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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 18-Ago-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.24977 

Artigos

Parfor e formação de professores para educação básica: obstáculos e potencialidades

Parfor y la formación de profesores de la educación básica: obstáculos y potencialidades

Parfor and training of basic education teachers: obstacles and potentialities

Parfor et formation des enseignants de l'éducation de base: obstacles et potentialités

Adriano de Melo Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0002-1321-2518

Iria Brzezinski2 
http://orcid.org/0000-0003-1708-9139

1Graduado em Licenciatura Plena em Ciências - Habilitação Biologia -, Mestre em Biologia e Doutor em Educação, trabalha com a formação de professores em cursos de Licenciatura em Biologia e Química da Universidade Estadual de Goiás (UEG), atuando como professor de Estágio Supervisionado e de disciplinas da área pedagógica. Também é professor efetivo da Rede Estadual de Educação Básica de Goiás.

2Graduada em Ciências Sociais e Pedagogia (UFPR), Mestre em Educação (UnB), Doutora em Educação (USP). Estágio Pós-Doutoral. Professora titular da PUC Goiás, Coordenadora do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq "Políticas Educacionais e Gestão Escolar". Professora aposentada pela UnB. Sócia fundadora da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Bolsista produtividade CNPq Nível 1.


Resumo

Enquanto política de formação docente a ser executada sob o regime de colaboração entre a União e entes federados, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) completou uma década. Mas sua continuidade foi tolhida pelo decreto nº 8.752/2016, enquanto seus cursos ainda estão vigentes e pesquisas sobre ele são realizadas. Os documentos aqui analisados – teses de doutorado e relatório científico de um grupo de pesquisa – apontam para uma riqueza de dados, às vezes contraditórios, que nos tensionam a pensar dialeticamente a realidade dos cursos no âmbito do Parfor, considerando seus aspectos negativos, mas também suas potencialidades.

Palavras-chave Políticas educacionais; Formação docente; Parfor

Resumen

Como una política de formación docente realizada en un régimen de colaboración entre la Unión y los entes federados, el Plan Nacional de Formación de Profesores de la Educación Básica (Parfor) tiene una década. Pero no dará continuación por orden de lo reciente decreto nº 8.752/2016, aún que sus cursos siguen existiendo y hayan investigaciones acerca de ello. Los documentos aquí en análisis – tesis de doctorado y uno relato científico de un grupo de investigación – apuntan una riqueza de informaciones, a veces contradictorias, que nos llevan a pensar dialécticamente la realidad de los cursos del Parfor, en vista de sus aspectos negativos, pero también sus potenciales.

Palabras clave Políticas educativas; Formación docente; Parfor

Abstract

As a proposal of teacher formation policy through collaboration between the Union and federal entities, the National Training Plan of Basic Education Teachers (Parfor) has been in existence for a decade. But its continuity was obstructed by the Decree nº 8.752/2016, with its courses still ongoing and research focused on it still being undertaken. The documents analyzed here - doctoral theses and the scientific report of a research group - point to a wealth of data, at times contradictory, which forces one to think out dialectically the reality of the courses offered within the scope of Parfor, while considering their negative aspects and their potentialities.

Keywords Educational policies; Teacher formation; Parfor

Résumé

Comme politique de formation des enseignants effectuée dans le cadre des accords entre l'Union et les entités fédérales, le Plan National de Formation des Enseignants de l'Éducation de Base (Parfor) a déjà d'une décennie. Mais votre continuité a été éclipsée par le récent décret n° 8.752/2016, alors que ses cours sont toujours en vigueur et des recherches sont effectuées. Les documents analysés ici – des thèses de doctorat et un rapport scientifique d'un groupe de recherche - pointent vers une multitude de données, parfois contradictoires, qui nous crispe à penser dialectiquement la réalité des cours dans le Parfor, avec ses aspects négatifs, mais aussi ses potentiels.

Mots clés Politiques d'enseignement; Formation des enseignants; Parfor

Introdução

[…] as pessoas que educam, nunca estão prontas, não estão educadas e, se não estão mortas, movimentam-se e educam-se. (Tolstói, 1902/1988, p. 238).

Pouquíssimas frases sintetizam tão bem a condição de ser professor(a) quanto essa do grande autor russo. Pois, se educamos, devemos estar sempre aprendendo. E, paradoxalmente, nosso trabalho se completa quando nossos alunos não mais precisam de nós. Quando já são capazes de caminhar sozinhos e por outras searas, nosso compromisso com eles se finda e um novo ciclo se inicia com outros alunos. E, assim, aprendemos mais e de novo para de novo ensinarmos mais. Exatamente por isso, autores como Brzezinski (2006; 2011) e entidades como a Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (Anfope) consideram que a formação é, juntamente com as condições de trabalho e salário dignos, um dos principais elementos da valorização dos trabalhadores da educação.

Entre as políticas mais recentes de formação docente, destaca-se o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), objeto de análise desse artigo, que pretende analisar suas potencialidades. Nossos objetivos foram, principalmente, dois: a) entender a lógica de implementação dos cursos do Parfor no país e o papel dos entes federados nesse processo; b) analisar as principais dificuldades e potencialidades que os cursos ofertados no âmbito do Parfor apresentam. Considerando a dificuldade de se investigar diretamente a realidade dos cursos em cada região do país, realizamos uma pesquisa qualitativa documental, à luz do materialismo histórico-dialético, tomando como fontes o relatório de um grupo de pesquisa em políticas educacionais[1], e também teses produzidas sobre o tema[2]. Antes de apresentar os dados e as análises da investigação, discorreremos brevemente sobre as políticas de formação docente, no intuito de esclarecer o contexto histórico em que o Parfor foi criado.

