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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 19-Ago-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.28636 

Artigos

O lugar dos paratextos biografia e sinopse em obras literárias infantis

El lugar de los paratextos biografía y sinopsis en obras literarias infantiles

The Place of Biography and Synopsis, as Paratexts, in Children's Literary Works

La place des paratextes biographie et synopse dans des œuvres littéraires pour enfants

1Pesquisadora CNPq. Doutora em Letras, ênfase em Teoria da Literatura pela PUCRS. Graduada em Letras e em Biblioteconomia pela Universidade de Caxias do Sul. Atua como professora e pesquisadora na Universidade de Caxias do Sul-RS, nos programas de Pós-graduação em Educação e em Letras e nos cursos de graduação em Biblioteconomia, Pedagogia e Letras. Pesquisa em especial temas ligados à leitura, à infância e à literatura.

2Possui Licenciatura Plena em Letras pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ao longo da graduação, atuou como bolsista de iniciação científica (PROBIC-FAPERG) sob orientação da professora Dra. Flávia Brocchetto Ramos, participando dos projetos: Leitor do PNBE 2014: do papel à mediação; Mediação de leitura literária: análise de instâncias paratextuais em obras selecionadas pelo PNBE e Práticas educativas: leitura em perspectiva plural.

3Doutora em Informática na Educação pela UFRGS. É docente na Universidade de Caxias do Sul. É docente permanente no PPG Profissional em História e no PPGEDU/UCS. Coordena pesquisas nas áreas de História da Educação; linguagens no ensino de História. Coordenadora do grupo de pesquisa CONECTIVIDADE.


Resumo

Considerando que um livro é formado por texto e paratextos e que a interação com ambos qualifica a leitura, pretende-se investigar como os paratextos verbais biografia e sinopse são apresentados na obra literária infantil. Foram utilizadas três obras do PNBE 2014: A princesa desejosa, de Cristina Biazetto, Pedro Noite, de Caio Riter, A velinha e o porco, de Rosinha. A análise das obras considerou a formação dos paratextos citados, levando em conta as suas características, como, por exemplo, a linguagem e os receptores a quem são direcionados. Os dados apontam para a relevância de atentar para dados presentes em paratextos em processos de mediação das obras literárias.

Palavras-chave Literatura; Paratextos; Mediação

Resumen

Considerando que un libro está formado por texto y paratextos y que la interacción con ambos califica la lectura, se pretende investigar cómo los paratextos verbales, biografía y sinopsis, son presentados en la obra literaria infantil. Fueron utilizadas tres obras del PNBE 2014: A princesa desejosa, de Cristina Biazetto, Pedro Noite, de Caio Riter y A velinha e o porco, de Rosinha. El análisis de las obras consideró la formación de los paratextos citados, llevando en cuenta sus características, como, por ejemplo, el lenguaje y los receptores a quiénes son dirigidos. Los datos indican la relevancia de atentar para datos presentes en paratextos en procesos de mediación de las obras literarias.

Palabras clave Literatura; Paratextos; Mediación

Abstract

Considering that a book is made up of text and paratexts, and that the reader's interaction with both qualifies reading, we intend to investigate how the verbal paratexts biography and synopsis are presented in children's literary works. For this study, we used three stories of PNBE 2014: A princesa desejosa, by Cristina Biazetto, Pedro Noite, by Caio Riter, and A velinha e o porco, by Rosinha. The analysis of the stories considered the formation of the biography and synopsis, taking into account their characteristics, as for example the language used and to whom they are directed. The data point to the relevance of considering data which are present in paratexts in processes of mediation of literary books.

