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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília jan./dez 2020  Epub 29-Jul-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.30582 

Artigos

A Educação de Jovens e Adultos e a BNCC do Ensino fundamental

Educación para Jóvenes y Adultos y la BNCC para la Educación Primária

The Youth and Adult Education and the BNCC for Elementary School

Éducation des Jeunes et Adultes et la BNCC pour L'École Primaire

Gilvan Charles Cerqueira de Araújo1 
http://orcid.org/0000-0003-4238-0139

Leda Regina Bitencourt da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-0529-666X

Lilian Cristina da Ponte e Sousa Sena3 
http://orcid.org/0000-0001-9033-1724

1Professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009), Mestre em Geografia pela Universidade de Brasília (2013), Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2016). Pós-doutorando em Geografia pela Universidade de São Paulo. Membro dos grupos de Pesquisa Agricultura e Urbanização na América Latina e Geografia Literatura e Arte, da Universidade de São Paulo -USP.

2Professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, trabalha na Diretoria de Educação de Jovens e Adultos/ Gerência de Integração Curricular com a Educação Profissional. Mestre em educação pela Universidade de Brasília, na área de concentração: Profissão Docente, Currículo e Avaliação. Pertence ao Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico.

3Professora de Educação Básica e Diretora da Educação de Jovens e Adultos, Subsecretaria de Educação Básica, da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Membro do Fórum Distrital de Educação. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de Brasília, com experiência na área de pesquisa (biotecnologia), na educação básica e gestão programas, projetos e políticas públicas para a Educação.


Resumo

Este artigo objetiva apresentar uma ponte conceitual, prática e metodológica entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental e os 1º e 2º Segmentos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Por meio de uma revisão bibliográfica e da revisitação do currículo da EJA, realizado no âmbito da Diretoria de Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, construiu-se um referencial articulado às etapas da Educação Básica, suas aprendizagens essenciais nos componentes curriculares da BNCC e às especificidades da escolarização dos sujeitos que compõem a EJA. Apresentam-se possibilidades para uma construção curricular dialógica, propositiva e ressignificada das prescrições da BNCC – Ensino Fundamental para a EJA.

Palavras-chave BNCC – Ensino Fundamental; 1º e 2º Segmentos da EJA; Currículo

Resumen

Este artículo tiene por objeto presentar un puente conceptual, práctico y metodológico entre la Base del Currículo Nacional Común Brasileño (conocida como BNCC en Brasil) para la educación primária y la Educación de Jóvenes y Adultos en sus 1º y 2º segmentos. A través de una revisión bibliográfica y del trabajo de revisión curricular realizado por la Dirección de la Educación de Jóvenes y Adultos de la Secretaria de Estado de Educacíon del Distrito Federal brasileño, fue posible la construcíon de un punto de encuentro entre la Educación Básica, y su aprendizaje esencial en los componentes curriculares de la BNCC y las peculiaridades de la escolarización de las materias que componen la Educación para Jóvenes y Adultos. Se presentan las posibilidades de una construcción curricular que sea, al mismo tiempo, dialógica, con una proposición constructiva y cambiada en el contexto de la modalidade de educación que és la EJA y las prescripciones curriculares de la BNCC para la Educación de Jóvenes y Adultos.

Palabras clave Base del Currículo Básico Nacional Común Brasileño para la educación primária; Educación para Jóvenes y Adultos - 1º y 2º segmentos; Currículo

Abstract

This paper has as main objective to present a conceptual, practical and methodological bridge between the Brazilian’s Elementary School Common National Base Curriculum, (known as BNCC in Brazil) and the Youth and Adult Education in your 1st and 2nd steps. Through a bibliographic review and the curricular revisitation work carried out within the scope of the Education for Youth and Adults Directorship from Brazilian’s Federal District of the Secretary of State for Education from Brazilian Federal District, it was possible to build a reference framework between Basic Education, and their essential learning in the curriculum components of BNCC and the specificities of the education of the subjects that found at the Youth and Adult Education. Therefore, it is expected, at the end of this work, the presentation of a panorama of the possibility of a curricular construction that is, at the same time, dialogical, purposeful and reframed of the BNCC curriculum prescriptions for Youth and Adult Education.

Keywords Brazilian’s Elementary School Common National Base Curriculum; Youth and Adult Education - 1st and 2nd steps; Curriculum

Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem como proposta organizar o que todo estudante da Educação Básica deve saber. Paralelamente à elaboração da versão preliminar deste documento para consulta pública até sua aprovação, o Brasil passou por um período de transição política, que resultou no impeachment da presidente do país, Dilma Rousseff, e na reorganização da representatividade no Congresso Nacional. Diante desse cenário, a BNCC foi aprovada em duas etapas: em 2017, as etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental; em 2018, o Ensino Médio.

Na apresentação da BNCC, registra-se a explicação de que a orientação curricular comum para a Educação Básica presente na base e o currículo têm papéis complementares. A BNCC apresenta as aprendizagens essenciais que precisam ser consideradas na organização dos currículos, inclusive das diferentes modalidades de ensino, como é o caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA). No entanto, ao se fazer uma busca de quantas vezes aparece o verbete ‘jovens e adultos’ em todo o documento, constata-se seu aparecimento apenas nove vezes, sendo oito vezes na apresentação, como objeto de conhecimento de Língua Portuguesa e de Educação Física no Ensino Fundamental, e uma vez na apresentação do Ensino Médio.