Políticas de formação de professores da educação básica no Brasil: o regime de colaboração federativo, a Capes e o Parfor

Como esclarece Brzezinski (1996), o debate sobre a formação dos educadores no Brasil se intensificou com a abertura democrática do país e grande atuação de entidades sindicais, estudantes e de associações científicas. O período de 1980 a 1983 foi o primeiro de articulação do movimento de educadores com fins a discutir a reformulação dos cursos de formação, iniciando também o processo de criação da Associação Nacional Pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) (Brzezinski, 1996). Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/1996, passou-se a exigir, como pressuposto mínimo para atuar na educação básica, a formação docente em nível superior, em cursos de Licenciatura Plena e de Pedagogia. Ainda de acordo com essa lei, as formações inicial e continuada dos profissionais do magistério devem ser promovidas, em regime de colaboração, pela União, o Distrito Federal, os estados e os municípios (Casa Civil, 1996).

Mais de duas décadas depois da abertura democrática, o debate sobre a qualidade da educação avançou com a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), que trouxe importantes proposições para o professorado e para a educação, destacando-se o entendimento de que a formação desses profissionais é um processo inicial e continuado que, como dever do Estado, deve ser alçado à condição de política pública. Propunha também: a) uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação e aprovação de um plano de carreira específico; b) concepção de base comum nacional para a formação baseada na interdisciplinaridade, com unidade dialética entre teoria e prática e a centralidade do trabalho que supere a dicotomia entre a formação pedagógica stricto sensu e a formação no campo de conhecimentos específicos, entre outros. No caso da formação continuada, o documento final da Conae demandava a construção de um referencial curricular nacional para a formação continuada e também a garantia do tempo de estudo com redução da jornada de trabalho em até 50% para professores que cursam especialização e 100% para os que cursam mestrado e doutorado, sem ônus na remuneração (Comissão Organizadora Nacional da Conferência Nacional de Educação, 2010).

O governo Lula propôs, por meio do Decreto nº 6.755, de 29 de Janeiro de 2009, uma Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, cujos princípios centrais eram: a) formação para os docentes da educação básica ofertada e garantida pelo Estado como parte do compromisso deste com um projeto de nação democrática e inclusiva; b) formação docente com bases científicas e didáticas sólidas, articulando teoria e prática; c) preocupação com um projeto formativo das instituições de ensino superior voltado para a especificidade da formação docente; d) valorização profissional via estímulo à profissionalização, à jornada única e progressão na carreira, à dedicação exclusiva ao magistério e à melhoria de remuneração e de condições de trabalho; e) colaboração constante entre os entes federados na execução dessa política (Casa Civil, 2009).

Nessa perspectiva, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) previa a ampliação de matrículas em cursos de pedagogia e licenciatura, além da oferta de cursos emergenciais de formação pelas Instituições Públicas de Ensino Superior (Ipes), para professores em exercício na rede pública. Entre seus objetivos estão promover a melhoria da educação básica pública, ampliando o número de docentes formados em instituições de ensino superior, aproximar a educação básica da educação superior e proporcionar um ambiente escolar inclusivo (Casa Civil, 2009). Nesse documento, esclarecia-se também a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na qual as orientações foram idealizadas como dois programas emergenciais de formação docente: o Parfor presencial [3] e o Parfor a distância[4], com cursos de primeira licenciatura, segunda licenciatura e formação pedagógica.

A Diretoria de Educação Presencial da Capes da Educação Básica exigiu a elaboração de acordos de cooperação técnica com as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal, assim como os termos de adesão das instituições formadoras previstas. Organizou, ainda, as planilhas de oferta de cursos e vagas, disponibilizando-as na Plataforma Paulo Freire (Brzezinski, 2012). Ao assinarem o termo de adesão ao PDE, os estados e municípios passaram a receber, pelo menos em tese, assessoria financeira e técnica da União, para a elaboração do seu Plano de Ações Articuladas (Par), com destaque para aqueles com o Ideb abaixo da média nacional.

Segundo o decreto nº 6.755/2009, o regime de colaboração seria concretizado pelos planos estratégicos formulados pelos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente (Fepads), a serem constituídos por diferentes representantes dos governos e da sociedade civil. Os planos estratégicos elaborados pelos Fepads devem contemplar um diagnóstico das necessidades de formação e da capacidade das instituições públicas em atender à demanda, além de definir as responsabilidades de cada agente participante (Casa Civil, 2009). Para Brzezinski (2012), o decreto nº 6.755/2009 é consequência de estudos tanto da sociedade civil quanto política acerca de um Sistema Nacional Público de Formação dos Profissionais do Magistério e de um diagnóstico feito pela Capes/EB sobre a formação docente em nível superior no país. Segundo Ferreira (2013), com esse decreto, o governo Lula buscava atender ao compromisso estabelecido no ‘Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação’ e, assim, sob a tutela da Capes, todos os programas de formação e de fomento passaram a ser articulados entre si, com as Ipes, com a educação básica e com o Ideb, em uma integração sistêmica.

