orientativos, é preciso olhar para esses documentos considerando suas dimensões temporais. Clandinin e Connelly (2015, p. 63) afirmam que localizar as coisas no tempo é uma forma de pensar sobre elas:

Quando vemos um evento, pensamos sobre ele não como algo que aconteceu naquele momento, mas sim como uma expressão de algo acontecendo ao longo do tempo. Qualquer evento, ou coisa, tem um passado, um presente, da forma como aparece para nós, e um futuro implícito.

Assim, embora haja certa linearidade na apresentação dos documentos Orientativos, as discussões e inferências produzidas serão conduzidas em movimentos mais dinâmicos, contemplando as dimensões temporais de sua produção.

Projeto Sala de Professor - 2003 a 2010: a escola como lugar da formação

Instituído em 2003 pelo Núcleo de Programas Educacionais de Formação à Distância e Continuada, setor vinculado à Superintendência de Desenvolvimento dos Profissionais da Educação – SDF/SEDUC/MT, o Programa de Formação Continuada, além das ações formativas decorrentes de programas nacionais de formação docente e dos cursos voltados aos professores da educação básica, inaugurou o Projeto Sala de Professor. Esse período foi marcado também pelo movimento simbólico de devolver à escola a autonomia e a gestão dos seus processos formativos, como ocorria no Centro de Formação Permanente (CEFOR), antes da criação dos Centros de Formação.

No período de 2003 a 2010, ocorreu a implantação do Projeto Sala de Professor, que se deu gradativamente nas escolas a partir de visitas técnicas, realizadas pelas equipes dos Cefapros e da SEDUC, com o objetivo de promover a sensibilização dos gestores das escolas pertencentes aos municípios de cada polo quanto à importância de realizar a formação no contexto escolar.

O processo de implantação, conforme dispõe o documento Orientativo de 2006, ocorreu de acordo com o seguinte cronograma: 2003 e 2004, inicialmente nos municípios que não desenvolviam Programas de Formação; 2005 e 2006, realização de visitas de sensibilização para adesão ao projeto; 2007 a 2010, implantação nas demais escolas e implementação nas unidades que já desenvolviam os processos formativos.

Os documentos mantiveram inalteradas as ideias em relação aos seguintes aspectos: a elaboração de uma proposta de formação articulada ao Projeto Político Pedagógico e ao Plano de Desenvolvimento Escolar; o fortalecimento da identidade pessoal e profissional; a escola concebida como um espaço educativo, propulsor de mudanças; a articulação entre teoria e prática; a importância da postura crítico-reflexiva do professor e, ainda, a adoção de uma metodologia pautada na investigação-ação-formação que impulsione as intervenções pedagógicas com vista à melhoria da qualidade educacional.

Nos documentos orientativos de 2013, 2014 e 2015, a orientação torna-se mais imperativa ao articular a participação na formação com a contagem de pontos para atribuição de aulas na rede pública. Os profissionais, conforme exposto no Orientativo de 2015, somente receberão pontuação máxima, para contagem de pontos, se atingirem 90% de frequência.

Os documentos de 2016 e 2020, com uma narrativa menos incisiva em relação a esse aspecto, apenas sinalizam que as discussões em torno das intervenções devem ocorrer em horário destinado à formação, ou seja, fazem parte da carga horária de trabalho semanal.

Os Orientativos 2017, 2018 e 2019, ao se referirem às perspectivas da formação, as definem como dever, direito e necessidade. Enquanto direito, a formação continuada está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (2017, p. 44); já enquanto dever, está ancorada na Lei Complementar 50/98 que trata da carreira dos profissionais da educação em Mato Grosso, cuja perspectiva vincula-se às questões do cumprimento da jornada de trabalho.

No aspecto avaliativo, o Orientativo de 2003 (p.14), apresenta como modelo de avaliação do processo formativo uma perspectiva empresarial, de treinamento, cujos níveis são: reação, aprendizagem e aplicação/resultados:

1. Reação – refere-se a [sic] opinião final com forte carga de abstração e subjetivismo. ... Objetivo – oferecer [sic] um panorama da opinião dos participantes sobre o evento, possibilitando aos coordenadores uma breve leitura do que aconteceu sob a ótica dos professores, para possíveis replanejamento [sic] de ações futuras.

2. Aprendizagem – Verificar [sic] a aprendizagem do cursista e sua aplicação na sua ação pedagógica. ... Estarão sendo [sic] avaliadas atitudes, enquanto uma predisposição para um comportamento.