A partir do entendimento de que a modalidade EJA perpassa as etapas e se caracteriza por atender pessoas jovens, adultas e idosas que não tiveram acesso ou não concluíram o processo de escolarização da Educação Básica, defende-se que a BNCC é o documento-base para a organização do currículo, evitando-se, assim, correr o risco de deixar os estudantes da EJA à margem ou sem condições de se profissionalizar ou, ainda, dar continuidade aos estudos, no Ensino Superior. É nesse contexto que devemos pensar as propostas de construção curricular para a EJA, ou seja, abarcando as singularidades dos sujeitos atendidos pela modalidade, nas suas diferentes formas de oferta.

Nesse sentido, a relação entre BNCC e currículo deve permitir que professores e estudantes se sintam seguros sobre o processo de ensino e aprendizagem, de modo a contemplar a diversidade dos sujeitos da EJA, considerando as especificidades de atendimento da modalidade e a garantia do direito à educação. A partir de uma revisão bibliográfica, teórica e metodológica a respeito da temática do currículo e sua complexidade de construção, e da experiência obtida no âmbito da Diretoria de Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, foi possível a realização de reflexões e propostas para uma revisitação curricular da EJA, a partir da BNCC, que serão apresentadas, na sequência deste artigo, em três momentos complementares.

O primeiro deles está focado na apresentação de alguns dos pontos principais de intersecção entre a BNCC, especificamente para o Ensino Fundamental, e a construção de um currículo para a EJA em seus 1º e 2º segmentos, contemplando a organização e estrutura curricular por habilidades e competências. O segundo momento é voltado para uma análise a respeito dos sujeitos da EJA e de como é possível engendrar as pontes entre a diversidade desses sujeitos e a construção de um currículo que contemple tais especificidades. O terceiro e último momento deste trabalho apresenta a análise curricular proposta; parte-se da estrutura da BNCC para o Ensino Fundamental com a finalidade de, a partir das experiências angariadas no trabalho de revisitação curricular, apresentar proposições, desafios e apontamentos sobre o que pode ser encontrado na referência de estrutura de currículo da base nacional com os 1.º e 2.º segmentos da EJA.

Espera-se, portanto, como resultado, nesse artigo, após os três passos apresentados, que seja possível encontrarmos uma proposição teórica e prática para pensarmos a implantação de um currículo para a EJA, revisitado a partir das competências e habilidades da BNCC. E, para além dessa perspectiva inicial de resultado da reflexão arguida no presente trabalho, ressaltamos a importância de haver a promoção de uma construção curricular para a EJA que esteja aberta, em dialogia e sintonia às demandas específicas e às formas de atendimento da modalidade.

BNCC e aprendizagem por habilidades e competências

O movimento de revisitação curricular, a partir da BNCC nas etapas e modalidades da Educação Básica, foi realizado considerando os normativos nacionais e do DF que regulam, organizam e orientam as ações, decisões e implantações de políticas públicas educacionais nos sistemas de ensino do país. A partir desse ponto de partida, destacamos a Nota Técnica Nº 1/2019, do Conselho de Educação do Distrito Federal – CEDF (2019), que dispõe sobre a organização curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental na Proposta Pedagógica, a partir da Resolução nº 1/2018-CEDF (2018), que estabelece as normas para a Educação Básica no sistema de ensino do Distrito Federal e define alguns termos importantes a serem adotados na atualização dos Currículos e das Propostas Pedagógicas locais, tais como:

· Base Nacional Comum Curricular (BNCC): documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento.

· Base nacional comum: parte comum e obrigatória dos currículos, constituída de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais.

· Parte diversificada: parte do currículo que enriquece e complementa a base nacional comum com o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da comunidade escolar, definida pelo sistema de ensino e pela instituição educacional, constituída por conteúdos e/ou componentes curriculares, observados os arranjos curriculares.

· Formação geral básica: conjunto articulado de competências e habilidades previstas na BNCC e na parte diversificada. (CEDF, 2019, p. 1-2)

Ressalta-se que a iniciativa da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, de prover sua rede com as orientações e os normativos necessários para a Educação Básica a partir do que está prescrito na BNCC, vai ao encontro do que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, especialmente no que tange à revisitação dos currículos para as etapas e modalidades da Educação Básica em seu sistema público de ensino. Destaca-se, a partir da LDB, a importância e necessidade de os sistemas de ensino organizarem tanto a base nacional comum como a parte diversificada em suas construções curriculares:

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (Casa Civil, 1996, s.p.)

Destaca-se, ainda, a normativa técnica e pedagógica já existente para EJA na rede pública de ensino local, que também segue as orientações previstas na LDB, especialmente em sua 2ª edição das diretrizes operacionais (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal [SEEDF], 2013; 2019). A nova edição deste documento já apresenta, nas próprias matrizes curriculares, a parte diversificada, denominada projetos/programas, com o principal objetivo de possibilitar esse caráter de complementariedade da base nacional comum.

Estes documentos e normativos, diretamente relacionados à construção curricular para a Educação Básica, compõem a principal plataforma de prática, metodologia e fundamentação teórica para a construção deste artigo. Partindo-se então da BNCC – Ensino Fundamental como passo inicial para a revisitação curricular destinada à Educação de Jovens e Adultos, compreende-se, nesses termos, que as aprendizagens por competências se aproximam e dialogam com a perspectiva da integração curricular da EJA à Educação Profissional, campo rico no contexto da Educação de Jovens e Adultos, pelas singularidades desses sujeitos que têm o mundo do trabalho como prioridade.