Logo, pode-se dizer que o Parfor nasceu também a partir de um movimento maior iniciado em 2007 para responder às induções feitas por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (Ferreira, 2013; Souza, 2014). Como explica Souza (2015), esse processo não foi simples, mas permeado por tensões entre os interesses dos agentes envolvidos: dirigentes locais, IES, burocratas do MEC, Capes, CNE e Inep. Nesse embate, o Comitê Técnico Científico da Educação Básica (CTC-EB) da Capes ficou fragilizado e a perspectiva sistêmica desapareceu das discussões, culminando em uma autofagia do CTC-EB pela própria Capes. Em vez de um sistema nacional de formação de professores, aprovou-se a política emergencial, organizada federativamente por meio dos Fepads e integrada por IES públicas e privadas sem fins lucrativos (Souza, 2015).

De acordo com o MEC, até 2019 haviam sido implantadas 3.043 turmas do Parfor, distribuídas em 510 municípios brasileiros, atendendo professores oriundos de 3.300 municípios. Nesse contexto, 53.512 professores já teriam se formado e, em dezembro de 2019, o número de professores frequentando os cursos era de 59.565 [5].Alguns aspectos da implantação do Parfor nos estados e da formação realizada nos cursos serão tratados a seguir.

Parfor: o que as pesquisas apontam?

Foram analisadas teses que tiveram o Parfor como objeto de pesquisa e também o relatório sobre a pesquisa ‘Observatório da Formação e Valorização Docente: configurações e impactos da implementação dos Fóruns Permanentes de Apoio à Formação do Magistério’.

Com os anos, o Parfor tornou-se objeto de diferentes pesquisas. Em busca geral no banco de teses da Capes, aparecem 74 resultados com referências ao plano, sendo 56 dissertações de mestrado e 18 teses de doutorado, distribuídas em programas de diversas áreas[6]. As investigações abordaram a realidade do Parfor em diferentes estados e cursos, o que torna esses textos uma importante fonte de pesquisa que nos possibilita encontrar pontos em comum – potencialidades ou obstáculos – sobre o Parfor, bem como especificidades de cada região ou curso. Analisadas de forma mais detalhada, apenas 12 das 18 teses encontradas no site da Capes tinham o Parfor e/ou seus cursos como foco de pesquisa. Destas, 03 teses analisaram o regime de colaboração para implantação dessa política e 09 investigaram cursos presenciais.

Nosso universo amostral foi constituído de 11 teses, pois uma delas não apresentou dados originais suficientes (D’Ávila, 2014). As teses foram lidas integralmente e foi realizada uma análise de conteúdo com categorização a posteriori (Franco, 2005). Em sua maioria, as teses investigaram cursos de pedagogia. Tal proporção está de acordo com o que as pesquisas apontam, pois, desde a implantação do Parfor, esses cursos são os mais predominantes (Brzezinski, 2012; Machado, 2014; Souza, 2015).

Os documentos analisados debruçaram-se sobre dois aspectos principais: a) participação dos Fepads, dos sistemas de ensino e dos entes federados na implementação do Parfor; b) realidade dos cursos ofertados e dos professores-estudantes. É essa análise desses aspectos que apresentamos a seguir. Porém, destacamos que não nos interessou comparar os aspectos entre si, pois como as teses possuem focos diferentes, essa comparação é impossível e desnecessária.

O Parfor sob o regime de colaboração: articulação Fepads/sistemas educacionais/IES

Um dos aspectos apontados pelas teses (Oliveira, 2014; Souza, 2015) e também pelo relatório de pesquisa (Brzezinski, 2012) foi a distribuição desigual de cursos do Parfor no país, com concentração maior em estados do norte e nordeste, principalmente Pará e Bahia. Oliveira (2014) ressalta que até 2013 a UFPA apresentava a maior oferta de cursos vinculados ao Parfor no país. Souza (2014) sugere que a explicação para essa desigualdade de ofertas pode ser o embate de forças entre grupos afetados pelas ações do programa. Vale ressaltar que dados recentes indicam que essa desigualdade ainda persiste.

A questão da filiação político-partidária é crucial, pois, como aponta Brzezinski (2012), a influência desses interesses transparece nas ações dos Fepads. A primeira fase da pesquisa (2010-2011) constatou que em 2010 alguns estados não conseguiram atender às orientações da Capes porque questões políticas interferiram tanto na instalação quanto no desenvolvimento das atividades do Fepad local. No caso de Goiás, por exemplo, a convocação pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), para realizar reuniões do fórum, foi interrompida por mais de um ano e resultou em uma inércia total em relação às políticas de formação (Brzezinski, 2012). Apesar dessas interferências, a pesquisa constatou que os Fepads coordenados pelas Secretarias Estaduais de Educação, mesmo quando apresentam descontinuidades em seu funcionamento, demonstraram melhor engajamento nas políticas de formação de professores promovidas pelo Parfor do que os demais órgãos que coordenam fóruns (Brzezinski, 2012).