3. Aplicação/Resultados – será [sic] uma comparação direta dos dados da avaliação de aprendizagem do professor, [sic] com os objetivos propostos pela escola para a formação continuada, que servirão de base na análise dos dados do nº de matrícula inicial, com o índice de evasão, de reprovação e de aprovação, articulado com a formação recebida do [sic] professor.

Tal concepção é observada também no documento de 2007, em que constam os itens ou níveis do modelo de avaliação, sem detalhamento. O documento de 2006 explicita a relevância do processo avaliativo para as tomadas de decisão, mas sem definir qual a concepção adotada.

Dentro das orientações para a estruturação do projeto, os participantes são identificados como clientes, imprimindo uma narrativa política mercadológica sem filiação com a proposta de formação centrada na escola.

O processo avaliativo – nos orientativos correspondentes ao período de 2008 a 2015 – é diferente do apresentado no período de implantação do Projeto. Assim, a avaliação é apresentada como mecanismo necessário ao processo formativo, servindo de desencadeador de novas ações, no entanto, os referidos documentos não explicitam de forma mais clara qual o modelo de avaliação adotado.

A partir do Orientativo de 2016, incorpora-se à avaliação da formação a produção de registro reflexivo das leituras realizadas e das intervenções, cujo modelo vem anexo ao Orientativo. Ao final dos estudos do processo formativo, cada unidade escolar deveria promover um momento de socialização das intervenções e o Cefapro promover, com a participação de professores dos municípios do Polo, um seminário regional para compartilhar as experiências.

No Orientativo de 2018, os resultados das avaliações deveriam ser sistematizados para compor um banco de dados para os Cefapros e Secretaria de Educação. Para o ano de 2017, foi proposta a produção coletiva de um relatório com apontamentos positivos e propositivos para o planejamento das ações formativas posteriores, sendo também sinalizada, sem detalhamento, a emissão de um instrumento avaliativo pela SEDUC – que deveria ser aplicado e sistematizado pelo Centro de Formação.

Nos Orientativos de 2019 e 2020, assim como definido no período de 2008 a 2015, a avaliação é assumida como um mecanismo necessário para o planejamento, a qualidade do processo de ensino e aprendizagem e o desenvolvimento profissional. Assim, fundamentado em Lück (2009), a avaliação é compreendida em três níveis: avaliação diagnóstica (diagnóstico), formativa (no processo) e somativa (ao final).

Desse modo, observa-se que, de um modelo empresarial, a avaliação vai se constituindo em torno de uma narrativa mais progressista, defendida como importante mecanismo de reflexão e de reorganização das ações, sendo esse o desafio posto à SEDUC e aos Cefapros, qual seja, apoiar as escolas para que desenvolvam os processos formativos articulando o diagnóstico às necessidades formativas.

Contemplando o conjunto de novas orientações decorrentes das avaliações dos processos formativos, o Orientativo 2009 delibera acerca da distribuição das temáticas de estudos, dentro da carga horária, sugerindo que 25% do tempo de estudo fosse destinado às temáticas voltadas para a organização pedagógica e 75% para os estudos pertinentes às especificidades das áreas do conhecimento.

Nesta direção, o Orientativo de 2010 sinaliza que a formação continuada tem se apresentado como a saída possível para a melhoria da qualidade da educação dentro do contexto educacional contemporâneo, cabendo aos formadores orientar as escolas em relação à elaboração de suas propostas e nelas incluir, entre as temáticas de estudos, os indicadores do Sistema de Gerenciamento da aprendizagem - SIGA, os diagnósticos do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, bem como os Indicadores de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB e Prova Brasil. Ao mesmo tempo em que delibera tais orientações, o documento, em seu parágrafo final, traz o seguinte apontamento: “Espera-se ainda que esses projetos jamais se confundam com respostas formais às exigências ou com planos de formação à margem das ‘escolas’, sem promover o impacto necessário na estruturação das atividades educativas” (Mato Grosso, 2010b).