Keywords Literature; Paratexts; Mediation

Résumé

Considérant qu'un livre est composé de texte et de paratextes et que l'interaction avec les deux qualifie la lecture, cet étude prétend étudier comment les paratextes verbaux, la biographie et le synopsis, sont présentés dans le travail littéraire pour enfants. Trois œuvres du PNBE 2014 ont été utilisées: A princesa desejosa, de Cristina Biazetto, Pedro Noite, de Caio Riter et A velinha e o porco, de Rosinha. L'analyse des œuvres a considéré la formation des paratextes susmentionnés, en tenant compte de leurs caractéristiques, telles que, par exemple, la langue et les destinataires auxquels elles s'adressent. Les données indiquent la pertinence d'essayer de trouver des données présentes dans les paratextes dans les processus de médiation des œuvres littéraires.

Mots clés Littérature; Paratextes; Médiation

Introdução

Interagir com a obra literária é uma experiência proporcionada pelo conjunto de elementos que a integram, os quais influenciam na sua recepção e significação. Na composição de um livro literário estão os paratextos, ou seja, o que está além do texto e que interfere (contribuindo ou não) na leitura da obra. Como destaca Genette (2009, p. 9), “[…] pode-se sem dúvida adiantar que não existe, e que jamais existiu, um texto sem paratexto”, o que justifica a sua importância na composição das obras literárias, principalmente no âmbito particular da literatura infantil.

Segundo Ramos e Panozzo (2005, p. 117), elementos como a capa e a contracapa “desencadeiam informações e fazem emergir hipóteses do que se pode esperar do texto […]”. Assim, buscamos analisar caraterísticas paratextuais intrínsecas à esfera verbal de três obras pertencentes ao acervo da categoria 3 do PNBE 2014, a saber: A princesa desejosa, de Cristina Biazetto, A velhinha e o porco, da escritora Rosinha, e Pedro Noite, de Caio Riter. O recorte pelos elementos paratextuais verbais deu-se pelo grande número de dados presentes em uma obra e pelo fato de, em outro estudo, já termos abordado elementos externos ao exemplar – capa, contracapa e orelhas. Desejamos, nesse momento, analisar as características das sinopses e biografias, problematizando a maneira como esses paratextos verbais são apresentados na obra literária infantil, a fim de compreender, considerando tais dados, o como e o porquê de se mediar a interação dos jovens leitores.

A análise das obras destacadas considerou a formação dos paratextos biografia e sinopse, levando em conta suas principais características, como a linguagem e os receptores a quem são direcionados. Além disso, buscamos compreender e destacar a importância de mediar o contato com esses elementos e a forma como podemos realizar essa mediação. Temos como intuito apresentar dados para que o processo de mediação se efetive promovendo a formação de leitores autônomos.

Entendemos que a formação do leitor passa pelo entendimento de aspectos paratextuais presentes no livro. De acordo com Barbosa e Frade (2012), os paratextos podem ser vistos como esconderijos que abrigam segredos particulares da história, os quais devem ser decifrados pelos leitores de maneira distinta. Esses elementos são responsáveis por convidar o leitor para um contato íntimo com o texto, de modo a “garantir que este leitor seja verdadeiramente um leitor de uma dada obra, embora não haja garantia de que os leitores o leiam” (Barbosa & Frade, 2012, p. 14). O texto literário nunca se apresenta sozinho, ou seja, conta sempre com “certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações” (Genette, 2009, p. 9). Esses elementos contribuem para que um texto se torne livro e oferecem para cada leitor a possibilidade de encontrar e explorar, ou não, aquilo que está escondido. Não existe texto sem paratextos, de modo que, desde as identificações básicas, como o título, já temos exemplos de paratextos.

Devido ao papel desses elementos, há necessidade de que sejam considerados nas experiências literárias dos jovens leitores. Para que isso se efetive, surge a exigência de efetiva mediação na formação do leitor, o que representa processo de aproximação dos alunos com textos que possam atraí-lo, com os elementos que compõem os livros e, consequentemente, com detalhes que os instiguem na descoberta do mundo da leitura.