As pesquisas ressaltam também as dificuldades para obter dados confiáveis sobre a demanda para a formação de professores. Para os pesquisadores do GEPPGE, ficou evidente que os Fepads não dispõem de informações completas e que, como os coordenadores dos cursos nas IES trabalham de forma isolada, as informações lançadas pela Capes na Plataforma Freire acabam sendo incompletas (Brzezinski, 2012). As teses apontaram fatores que complicam a situação, como por exemplo, a troca de gestores e falta de registros nas redes públicas de ensino e a falta de diálogo entre as IES, as redes e os Fepads (Machado, 2014; Moraes, 2014; Bastos, 2015). Porém, Bastos (2015), destaca uma relação mais afinada entre esses protagonistas no Pará e no Amazonas, evidenciando existir possibilidades de sucesso quando os interesses dos diferentes agentes se alinham em prol do plano.

Esses fatores dificultam a elaboração dos planos estratégicos dos Fepads e levam, como aponta o relatório do GEPPGE, a uma falta de confiança nas ações da Capes, das Secretarias Estaduais e Municipais e da União dos Dirigentes Municipais (Undime) (Brzezinski, 2012). Um dos aspectos questionados é o fato de professores contratados em regime temporário se matricularem nos cursos, uma falha inerente ao próprio decreto 6.755/2009 (Brzezinski, 2012; Moraes, 2014).

Ainda sobre a atuação dos Fepads, preocupa os pesquisadores a incapacidade desses fóruns em assumir suas atribuições de acompanhamento e avaliação de políticas de formação, limitando-se a desempenhar apenas o papel de legitimadores das ações impostas pelos poderes locais (Brzezinski, 2012). Analisando atas das primeiras reuniões de Fepads de diferentes estados brasileiros, Moraes (2014) destaca que, mesmo os fóruns se esforçando para definir ações que atendam às necessidades de formação dos professores, as condições objetivas para a concretude de tais ações são limitadas. Algumas regiões apresentam dificuldades técnicas já no início do processo, tanto na divulgação do Parfor (Machado, 2014) quanto no manuseio da Plataforma Freire para os professores se inscreverem (Brzezinski, 2012; Paim, 2013; Monteiro, 2014; Bastos, 2015).

Todavia os pesquisadores consideram que os Fepads são um espaço plural e democrático que contempla representações da sociedade civil e política para acompanhar e avaliar políticas, constituindo-se como espaços mediadores do regime de colaboração. Também consideram um avanço que a União e os entes federados assumam e se responsabilizem pelos direitos de formação e valorização dos profissionais da educação básica (Brzezinski, 2012, 2014; Machado, 2014; Moraes, 2014). Por isso entendemos que, ao propor e orientar a criação dos Fepads — uma demanda histórica das entidades representativas — o Parfor inova, pois, traz algo inédito, até então, nas políticas para formação e valorização dos profissionais do magistério. A importância dos fóruns é tal que um dos entrevistados de uma tese analisada afirma que o regime de colaboração se materializa “[…] a partir do poder dos Fóruns, a partir da articulação que os Fóruns fazem e [através] da participação de cada ente […] na medida em que cada um pode participar e participa, sim, se desejar participar com as discussões e [por meio] do diálogo” (Machado, 2014, p. 164).

Caso sejam fortalecidos, os fóruns podem contribuir para a formação e valorização dos profissionais e para a qualidade da educação básica. Nesse aspecto, cabe salientar a importância da presença, nos Fepads, de entidades como a Anfope e a Anped que, historicamente, discutem orientações que garantam conquistas para os profissionais da educação. A participação dessas entidades proporcionou avanços no que diz respeito às políticas de valorização dos profissionais da educação.

Dadas as contradições que emanam do plano concreto, vale destacar o alerta dos pesquisadores: a implantação do Parfor é um processo complexo e de dinâmica própria, com adaptações realizadas ao longo do caminho, em ambientes de contingências, o que leva à dependência relativa dos diversos protagonistas para atingir resultados satisfatórios (Brzezinski, 2012, 2014; Bastos, 2015). Como veremos, esse processo demanda o engajamento dos alunos que, em vistas das dificuldades, batalham pela permanência e conclusão, com qualidade, dos cursos.

Cursos do Parfor: dificuldades e possibilidades

Inúmeras categorias emergiram das teses que investigaram cursos do Parfor sendo, algumas, citadas por autores diversos. Foi o caso das dificuldades de permanência dos alunos nos cursos e a relação da formação com a realidade profissional dos cursistas. Outras categorias, como o fato de as IES não conseguirem oferecer os cursos demandados e a falta de professores, foram apontadas por uma única tese (Machado, 2014). Mas, o fato de um aspecto aparecer apenas em uma tese não significa que seja menos importante e que não tenha ocorrido em outros cursos, pois, conforme alertamos, os focos das investigações foram diversos, contemplando recortes diferenciados.

As dificuldades de permanência dos estudantes nos cursos e a alta evasão destacam-se nos documentos analisados. Brzezinski (2012, 2014) constata que isso se deve a fatores diversos: falta de apoio financeiro aos cursistas para transporte, alimentação e hospedagem, falta de licença remunerada para os cursistas que, para frequentar as aulas, têm que pagar seus substitutos etc. Quase todas as teses analisadas também destacaram essas dificuldades (Amorim, 2013; Paim, 2013; Jesus, 2014; Machado, 2014; Monteiro, 2014; Moraes, 2014; Oliveira, 2014; Reis, 2014; Bastos, 2015), como podemos verificar:

Participar da formação de acordo com essa política significa para o professor-estudante continuar responsável pelas tarefas docentes e, ao mesmo tempo, frequentar as aulas e desenvolver os estudos demandados pelos componentes curriculares do projeto pedagógico do curso. Soma-se a isto a necessidade de arcar com outras despesas de manutenção: alimentação, transporte, hospedagem, compra de material didático etc. […] necessita-se de professores substitutos que dêem continuidade às suas tarefas docentes de modo a não provocar descontinuidade na aprendizagem dos seus alunos (Machado, 2014, p. 150, grifos nossos).