As narrativas presentes nos documentos desse período foram construídas contemplando duas perspectivas principais: a formação centrada na instituição educacional e as mudanças na prática pedagógica articuladas à melhoria da qualidade da educação. Para Imbernón (2016), hoje todos falam de mudança, esse termo parece inundar tudo. Assim, mesmo que seja verdade que tudo muda, essa passagem do tempo parece ser hoje muito mais célere devido às tecnologias disponíveis, cuja rápida obsolescência produz essa sensação de mudança vertiginosa. E, falando em mudanças, no contexto educacional a mudança é incorporada ao papel escrito e às declarações públicas e políticas como algo comum. Conforme declara Imbernón (2016, p. 14), “não se pode mudar a educação sem propor seriamente um novo conceito e uma nova mentalidade para analisá-la, e isso já é mais difícil e requer opções políticas que muitas vezes não se verificam”.

Articulada às mudanças como o pressuposto dos avanços na educação, aparece a qualidade como conceito multifacetado, conforme esclarece Imbernón (2016, pp. 14-18) “a qualidade no campo educacional deveria ser analisada a partir da consciência do quê e como os alunos aprendem no processo de ensino-aprendizagem mediado por um professorado e por seu contexto”.

Ao se fazer referência à formação no contexto da instituição, ou seja, à escola como lugar da formação, buscou-se em Imbernón (2016), Garcia (1999) e Nóvoa (1997, 1999), os fundamentos teóricos que possibilitam refletir e compor sentidos a respeito dessa modalidade formativa. Para os autores, a formação em escolas é uma formação a partir de dentro da escola para a mudança institucional, portanto, não deve ser entendida apenas no âmbito de sua localização. É uma formação que favorece o trabalho em equipes, de forma que as mudanças possam repercutir na prática educativa de uma escola e não em experiências isoladas.

Ao se retomarem as narrativas que compõem os documentos Orientativos, observou-se que essa modalidade formativa vem se constituindo em um modelo mais burocrático e diretivo, conforme exposto anteriormente, em relação às temáticas vinculadas aos resultados de avaliações externas e à organização dos conteúdos específicos como demanda prioritária de estudos.

Projeto Sala de Educador - 2011 a 2015: a intervenção pedagógica como foco da formação

Uma mudança significativa no percurso do desenvolvimento da formação continuada se deu, no ano de 2011, em relação à inclusão dos demais profissionais da escola nos processos formativos, atendendo ao que dispõe a LDB 9394/96 que, em seu artigo 61, alterado pela Lei 12.014/2009, reconhece os funcionários de escolas, habilitados, como profissionais da educação. O Projeto passa assim a ser denominado de Projeto Sala de Educador.

Os documentos desse período apresentam a necessidade de que os processos formativos sejam planejados a partir de diagnósticos da realidade, que devem ser confrontados com teorias que auxiliem a compreendê-los, sendo, então, propostas soluções a partir de intervenções. Essas intervenções são sinalizadas como parte integrante do processo de investigação da prática pedagógica desde o primeiro documento, mas apenas a partir do Orientativo de 2015 essa perspectiva ganha destaque.

No referido documento, a ênfase está nas possibilidades de repensar todos os aspectos da formação desenvolvida na escola, dentre eles, a transposição didática, entendida no documento como intervenção pedagógica. É reservada, dentro da carga horária dos estudos, 01 hora para que o professor planeje e execute ações interventivas que devem ser socializadas nos encontros formativos, de modo que as fragilidades do processo de ensino se transformem em temáticas de estudos.

O documento sinaliza uma concepção de transposição didática em uma perspectiva prática de ações interventivas, no entanto, as concepções defendidas pelos estudiosos Verret e Chevallard, citados por Almeida (2011), não correspondem a uma ação tão pragmática. Os autores apresentam suas concepções em tempos diferentes, entretanto, elas não seguem rumos diferentes, mas se complementam e evoluem conforme as necessidades de cada momento. A adoção do termo Transposição Didática, para nomear um processo interventivo, a distancia do seu real significado, atribuindo-lhe um sentido mais prático que o epistemológico que o termo requer. Conforme citado anteriormente, para ensinar, os professores precisam se apropriar de diferentes conhecimentos, pois, além de conhecerem o conteúdo da disciplina que vão lecionar, necessitam ter o conhecimento pedagógico do conteúdo.