Em acordo com as problematizações colocadas por Petrucci-Rosa (2018) e trabalhadas por Ribeiro e Craveiro (2017), é preciso que a proposta curricular, e nesse caso orientada pela BNCC para a realidade e contexto da EJA, contemple a diversidade e as singularidades das etapas e modalidades da Educação Básica. Portanto, tanto as áreas do conhecimento quanto os componentes curriculares da Educação Básica, previstos na BNCC, devem ser pensados no contexto da integração com a Educação Profissional, bem como com outros tipos de oferta presentes no âmbito da EJA, como a Educação Especial e Inclusiva, sujeitos em privação de liberdade etc. É preciso, deste modo, uma proposta curricular que reflita e proponha um currículo que contemple as histórias de vida dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos.

As habilidades da BNCC, caracterizadas pelas práticas cognitivas e socioemocionais, atitudes e valores para resolução de problemas cotidianos, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho, são determinantes para que o estudante jovem, adulto ou idoso consiga identificar de que forma a sua história de vida dialoga com as competências adquiridas ao longo da vida, permitindo que ele atue de forma mais participativa na sociedade, expondo argumentos a partir de seus princípios e valores.

Após a formação de equipes multidisciplinares, diálogos com as demais etapas e setores técnicos, foi possível buscar um caminho a ser seguido para a Educação de Jovens e Adultos, em seu encontro às prescrições para as aprendizagens essenciais, competências e habilidades para a Educação Básica. É importante destacar, de igual modo, que a Base Nacional Comum Curricular traz consigo algumas concepções de educação, aprendizagens e, principalmente, estrutura de currículo para a Educação Básica brasileira. Por meio de uma organização por habilidades e competências, a BNCC perpassa etapas e modalidades da educação, apresenta temáticas centrais para componentes curriculares e áreas do conhecimento, orienta temas, objetos de conhecimento e processos cognitivos abrangendo, por meio de um referencial curricular nacional, o percurso escolar de aprendizagens essenciais dos estudantes.

Muito do que consta na BNCC pode ser encontrado em autores que trabalharam, ou ainda o fazem, com os pilares da Educação do novo milênio nas últimas duas ou três décadas. Dentre esses autores, destacam-se Perrenoud (1999; 2000) e Delors (2001) que dialogam, em grande medida, com bases teóricas e metodológicas da construção curricular, como Sacristán (2000; 2013) e Zanardi (2016).

Esses autores trazem para o âmbito do campo educacional muito das temáticas-chave da pós-modernidade, tais como: a chegada da aprendizagem digital e a 4.ª Revolução Industrial; o avanço da sociedade do conhecimento nos ambientes escolares; as metodologias ativas e colaborativas, juntamente com o uso de problemas, desafios e gamificação nas aprendizagens; as bandeiras internacionais voltadas para o meio ambiente e sustentabilidade, a diversidade cultural em seu caminho de globalização dualístico entre a harmonia e conflitos pelos indivíduos e coletividades que as compõem etc.

É nesse sentido que a BNCC, já em suas primeiras páginas, oferece tanto o seu ponto de partida quanto o de chegada, enquanto referencial nacional para a construção de currículos nas redes de ensino estaduais e municipais brasileiras. Pode-se observar, de início, a conexão, feita pela base, do seu papel como normativo nacional para o currículo da Educação Básica e o cenário contemporâneo:

No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades. (Ministério da Educação [MEC], 2018, p. 13)

A formação integral dos estudantes se converte no epicentro do que a BNCC oferece como referencial curricular para a Educação Básica brasileira. Elementos como sustentabilidade, sociedade digital, trabalho colaborativo, mundo do trabalho, são alguns dos pontos que farão parte de toda a estrutura, seja por componente curricular ou área do conhecimento, ao longo da BNCC:

Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. (MEC, 2018, p. 14)

A perspectiva da aprendizagem por competências – competências que são organizadas a partir da estruturação de diferentes habilidades específicas – é utilizada por Delors (2001) como o principal caminho a ser seguido, pela Educação Básica, para que se alcance e supere os desafios desta era para as aprendizagens dos estudantes e percursos formativos dos professores, em ambientes de aprendizagens cada vez mais fluidos, complexos e desafiadores:

A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele. (Delors, 2001, p. 89)

Sacristán (2013), assim como Perrenoud (2000) e Delors (2001), demonstra inquirições voltadas para uma nova visão das aprendizagens no século XXI, a partir de competências que congregam o essencial a ser alcançado pelos estudantes para o aprendizado, sem deixar de colocar em pauta óbices, possibilidades e proposições desse percurso no que tange aos currículos das etapas e modalidades:

Em sua origem, o currículo significava o território demarcado e regrado do conhecimento correspondente aos conteúdos que professores e centros de educação deveriam cobrir; ou seja, o plano de estudos proposto e imposto pela escola aos professores (para que o ensinassem) e aos estudantes (para que o aprendessem). De tudo aquilo que sabemos e que, em tese, pode ser ensinado ou aprendido, o currículo a ensinar é uma seleção organizada dos conteúdos a aprender, os quais, por sua vez, regularão a prática didática que se desenvolvem durante a escolaridade. (Sacristán, 2013, p. 17 – grifo do autor)

O currículo, nesses termos, assume um papel central na constituição de uma estrutura educacional. Desvelar o processo de construção curricular deve ser um dos motes a ser seguido por gestores, professores e agentes públicos, pela complexidade e pelos pontos sensíveis que compõem as decisões que farão parte, e estarão presentes, na versão final de tais documentos, enquanto instrumentos de orientação e normatização educacional: “O pensamento sobre currículo tem de desvelar sua natureza reguladora, os códigos por meio dos quais ele é feito, que mecanismos utiliza, como é realizada essa natureza e que consequências podem advir de seu funcionamento.” (Sacristán, 2013, p. 23).