[…] o maior investimento […] foi o emocional, empreendido pelos professores-alunos. Esses, na maioria das vezes em que iam assistir às aulas, deixavam suas famílias em seus municípios de origem, abrindo mão de suas férias, alojando-se em casa de amigos, quartos alugados, pensões, pousadas, passando privações alimentares […]. Some-se a isso o fato de que nem todo material didático entregue a eles era gratuito, uma vez que, em algumas disciplinas, tiveram que arcar com a despesa de fotocópias que têm, no interior do Estado do Amazonas, um custo muito elevado. Em suma, […] um investimento financeiro, emocional, cultural e de tempo considerável […] (Paim, 2013, p. 161, grifos nossos).

Essas situações retratam os limites de uma política educacional e do regime de colaboração que oferecem programas de formação em serviço, não garantem condições para a permanência com qualidade e acabam sobrecarregando os professores-estudantes. Como afirma Machado (2014), são questões muito sérias que podem comprometer a formação e atrapalhar a dinâmica pedagógica das escolas em que os professores atuam. Uma das poucas experiências positivas nesse aspecto foi citada por essa mesma autora, referindo-se ao governo estadual da Bahia, que disponibilizou bolsas para os professores da rede pública estadual. Contudo, as dificuldades permaneceram para os professores das redes municipais (Machado, 2014).

Mas a partir das teses, podemos concluir que não é apenas a questão financeira que contribui para a evasão dos cursistas. A segunda causa mais apontada e que, em nosso entendimento, merece uma atenção maior das IES, é a dificuldade dos cursos e de seus professores em contemplar a realidade profissional dos estudantes que, em sua maioria, já atuam na educação básica. Apesar de coordenadores dos cursos reconhecerem e até elogiarem essa experiência profissional – como afirma Souza (2015) – ela, muitas vezes, não é considerada na organização do currículo e na prática docente dos professores que atuam nos cursos, como destacaram diversas teses (Amorim, 2013; Paim, 2013; Machado, 2014; Monteiro, 2014; Moraes, 2014; Oliveira, 2014; Mota, 2015).

Analisando o projeto político-pedagógico (PPP) de uma licenciatura, Paim (2013) observou que a formação foi pensada de forma pré-fabricada, tomando por referência o currículo do curso de Física já existente e que, portanto, não levou em consideração as peculiaridades dos sujeitos que seriam formados pelo Parfor. Em grupo focal com professores-estudantes, esse autor ouviu desabafos como o que segue:

[…] às vezes eles nos tratam nesse sentido, justamente de achar que a gente não tem conhecimento, não sabe nada, não tem bagagem nenhuma, devido também porque a pessoa mora em cidades menores, acha que por a pessoa morar em cidade pequena, a pessoa não lê, não viaja, não pesquisa, porque talvez não cursou o nível superior, acha que a pessoa não tem conhecimento e logicamente que o nível superior vai fortalecer o conhecimento, vai até dar mais conhecimento a pessoa , mas isso não quer dizer que a pessoa não tenha, então também é uma coisa assim que pelo menos pra mim eu me sinto chateado, aqui neste momento (Grupo Focal/Professor-estudante) (Paim, 2013, p. 79, grifos nossos).

Outro autor também denuncia o caráter determinista de um curso de pedagogia que não atentava para “a particularidade que esses professores trazem de serem já profissionais, com uma vasta experiência constituída na prática de sala de aula e na convivência com o seu grupo profissional, com o aluno, pais e a comunidade escolar” (Mota, 2015, p. 190).

Além de reclamar que sua experiência não é considerada nas aulas, professores-estudantes também observaram que, em alguns casos, os saberes ensinados na universidade estavam distantes dos saberes práticos da escola:

Muitos conteúdos não faremos uso no cotidiano das nossas aulas de Ensino Médio com nossos alunos. (Entrevista/Professor-estudante)” […] O que se ensina na Universidade não posso dizer que não serve para nossa formação, porém está bem longe das necessidades dos nossos alunos (Entrevista/Professor-estudante) (Paim, 2013, p. 113).

Aulas não condiziam com a realidade na qual teríamos que lidar. Grande parte dos professores do IFB não levou em consideração a condição de que iríamos lidar com crianças do Ensino Fundamental e Ensino Médio, com isso, as aulas e os experimentos muitas vezes deixavam a desejar (Questionário, P5) (Moraes, 2014, p. 166).

Apesar dessas problemáticas, as teses registraram aspectos positivos, principalmente sobre a articulação entre teoria e prática, propiciada pela formação. Professores que participaram como sujeitos das pesquisas destacaram que o aprendizado teórico adquirido nos cursos contribuiu para sua atuação na educação básica. E até mesmo as experiências negativas levaram os cursistas a reverem sua prática docente e sua forma de se relacionar com seus alunos da educação básica (Paim, 2013). Apoiada no referencial teórico-metodológico do self dialógico, Amorim (2013) destaca o quanto esse aspecto foi importante para as professoras participantes de sua pesquisa:

[…] Atrelado a isto é destacado pela professora-estudante o reconhecimento por parte da escola diante do seu crescimento profissional, crédito que ela atribui à possibilidade de articulação teoria prática que faz com as aprendizagens construídas a partir das disciplinas do currículo do PARFOR. Dessa forma, as vozes geradas pela relação vivencial com esta posição apresentam-se como alicerces de atitudes resilientes (Amorim, 2013, pp. 100-101, grifos nosso).