Outro aspecto a ser analisado diz respeito ao papel desempenhado pelo Cefapro, cujas funções são: acompanhar, orientar e realizar as intervenções necessárias à implementação da Política de Formação nas escolas, conforme apresentado no Orientativo de 2015:

Aos Cefapros, cabem as ações de acompanhar, orientar e realizar as intervenções[…] . Para tanto, algumas investigações mostram que, sem “acompanhamento” adequado, não há avanços no processo formativo e [sic] até mesmo períodos de desânimo perante os obstáculos encontrados (DE KETELE, et al., 1994). Fatos esses que faz [sic] com que os formandos acabem por participar da formação continuada, apenas motivados pela certificação. (Mato Grosso, 2015, p.7)

Em cada momento, os formadores desempenham funções específicas em relação à implementação e à avaliação da formação. Observa-se que a narrativa construída em relação ao papel dos formadores se articula ao itinerário formativo proposto com vistas a garantir a melhoria nos índices de proficiência. Assim, cabe ao Cefapro acompanhar a organização da formação para orientar e intervir em situações nas quais observe ações desvinculadas desse propósito.

Orientativos 2016 a 2020: formação e avaliação de resultados

Esse período é marcado pela reconfiguração dos processos formativos. Com ênfase nos resultados, como anunciado nas orientações do ano anterior, a formação continuada vai se emoldurando em uma arena de disputas políticas sustentadas em narrativas normalizantes, conforme será visto nos documentos seguintes.

Orientativo de 2016: Projeto de Estudos e Intervenção Pedagógica - PEIP

Composto por uma narrativa mais abrangente e instrutiva, em 14/04/2016, a SUFP publicou em Diário Oficial a Portaria nº 161/2016[3], que criou o Núcleo de Desenvolvimento Profissional na Escola - NDPE, instituiu o Projeto de Estudos e Intervenção Pedagógica – PEIP e o Projeto de Formação Contínua dos Profissionais Técnicos e Apoio Administrativo Educacional - PROFTAAE. Portanto, o documento Orientativo do ano de 2016 foi o único emitido, por meio de publicação em Diário Oficial do Estado, com apresentação de um novo formato para a formação continuada dos professores e o único que apresenta uma proposta específica para os demais funcionários da escola.

As orientações expressas na referida Portaria dão outros rumos para os processos formativos, rumos esses centrados nos resultados das avaliações externas e internas. Para tanto, os professores passariam primeiramente por momentos de aprofundamento teórico acerca das concepções de avaliação, de intervenção pedagógica e de pesquisa-ação. Tais estudos deveriam ocorrer em três momentos, a saber: inicialmente, estudos gerais contemplando as temáticas citadas acima; em seguida, planejamento de ações interventivas conforme o diagnóstico; e, por fim, intervenção pedagógica, além de estudos específicos relativos às dificuldades diagnosticadas.

Os formadores do Cefapro também deveriam realizar as leituras das mesmas referências, acrescentando aquelas que abordassem as concepções de formação continuada e desenvolvimento profissional.

Aos profissionais técnicos e de apoio educacional, foram indicados referenciais teóricos sobre a identidade do funcionário da escola e o reconhecimento da função educativa que desempenham no cotidiano da escola, dentre outras abordagens.

As ações formativas nesse ano foram suspensas por um longo período de greve dos profissionais. E, no ano seguinte (2017), todo esse movimento foi interrompido, dando lugar a outro formato.

Orientativos 2017 e 2018 – Programa Pró-Escolas Formação na Escola - PEFE

Inicialmente, as orientações para o desenvolvimento das atividades formativas foram lançadas no Documento Orientativo Pedagógico 2017, encaminhado às Assessorias Pedagógicas, Cefapros e Unidades Escolares. No referido documento, constam, além de todos os encaminhamentos voltados à educação básica, as diretrizes para o desenvolvimento dos processos formativos na escola. O Projeto passou a ser denominado Projeto de Formação Docente na escola, em substituição ao Projeto de Intervenção Pedagógica (PEIP) vigente em 2016, assumindo essa nova denominação ainda em 2017.

A Secretaria de Educação, assumindo uma narrativa política bastante recorrente nos documentos oficiais, que é “transformar a educação no estado de Mato Grosso, de maneira a dinamizar um ensino com qualidade” (Mato Grosso, 2017, p. 2), tornou público o Programa Pró-Escolas, cuja abrangência contempla a formação continuada dos profissionais da educação básica, dentre outros aspectos no setor educacional. Por sua vez, a formação continuada dos professores está contemplada no eixo Ensino – sendo denominada Pró-Escolas Formação – PEF –, que abrange todas as ações formativas, voltadas aos profissionais da educação que atuam nas redes públicas de ensino da educação básica, promovidas pela SEDUC, Superintendência de Formação e Cefapros (Mato Grosso, 2018).