Pensar o currículo, nesse sentido, sem se aproximar, dialogar ou formar os atores que por ele serão impactados ou orientados pedagogicamente e normativamente, de forma direta, impacta no sucesso da resultante do processo de elaboração desse importante instrumento e temática educacional. “Porém, não basta se deter a isso. Também é preciso explicitar, explicar e justificar as opções que são tomadas e o que nos é imposto; ou seja, devemos avaliar o sentido do que se faz e para o que o fazemos” (Sacristán, 2013, p. 23).

Por essas razões, Zanardi (2016) alerta sobre como a busca por um currículo nacional é tão intricada de variáveis, detalhes, decisões, atores e situações que farão parte de cada etapa de seu processo de constituição: “A busca por um currículo nacional tem como escopo a busca por um padrão de conhecimento acessível a todos educandos e educandas”. (Zanardi, 2016, p. 6346). O autor enfatiza a reflexão ao trazer para o centro do debate o papel da BNCC nesse contexto: “Isto significa necessariamente um padrão de educação em que educadores(as) e educandos(as) se encontrem mediatizados pelo conhecimento especializado (poderoso) eleito pelo processo de construção da Base Nacional Comum” (Zanardi, 2016, p. 6346).

A BNCC, nesse sentido, dialoga com os currículos, mas não deve ser encarada como tal, no que diz respeito aos cenários escolares de uma rede de ensino específica. Há inúmeras variáveis que devem fazer parte de uma construção curricular, e a BNCC se apresenta, nesse ínterim, como o referencial a partir do qual se deve realizar tal processo de construção, ou revisitação de um currículo, já que a própria base presume esse papel em sua estrutura, como: “[…] assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades”. (MEC, 2018, p. 14). Mesmo no texto da BNCC, e especialmente em suas habilidades específicas, seja dos componentes curriculares ou das áreas do conhecimento, é preciso realizar escolhas quanto aos processos cognitivos e suas variáveis de complexidade, considerando-se determinados objetos de conhecimento ou temáticas trabalhadas em determinados pontos de cada uma das etapas ou modalidades da Educação Básica.

Desse modo, ao se pensar em uma construção de currículo que atenda às especificidades das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica, o maior desafio é levar esse currículo ao encontro da diversidade, dos desafios e de suas particularidades. A contextualização curricular deve tomar frente em seu processo de construção, pelos diferentes atores que fazem parte desse percurso, assim como lembra Zanardi (2016) sobre o papel dos educadores em relação à práxis educativa: “A educação escolarizada se insere no contexto do encontro entre sujeitos (educadores(as) e educandos(as)) mediatizados pelo mundo. A práxis educativa se realiza na pronúncia deste mundo problematizado e contextualizado.” (Zanardi, 2016, p. 6346).

Segundo Zanardi (2016) e demais autores que se debruçam sobre a teoria do currículo, cabe às escolas, em suas propostas e projetos político-pedagógicos, bem como às redes de ensino, elaborarem suas propostas curriculares, como pressuposto na própria BNCC, em sua prescrição curricular para as aprendizagens essenciais para a Educação Básica:

BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação. São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos. (MEC, 2018, p. 16)

Nesse sentido, no caso específico do Distrito Federal, como plataforma de experienciação, vivência, expertise e prática de construção curricular, é que aqui se propõe a utilização da BNCC em seu papel de referencial curricular nacional, como forma de se repensar os componentes curriculares, objetos de conhecimento, conteúdos, áreas do conhecimento e aprendizagens essenciais para os sujeitos da EJA, respeitando o histórico de construção curricular já existente na rede de ensino do Distrito Federal (SEEDF, 2013), mas propondo um diálogo e atualização dos referenciais curriculares, tendo a BNCC como referência: “Neste cenário, ficará sob a responsabilidade de escolas e, especialmente, de educadores(as) o enquadramento forte dos conceitos e teorias para que haja o sucesso dos fundamentos da proposta que, vale repetir, é oportunizar a todos o conhecimento especializado.” (Zanardi, 2016, p. 6346).

Por esta razão, na BNCC, reforça-se o papel autônomo, por parte dos entes da federação e municípios, na construção de seus currículos a partir do que se encontra na base, como referencial curricular: “É também da alçada dos entes federados responsáveis pela implementação da BNCC o reconhecimento da experiência curricular existente em seu âmbito de atuação”. (MEC, 2018, p. 18). E é a partir dessa indicação, presente na BNCC, que se prosseguirá no debate envolvendo o papel, a importância, os desafios e a possibilidade da base em relação aos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, de modo a se encontrar o caminho para um currículo que, ao mesmo tempo, contemple as aprendizagens essenciais da Educação Básica, conecte-se com a complexidade do mundo contemporâneo e alcance a diversidade dos sujeitos da EJA.

O(s) sujeito(s) da EJA

A EJA é constituída por estudantes maiores de 15 anos, para o segmento que corresponde ao Ensino Fundamental e 18 anos para o Ensino Médio. São pessoas que apresentam diferentes trajetórias em seus percursos escolares. A Educação para esses sujeitos está prevista no artigo 208 da Constituição Federal de 1988, em seu inciso I, segundo o qual o dever do Estado com a educação é assegurar sua oferta gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos, inclusive para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (Casa Civil, 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação reconhece a EJA como uma modalidade da Educação Básica. Nesse sentido, como o Estado define as aprendizagens mínimas a que todos os estudantes têm direito, na BNCC, os que estão matriculados na EJA não deveriam ficar alijados desse processo. Esses sujeitos, jovens, adultos e idosos que fazem parte da EJA, são trabalhadores que estudam, muitas vezes, em busca de melhores condições de trabalho. Há também, em muitos casos, idosos que buscam a alfabetização para a realização pessoal, às vezes para conseguir resolver problemas práticos. Verifica-se grande diversidade nas turmas da EJA, e é possível descrever alguns grupos que são notadamente reconhecidos:

· pessoas que por algum motivo tiveram de abandonar a escola ou sentiram-se expulsas frente a várias situações de fracasso a que foram submetidas, notadamente nos casos de reprovações sucessivas;

· em decorrência dos índices de reprovação, há uma taxa de migração de estudantes do Ensino Fundamental para a EJA, com idades entre 15 e 17 anos;

· pessoas com deficiências ou Transtorno do Espectro Autista, a partir da Lei de Diretrizes e Bases e Conferências internacionais como a de Jomtien e de Salamanca, em que defende-se as ideias de tornar os sistemas educacionais inclusivos, e as pessoas com deficiências ou Transtornos do Espectro Autista frequentam, preferencialmente, escolas comuns ou regulares;

· pessoas em situação de rua, cuja peculiaridade do ambiente em que vivem demanda um atendimento diferenciado. Para atender a essas pessoas, o ambiente deve acolher, praticar uma escuta ativa e sensível e, também, trabalhar atitudes consideradas mais saudáveis como, por exemplo, tomar banho e usar roupas limpas;

· pessoas em privação de liberdade que estão em penitenciárias. Esse público, em sua maioria, não concluiu a Educação Básica. O atendimento a essas pessoas constitui um desafio maior porque nesses ambientes prevalece a preocupação com as questões de segurança.

Cabe destacar que na visão de muitas pessoas o atendimento educacional aos que estão em situação de rua ou privados de liberdade não deveria acontecer, o que justificam como sendo um gasto desnecessário, ou mesmo exótico. Assim, torna-se desafiador trabalhar com pessoas que não representam o estereótipo de estudantes a que escola atende, desafio ainda maior para a EJA quando esta objetiva atender esse público com qualidade social, que garanta as aprendizagens.

Gadotti (2014) questiona por que, apesar dos reconhecidos avanços no campo econômico e na Educação, ainda há taxas de analfabetismo tão altas em quase todo o país. Esse autor defende uma educação para jovens, adultos e idosos assentada nos princípios da Educação Popular: a gestão democrática, a organização popular, a participação cidadã, a conscientização, o diálogo, o respeito à diversidade, a cultura popular, o conhecimento crítico e uma perspectiva emancipatória da Educação. Para entender essa proposição, Gadotti retoma os princípios da andragogia, segundo o qual a aprendizagem não se dá de forma isolada, descontextualizada da realidade e dos saberes, formal ou informal, que cada um desses sujeitos traz. Os conceitos a serem apreendidos têm que fazer sentido para essas pessoas, inclusive nos programas de alfabetização de adultos.

Há muitos anos, a andragogia, de que nos falava Pierre Furter (1972), tem nos ensinado que a realidade do adulto é diferente da realidade da criança, mas ainda incorporamos pouco esse princípio em nossas metodologias. Há um grave equívoco metodológico em muitos programas de EJA, e que afugenta muitos jovens e adultos expulsos da escola que, mesmo assim, continuam interessados em se alfabetizar: infelizmente a EJA apresenta, ainda, um currículo que não interessa ao analfabeto adulto. (Gadotti, 2014, p. 21)

Corrobora-se, aqui, a noção de que a educação de jovens e adultos tem sido relegada a um papel inferior na formulação das políticas públicas, ainda que a presente análise centre-se na escolarização dessas pessoas.

Há também o processo denominado de juvenilização na EJA, em que os adolescentes, a partir de 15 anos, estão nas mesmas turmas dos idosos. Esse fator desencadeia um conflito geracional devidos aos valores, saberes e projetos diferentes. Para o jovem, a escola deverá levá-lo a construir seu projeto de vida, enquanto no adulto a necessidade já é de resgatar sua história para, a partir daí, levá-lo a ter perspectivas de que é possível um futuro diferente, e esse diferente pode passar pela escolarização.

Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico por meio de ações pedagógicas que possibilitem as aprendizagens dos jovens, adultos e idosos deve considerar, segundo Veiga (2014), que há treze condições para a aprendizagem desse sujeito adulto. Essas treze condições são divididas pela autora em três grupos: Inteligência e Consciência – Condição 01: um adulto aprende se ele compreende; Condição 02: um adulto aprende se ele percebe, compreende e aceita os objetivos; Condição 03: um adulto aprende se toma consciência daquilo que aprende; Condição 04: um adulto aprende quando comprova que a aprendizagem está acontecendo; Reações e Emoções – Condição 05: um adulto aprende se ele se sente reconhecido; Condição 06: um adulto aprende se sente prazer e alegria; Condição 07: um adulto aprende se sente-se livre; Condição 08: um adulto aprende se ele pode evoluir no meio de um grupo; Condição 09: um adulto aprende se sente-se em um ambiente de confiança; Ação e Desenvolvimento – Condição 10: um adulto aprende se age; Condição 11: um adulto aprende se pode fazer uma ligação entre a aprendizagem e sua experiência; Condição 12: um adulto aprende se ele pode viver os efeitos do sucesso ou do fracasso; Condição 13: um adulto aprende se coloca em prática diversas atividades cognitivas.

