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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 28-Jul-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.26417 

Artigos

Proposta curricular e avaliação da alfabetização no Espírito Santo

Propuesta curricular y evaluación de alfabetización en Espírito Santo

Curriculum proposal and literacy assessment in Espírito Santo

Dulcinéa Campos Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-2365-937X

Cláudia Maria Mendes Gontijo2 
http://orcid.org/0000-0002-2982-8464

1Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo e integrante da linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação

2Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito e integrante de Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional de Educação


Resumo

Este artigo objetiva analisar as bases teóricas da proposta curricular implementada no Espírito Santo, na década de 1970, para atender aos princípios da inovação do ensino preconizados na nova Lei nº 5.692/71. Focaliza aspectos do currículo voltados para a alfabetização e, principalmente, para o modelo de avaliação da aprendizagem adotado com a finalidade de verificar a efetividade do currículo no que diz respeito à elevação dos índices de aprovação e sua adequação aos níveis de desenvolvimento cognitivo das crianças. Caracteriza-se como uma pesquisa documental, pois analisa documentos/textos produzidos no período. Conclui, a partir das análises, que a avaliação serviu para conformar um modelo de organização do ensino aprendizagem e, apesar de ter auxiliado a verificação da efetividade do currículo, tanto o currículo como a avaliação não contribuíram para diminuir significativamente os índices de evasão e repetência nas escolas públicas capixabas.

Palavras-chave Alfabetização; Proposta Curricular; Avaliação; Ensino de 1o grau

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo analizar las bases teóricas de la propuesta curricular implementada en el Estado de Espírito Santo en la década de 1970 para el cumplimiento de los principios de la innovación en el sector de la educación establecidos en la Ley nº 5.692/71. Focaliza aspectos del currículo dirigidos para la alfabetización, y, sobre todo, el modelo de evaluación del aprendizaje adoptado con la finalidad de verificar la efectividad del currículo en cuanto al aumento de los índices de aprobación y de su adecuación a los niveles de desarrollo cognitivo de los niños. Se caracteriza como una investigación documental porque analiza documentos/textos producidos en el período. Concluye, a partir de los análisis, que la evaluación ha servido para conformar un modelo de organización de la enseñanza-aprendizaje y, a pesar de haber auxiliado la verificación de la efectividad del currículo, tanto este como la evaluación no han contribuido para disminuir significativamente los índices de evasión y retención en las escuelas públicas capixabas.

Palabras clave Primaria; Alfabetización; Propuesta curricular; Evaluación

Abstract

This article aims to analyze the theoretical basis of the curriculum proposal implemented in the state of Espírito Santo, in the 1970s, to meet the principles of teaching innovation promoted in the new Law No. 5. 692/71. It focuses on curriculum aspects related to literacy and, especially, the learning evaluation model adopted in order to verify the effectiveness of the curriculum regarding the increase of approval rates and its adequacy to the levels of cognitive development of children. It is characterized as a documentary research, as it analyzes documents / texts produced in the period. From the analysis, it is concluded that the evaluation has served to shape an organizational model of teaching and learning, and, despite helping to verify the effectiveness of the curriculum; both the curriculum and the evaluation did not contribute to significantly decrease dropout rates and repetition in public schools of Espírito Santo.

Keywords First Grade Teaching; Literacy; Curriculum Proposal; Evaluation

Introdução

Este artigo tem, como objetivo, analisar a proposta curricular implementada no Espírito Santo, na década de 1970, para atender aos princípios da inovação do ensino preconizados na nova Lei nº 5.692/1971, que reformou o ensino de 1. e 2. graus. Focalizamos, especificamente, aspectos do currículo voltados para a alfabetização e, principalmente, o modelo de avaliação da aprendizagem adotado com a finalidade de verificar a efetividade da proposta curricular no que diz respeito à sua capacidade de contribuir para a elevação dos índices de aprovação na 1. série e sua adequação aos níveis de desenvolvimento das crianças.

É necessário notar que, no início da década de 1970, foi elaborado, pelo Ministério da Educação e Cultura, um documento cuja finalidade era orientar a reformulação de currículos nos Estados, tendo sido denominado A escola de 1. grau e o currículo, editado pela primeira vez em 1972 e reeditado no ano de 1980. Esse documento ressaltou a importância da organização dos currículos, pois, por meio dessa ação, seria realizada uma profunda transformação do ensino. Esta, por sua vez, consistiria, sobretudo, no rompimento com a separação entre a educação de crianças e adolescentes proporcionada pela estrutura do ensino existente. Essa estrutura também criava percursos distintos para os estudantes de acordo com a sua origem social. Segundo escrito no documento,

[…] a economia e mudanças sociais impuseram o abandono dessas limitações e discriminações. Obrigaram a que se estenda até a adolescência, pelo menos em sua primeira fase, a educação comum. É essa imposição que gerou a criação, em nosso país, de um ensino fundamental de oito anos [pretendia] (Brasil, 1980, p. 7).