O Pró-Escolas Formação contempla o Pró-Escolas Formação na Escola-PEFE, que é o projeto de estudos voltado à formação dos professores, e o Pró-Escolas Formação no Cefapro, que envolve o conjunto de ações formativas desenvolvidas pelo Centro de Formação, incluindo a formação dos formadores, os processos formativos dos gestores (assessores pedagógicos, diretores e coordenadores pedagógicos) e as formações específicas para atender às demandas formativas dos professores. Contempla, ainda, o Pró-Escolas Parcerias, que compreende as formações desenvolvidas por meio dos programas do MEC, atividades em parceria com Instituições de Ensino Superior e outros órgãos do governo.

O projeto deveria contemplar a carga horária de 80 horas de estudos no decorrer do ano letivo, cabendo ao formador – considerado “amigo crítico” de acordo com Day (2001) – o papel de proporcionar apoio e questionar as situações em uma relação de confiança. Desse modo, caberia ao formador assessorar, orientar e auxiliar o coordenador pedagógico, ajudando-o a refletir sobre os temas propostos para os estudos.

As temáticas de estudos deveriam contemplar os Objetivos de aprendizagem, a Base Nacional Comum Curricular, as Orientações Curriculares de Mato Grosso, os descritores do Sistema de Avaliação da Educação Básica, o Projeto Político Pedagógico, os conhecimentos e capacidades avaliadas no Exame Nacional do Ensino Médio, além dos pressupostos teórico-metodológicos dos programas de formação dos quais os professores participam ou já participaram.

Observou-se que algumas questões conceituais foram retomadas com maior aprofundamento teórico em relação ao documento da Política, lançado em 2010, mas mantendo discussões e orientações expressas na Portaria nº. 161/2016, que fora revogada. Com isso, percebeu-se que tais rupturas estão mais voltadas aos direcionamentos para a organização do processo formativo do que propriamente para o reconhecimento da formação como dimensão do desenvolvimento profissional, criando, assim, constantes recomeços.

Orientativo 2019: Formação da/na escola

Acompanhando as reconfigurações do processo formativo, o documento Orientativo de 2019 recebe o título de Projeto de Formação da/na escola – sendo o conjunto de preposições justificado com a seguinte nota de rodapé:

A expressão da e na escola implica no reconhecimento de um espaço formativo exclusivo para essa unidade escolar, baseado no diagnóstico de sua realidade. A escola enquanto lócus de formação dos seus profissionais representa a valorização do seu contexto e dos saberes que são próprios de sua cultura de maneira a potencializar os elementos indispensáveis à valorização e fortalecimento da autonomia da escola, dos seus profissionais e de seus estudantes. (Mato Grosso, 2019, p. 7)

Embora as narrativas reiterem o fortalecimento e a autonomia das escolas e dos professores, é evidenciado o direcionamento em relação à participação nos processos formativos dentro das perspectivas do direito, do dever e da necessidade, apresentadas anteriormente.

A partir de tais direcionamentos, a realização de ações interventivas ganha, em 2019, uma perspectiva menos qualitativa ao ser articulada à pontuação para efeitos de atribuição de aulas/classes para os professores. Conforme exposto no Orientativo 2019, os professores receberão de 01 a 04 pontos conforme o número de ações realizadas, que podem ser de 02 até 10 intervenções.

Além da certificação do Projeto de Formação da/na Escola com a carga horária de até 80h, todo profissional da educação, depois de cumprido o fluxo de intervenção pedagógica, poderá receber pontos adicionais a considerar o quantitativo de intervenções pedagógicas realizadas e efetivadas pelo profissional na escola no decorrer no ano letivo vigente. (Mato Grosso, 2019, p.15)

Essa dinâmica imprime um modelo formativo que contradiz a premissa da formação como direito, enquadrando-a em padrões restritos e normativos que não se articulam com a ideia de desenvolvimento profissional expressa nas narrativas oficiais do documento da Política de Formação.