A importância de mediar

Pela importância da literatura na vida humana e pela densidade desses textos, impõe-se a necessidade de planejar e de efetivar ações mediadoras. A mediação adequada possibilitaria o cruzamento da ponte que, em muitos casos, existe entre eles. Hábitos e interesses pessoais são formados a partir de distintas influências e vivências cotidianas que variam de acordo com quesitos específicos da realidade de cada um, tal como a cultura. Da mesma forma, o hábito de ler não resulta somente de uma vontade pessoal, mas pode ser instigado e desenvolvido.

Moraes (2004) define a mediação pedagógica pelo enfoque sistêmico, destacando-a como processo de comunicação em que a conversa tem papel indispensável ao criar o diálogo e a negociação e incentivar a construção conjunta de saberes contextualizados a partir da interação. Logo, uma ação mediadora consiste em criar ambiente propício à aprendizagem, provocar o diálogo e a escuta, processar informações, fazer circular ideias e significados, no contato comunicativo e significativo entre sujeitos.

O conceito de mediação designa aquilo que se encontra entre duas partes, indica reciprocidade e interação. No contexto didático-pedagógico, caracteriza-se um tipo de relação entre professor/aluno e aluno/aluno, a qual tem por eixo a interação no diálogo e na escuta. Como forma de educar, tais procedimentos tornam os integrantes do processo protagonistas ativos, críticos e criadores. No âmbito de ensino e aprendizagem, o caráter mediador pressupõe uma ação de natureza didática, de responsabilidade do professor. A intencionalidade e o desejo docente dinamizam a intencionalidade e o desejo do estudante. O entendimento do processo “saber como se aprende para saber como se ensina” considera as relações entre o âmbito cognitivo, afetivo e interativo nas ações mediadoras entre alunos e cultura. Os objetos de conhecimento não são apropriados pelo sujeito de forma imediata, mas pela associação de fatores diversos, principalmente aspectos sociais, afetivos, culturais e de linguagem que atuam na produção de sentidos.

Diversas são as variáveis que interferem na formação leitora, dentre elas, a intervenção de um profissional competente, que atue como mediador de leitura, representa diferencial que pode ser decisivo para o percurso. Nesse aspecto, aponta Miguez (2000) que a escola, muitas vezes, é o principal espaço de formação dos jovens com a leitura, ou seja, apresenta-se como intermediária na relação do estudante com o objeto livro. A atuação do mediador é indispensável na orientação para que o leitor iniciante interaja com as peculiaridades do livro literário.

Assim, é necessário que o mediador, professor, construa alternativas de interação capazes de instigar a curiosidade dos estudantes sobre o mundo que encontram por meio da leitura. Não se deve esquecer, nesse ponto, que, como afirma o autor, a leitura de um texto literário pode gerar diferentes tipos de reação. Muitos leitores podem responder positivamente diante de um texto, de modo que se identificam com personagens e situações, mas, ao mesmo tempo, outros podem reagir de forma negativa e não se interessar pelo caminho sugerido. Tal fato pode ser explicado pelo princípio do horizonte de expectativas, que “[…] varia de leitor para leitor. Uns têm mais experiências literárias que outros e esse fator distingue os leitores entre si pela maturidade” (Sagrilo, 2007, p. 2). Ressaltamos ainda que a interação de linguagens na composição da obra literária oferece possibilidades para a leitura “que apenas um código não oferece, cabendo ao professor, como mediador de leitura, instrumentalizar o aluno para que atribua sentidos às nuances anunciadas já na capa dos livros infantis” (Ramos & Panozzo, 2005, p. 128). Daí a importância de o mediador auxiliar o aluno no processo de sua formação leitora.

Paiva e Santos (n.d.) apontam que, considerando o professor como principal influenciador da formação de leitores, é necessário refletir sobre as concepções e práticas de leitura que são base das práticas em sala de aula. O docente é, nessa perspectiva, o responsável por mediar o encontro entre aluno e texto literário e deve, dessa forma, fazê-lo por meio de prática pedagógica capaz de “promover a ampliação do horizonte da criança, a partir da valorização dos saberes culturais vividos em seu cotidiano” (Paiva & Santos, n.d, p. 2). Com base nisso, bem como em todas as definições e ressalvas apontadas, reafirma-se a necessidade de se construir um caminho que auxilie os alunos na recepção, interpretação e significação da obra literária e dos elementos que a compõem, a fim de contribuir para a autonomia de leitura dos estudantes.