Assim sendo, autores especialistas em Educação de Jovens e Adultos, e referências na proposição de políticas públicas educacionais para essa modalidade, como Haddad e Di Pierro (2000), Paiva (2005) e Soares et al. (2005), possuem em comum o apelo para que os sujeitos da EJA sejam compreendidos em sua complexidade, suas histórias de vida, atendimento e formas de oferta para escolarização, diversificação das estratégias didático-pedagógicas, atenção à Educação Especial e Inclusiva, a perspectiva da inserção ao mundo digital contemporâneo, as adequações curriculares para ambientes de aprendizagem diversificados, os conflitos e desafios da multiplicidade geracional da EJA, especialmente no 2.º Segmento etc.

Acredita-se que uma das formas de diversificar o trabalho pedagógico passe pela possibilidade de integrar a formação geral básica à formação profissional desse sujeito, seja por meio de Cursos de Formação Inicial e Continuada ou por Cursos Técnicos Articulados ao Ensino Médio, considerando sua formação integral, de modo que a educação e o trabalho proporcionem seu desenvolvimento humano, crescimento pessoal e, consequentemente, melhor qualidade de vida.

O Censo Escolar da Educação Básica, publicado em 31 de janeiro de 2020 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que a EJA teve 3.273.668 estudantes matriculados em 2019. Esse dado indica que houve uma queda de 7,7% no número de estudantes matriculados na educação de jovens e adultos do país. Essa redução de matrículas foi significativa tanto no 2.º segmento (ensino fundamental), que apresentou um índice de 8,1%, quanto no 3.º segmento (ensino médio) com 7,1%.

No recorte específico do Distrito Federal, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios de 2018, em relação à escolarização, revela que o público-alvo da Educação de Jovens e Adultos, com 25 anos ou mais e que não possui Educação Básica, é de 24% da população do Distrito Federal (DF), o que corresponde, aproximadamente, a 750.000 habitantes. Ao se considerar o público a partir dos 15 anos, esse número chega a 1 milhão de pessoas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019; Companhia de Planejamento do Distrito Federal, 2018).

Os dados referentes ao analfabetismo e à escolarização dos jovens, adultos e idosos do Distrito Federal compõem os pilares do movimento de revisitação e atualização da proposta curricular para a EJA para a rede pública de ensino do DF. O quadro geral de necessidade, importância e prioridade do direito à educação desses sujeitos indica que o currículo, compreendido como resultante de um processo de elaboração e implantação de política pública educacional, toma frente nesse processo de elevar a EJA ao patamar de protagonista, como modalidade, no contexto da Educação Básica brasileira.

Diante de dados tão expressivos, observa-se que a atualização de documentos normativos, como o Currículo e as Diretrizes Operacionais da Educação de Jovens e Adultos, bem como das práticas pedagógicas, se faz necessária para relacionar e integrar as competências e habilidades da BNCC com o saber adquirido pelos sujeitos da EJA ao longo de sua(s) vida(s).

Construção curricular: EJA e BNCC

A partir da experiência de uma proposta de um novo currículo da EJA para o Distrito Federal, apresenta-se, a seguir, as principais transposições, ressignificações e construção deste documento normativo partindo da EJA para a BNCC. O recorte desta análise, no âmbito deste artigo, se dará nos componentes curriculares do Ensino Fundamental, presentes na Base, com os 1.º e 2.º segmentos da Educação de Jovens e Adultos.

Esta última etapa do estudo apresenta uma análise mais objetiva e sucinta de cada um dos componentes curriculares da BNCC, tendo em vista o escopo epistemológico trabalhado até o momento. As análises indicam como os componentes curriculares do Ensino Fundamental Anos Finais estão dispostos na BNCC e como podem dialogar com uma proposta de construção curricular para a Educação de Jovens e Adultos equivalente a esta etapa da Educação Básica, que é o segundo segmento da EJA.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 1 Língua Portuguesa BNCC para o Ensino Fundamental 

A Língua Portuguesa, na BNCC, possui duas grandes divisões de sua estrutura como componente curricular para o Ensino Fundamental – Práticas de Linguagem e Campos de Atuação – e trazem consigo a perspectiva da vida cotidiana e dos enunciados discursivos, com forte presença da oralidade, semiótica e, principalmente, a centralidade do texto no percurso de aprendizagem dos estudantes em relação à Língua Portuguesa.

Em Língua Portuguesa, há o período de alfabetização, que deve ocorrer nos dois primeiros anos de escolarização. No caso da EJA, deve ser no primeiro semestre, uma vez que o 1.º ano do Ensino Fundamental tinha como objetivo que a criança começasse o percurso escolar a partir de 6 anos. Outra diferença que há em Língua Portuguesa são as Práticas de Linguagens: Leitura e Escuta; Produção de Texto; Oralidade; Escrita; Análise Linguística e Semiótica. Nessa área, não há Unidades Temáticas, e sim os Campos de Atuação: Vida Cotidiana (somente para os Anos Iniciais); Análise Literária; Práticas de Estudo e de Pesquisa; Vida Pública; e, Atuação na Vida Pública (somente para os Anos Finais).

Para a elaboração do currículo de jovens, adultos e idosos foi necessário fazer alterações quanto aos objetos de conhecimento. Muitos são específicos para o público infantil, como as quadrinhas que estão em várias habilidades. O avanço apresentado na BNCC em relação à Língua Portuguesa está na inserção de habilidades e objetos do conhecimento em diferentes gêneros textuais midiáticos, como blogs e vlogs, desde o início do processo de alfabetização.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 2 Arte na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

O componente curricular de Arte tem como principal característica uma multiplicidade de linguagens que o compõe. A BNCC nos traz essas linguagens por meio das artes visuais, dança, música e linguagem teatral. Todas as linguagens artísticas também estão entremeadas pelas dimensões artísticas, compostas de criação, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão. A complexidade desse componente se evidencia, ainda mais, quando se pensa nos desafios das escolas e redes de ensino de estados e municípios, em relação aos professores de Arte, em um panorama de contemplação dessas linguagens artísticas na sala de aula.