O documento traz as concepções de Prática Pedagógica, Intervenção e Atualização Profissional como dimensões da formação, ou seja, a prática se destina à aprendizagem dos estudantes. Assim, diante do diagnóstico de dificuldades nesse processo, a intervenção sinaliza a interface desse movimento a partir da busca por metodologias diferenciadas e a Atualização Profissional é entendida como uma necessidade. Embora a expressão “Atualização Profissional” não tenha sido apresentada teoricamente, é grafada em destaque no texto, o que pressupõe evidenciar sua relevância. Com isso, observa-se que as concepções de formação, que vão compondo as narrativas oficiais, são abordadas como sinônimos. Em se tratando de Atualização, Imbernón (2011) adverte que é preciso abandonar o conceito obsoleto de que a formação é a atualização científica, didática e psicopedagógica do professor. Conforme o autor, é preciso adotar um conceito de formação assentada na descoberta, na organização, na fundamentação, na revisão e na construção de teoria, “se necessário, deve-se ajudar a remover o sentido pedagógico comum, recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos predominantes e os esquemas teóricos que o sustentam” (Imbernón, 2011, p. 51). Nesta perspectiva, o profissional de educação é construtor de conhecimento pedagógico de forma individual e coletiva.

Ainda no contexto de mudanças, o documento Orientativo atual, lançado em janeiro de 2020 com mais uma das inúmeras alterações ocorridas ao longo dos anos, retorna à denominação recebida em 2011: Projeto Sala de Educador.

Orientativo 2020: Projeto Sala de Educador

O Orientativo 2020, cujo acesso é público, apresenta poucas alterações em relação ao de 2019. A mudança mais substancial está no retorno da denominação Projeto Sala de Educador, definindo-o como “responsável pela articulação entre os estudos teóricos, metodológicos e a prática pedagógica e educativa em todo o percurso do ano letivo, devendo ser planejada a partir das evidências em uma avaliação processual” (Mato Grosso, 2020, p. 4).

A carga horária é de 100 horas, sendo 60h para os estudos teórico-metodológicos e 40h para a elaboração do plano de intervenção (Mato Grosso, 2020, p. 12). Em relação à intervenção, os Orientativos de 2019 e 2020 apresentam diferença, uma vez que o de 2020 não traz a intervenção vinculada à pontuação. As ações interventivas podem ocorrer de forma disciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar, com a colaboração dos demais funcionários ou gestores escolares, de acordo com as necessidades apontadas no diagnóstico da unidade escolar (Mato Grosso, 2020, p. 13).

Desde o ano de 2019, os Projetos de Formação devem ser inseridos no sistema SigEduca da Secretaria de Educação, no módulo da Gestão da Formação – GFO. Os Projetos devem ser elaborados de forma coletiva com a orientação dos formadores do Cefapro, sendo que, após a emissão de parecer favorável, é autorizado o início dos estudos.

Outro aspecto relevante a ser considerado, já citado anteriormente, diz respeito às mudanças que podem ocorrer para o próximo ano em virtude da nova proposta de Política de Formação, que deverá ser encaminhada para avaliação e apreciação por parte dos profissionais das escolas, Cefapros, Assessorias Pedagógicas e servidores da Secretaria de Educação. Nesta direção, outras mudanças foram sinalizadas na Portaria n.º 093/2020/GS/SEDUC/MT, que “dispõe sobre a composição da Comissão Gestora Paritária para coordenar o processo de seleção de Gestores de Formação dos Cefapros”. A Comissão coordenará um amplo processo seletivo, ao qual os formadores, que são denominados de Gestores de formação, deverão se submeter nos próximos meses. Assim, está-se diante de um contexto formativo que se instala em recorrentes mudanças, as quais, em vez de sinalizarem evolução, acabam criando descredibilidade.

Compondo sentidos: um olhar para as narrativas oficiais

No decurso de mais de uma década e meia de existência, o Projeto de Formação passou por mudanças tanto na sua estrutura, como nas diretrizes teóricas e pedagógicas, o que desencadeou mudanças também na sua denominação, sendo 07 mudanças ao longo de 18 anos. A denominação atual – que já havia sido usada anteriormente – talvez seja a que melhor o identifique com aqueles que deveriam protagonizar sua história: Projeto Sala de Educador. Além das mudanças de denominação e nas formas de organização, as concepções que delineiam os processos formativos também foram sofrendo alterações que, em alguns momentos, demonstraram avanços conceituais e metodológicos, mas em outros, retrocessos e contradições.