São muitos os elementos paratextuais encontrados nas obras literárias para os quais o professor pode direcionar a mediação. Nesse estudo, atribuímos foco aos do âmbito da linguagem verbal, no que consideramos, principalmente, a sinopse e biografias do autor e ilustrador, os quais auxiliam o reconhecimento e a interação do leitor com a obra. A maneira como são registradas componentes do livro, como sinopses, biografias ou sumários tem a capacidade de agregar o leitor e atingi-lo diretamente, ou, faltar com o mesmo e ser direcionada ao mediador. Pode, ainda, representar uma característica atrativa, promovendo a curiosidade e a integração da criança para com o produto livro, de modo que influi sobre o grau de compreensão e interesse dos pequenos leitores sobre a história. Na sequência, analisaremos elementos paratextuais ligados diretamente à linguagem verbal com maior destaque na composição das obras estudadas.

Instâncias mediadoras: biografias de autor e ilustrador

As biografias são paratextos pouco estudados e que possuem grande representatividade sobre o auxílio dedicado ao leitor no reconhecimento e na aproximação com a obra, ao permitir que o criador seja reconhecido e aproximado do leitor. De maneira bastante ampla, a construção desse paratexto, em geral veiculada ao final da obra, pode variar quanto suas características linguísticas, bem como quanto suas intenções específicas.

Falar em biografias é falar em histórias de vida ou em indícios de uma existência individual concebida como narrativa. A escrita, seja biográfica ou autobiográfica, seleciona e organiza acontecimentos, dando um caráter de autorreferenciamento, isto é, como o sujeito deseja ser identificado ou como inventa a si próprio. Essa escrita de si baseia-se na intenção de dar sentido aos eventos, constituindo significados entre eles e sistematizando uma identidade. Sendo um discurso sobre si, é uma apresentação pública, oficializando uma representação privada (Bourdieu, 2006, p. 189). O nome próprio do sujeito/autor constitui um elemento importante em tais narrativas, pois garante a identidade do indivíduo biológico, independentemente dos espaços sociais que ele ocupa e do tempo cronológico, atribuindo-lhe a permanência.

O quadro 1 apresenta as biografias veiculadas nas obras a serem analisadas.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Quadro 1 Biografias autores e ilustradores 

Iniciamos a análise pela obra A princesa desejosa, a qual expõe a biografia da autora escrita por esta. No texto, a autora coloca suas principais características e dados, como ano de nascimento e formação, no entanto, não é isso o que mais chama a atenção. Ao ler o pequeno relato, o leitor conhece um pouco as motivações para a criação da história: “Tudo começou quando vi um desenho feito por uma menina de quatro anos” (Biazetto, 2012, p.30). Ela revela qual foi a sua motivação, afirmando que a forma como o desenho de uma criança era constituído chamou-lhe a atenção, principalmente, na quantidade incomum de braços.

A figura retratada parecia ter vários braços bocas e narizes. O que mais me marcou foram os braços. Então desenhei uma moça com oito braços, que logo virou princesa. Como não conseguia parar de desenhar, rapidamente surgiu um príncipe, cheio de pernas. (Biazetto, 2012, p. 30).

Com a descrição do desenho que lhe serviu de inspiração, a autora faz referência direta à personagem principal, da mesma forma como quando, no mesmo texto, se refere à criação de um príncipe cheio de pernas. Essa aproximação das personagens com a realidade da autora faz com que, consequentemente, o leitor aproxime a ficção da sua realidade e, devido à exposição da autora, tenha vontade de buscar e de conhecer mais sobre os representantes da aventura contida no livro. Além disso, Cristina Biazetto mostra aos leitores o processo de criação do enredo, fazendo referência ao momento de construção da história e à relação que estabeleceu com isso. Para tal, coloca esse processo como “um trabalho muito divertido de realizar, do início ao fim”. Essas características permitem efetivar estreita relação da autora com o enredo construído, tornando esse paratexto mais uma fonte de informações para a ampliação do processo de significação da obra e um convite para a aproximação do leitor.