De conformidade com a política de desenvolvimento socioeconômico adotada pelo País, o Ministério da Educação, no seu Plano Setorial n. 72/74, definiu projetos prioritários, dentre os quais, em consonância com a Lei n. 5.692/1971, o de reformulação de currículos. Essa ação visava a solucionar os problemas ligados ao fracasso escolar, principalmente na 1ª série. Essa lei atribuiu a tal reformulação caráter de urgência, uma vez que fundiu os cursos primário e ginasial em um bloco único, conhecido como o ensino de 1º grau. Conjugou a esse grau de ensino, terminalidade e continuidade, conferindo ao 2º grau caráter profissionalizante. O novo currículo, denominado currículo pleno, incluía um núcleo comum a ser adotado em âmbito nacional e uma parte diversificada.

Com base nas orientações nacionais, a elaboração da proposta curricular, no Espírito Santo, foi iniciada em novembro de 1972, e introduzida no Plano de Aplicação dos Recursos do Salário Educação Quota Federal, no Projeto 4, denominado Reformulação de Currículos do Ensino de 1º Grau. Como escrito nesse plano, a “implantação do ensino de 1º Grau, em consonância com o espírito de renovação contido na legislação em vigor, torna imperiosa a reformulação de currículos” (Espírito Santo, 1972, p. 106). Como afirma Aplle (2008, p. 59), a educação tem uma ligação íntima com a política da cultura, uma vez que o “[…] currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação”. Refletindo com esse autor, o currículo, que se configurou, foi uma tradição seletiva, resultado da seleção efetuada pelo grupo que ocupava postos de decisão política, acerca do que consideravam como conhecimentos válidos para o povo. Dito de outra forma, é uma autorização sobre o que pode ser aprendido.

Tomamos como referência, para a construção das bases teóricas e metodológicas que orientaram o estudo que deu origem a este artigo, a concepção bakhtiniana de linguagem, particularmente a sua noção de texto. Isso porque o corpus analisado foi constituído por textos impressos produzidos pelos sujeitos que participaram da construção do currículo e da avaliação da aprendizagem na década de 1970. Segundo Bakhtin (1992, p. 329), o texto escrito ou oral é um dado primário de análise de todas as disciplinas e, de modo geral, “[…] de qualquer pensamento filosófico humanista”. Assim, para esse autor, o texto “[…] representa uma realidade imediata (do pensamento e da emoção), a única capaz de gerar essas disciplinas e esse pensamento. Onde não há texto, também não há objeto de estudo e de pensamento” (Bakhtin, 1992, p. 329).

A partir dessa concepção de texto, utilizamos a metodologia de pesquisa denominada documental. De acordo com Gil (2007), ela caracteriza-se pelo uso de fontes que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que, mesmo já tendo recebido esse tratamento, as análises ainda podem ser reelaboradas de acordo com outros objetivos da pesquisa. Sendo assim, o corpus é um conjunto aberto de articulações, pois se constitui com base nas indagações que lhe são feitas. As fontes analisadas foram a Proposta curricular 1. a 8. série: ensino de 1. Grau, o Projeto de Acompanhamento e Avaliação do Currículo (1975) e testes produzidos no período.

Muitos estudos, no formato de teses e dissertações, têm se dedicado a estudar a história da alfabetização em diferentes Estados brasileiros. Dentre eles, podemos citar pesquisas que têm abordado o currículo e a avaliação da alfabetização, tais como as de Menegão (2008), Pereira (2008), Ribeiro (2008), Rodrigues (2008), Silva (2008), Helmer (2009), Ruiz (2009), Ribeiro (2011), Maia (2010), Almeida (2012) e Coco (2014). Artigos veiculados em revistas nacionais também têm se voltado para avaliação da alfabetização a partir da normatização da Provinha Brasil. Entre esses, mencionamos: Cristofolini (2012), Cerutti-Rizzatti (2009) e Endicle (2013). A despeito da existência de uma considerável produção, são necessários estudos, do ponto de vista histórico, que discutam a interface currículo e avaliação da alfabetização, propósito deste texto, considerando as discussões atuais em torno da construção de uma Base Nacional Comum Curricular e da implementação da avaliação da alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental.

Excetuando esta introdução, dividimos este texto em três partes. Na primeira, discutimos as bases conceituais que sustentaram a Proposta curricular 1. a 8. série: ensino de 1. Grau adotada no Espírito Santo na década de 1970. Na segunda, analisamos o mecanismo de avaliação da aprendizagem colocado em prática na 1. série, como meio para verificar a efetividade da proposta curricular no que se refere à elevação dos índices de alfabetização e adequação aos níveis psicológicos das crianças. Na terceira, tecemos nossas considerações finais.

Bases conceituais da proposta curricular

A Proposta Curricular de 1ª a 8ª série do Estado do Espírito Santo chegou às escolas em 1974, conforme CI Circular n.º 2, de 15 de fevereiro de 1974, da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos (DDRH), da Secretaria de Educação e Cultura. Nessa CI, sob o lema “inovar o ensino”, foi comunicado aos diretores escolares o desenvolvimento do projeto de Treinamento e Aperfeiçoamento às Escolas de Pessoal, denominado Programação do Curso de Inovações Curriculares, com carga horária de 120 horas, 42 horas reservadas a Fundamentos de Currículo e 78 horas destinadas a Estudos do Currículo por Área. A formação foi justificada mediante a necessidade de atender aos objetivos da “[…] Reforma do Ensino no Estado e no País, […] as exigências da nova filosofia da proposta curricular, prestando-se a atualização do professor no conhecimento do Currículo que será implantado no estado do Espírito Santo” (Espírito Santo, 1974, p.1).