Teses que trabalharam com outros referenciais teóricos também tiveram essa mesma percepção sobre a capacidade dos cursos do Parfor de propiciar a articulação entre teoria e prática. Mota (2015) destaca que o curso de Pedagogia que investigou teve uma significativa contribuição para a formação profissional das professoras-estudantes, acrescentando-lhes conhecimentos acadêmicos. O que também pode ser percebido nas falas de outros professores-estudantes. Um deles afirma que os “conhecimentos adquiridos durante todos os períodos estudados, com certeza me fizeram crescer muito mais como profissional, me proporcionando uma reflexão crítica e também levando-me a uma autoavaliação como pessoa” (Monteiro, 2014, p. 138). Segundo outro entrevistado dessa mesma autora:

Prática Curricular II dava dicas de como proceder em minha sala de aula e era isso que eu estava buscando […] Leitura em Língua Inglesa I veio me dar confiança, as leituras despertaram uma nova maneira de ver o curso e o mundo […] Prática Curricular III só facilitava para que melhorasse minha prática com meus alunos, já era possível ver um maior interesse pela disciplina (Rogério – RE e MR) (Monteiro, 2014, p. 119).

É interessante como as percepções dos professores-estudantes sobre a formação nos cursos do Parfor é contraditória. Por um lado, dizem que a formação está distante da sua realidade profissional, mas, por outro, destacam que contribuiu para que suas práticas docentes nessa realidade fossem modificadas. Isso retrata, de certa forma, o tensionamento das discussões sobre o papel da prática e da teoria na formação docente. Sobre esse aspecto, vale lembrar que, a partir da década de 1990, as políticas educacionais para a formação e (des)valorização docente passaram a atribuir um peso maior para a experiência do cotidiano, desqualificando, assim, os contributos teóricos e, consequentemente, desvalorizando a universidade como espaço de formação de profissionais da educação. Tal movimento, de cunho pragmático, caracterizou o que se convencionou chamar de ‘epistemologia da prática’, orientada por organismos internacionais e amparada em autores como Schön (2000) e Perrenoud (1993).

Não nos é possível discutir aqui o quanto o imaginário dos professores, sobre sua prática profissional, é influenciado por essa orientação praticista. Mas, tal hipótese não pode ser descartada, pois, geralmente, os professores passam por formações rápidas nas redes de ensino, que se limitam a reproduzir a ideia de que a escola precisa produzir com pouco e que o bom professor é aquele que sabe treinar seus alunos para testes de avaliação em grande escala. Carregando consigo essa concepção equivocada sobre o papel social da escola e deles próprios, os professores se defrontam, no interior dos cursos superiores, com outra cultura formativa, que enfatiza a importância de uma formação teórica sólida. Daí, talvez, uma das explicações para percepções tão contraditórias sobre a relação entre a universidade e a educação básica.

Ainda sobre essa articulação teoria-prática, vale destacar, como apontam as teses, que de certa forma o Parfor propicia a reaproximação entre a Universidade e a educação básica, se constituindo em um local de desenvolvimento profissional e levando a melhorias na prática dos professores-estudantes (Mota, 2015). Dessa forma, como destaca outra autora, a universidade acaba se tornando fonte de retroalimentação da prática docente (Amorim, 2013).

Mas a qualidade dos cursos e da formação oferecida depende também de investimentos. Assim como no caso dos professores-estudantes, as IES também são afetadas pela problemática do financiamento e, conforme apontam as pesquisas, algumas apresentam problemas que vão desde a falta de espaço e computadores até a falta de funcionários (Amorim, 2013; Machado, 2014; Monteiro, 2014; Moraes, 2014; Reis, 2014; Bastos, 2015). Isso ficou bastante evidente nas falas de professores e estudantes que participaram da pesquisa de Monteiro:

Não se tinha um local certo, em se tratando do espaço físico, tudo era incerto até no próprio dia do início de cada etapa. Pode-se dizer que os acadêmicos eram nômades, sem destino certo, sem sala, e até mesmo comparados com os sem teto. (Carlos – RE e MR). Infelizmente, em cada módulo, realizamos nossos estudos em um local diferente, com estruturas danificadas, com salas de aulas com iluminação inadequada, ar-condicionado que não funcionavam, banheiros com vazamentos, entre outras dificuldades. (Eliza – RE e MR). […] A falta de um pólo universitário prejudicou bastante nosso rendimento, pois não disponibilizamos de muitos ambientes que facilitariam nossas pesquisas, como um laboratório de informática, biblioteca, auditório e etc. (Fernanda – RE e MR) (Monteiro, 2014, pp. 123-124).