A forma como a escritora se posiciona sugere maior ligação entre ela e o indivíduo que a lê, ao mesmo tempo, amplia as interpretações quanto às personagens e ao enredo. Fica claro, devido à forma como é construída e em razão da linguagem empregada, que a biografia componente da obra representa um convite ao leitor, despertando o seu interesse em adentrar a história da princesa de oito braços e descobrir como se desenvolve o encontro entre ela e o príncipe curioso. Além disso, sugere uma vasta gama de possibilidades para a imaginação infantil criar conexões entre a realidade e a história que lhe é contada nas páginas do livro.

O texto, construído em primeira pessoa, assume tom pessoal, aproximando o autor do leitor, como um amigo que lhe está falando, bem como atrai o leitor ao texto. A aproximação possibilitada por essas características, junto à exposição que a autora faz do próprio interesse pela história e personagens, afirmando que “estava curiosa em conhecê-los e desejosa para que se encontrassem” (Biazetto, 2012, p. 30), encarrega-se de instigar a curiosidade do leitor mirim. Além disso, quando finaliza sua apresentação com um convite indireto ao leitor, ressalta sua vontade enorme de contar o que aconteceu com as personagens para todo mundo, o que tende a despertar o interesse dos interlocutores, já que instiga a curiosidade, desafiando-os a conhecerem mais a fundo a história e permitindo que construam significações mais amplas para dados apresentados na obra. Essa relação direciona estreitos laços com as personagens e a exploração da história, sendo que, como um diálogo pessoal e amigável, consegue tornar também o enredo mais próximo do público e aumentar o desejo de partilha do relato.

Em Pedro Noite, de Caio Riter, ao final da obra, também nos é apresentada uma pequena biografia do autor, na qual o próprio escritor se apresenta, colocando dados pessoais e informações sobre sua carreira. Um dos fatores mais interessantes na composição desse pequeno texto é a forma como são reforçadas as relações existentes em toda a composição sobre a provável realidade em que são baseadas as experiências descritas no enredo. Afinal, a referência ao nome da personagem como sendo o mesmo de um amigo do autor, o qual lhe inspirou para construir a história, faz com que a distância entre enredo e realidade seja quase inexistente. Ao mesmo tempo, o autor deixa clara sua paixão pela escrita, criando laços amigáveis com o seu público e expondo ao leitor sua relação com essa prática: “Escrever é, para mim, algo especial; fico espiando a vida e procurando algo para contar” (Riter, 2011, p.30). Fica evidente a motivação do autor em contar histórias, demonstrando o quanto retratar uma aventura presenciada na vida ou imaginada por uma experiência própria é importante. Ao mesmo tempo, como em A princesa desejosa, é explicada a maior inspiração para a criação da história de Pedro noite, já que Caio Riter confessa textualmente ao leitor: “Um dia, ouvi um amigo meu, o Pedrão, falar de sua infância, e fiquei achando que aquilo tudo que ele dizia poderia virar uma história-poema. Assim, escrevi Pedro Noite” (Riter, 2011, p. 30).

Com escrita em primeira pessoa e fazendo uso de marcas de oralidade, o autor revela o que pensa, colocando sentimentos e impressões pessoais na construção, fator relevante que torna o encontro do leitor com a história e autor mais íntimo e prazeroso. A linguagem utilizada, com a escolha por palavras simples, de fácil compreensão e com o tom de pessoalidade, se sobressai e evidencia a intenção em determinar a própria criança como receptora da obra e de seus paratextos, bem como das informações que lhe são vinculadas. Observamos, a partir disso, a possível construção de uma relação mais individual e especial, na qual o leitor pode se reconhecer e tomar os fatos para si como experiências e vivências. Além disso, a possibilidade de conceber o protagonista como uma pessoa real faz com que os pequenos leitores se sintam mais atraídos para conhecer detalhes da história.