A Nova Proposta Curricular de 1ª a 8ª séries do 1º grau foi elaborada pela equipe de Currículo da Divisão de Currículo e Supervisão da Secretaria de Educação e Cultura a partir das orientações nacionais. A implementação da nova proposta pretendeu mudar não somente a dinâmica do trabalho educativo mas, sobretudo, a mentalidade do professor. Considerava, então, que a formação docente era imprescindível para o sucesso na aplicação da nova proposta nas escolas.

Foi desenvolvido, ainda, o Projeto de Acompanhamento e Avaliação da Proposta Curricular com a finalidade de verificar a efetividade da proposta quanto à elevação dos índices de aprovação. Para participar desse projeto, foram selecionadas as escolas que também estavam envolvidas no projeto Novas Metodologias Aplicáveis ao Processo de Ensino Aprendizagem, ou seja, aquelas que apresentavam índices elevados de evasão e repetência nas 1ª, 2ª e 5ª séries.

A Proposta Curricular, objeto dessa avaliação, em consonância com as “[[…]] prescrições constantes nos arts. 4º a 16 da Lei n.º 5.692/71, evidenciou a preocupação de instrumentalizar o ensino com os meios e métodos adequados de modo a atingir os objetivos fixados no Art. 1º da Lei n.º 4.024/61 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional)” (Espírito Santo, 1972, p. 140).

À luz dessa proposta, o currículo passou a ser identificado como um dos elementos básicos da Reforma do Ensino e, por isso, uma nova filosofia de educação foi impressa nele, de modo a proporcionar a melhoria da qualidade do ensino. Em sua parte introdutória, a partir da análise dos elevados índices de evasão e repetência existentes no Estado, concluiu que as escolas não tinham atendido às necessidades e interesses dos alunos e uma das causas era a metodologia, por que esta não levava em conta as fases do desenvolvimento da criança. Com isso, exigia-se dela mais do que poderia produzir (Espírito Santo, 1974) em cada etapa de desenvolvimento. Afirma, ainda, que tal proposta, visava a atender ao interesse e maturidade da criança, por basear-se nos estudos modernos da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, principalmente na Teoria Genética de Jean Piaget.

Zotti (2004, p. 179) aponta que, na elaboração do currículo, levava-se em conta o desenvolvimento das “[…] matérias ‘da maior para a menor amplitude, [da formação geral para a formação específica e o seu escalonamento progressivo em] atividades, áreas de estudo e disciplinas que refletem os princípios da psicologia evolutiva de Piaget”. Na Proposta Curricular do Espírito Santo, na parte que trata da sua apresentação, aparece o quadro abaixo, extraído do livro, Piaget na sala de aula, de Hans G. Furth:

Fonte: Espírito Santo, Proposta Curricular – 1a A 8a série – ensino de 1o grau (1974 p. 8)

Quadro 1 Estágio de desenvolvimento segundo Piaget 

O livro de Furth (1972) foi escrito em forma de cartas dirigidas ao professor, com orientações para a prática da sala de aula de acordo com as etapas do desenvolvimento cognitivo das crianças e foi esse mesmo livro que serviu de base para a condução dos processos de elaboração do novo currículo e também para as formações dos professores no Espírito Santo. O seu autor defende que a construção do conhecimento, por parte do sujeito humano, se dirige no sentido de alguma medida de objetividade.

Ao contrário da música e de outras atividades criativas, a construção subjetiva da inteligência lógica conduz a um sistema de regras estável e consistente. Essas regras impõem-se por si mesmas sobre o sujeito cognitivo, não como normas ditadas do exterior, mas como parte do aspecto objetivo do sujeito humano. Expressam aquêle aspecto objetivo numa forma explícita sobre a qual a pessoa adulta pode refletir (Furth, 1972, p. 44).

A teoria de Piaget, conforme interpretada por Furth (1972), oferecia condições para se pensar em um currículo cujo ensino fosse programado de acordo com os estágios de desenvolvimento. Esse autor justifica a aplicação dessa teoria no ensino primário, afirmando que é, nessa fase de ensino, que deve ser proporcionada à criança uma experiência espontânea de sucesso, exigida pela sociedade, antes que atinjam a idade da reflexão, ou seja, a fase da operação formal. Ele propõe que o objetivo principal da escola primária é fortalecer o pensamento da criança, pois constitui a base sobre a qual se assenta a aprendizagem de qualquer disciplina. Para isso, sugere que, se a meta da “[…] educação for realçar e alimentar a capacidade mental da criança, a escola não pode considerar a competência no ler e escrever como critério imediato de sucesso” (Furth, 1972, p. 23). Preocupando-se com o desenvolvimento da capacidade de pensar da criança, nos primeiros anos de escolaridade, pode-se esperar que a “[…] criança compreenderá espontaneamente o valor da leitura e aprenderá a ler com a facilidade e autodidatismo de muitas crianças que ainda não têm idade escolar, mas em cujos lares a leitura é atividade rotineira” (Furth, 1972, p. 23). Para esse autor, o desenvolvimento do pensamento é o alicerce sobre o qual se efetivam quaisquer aprendizagens.