Considerando que a EJA é organizada de forma semestral, e que o componente curricular Arte tem carga horária pequena em comparação com Língua Portuguesa, por exemplo, que é da mesma área de conhecimento, optou-se por contemplar as quatro linguagens da Arte por meio das Artes Integradas. Dessa forma, a contribuição desse componente curricular possibilita o acolhimento a todos os estudantes com atividades que resgatem aspectos da História de Vida de cada um, das práticas culturais vivenciadas, transformando-se, assim, em um ambiente que acolha e contemple a diversidade dos estudantes.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 3 Educação Física na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

Na BNCC, a Educação Física está alocada na área do conhecimento de Linguagens, do Ensino Fundamental ao Médio. Como expressão de linguagem, o corpo, nessa perspectiva, alinha-se à construção das aprendizagens essenciais das linguagens artísticas, em muitos momentos. Ao condicionamento físico, somam-se elementos de construção de valores, experiências socioculturais e reflexões sobre a importância de cada prática psicomotora, seja uma arte marcial ou atividade de experimentação de novas práticas corporais em diferentes esportes.

No caso da EJA, são poucos os estudantes que fazem a prática de Educação Física. Assim, esse componente tem que estar voltado para trabalhar questões relacionadas à saúde e à qualidade de vida por meio de práticas que propiciem bem estar, como é o caso das atividades lúdicas, correlacionadas às competências gerais do componente curricular.

As habilidades elencadas na BNCC estão muito relacionadas às brincadeiras infantis e muitas das unidades temáticas estão voltadas ao desenvolvimento físico. Na elaboração do currículo, a EJA optou por trabalhar práticas de educação e movimento, resgate de brincadeiras, dentre outros objetivos.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 4 Língua Estrangeira na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

Na BNCC, há uma prescrição de currículo para o componente Língua Inglesa, e não Língua Estrangeira. Ressalta-se, no entanto, que os eixos organizadores estão próximos dos vistos em Língua Portuguesa, com a perspectiva dos multiletramentos, tão caros nos dias atuais, por meio do crescimento da circulação de informação em uma sociedade cada vez mais dinâmica e conectada linguisticamente. No caso da BNCC, também encontra-se um direcionamento dos objetos de conhecimento para a Língua Inglesa, o que não beneficia uma visão aberta das múltiplas culturas que podem se fazer presentes no aprendizado de outro idioma nas escolas.

Nessa nova configuração do currículo para a EJA no Distrito Federal, o componente curricular Língua Estrangeira Moderna, que poderia ser Inglês ou Espanhol, sofre maior alteração, uma vez que deixa de ser componente da parte diversificada, na matriz curricular, e passa a ter o tratamento Língua Inglesa como um componente curricular da Área de Linguagens. O Distrito Federal, no Currículo em Movimento – Ensino Fundamental – 2ª Edição, optou em fazer uma produção autônoma, afastando-se da BNCC ao não colocar os objetivos e conteúdo específico de Língua Inglesa, não tendo o tratamento de língua franca. No entanto, no Currículo para a Educação de Jovens e Adultos, a opção foi trabalhar com a Língua Inglesa, por se entender que a modalidade já tem uma redução da carga horária e, também, por ter parte da carga horária para ser desenvolvida por projetos ou integração com a Educação Profissional, o conhecimento de outra língua pode muito bem ser trabalhado.

Além disso, a rede pública de ensino conta com Centros Interescolares de Línguas que atendem de forma complementar aos estudantes quanto ao ensino de Línguas Estrangeiras. Essas vagas são disponibilizadas para o Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Ademais, reconhece a necessidade de rever a função do ensino de língua estrangeira de forma que não se torne mera repetição fora de contexto, e nesse aspecto, os eixos organizadores da BNCC são: conhecimentos linguísticos, escrita, dimensão intercultural, leitura e oralidade com vistas às práticas sociais, contexto escolar da língua e multiletramentos.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 5 Matemática na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

Assim como a Língua Portuguesa e fundamental para o processo de alfabetização, a Matemática perfaz todo o percurso de aprendizagem, nas diferentes etapas, modalidades e faixas etárias. Para a Educação de Jovens e Adultos, a partir da BNCC, tem-se as ideias fundamentais do aprendizado matemático, também organizado em unidades temáticas, todas convergindo, tanto no letramento matemático quanto nos processos matemáticos.

Ao se pensar, especificamente, nos sujeitos da EJA e em seu letramento matemático, tem-se a contextualização desse letramento em suas histórias de vida, experiências e cotidiano, em diálogo inerente aos conteúdos, às metodologias de ensino e atividades pedagógicas nos diferentes segmentos da EJA.

Muito do que é proposto atualmente, no que se refere à integração da Educação de Jovens e Adultos com a Educação Profissional, pode ser indicada, prática e metodologicamente nos conteúdos, objetivos de aprendizagem e nas habilidades específicas da matemática, a sua aproximação com o cotidiano dos estudantes da modalidade, trazendo de volta suas experiências e realidade vivida a uma conexão, tanto com o ambiente escolar quanto com os ambientes de trabalho desses jovens, adultos e idosos.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 6 Ciências da Natureza na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

A BNCC traz grandes desafios para as Ciências da Natureza, desde a inclusão de processos investigativos mais significativos para a aprendizagem, a necessidade do letramento científico e a progressão da aprendizagem contextualizada à realidade dos estudantes.