Junto à biografia do autor, há também dados sobre o ilustrador, outra pequena biografia, escrita pelo próprio, a qual, além de apresentá-lo, coloca sua visão sobre a obra e sua inspiração para a ilustração: “Ao narrar em imagens a história de Pedro Noite, tive como fio condutor a solidão e a angústia do personagem, que aos poucos cedem lugar à libertação pelo conhecimento de sua história e descoberta de suas origens” (Riter, 2011, p. 31). Ao ler as palavras do ilustrador, o leitor recebe uma síntese da história, pode ter noção do tema da narrativa e, por meio disso, interessar-se por conhecer mais sobre o enredo e sobre a personagem ali anunciada. A forma como ambos, autor e ilustrador, escrevem sobre suas próprias visões e motivações, utilizando linguagem simples e pessoal, torna o leitor mais próximo, de modo que o coloca ao lado do enredo e representa um convite para que adentre a história de Pedro Noite. A estreita relação construída com o jovem leitor fica evidente quando o autor o convida para conhecer o livro: “Agora, entrego-o a você, desejoso de que ele vá ao encontro de seu coração, assim como foi direto para dentro do meu” (Riter, 2011, p. 31).

Por último, na biografia componente da obra A velhinha e o porco, são citadas apenas algumas informações sobre a autora, sendo escrita de maneira mais distante, com ausência de marcas de oralidade e do tom pessoal que estavam presentes nos textos anteriores. De forma impessoal e sem ligação direta com o enredo, a escrita dessa biografia parece ser resultado de produção externa à autora, causando certo distanciamento ao leitor. Apesar de ser construída de forma a ser facilmente compreendida, percebemos a falta de dados atrativos ao leitor infantil, público-alvo da obra. Ao final da biografia, há indicação sobre as ilustrações que informa aos leitores sobre o método utilizado nesse procedimento: “Para ilustrar esse livro, usou nanquim, fotografia de tecido e Photoshop”. Apesar da distância no tom enunciativo, essa informação é positiva, visto que pode direcionar os estudantes para olhar com mais atenção as imagens, de modo a perceberem peculiaridades pelas quais as figuras ganharam forma e passaram a integrar o enredo da obra.

Percebemos que a biografia representa elemento bastante comum na composição dos exemplares. Como forma de apresentação do autor, esse elemento contempla a possibilidade de estabelecer relação entre o criador da obra e o seu leitor, fazendo com que, em geral, haja um processo de identificação e criação de elos amigáveis entre ambos. Outra característica é a revelação do processo de criação em algumas biografias – dentre as obras analisadas, duas delas, A princesa desejosa e Pedro Noite, anunciam para o leitor, de maneira bastante propícia, o momento de escrita da história e impressões pessoais sobre o enredo e as personagens. A oralidade, característica dessas biografias, junto ao tom de pessoalidade, pode cativar o leitor e favorecer seu ingresso na aventura veiculada nos livros.

Em contraponto, há a ausência dessas características em uma das obras. A velhinha e o porco traz biografia sem marcas de pessoalidade, construindo uma relação mais distante com o seu leitor. Tal fato nos faz refletir sobre o distanciamento sugerido por essa modalidade discursiva. Com uma abordagem voltada diretamente para o apontamento de informações sucintas, essas biografias não representam um convite explícito para a experiência de leitura do exemplar de que fazem parte, de modo que não dialogam diretamente, ao menos não em quesito de formação do texto, com o leitor criança. Com base nesse comparativo, ressaltamos que a biografia, elemento paratextual frequentemente presente, pode variar quanto ao direcionamento de sua mensagem, bem como quanto à linguagem utilizada e composição do seu texto.