Nesse momento, a aplicação da teoria de Piaget na sala de aula tornou-se, então, orgânica nas políticas de educação por meio do novo currículo adotado no Espírito Santo. Tal organicidade atendeu a uma exigência da Lei n.º 5.692/71, no seu art. 17, que estabeleceu a destinação do ensino de 1. grau (crianças e adolescentes), assim como a necessidade de variar os conteúdos e métodos de acordo as fases de desenvolvimento dos aprendizes, considerando que o ensino de 1. grau passava a abranger diferentes etapas do desenvolvimento humano.

Na Proposta Curricular do Espírito Santo, adequar o currículo às etapas do desenvolvimento cognitivo da criança seria uma alternativa para melhorar os índices de aprendizagem dos alunos, porque o ensino acompanharia, harmoniosamente, a maturação biológica dos estudantes. Com base no processo de desenvolvimento cognitivo proposto por Furth (1972), a Proposta Curricular de 1ª a 4ª série definiu os objetivos a serem alcançados para cada série, de modo a propiciar aos estudantes oportunidades de fazer, de agir e de alcançar seu próprio crescimento.

O texto introdutório da Proposta Curricular também assinalou, como uma das suas mais importantes características, a flexibilidade, evitando indicações metodológicas para não tolher a liberdade e a criatividade do professor. Assim, a seleção dos métodos de alfabetização deveria observar as possibilidades e capacidades das crianças. Com a finalidade de graduar a aprendizagem ao desenvolvimento, na proposta curricular, os conteúdos foram pensados na perspectiva do geral para o específico, e sua divisão é escalonada em atividades, áreas de estudos e disciplinas.

Na parte específica da alfabetização, a proposta detalhou os objetivos e atividades de comunicação e expressão, que foram divididos em: Comunicação Oral e Audição, Leitura e Expressão Escrita. Para essa área, ao final da 1ª série, o aluno deveria ser capaz de:

Participar, com espontaneidade, de atividades de comunicação oral e ter habilidade de audição:

§ Esperando sua vez para falar

§ Dando atenção a quem fala

§ Organizando seu pensamento colaborando com sugestões

Expressar oralmente suas ideias em frases simples, pronunciando corretamente as palavras.

Ler com compreensão e desembaraço períodos simples, observando quando for o caso:

§ Originalidade

§ Organização lógica das ideias

Usar com relativa correção:

§ Grafia

§ Sinais de pontuação (!?)

§ Letras maiúsculas

§ Parágrafos

§ Concordância de gênero e número

Ter um vocabulário mais amplo nas atividades de linguagem oral e de escrita.

Dar aos seus trabalhos boa apresentação:

§ Legibilidade

§ Limpeza

§ Margem

O Parecer n.º 853/71, que fixou o Núcleo Comum no currículo, “[…] definiu melhor o tratamento metodológico que deve receber esse conteúdo, ao assimilar o sentido que a presente reforma atribuía aos termos atividades, áreas de estudos e disciplinas” (Romanelli, 2003, p. 242, grifos da autora). O núcleo comum para as séries iniciais, 1ª a 4ª série, conforme preconizado pelo art. 1. da Lei n.. 5.692/1971, compreendia as matérias Comunicação, Estudos Sociais e Ciências. Entretanto, essas eram denominações genéricas que careciam de especificações. Esse Parecer definiu os conteúdos específicos ligados a essas grandes áreas ou classificações. No caso da Comunicação e expressão, estabeleceu o conteúdo língua portuguesa.

Assim, o currículo estadual fixou os objetivos a serem alcançados em língua portuguesa, cabendo aos professores buscar métodos de ensino compatíveis com esses objetivos e com os níveis de desenvolvimento das crianças. Desse modo, poderia ser o método de palavração, misto, sentenciação, contos ou fônico. Como mostrado, o foco do currículo na 1. série era comunicação oral e audição, leitura e expressão escrita. O processo de alfabetização, conforme salientado na proposta, seria reforçado pela maior variedade possível de experiências proporcionadas às crianças, como conversas, leituras, observações, relatórios, dramatizações, excursões, entrevistas, histórias, composições criadoras, jogos, brinquedos, danças, música, demonstrações, organização e funcionamento de cantinhos.

Avaliação da proposta curricular

As escolas da rede estadual selecionadas para a implantação do novo currículo participaram de treinamentos para a sua aplicação e, ainda, passaram a ser “[…] supervisionadas pelas equipes técnicas da Divisão de Currículo e Supervisão” (Espírito Santo, 1974, p. 2). Para garantir a eficiência do currículo, foi elaborado o Projeto de Acompanhamento e Avaliação do Currículo (1975), a fim de construir um diagnóstico que permitisse corrigir os possíveis desvios e adotar medidas corretivas. Para avaliação do currículo, foram utilizados questionários direcionados à escola, a professores e a orientadores (supervisores) e testes de leitura e expressão escrita para as crianças.

Para a consecução do diagnóstico, partiu-se dos objetivos e das atividades previstas em cada área e de aspectos fundamentais da aprendizagem que influenciavam a aprovação e retenção dos alunos. Os municípios de Afonso Cláudio, Cariacica, Castelo, Iuna, Serra e Vila Velha, que compreendiam cerca de 11% dos 53 municípios existentes no Estado, foram selecionados para realizar a avaliação da aprendizagem das crianças.