Os estudos de Silva (2018, p. 30) retratam os redirecionamentos da proposta de formação continuada destinada aos professores da rede estadual de Mato Grosso, marcada por constantes rupturas:

Do Projeto Sala de Educador também me recordava,

Pois ele tinha a experiência do Cefor naquilo que almejava

Levando para cada escola a formação continuada

E trabalhando a necessidade do professor de forma conceituada

Uma pena que o Sala não foi nenhuma “Política”

Tanto que foi substituída por uma “genial” logística

Uma nova Política de Formação, que deixa o professor sem muita ação

E, diferente do Grupo de Trabalho, mais parece manipulação.

As narrativas retratam os delineamentos da Política de Formação que, por um lado, perceptivelmente, assume a escola como lócus privilegiado dos processos formativos a fim de reforçar a ideia de autonomia e gestão da formação, imprimindo a perspectiva de processo continuum. Entretanto, por outro, revela – em suas orientações para a organização e a sistematização do Projeto – certos descompassos no que concerne à definição de desenvolvimento profissional devido às recorrentes mudanças propostas no decurso dos anos.

Outro aspecto a ser retomado é o reconhecimento da escola como espaço democrático e autônomo na condução dos processos formativos. Esse reconhecimento é reafirmado ao longo da dimensão temporal de produção dos Orientativos, uma vez que há a preocupação de proporcionar espaço e tempo para que o professor possa investir na sua formação de maneira contínua, individual e coletiva, através da organização dos grupos de estudos.

Em contrapartida, observa-se que o princípio da autonomia vai perdendo espaço para encaminhamentos formativos mais normativos e reguladores, com propósito definido fora do contexto da escola, sem a participação do professor. Imbernón (2010, p. 26) adverte que é importante:

ter presente que sem a participação dos professores qualquer processo de inovação pode se converter em uma ficção ou em um jogo de espelhos que pode inclusive chegar a refletir processos imaginários quando não simplesmente uma mera alteração técnica ou terminológica promovida a partir do topo.

Assim, se, por um lado, as narrativas se sustentam na ideia da autonomia do coletivo da escola para organizar os processos formativos considerando suas necessidades formativas, por outro, as orientações direcionam para a construção de um itinerário formativo centrado na melhoria da qualidade da educação, instituindo tempos destinados aos conteúdos e, ainda, privilegiando o domínio do conteúdo específico por parte dos professores em detrimento de outros conhecimentos necessários. Tais direcionamentos remetem aos estudos de Lee Shulman, citado por Mizukami (2004), que, ao defender que a docência exige a construção de um modo singular de ensinar – referindo-se à base de conhecimentos para o ensino –, afirma que o domínio do conhecimento do conteúdo específico é necessário, porém não é suficiente, pois, por si só, não garante que seja ensinado e aprendido com sucesso.

Conforme apresentado nos Orientativos, a formação deve ser compreendida como direito, dever e necessidade. Enquanto dever, empreende seu caráter obrigatório e isso se torna mais visível quando se atribui, à participação nas ações formativas, valores para classificação dos profissionais em relação à contagem de pontos. Tais encaminhamentos permitem refletir que, talvez, o melhor caminho para o desenvolvimento de ações formativas mais coerentes com a realidade seja aquele que se ancore em fundamentos teóricos que discutam questões da escola na escola, com os professores e não sobre os professores, que trate a prática pedagógica a partir das experiências vividas no contexto em que elas acontecem para que possam ser ressignificadas, ou seja, um caminho que valorize e discuta os saberes da experiência em sintonia com os conhecimentos curriculares.

Do ponto de vista teórico, no qual muitas mudanças ocorreram, observa-se que pouco se avançou, talvez porque as mudanças se centraram mais nas estruturas organizativas, com foco nos resultados, do que centradas nos processos formativos enquanto ações mobilizadoras das aprendizagens dos professores e dos estudantes. Tem-se, assim, caracterizada, conforme apontamentos de Nóvoa (1999), a falta de legitimidade política, que impulsiona ações a partir de movimentos prospectivos, cujo presente é evitado. Para o autor “o excesso dos discursos esconde a pobreza das práticas políticas. Neste fim de século, não se veem surgir propostas coerentes sobre a profissão docente” (Nóvoa, 1999, p. 2).