Apontamos, além do que já foi colocado, na obra A velhinha e o porco, outro elemento verbal de grande importância para a composição do livro, a explicação sobre os contos acumulativos. Essa funciona, no âmbito da história, como paratexto de destaque, pois, postada ao final da obra, informa ao leitor sobre a composição do enredo, dando-lhe orientação para a leitura. Além disso, breve explicação sobre a coleção à qual pertence o livro permite entendimento ampliado do leitor quanto à importância da obra no âmbito cultural, já que se trata da atualização da cultura popular oral. Para tal, há explicação mais detalhada sobre os contos acumulativos na penúltima página do livro e, além disso, há, junto à explicação sobre o estilo de conto, a indicação da obra original em que se baseou a história apresentada, para que, assim, os leitores tivessem conhecimento sobre como o conflito teve origem. Essas informações, na contracapa, permitem que o leitor conheça a obra de forma mais ampla e consciente, contribuindo, assim, para a autonomia do leitor.

Vale destacar, ainda, que, no livro Pedro Noite, também são veiculadas, como na obra de Rosinha, explicações que auxiliam na compreensão ampla dos detalhes do enredo, em especial, da linguagem. O vocabulário agregado ao final do livro, “Vocabulário Yorubá”, junto à explicação da língua utilizada pelo pequeno Pedro Noite em vários trechos do texto, escrito diretamente para os leitores, possibilita melhor assimilação quanto ao conteúdo escrito e, consequentemente, ao sentido da história. Trata-se, assim, de um conjunto de paratextos que, ao lado do texto em si, permite ao leitor obter amplo conhecimento sobre a obra, ter consciência sobre intenções do autor e interpretar o conjunto de informações disponíveis para que, dessa forma, possa significá-la de maneira mais proveitosa e concreta.

Instâncias mediadoras: sinopses

A sinopse caracteriza-se como um paratexto privilegiado, o qual, em geral, ganha destaque por sua alocação em espaço externo e evidente. Podemos dizer que o texto, ao qual atribuímos o título de sinopse, define-se como uma pequena descrição sobre a obra, ou seja, trata-se de uma espécie de resumo do que se pode encontrar nas páginas do livro. Privilegiada em espaço e conteúdo, a sinopse possui a possibilidade de atrair leitores e mobilizar o seu interesse pela obra, o que a torna um elemento significativo no meio paratextual verbal e que, em geral, recebe destaque na produção literária. A maneira como é construída, as informações que abrange e as características da linguagem empregada podem variar, sendo possível diferenças também no público interlocutor ao qual deseja alcançar. O quadro 2 permite que sejam observadas peculiaridades das sinopses das obras analisadas.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Quadro 2 Sinopses analisadas 

Em A velhinha e o porco, a sinopse, ao final da obra, no espaço da contracapa, engloba a composição do enredo, apresentando personagens e permitindo que o leitor construa hipóteses sobre a história. Por uma linguagem simples e de fácil compreensão, com vocabulário coloquial e sem rebuscamentos, ressalta pontos de destaque da obra, dentre os quais se sobressai a motivação para a solitária velhinha comprar um animal nem tão comum – um porco. Dependendo da sua construção, a curiosidade dos pequenos leitores pode ser atraída por esse elemento, já que lhes são apresentados impulsos da história e omitidas possíveis conclusões. Dessa forma, a sinopse possui capacidade de instigar a imaginação e o interesse, atraindo a atenção do leitor para o enredo, já que, para encontrar as respostas, é necessário que adentrem a obra.

No texto da obra de Rosinha, o trecho: “O cachorro, o fogo, a água e tantos outros personagens conseguirão ajudá-la?” (Rosinha, 2012), chama o leitor para o centro do enredo e o convida a acompanhá-lo e descobrir o desfecho. O destaque para a caracterização da história como uma atração divertida é um ponto relevante da obra, visto que, ao pontuar, “Divirta-se com a releitura deste famoso conto acumulativo” (Rosinha, 2012), além de introduzir o leitor na característica específica do texto (conto acumulativo), consegue convidá-lo à diversão.