Na avaliação da 1ª série, na área de Comunicação e Expressão, as crianças deveriam mostrar compreensão e interpretação de um texto escrito, ou seja, de uma pequena história. Nesse caso, é importante salientar que a leitura era entendida como identificação de significados expressos no texto e a verificação dessa capacidade se faria pelo reconhecimento de pormenores do texto. Juntamente com os testes de leitura, foram enviadas instruções por escrito aos professores, alertando que não era o docente que estava sendo avaliado, mas sim a Proposta Curricular e, por isso, ele deveria ser justo para que fosse possível constatar se ela estava sendo adequada ao nível dos alunos. Como vimos, os níveis foram pensados, na proposta, de acordo com as etapas de desenvolvimento cognitivo interpretadas por Furth (1972) a partir das teorizações de Jean Piaget.

O professor deveria aplicar um teste a cada dia ao final do ano escolar. Cada texto possuía três ou mais perguntas que deveriam ser respondidas pelas crianças, seguindo as seguintes orientações:

a) – Os alunos deverão fazer a leitura silenciosa no período de 15 a 20 minutos e não poderão responder às perguntas enquanto não terminarem a leitura.

b) – O professor não deverá exigir que todos os alunos respondam o texto nº 03 se os alunos não tem desenvolvimento suficiente para ler uma história com um índice maior de dificuldade.

c) – Após a leitura do texto, os alunos deverão responder às perguntas, podendo ao mesmo tempo consultar o texto.

d) – O professor não deverá ajudar os alunos na leitura, assim como não permitir o contato de um aluno com o outro a fim de que se obtenha melhor resultado.

e) – Toda recomendação deverá ser dada antecipadamente contribuindo para melhores condições emocionais dos alunos na realização desta tarefa (Espírito Santo, 1975, pp. 84-85).

A leitura silenciosa visava a preparar as crianças para responder às perguntas sobre o texto. Desse modo, a leitura oral não era utilizada, diferentemente de outros modelos de avaliação adotados no Estado, que se baseavam na leitura oral de palavras, frases ou pequenos textos. No tipo de avaliação colocada em prática, como mencionado, o reconhecimento de informações era o foco, pois visava a verificar se as crianças sabiam identificar pormenores do texto. Assim, elas deveriam, ainda, responder às perguntas por escrito sobre os textos. O teste 1, que reproduzimos em seguida, é composto por um texto sem título, com quatro orações as quais apresentam prevalência de palavras formadas com o fonema /p/, e por quatro perguntas que possibilitavam a verificação da habilidade de identificar pormenores do texto. Conforme explicitado no Projeto de Acompanhamento e Avaliação do Currículo (1975), esse texto era o mais fácil por não apresentar nenhuma dificuldade, ou seja, as palavras eram compostas por sílabas formadas por consoante-vogal e consoante-vogal-vogal. Apenas uma (faz) era composta por consoante-vogal-consoante.

Fonte: Acervo da Secretaria de Estado da Educação.

Quadro 2 Teste 10 

Dos 1.421 alunos selecionados para a amostra, ou seja, para participar da avaliação, 104 fizeram o teste, obtendo a média de acertos de 80%. Esse bom resultado foi atribuído ao fato de esse teste apresentar dificuldades gradativas nas questões que visavam à identificação de pormenores. Entendia-se por gradação, uma progressão por graus sucessivos de frases curtas, formadas por sílabas até então estudadas, seguindo o modelo das cartilhas utilizadas na época. A ideia era proporcionar um ensino graduado a partir de sílabas simples até as complexas, de modo a facilitar a aprendizagem e, consequentemente, proporcionar o sucesso nos resultados dos testes.

Como mencionamos, as perguntas relativas ao texto verificavam a capacidade das crianças de identificar pormenores explícitos no texto, ou seja, o que Paulo deu a sua mãe, qual era o material do cabo da panela, o que a mãe fez na panela, o que a pipoca fez na panela. Na chave de correção do teste 1, constavam as seguintes possibilidades de respostas às perguntas sobre o texto:

TEXTO 01

a) – Panela ou uma panela ou deu uma panela a mamãe.

b) – Pau ou de pau ou o cabo é de pau ou o cabo da panela é de pau.

c) – Pipoca ou faz pipoca ou faz pipoca na panela.

d) – Pula […] pula ou pula ou a pipoca pula (Espírito Santo, 1975, p. 86).

Dessa maneira, o professor deveria realizar a correção, ao final da aplicação de cada teste, seguindo as orientações estabelecidas, tais como: se a criança responder de maneira correta, de acordo com as respostas previstas na chave de correção, o professor deverá dar (C) e, se errada, (E). Após essa correção, o professor deveria preencher a lista de alunos com os devidos resultados e colocá-los em um envelope que, lacrado, seria enviado ao Núcleo Sub-Regional de Supervisão (Espírito Santo, 1975).

Assim como o Teste 1, no Teste 2, havia uma gradação das dificuldades e o foco das perguntas relativas ao texto era também na identificação de pormenores. Responderam ao Teste 2 um total de 1.093 crianças, com 78% de acertos, o que foi considerado, na época, como um bom índice. Esse teste era composto de três orações, todas afirmativas, e apresentou algumas “dificuldades”, isto é, sílabas complexas, tais como: “nh, pre, mui, gou, co, as, car, in, RO, ho, jê” (Espírito Santo, 1975, p. 86), conforme apresentamos, a seguir:

Fonte: Acervo da Secretaria de Estado da Educação.