Também coordenadores de cursos, entrevistados por Machado (2014), descrevem as dificuldades do Parfor em uma instituição federal:

Como são oito cursos oferecidos nessa universidade, a partir de um período foram reservadas duas salas de um dos pavilhões para a realização das aulas. Em cada semana, duas turmas estão em aulas. […] A questão do espaço tem sido problemática nessa universidade, até para os cursos regulares, principalmente depois da sua adesão ao REUNI, quando iniciou um processo intenso de criação de novos cursos. Nem sempre se dispõe de espaço adequado. Também as coordenações dos cursos carecem de recursos materiais e equipamentos, apesar da existência de verba destinada para essas rubricas, que nem sempre é suficiente ou permitida para a compra de determinados itens (CC4) e (CC3) (Machado, 2014, pp. 157-158).

Bastos (2015) chama a atenção para a disparidade entre o que consta nos documentos oficiais da Capes e a realidade nas IES. Segundo ela, enquanto nos documentos oficiais há sempre o discurso de otimização, na prática o que ocorre é o uso de espaços inadequados, falta de bibliotecas, de laboratórios e contratação de professores temporários.

As dificuldades descritas acima precisam ser atacadas de forma efetiva pelos entes federados responsáveis pelo Parfor, pois acabam refletindo na qualidade, tanto da gestão quanto no planejamento pedagógico dos cursos. Aliás, um dos aspectos encontrados pelas investigações foi a ocorrência de cursos sem PPP específico e que apenas repetiam programas dos cursos regulares ou de experiências anteriores de formação, acarretando assim em pobreza pedagógica (Jesus, 2014; Bastos, 2015; Souza, 2015), como se pode deduzir dos trechos abaixo:

As licenciaturas ofertadas não apresentaram um Projeto Político Pedagógico antes de iniciar os cursos, e que fosse elaborado com as características próprias, considerando as especificidades da formação de professores em serviço. […] Em relação às modalidades dos cursos de licenciaturas que foram oferecidos no Parfor, todos indicavam ser presenciais, contudo em seu funcionamento indicava uma ação semipresencial, provavelmente, nos moldes do Prohacap (Bastos, 2015, p. 129, grifos nossos).

A proposta do referido curso funcionou praticamente com o mesmo currículo do curso de Pedagogia de fluxo contínuo da UFBA, apenas com alguns ajustes. A estrutura curricular foi reorganizada no sentido de adequar as disciplinas e atividades previstas em um tempo menor, visto que o curso regular tem a previsão de conclusão mínima de oito semestres letivos para o diurno e de dez semestres para o noturno (Jesus, 2014, p. 35-36, grifos nossos).

Além das dificuldades de gestão e infraestrutura, as pesquisas apontam que também as disputas de poder dentro das IES afetam a qualidade dos cursos. Bastos (2015) destaca a baixa articulação do Parfor nos espaços representativos das IES, o que teria dificultado, assim, inovações nas propostas pedagógicas e o atendimento dos cursos à realidade dos estudantes. Paim (2013) também encontrou algo semelhante em sua investigação sobre atos de currículo e formação em um curso de licenciatura de Física em que o coordenador, sendo da física pura, não incluiu professores da área de Ensino da Física no projeto, trazendo consequências para o currículo do curso.

Mesmo com tantos obstáculos a superar, as investigações indicam existir experiências positivas e até mesmo inovadoras nos cursos do Parfor. Monteiro (2014), por exemplo, observou que a interdisciplinaridade foi um dos aspectos que os entrevistados passaram a considerar a partir da experiência que tiveram no curso e encontrou na fala de professores-estudantes referências às atividades de pesquisa e extensão.

Quanto às possibilidades de inovação, Mota (2015) destaca a presença da disciplina ‘Alfabetização: fundamentos e métodos’ como inovação curricular do curso de Pedagogia que investigou. Na pesquisa de Monteiro (2014), os memoriais reflexivos e relatórios de estágio analisados demonstraram que os cursistas mudaram sua relação com os materiais didáticos, aprendendo, produzindo e levando inovações para suas aulas nas escolas da educação básica:

[…] durante os estudos na graduação aprendemos várias metodologias inovadoras através de professores bem preparados […]. (Fernanda – RE e MR) […] a partir das aulas que tive no PARFOR […] mesmo com poucos recursos, busquei inovar em minhas aulas […]. (Lourdes – RE e MR) […] vale salientar que, as novas metodologias aplicadas em sala de aula e conhecimentos teóricos sobre o ensino de uma língua estrangeira começaram a criar uma nova perspectiva aos alunos, pois, uma diversidade de caminhos, ainda não conhecidos por mim e pelos colegas de sala de aula, mostrava que era possível melhorar a qualidade do ensino de Língua Inglesa nas salas de aulas das escolas públicas (Armando – RE e MR) (Monteiro, 2014, p. 150).

Os resultados das teses também apontam para uma dimensão muito importante no que diz respeito à temática da inovação: o ambiente sociocultural em que as inovações podem germinar. Neste ponto, parecem-nos salutares as ideias de Ferreira (2013) de que a inovação gerada pela universidade não deve se limitar a atender apenas às demandas do sistema produtivo. Ainda segundo esse autor, o ato de inovar, na educação, não deve ser entendido como uma obrigação, mas como uma possibilidade do trabalho coletivo e individual dos professores e dos profissionais da educação que, sendo condicionada historicamente, pode ser emancipadora e transformadora (Ferreira, 2013).