Na perspectiva das três unidades temáticas de Ciências da Natureza da BNCC, observa-se três estruturas principais para o processo de ensino e aprendizagem nesse componente curricular: os processos, as práticas e os procedimentos. Tal tripé de aprendizagem em Ciências da Natureza se conecta com a proposta da base em relação ao letramento científico que deve estar presente no percurso de aprendizado para as rotinas de aprendizagem e organização do trabalho pedagógico.

O ensino de Ciências para a Educação de Jovens e Adultos deve permitir que os estudantes desenvolvam habilidades para compreender e interpretar processos e práticas da investigação científica e a relação ‘ciência – tecnologia’ com a sua prática social, a partir das situações cotidianas. Desse modo, esse sujeito será capaz de analisar criticamente as condições de saúde, ambientais e socioeconômicas de sua comunidade, para propor soluções com base no conhecimento científico e uso de tecnologias sustentáveis, exercendo sua cidadania com autonomia, ética e responsabilidade coletiva.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 7 Geografia na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

Em relação à Geografia, a BNCC faz uso da conceituação dos princípios do raciocínio geográfico: analogia, diferenciação, conexão, distribuição, localização, ordem e extensão. Esses princípios do raciocínio geográfico, de acordo com a Base, devem estar presentes em todas as unidades temáticas, que são também distribuídas ao longo dos anos do Ensino Fundamental, especialmente na relação entre o pensamento geográfico e o pensamento espacial presente nas Ciências Humanas como um todo. A Geografia, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, possui um papel protagonista e dialógico com os demais componentes da área do conhecimento de Ciências Humanas, partindo inicialmente dos conceitos de espaço e tempo para, a partir de seu desenvolvimento teórico, prático e metodológico, propor explanações a respeito dos fatos e fenômenos ocorridos e estudados no âmbito do espaço geográfico.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 8 História na BNCC para o Ensino Fundamental Anos Finais 

Na prescrição de construção curricular da BNCC, o ensino de História está voltado para os processos históricos de identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise, juntamente com os objetivos do ensino de história no Ensino Fundamental. Percebe-se, nas unidades temáticas do Ensino Fundamental, uma aproximação com temáticas epistemológicas como a atitude historiadora, o tempo vivido e presente, bem como a importância do recurso de pesquisa em diferentes fontes documentais para a construção do conhecimento histórico.

Encerra-se, por ora, este caminho de análise de cada um dos componentes curriculares do Ensino Fundamental Anos Finais da BNCC e sua transposição para a realidade da Educação de Jovens e Adultos. A construção de um currículo é um continuum, ou seja, um movimento que precisa constantemente ser revisitado, dialogado, colocado em posição de contraposição e consenso, de modo a abarcar, ao máximo, a diversidade, a complexidade e os desafios da sociedade por ele representados, como as aprendizagens essenciais a serem alcançadas por jovens, adultos e idosos de todas as etapas e modalidades da Educação Básica.

Considerações Finais

Várias mudanças ocorreram na Educação Básica a partir da publicação da Base Nacional Comum Curricular, documento normativo que apresenta o conjunto das habilidades que os estudantes de todas as etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio) e modalidades devem desenvolver. Há que se ressaltar, ainda, as mudanças estabelecidas pela Lei n.º 13.415 de 2017, que estabelece as Diretrizes do Novo Ensino Médio. O Distrito Federal optou por incorporar a EJA – abrangendo seus três segmentos, dos quais os dois primeiros foram trabalhados neste artigo – ao movimento distrital e nacional de revisitação curricular, por meio de um caminho próprio para a modalidade, como protagonista, em observância à diversidade e às particularidades dos sujeitos que a compõem.

Frente ao desafio de contemplar a diversidade representada pelos sujeitos da EJA, é necessário atentar para a organização das etapas na BNCC, quando para o Ensino Fundamental, tem-se uma organização por área de conhecimento e componente curricular e, para o Ensino Médio, esse mesmo documento apresenta uma organização por áreas de conhecimento. Nessa perspectiva, faz-se necessária uma articulação interdisciplinar significativa e consistente, bem como a possibilidade de correlacionar os aprendizados adquiridos durante o percurso escolar, compreendendo o currículo como um móvel prático-conceitual e contextual, a depender da etapa ou modalidade da Educação Básica à qual ele estiver voltado ou for pensado, de modo que ultrapasse a simples escolha ou descrição e prescrição de conteúdo.

Desse modo, o currículo do DF, em fase final de revisitação teórica, prática e metodológica para toda a oferta da EJA na rede pública de ensino, traz a perspectiva de permitir que professores e estudantes se sintam seguros sobre o processo de ensino e aprendizagem a partir do planejamento de aulas e metodologias ativas voltadas para um ensino capaz de relacionar as competências e habilidades presentes na BNCC com os saberes que esses sujeitos adquiriram ao longo da vida e com questões tão presentes ao atendimento da modalidade EJA, como abandono, retenção, a integração curricular da EJA à Educação Profissional, a alfabetização e a abordagem de temas e conteúdos que contemplem a diversidade desses sujeitos.

Compreende-se, por fim, que um currículo distanciado da realidade escolar também estará afastado do cotidiano do professor, das propostas pedagógicas, dos projetos educacionais e do próprio calendário de atividades das redes de ensino. Deve-se compreender o currículo como a identidade educacional do planejamento de curto, médio e longo prazo das redes de ensino, em suas diferentes escalas, configurando-se como uma política pública de Estado para a Educação Básica, em sua totalidade e complexidade.

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Recebido: 08 de Abril de 2020; Aceito: 04 de Agosto de 2020

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