Quadro 3 Teste 2 

A chave de correção do Teste 2 de leitura também explicitava respostas corretas possíveis de serem enunciadas pelas crianças. Qualquer uma das respostas definidas deveria ser considerada certa. A chave de correção tinha como finalidade garantir uniformidade aos resultados dos testes que seriam utilizados para avaliar a proposta curricular.

TEXTO 02

– pretinho ou o nome do gatinho é Pretinho ou se chama Pretinho

– levado ou é levado ou é muito levado

– na mesa ou mesa ou estava na mesa

– muro ou no muro ou subiu no muro (Espírito Santo, 1975, p. 86).

No Texto 3, a percentagem de acertos diminuiu para 66%. Esse teste apresentava palavras constituídas de maior grau de complexidade e de exigência de leitura, pois as crianças deveriam demonstrar habilidade de tirar conclusões. O texto era composto de cinco orações, também sem título, com algumas sentenças afirmativas e uma exclamativa, o que configurava uma intenção de diálogo no interior do próprio do texto. Esse texto apresentou sílabas complexas, tais como: “fran, cis, gaio, cha, nho, mui, cum, pri, men, zen” (Espírito Santo, 1975, p. 17):

Fonte: Acervo da Secretaria de Estado da Educação.

Quadro 4 Teste 10 

Assim, as dificuldades mencionadas dizem respeito à presença no texto de palavras constituídas por sílabas compostas com consoante-vogal-consoante. Além disso, no texto, aparecem sinais de pontuação, como interrogação e exclamação, diferentemente dos outros dois. Avaliar os alunos dessa maneira mostrava a intenção de conformar uma organização curricular com base na sequenciação de conteúdos dos mais simples para os mais complexos. Assim como para os demais testes, a chave de correção do Teste 3 de leitura compreendia as possíveis respostas:

a) – Francisco ou o nome do menino é Francisco

b) – Verdinho ou se chama Verdinho ou o nome do papagaio é Verdinho

c) – Bom dia ou o papagaio fala: Bom dia

d) – Cumprimenta ou porque o papagaio fala bom dia ou, porque o papagaio cumprimenta.

A última pergunta, certamente, visou a verificar a capacidade de emitir opinião, não havendo, no texto, resposta explícita para ela. Participaram desse teste 1.083 crianças com 76% de acertos. Os alunos que não fizessem de 1 a 10 pontos foram considerados analfabetos. No Teste 1, foram avaliados como analfabetos, 182; no Teste 2, 198; no Teste 3, 242. Respectivamente, nos momentos de aplicação dos testes, havia em torno de 7,80%, 5,52% e 4,47% de analfabetos. A diminuição do número de participantes nos testes, de 1.421, no primeiro teste, para 1.083, no terceiro, pode indicar ainda um elevado índice de evasão nas escolas selecionadas (13,2%). Assim, eram preocupantes os índices de analfabetismo e de evasão na 1. série, mesmo em escolas monitoradas diretamente pela Secretaria de Educação e Cultura.

Apesar de os objetivos contidos na Proposta Curricular não permitirem visualizar um tipo de gradação do processo de ensino aprendizagem, os testes aplicados, ao final do ano de escolar, indicavam que deveriam ser ensinadas, primeiro, sílabas cujos padrões podem ser denominados de regulares ou simples, ou seja, compostas de consoante-vogal. Após a aprendizagem desses padrões, seriam introduzidos os irregulares, complexos ou difíceis, compostos por consoante-consoante-vogal e outros. Vale lembrar que a avaliação pretendia verificar a efetividade do currículo, isto é, o alcance dos seus objetivos e se estava adequado aos níveis de desenvolvimento infantil, pois este último aspecto foi visto como um dos elementos que mais levava a criança a fracassar na escola. Nesse sentido, a avaliação assumiu esse papel regulador, ou seja, de adequar o ensino ao desenvolvimento, mas também de conformar um modelo de ensino baseado no trabalho com as sílabas.

Para a avaliação da escrita, foi aplicado, ainda, um “Teste de Comunicação e Expressão – Expressão Escrita – 1ª série” (Espírito Santo, 1975, p. 90), que constava de uma história composta de nove orações. Nas instruções de aplicação do referido teste, era orientado para que o professor lesse a história quantas vezes fosse necessário para que o aluno a reproduzisse com início, meio e fim. Nessa escrita, as crianças deveriam ser avaliadas, considerando a ortografia, o uso de letras maiúsculas, de sinais de pontuação, de parágrafos e também, na reprodução do texto, não poderiam faltar a identificação dos personagens e o local em que ocorria a história.

Havia, também, uma orientação quanto ao intervalo entre um teste e outro. Assim, após o professor ter aplicado os três testes de leitura, somente no quarto dia deveria aplicar o teste de escrita, observando as seguintes orientações:

a) Distribua uma folha para cada aluno, peça para eles preencherem o cabeçalho.

b) Após ter feito isto o professor deverá pedir aos alunos que prestem bastante atenção no que ele vai ler, sem escrever nada.

c) O professor deverá ler o texto em voz alta pausadamente dando ênfase à história […] (Espírito Santo, 1975, p. 90, grifos no original).