Dentro dessa perspectiva, os dados obtidos pela análise das teses demonstram que os cursos do Parfor, mesmo com os diversos obstáculos, apresentam condições e possibilidades para a ocorrência de inovações, principalmente construídas coletivamente. Mota (2015) ouviu de uma cursista que a troca de experiência entre os diversos olhares e experiências foi muito favorável para a aprendizagem. Há também, em outras teses, trechos que fazem referência a essas possibilidades de construção coletiva da inovação, inclusive destacando o papel ativo e transformador dos próprios cursistas nesse processo:

No ano de 2013, os alunos insatisfeitos com a sobrecarga de trabalhos e com o não envolvimento de muitos professores nas atividades à distância, que não compareciam nem para prestigiar os trabalhos, resolveram coordenar a atividade de culminância com I Seminário do Curso de Pedagogia-PARFOR do Campus de Bragança. O referido evento foi planejado pelos representantes de turma de coordenação local, com distribuição de tarefas e responsabilidades. Naquele momento, ficamos preocupados em transferir essa responsabilidade pelos alunos, no entanto, surpreendemo-nos com o interesse e mobilização que os mesmos fizeram nos municípios que atuavam. Eles conseguiram patrocínio das prefeituras, dos comerciantes locais e empresários das empresas pesqueiras da região. […] Finalmente tudo saiu a contento, além das expectativas tanto dos alunos quanto dos professores, com a participação efetiva dos alunos e coordenadores das equipes. […] foi interessante acompanhar a astúcia dos alunos e o desejo de conduzirem o seu próprio processo de formação, de acordo com suas possibilidades (Reis, 2014, p. 142).

Para esse autor, a resistência por parte dos professores-estudantes é importante para evitar que se caracterize uma relação de medo em relação aos poderes estabelecidos na instituição. Paim (2013) também chama a atenção para essa capacidade de resistir para reexistir e, assim, aprenderem e produzirem coletivamente, propiciando que até mesmo os professores do curso pudessem aprender e rever suas práticas.

Outras dimensões positivas do Parfor extrapolam o espaço das IES e, mesmo tendo um viés subjetivo, não podem ser desconsideradas. Uma delas é em relação ao significado dessa formação/certificação para os professores cursistas. As teses indicam que a formação no Parfor empoderou os professores-estudantes, dando-lhes reconhecimento profissional e legitimidade, tanto em relação à sociedade quanto em relação à família. Além disso, também estimulou a continuarem com sua formação em nível de pós-graduação (Amorim, 2013; Paim, 2013; Jesus, 2014; Reis, 2014; Mota, 2015). Importante ressaltar que esse significado não se limita apenas aos professores-estudantes, pois, como apontam outros autores, sua influência também atinge a rede social e familiar desses professores, estimulando-os a valorizar os estudos e a formação continuada (Amorim, 2013; Jesus, 2014).

Considerações finais

Movimentar-se, educar-se, ensinar, contribuir com o mundo, vê-lo florescer a cada aprendizado de seus alunos. Mesmo professores que ainda não leram Tolstói têm noção dessa essência da nossa profissão. Mas realizar esse movimento, como bem relatam os cursistas do Parfor, não é tarefa fácil. Além do alimento intelectual, precisam garantir as condições concretas de existência humana, suas e de suas famílias. Daí a importância de políticas que garantam condições dignas de formação e de trabalho para os profissionais da educação.

A análise realizada aponta que, mesmo tendo surgido em um contexto induzido por organismos internacionais para tornar a educação um dos ambientes de inovação para o sistema produtivo, o Parfor apresenta potenciais de inovação como práxis transformadora. Destacam-se, no nível de implantação, os Fepads, espaços de discussão plural e democrática que, fortalecidos por uma maior articulação com as universidades, com as escolas e com as entidades representativas dos trabalhadores da educação, aumentam a possibilidade de participação da sociedade civil na proposição e avaliação das políticas educacionais, mediando o regime de colaboração.

No nível dos cursos, as pesquisas sugerem uma riqueza de contradições e que as possibilidades de inovação dependem tanto da participação dos cursistas quanto dos delineamentos prévios para os cursos. O que nos chama a atenção para a importância de uma gestão democrática, pois, obviamente, a inovação como possibilidade do trabalho coletivo e individual, historicamente condicionado, encontra terreno fértil nos espaços democráticos, com a participação da coletividade que, por sua vez, movimenta-se para concretizar e ampliar a democracia. Logo, não enxergarmos os cursos do Parfor como apenas uma fábrica de sujeitos para o sistema capitalista, como afirma, em certo momento, uma das teses. Tampouco aceitamos falas fáceis de que não ocorrem inovações nesses cursos. Contudo, não podemos relegar ao protagonismo dos cursistas e das IES a responsabilidade pela qualidade da formação, suprindo a falta de investimentos da União e dos entes federados.

No caso dos cursistas, vários são os obstáculos para continuarem estudando enquanto trabalham nas escolas e cuidam de suas famílias. Cenário que pode piorar com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 241, em trâmite, e seu impacto sobre o financiamento das políticas públicas. Nesse contexto, o decreto 6.755/2009 (Casa Civil, 2009) foi recentemente revogado pelo decreto 8.752/2016 (Casa Civil, 2016) e a recente guinada à direita traz preocupações quanto às chances de participação democrática no país. Logo, as pesquisas realizadas sobre o Parfor têm o desafio de analisar criticamente um ciclo de políticas para a formação docente e subsidiar políticas educacionais vindouras.

Referências

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Recebido: 03 de Junho de 2019; Aceito: 17 de Agosto de 2020

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