Nesta direção, a formação é pensada como um mecanismo de intervenção e não como um dos momentos do processo de desenvolvimento profissional em que se articulam as aprendizagens dos professores e dos estudantes. Embora os documentos apresentem uma narrativa política sustentada na qualidade da educação e na melhoria da aprendizagem dos estudantes, o único caminho apresentado como possível de se avaliar os avanços é por meio dos resultados das avaliações externas, o que se distancia da premissa da qualidade social da educação. Desse modo, as diretrizes expressas nos documentos vão imprimindo uma perspectiva de formação instaurada em um cenário de narrativas políticas com intensas e recorrentes disputas, que são percebidas nas reconfigurações da Política de Formação que – mesmo alinhada teoricamente com os princípios da autonomia e da gestão democrática dos processos formativos – regula e normatiza a participação dos profissionais, articulando a formação com a elevação dos índices de proficiência dos estudantes da rede pública.

Algumas considerações

O Estado de Mato Grosso intensifica as ações voltadas à formação de professores, dentre elas a formação continuada, com características mais pontuais que logo dão lugar a um modelo formativo centrado na escola e nas necessidades formativas dos professores. Essas ações, do ponto de vista teórico, apontam avanços quando sinalizam os termos “desenvolvimento profissional” e “fortalecimento da escola” como intrínsecos ao espaço formativo. Tais avanços podem ser observados também em relação à expansão geográfica dos Centros de Formação, possibilitando maior proximidade com as unidades escolares.

Outro ponto que sinaliza aspectos positivos em relação à proposta de formação vincula-se ao escopo conceitual, pois, embora no documento da Política não esteja explícita a adoção dos pressupostos teóricos de Garcia (1999) em relação ao modelo formativo e a todos os elementos que o constituem, é possível observar muitas similaridades com o que o autor propõe. Entre elas destacam-se: o conceito de desenvolvimento profissional como um processo que ocorre ao longo da vida, eliminando as sobreposições entre formação inicial e continuada; a concepção de escola como lócus da formação do professor; a relevância de processos avaliativos em relação à formação, contemplando dimensões formativa, processual e somativa; e, ainda, a prática pedagógica fundamentada em uma metodologia investigativa para que o professor possa refletir, diagnosticar e intervir a fim de promover a aprendizagem dos estudantes e o seu desenvolvimento profissional.

Em termos teóricos, o modelo formativo apresentado na Política é, notadamente, reconhecido como um Projeto de Formação articulado não só às propostas de formação em serviço, mas também à valorização das necessidades formativas individuais e coletivas que podem ser discutidas, repensadas e superadas no próprio ambiente em que surgem.

Assim, ao se olhar para as narrativas oficiais, essas sinalizam que é possibilitada, aos professores, a participação em grupos de estudo permanente em seu local de trabalho, o que, com certeza, contribui para a superação das descontinuidades decorrentes das trocas de governo (Mato Grosso, 2003). No entanto, o que se observou foi a ocorrência, ao longo dos anos, de constantes reconfigurações no modelo formativo, e isso atravessa o trabalho docente implicando na perda de um trabalho emancipatório.

Os delineamentos práticos apresentam muitas instabilidades e limitações, sendo essas oriundas de movimentos descontínuos na construção de narrativas político-pedagógicas voltadas à formação continuada de professores. Assim, contrariamente à concepção assumida, o que se observa é a busca incessante por resultados nos índices de avaliação da aprendizagem dos estudantes a partir de processos formativos demarcados pela normatividade.

As reflexões aqui apresentadas põem em relevo a necessidade de se repensar os itinerários formativos que são organizados e sustentados em discursos que não contemplam as reais e presentes necessidades dos professores. Conforme apontam Nóvoa (1999) e Imbernón (2016), muitas modalidades de formação são assumidas sob a assunção da melhoria da qualidade do ensino inspiradas em uma visão prospectiva que, além de distanciar-se do contexto atual, transforma os processos formativos em uma constante preparação para o futuro. É olhando para as experiências vividas que se pode ressignificar as ações do presente e criar prospectivas positivas em relação ao futuro.

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[1]Criadas entre 1997 e 2008, existem 15 unidades de Cefapro em cidades Polo de Mato Grosso, definidas estrategicamente para atender os profissionais da rede pública dos 141 municípios do estado.

[2]Denominados de “Parecer Orientativo”, os referidos documentos, em sua maioria, não apresentam numeração nas páginas, assim, quando necessário, em citações, serão referidos pelo número do parágrafo.

[3]A Portaria nº. 161/2016 teve sua validade revogada em 25/09/2017 pela Portaria nº 391/2017/GS/SEDUC/MT, publicada no Diário oficial do Estado nº 27117 de 03/10/2017. p.66.

Recebido: 06 de Abril de 2020; Aceito: 24 de Junho de 2020

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