Seguir o ritual proposto vinculava-se à natureza do teste como unidade de medida, e seguir todos os passos na sua aplicação garantiria maior fidedignidade do instrumento e dos resultados. Dentre as orientações, uma delas era que o professor não deveria oferecer nenhum auxílio à criança:

d) Todas as explicações deverão ser dadas antes de ler a História para que depois não prejudique o raciocínio do aluno.

e) O aluno poderá dispor do tempo que o professor achar conveniente para realizar a tarefa, o professor deverá recolhê-la, observando se todos os alunos completaram o cabeçalho e depois colocar no envelope, lacrando-o em seguida.

f) A seguir o professor deverá corrigir com todo cuidado possível, demonstrando através do resultado a realidade da avaliação (Espírito Santo, 1975, p. 90).

Dessa forma, nos testes de leitura, as crianças deveriam ler silenciosamente o texto para demonstrar capacidade de reconhecimento de pormenores no texto, ou seja, de identificação de informações explícitas. Para tal, era necessário que soubessem decodificar. No que diz respeito à escrita, o professor deveria ler o texto, a criança ouviria e, em seguida, o reproduziria por escrito, observando aspectos gramaticais. O texto que deveria ser lido para as crianças era o seguinte:

No terraço de uma casa Lúcio viu uma gaiola com um lindo passarinho.

O coitadinho estava assustado.

Lúcio disse:

— Não posso deixar este coitadinho sofrendo assim.

Chamou o dono do passarinho e falou:

— Por favor eu posso soltar aquele passarinho?

O dono concordou.

Lúcio abriu a gaiola e soltou o passarinho.

O passarinho cantando parecia dizer:

Muito obrigado (Espírito Santo, 1975, p. 91).

Para a análise desse teste, foi elaborada uma chave de correção, com orientações minuciosas, que deveriam ser seguidas, criteriosamente, pelo professor:

Fonte: Acervo da Secretaria de Estado da Educação.

Quadro 5 Teste 10-1 

Conforme mencionado, a avaliação consistia em analisar se os alunos conseguiam reproduzir a sequência da história, o lugar em que ela ocorreu e os nomes dos personagens. Assim, exigia-se, em primeiro lugar, o que foi denominado na época de capacidade de adequar o pensamento à palavra, e, em segundo lugar, se dominava, aspectos relacionados ao uso de letras maiúsculas, sinais de pontuação e ortografia. Tal teste era bastante coerente com a ideia de linguagem como comunicação, ou seja, como código que pode ser reproduzido. Nessa perspectiva, escrever é codificar uma mensagem (texto), utilizando letras e sinais aprendidos.

Após a averiguação dos resultados dos testes, eram encaminhadas às escolas as recomendações e orientações. Dos 1.421 alunos previstos, apenas 878 fizeram o teste de Expressão Escrita. Quanto à adequação do pensamento à palavra, observou-se, na sequência da composição, que 80% dos alunos deram início à história, 71% apresentaram meio, 63% fim e 71% citaram o local e fim da história. Quanto aos personagens principais, 79% mencionaram os nomes, Lúcio ou menino; 60% passarinho e 64% o dono do passarinhodentro dos principais aspectos.

Dos aspectos considerados secundários, observou-se que 67% usaram letras maiúsculas no nome do menino e 60% no início das frases. Quanto aos sinais de pontuação, 57% usaram pontos simples com relativa correção e 21% usaram da mesma forma ponto de interrogação. Com referência à ortografia, 50% dos alunos apresentaram de um a cinco erros, 30% de seis a dez erros e 20% de onze a quinze erros. Finalmente, quanto ao uso de parágrafo, 23% usaram sempre com relativa correção, 22% às vezes e 55% não fizeram uso do parágrafo.

A partir dos resultados dos testes de leitura e de expressão escrita, concluiu-se que não havia dificuldades em relação à aplicação da Proposta Curricular de 1ª a 4ª série. O Relatório gerado a partir do Projeto de Acompanhamento e Avaliação do Currículo (1975) recomendou que as dificuldades de leitura que não foram superadas na 1ª série deveriam ser retomadas na segunda série. Em Expressão Escrita, sugeriu, aos professores, desenvolvimento de atividades de expressão oral e audição e também maior atenção à ortografia. Para atender a tais recomendações, foi elaborado e encaminhado às escolas um programa de ensino, objetivando uma melhor aplicação da Proposta Curricular no que diz respeito à leitura, análise fonética e expressão escrita.

Na leitura, o objetivo central era ler com compreensão e desembaraço. Para isso, foram sugeridas, como atividades, leitura silenciosa, leituras informais, comentários de pequenos textos lidos e leitura de textos diferentes, além do livro básico. Como ajuda ao desenvolvimento da leitura, o texto do Relatório alertava para a necessidade de dar ênfase a atividades de audição e comunicação oral, como conversas informais, interpretação de gravuras e histórias, relatos orais, recitações, transmissão de recados, dramatizações, canções infantis e folclóricas. Essas atividades eram uma forma de preparar o aluno para a Comunicação Escrita.

Na análise fonética, a ênfase recaía sobre a descoberta pelos alunos dos elementos comuns nas sílabas, caracterizados por consciência fonológica. O estudo da fonética, segundo exposto nas orientações encaminhadas às escolas, favoreceria o desenvolvimento de habilidades que são indispensáveis à leitura, pois auxiliaria na análise de palavras, na pronúncia correta e possibilitaria conhecer palavras novas.

Em comunicação e expressão, foi destacado, como objetivo principal, a interpretação por meio da expressão escrita de uma pequena história contada pelo professor. Esse objetivo demandava as seguintes atividades: reprodução escrita de pequenas histórias lidas ou contadas pela professora, objetivando a sequência lógica (início, meio e fim) e construção de frases simples. Podemos apreender, também, que, para escrever um texto, seria necessário que as crianças aprendessem a ouvir o que estava sendo lido. Isso nos leva a pensar que, para escrever um texto ouvido, é suficiente aprender a ouvir. Certamente, ouvir é importante, mas não é suficiente para aprender a escrever.

Considerações finais

Conforme Circular nº 05/76, do Chefe do Departamento Técnico Profissional da Secretaria de Educação, os dados coletados nesses testes, além de verificar se a proposta era adequada aos níveis de desenvolvimento infantil, davam embasamento para os cursos oferecidos aos professores quanto ao uso e aplicação dos princípios da Proposta. Estavam desobrigados de participar dos cursos, os professores de classes de alunos defasados, ou seja, os de distorção idade-série. Obviamente, a proposta não era adequada a esse tipo de aluno, uma vez que respeitava os níveis de desenvolvimento cognitivos em que, supostamente, desenvolvimento cognitivo e idade se correlacionavam. No caso desses alunos, as suas aprendizagens estavam em desacordo com esse desenvolvimento e, por isso, precisavam de um tratamento especial, uma vez que havia algum problema em seus processos de desenvolvimento cognitivo.

No Espírito Santo, na década de 1960, a alfabetização estava fortemente marcada por influências da pedagogia escolanovista. Por isso mesmo, os livros de alfabetização adotados eram baseados no Método Global, cujas bases teóricas se assentavam na teoria psicológica da Gestalt. Com a instituição da nova estrutura do ensino e com a elaboração de uma nova proposta curricular, a perspectiva cognitivista, que antes se apoiava na Gestalt, recebeu reforço das teorizações de Jean Piaget, interpretadas por Furth (1972), porém sob novas bases organizativas e estruturais, a da racionalidade técnica. Nesse sentido, os testes adotados demonstram uma graduação do ensino e da aprendizagem em que, primeiramente, são ensinadas e aprendidas sílabas, compostas por consoante-vogais, seguidas das sílabas complexas ou difíceis. A escolha dos textos que compõem os testes de leitura leva em conta apenas a necessidade de exploração de sílabas estudadas, em detrimento dos conteúdos e significados dos textos.

A avaliação da aprendizagem se tornou elemento central na implementação da proposta curricular, levando ao detalhamento dos objetivos e definindo uma organização do ensino também, supostamente, adequada aos níveis de desenvolvimento das crianças. Entretanto, no final da década de 1980, apesar da nova proposta curricular e da adoção de um sistema de avaliação, conforme mostra a Tabela 1, os índices de repetência e evasão continuaram significativos, evidenciando que as mudanças nos currículos, nas bases conceituais que os sustentam não são suficientes para proporcionar a aprendizagem.

Tabela 1 Percentuais de alunos aprovados, reprovados, evadidos no ensino fundamental (1985 e 1994) 

Série 1985 1994
Aprovados Reprovados Evadidos Aprovados Reprovados Evadidos
1a 66,30 33,79 15,69 93,71 6,29 10,53
2a 80,95 19,05 9,03 70,41 29,59 9,77
3a 83,03 16,97 8,92 85,61 14,39 6,91
4a 88,01 11,99 8,31 90,50 9,50 6,51
5a 73,92 26,08 16,98 77,37 22,83 17,79
6a 78,25 21,75 13,81 79,71 20,29 15,50
7a 77,86 22,14 14,02 83,59 16,41 14,31
8a 85,97 14,03 11,69 83,59 16,41 12,19
Total 77,56 22,44 12,26 82,80 17,20 11,52

Fonte: Espírito Santo. Secretaria de Educação. Plano Estadual de Educação – 1996-1999.

Assim, em meados da década de 1980, o percentual de reprovação na 1. série era de 33,79% e de evasão 15,69%. A tabela mostra que os pontos de estrangulamento, ou seja, com maiores percentuais de reprovação e evasão, estavam concentrados na 1. e na 5. séries. Entretanto, os percentuais continuavam significativos em todas as séries. Em 1994, os percentuais de reprovação caíram na 1. série (6,29%), mas aumentaram na 2. (29,59%). Desse modo, houve um decréscimo de apenas 4,2% no percentual de reprovação com relação à 1. série, no ano de 1985, em função, nesse momento, da adoção do sistema de ciclos. O percentual de evasão também diminuiu no ano de 1994, mas continuou significativo na 1. e 2. séries.

A partir desses dados, é possível inferir que mudanças no currículo e na avaliação isoladas de uma política de investimento na formação dos docentes, de melhoria das condições de trabalho nas escolas, de distribuição de renda causam bastante murmúrio, mas não produzem transformações significativas na qualidade da educação disponibilizada às crianças das escolas públicas.

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Recebido: 02 de Agosto de 2019; Aceito: 04 de Junho de 2020

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