Na obra de Riter, Pedro Noite, por sua vez, a sinopse destaca-se pela formação distinta, que permite, por meio de um pequeno trecho do enredo, a inserção inicial do leitor na obra. Por esse recurso, o leitor é convidado a conhecer um pouco da história, bem como da personagem principal e da aventura na qual está envolvida, o que, evidentemente, possui grandes chances de atrair o olhar curioso do leitor para a história.

A aproximação da personagem principal com os garotos em geral – “um garoto como os outros: vive a descoberta de si mesmo” (Riter, 2011) –, representa um ponto forte da sinopse, visto que essa imagem geral construída sobre o protagonista permite que as crianças consigam se identificar com o herói do enredo. Em questão de aproximar o leitor, a linguagem utilizada no texto também se destaca, visto que, por ser simples e de fácil compreensão, pode, em geral, ser recebida e significada pelo próprio leitor. Há, nessa sinopse, um convite para que adentre a história e conheça as aventuras de Pedro Noite, mesmo que de forma mais singela do que a anterior, principalmente pelo fato de que, neste caso, o leitor pode ser alcançado pela identificação com a personagem.

Ao observar as sinopses, podemos identificar certo padrão no conteúdo, o qual varia entre a indicação de personagens, de aspectos da obra, que tentam mobilizar o leitor para dados do enredo. Percebemos ainda que a linguagem tem destaque como aspecto que deve ser atentado na elaboração do texto, visto que é, em geral, um dos primeiros contatos verbais que o leitor estabelece com a obra. Por isso, fazer uso de uma linguagem simples e de fácil compreensão, como acontece nas obras em questão, cada qual com suas especificidades, é de extrema importância.

Considerações finais

Por meio das análises, percebemos que um aspecto relevante no estudo individual das obras, bem como na comparação dos elementos paratextuais que as compõem, é o fato de que, em geral, a construção de uma obra segue um padrão na criação dos paratextos que a constitui. Tendo visto os exemplos específicos de biografias e sinopses, podemos afirmar que há concordância na construção desses elementos quanto à forma como chegam ao leitor. Destacamos, aqui, que permitir um relacionamento mais autônomo entre leitor e paratexto é extremamente benéfico, pois atua como um convite para que se adentrem ao enredo. Sobre isso, observamos que as três obras analisadas caracterizam-se pela linguagem simples, o que, positivamente, é ponto de atração para o leitor.

A obra A princesa desejosa apresenta, na composição do paratexto verbal biografia, pessoalidade, expondo sentimentos e opiniões. Da mesma forma, Pedro Noite possui paratextos verbais, sinopse e biografia, com características semelhantes, as quais permitem estabelecer ligação direta com o leitor infantil. Não é raro, no entanto, entrarmos em contato com outros livros que, na composição de seus paratextos, façam uso de um tom maior de impessoalidade, resultando, assim, em maior distanciamento entre o leitor e as informações, necessitando de uma mediação de um leitor experiente. Lembramos que o nome próprio de autores e ilustradores constitui um dado importante na mediação, pois é este que, independentemente do tempo cronológico, atribuirá a permanência do autor e do ilustrador para o leitor infantil.

O desenvolvimento de aspectos linguísticos com marcas de oralidade, com a construção de um diálogo direto com o aluno, sem o referir como uma terceira pessoa, é competente quanto à sugestão da leitura da obra, como um convite, e, ao mesmo tempo, capaz de despertar a curiosidade intrínseca à faixa etária. Esse é um fator muito positivo na forma como foram construídos alguns elementos paratextuais nas obras analisadas, como é o caso da biografia dos autores de A princesa desejosa e Pedro Noite, em que há a tentativa de diálogo mais direto com os leitores para lhes instigar a curiosidade.

No geral, os paratextos de uma obra seguem uma linha, a qual pode definir o tipo de relação que o leitor poderá estabelecer com as informações. No caso da biografia e da sinopse, o mesmo ocorre, sendo que a construção de cada uma, a escolha por palavras e o conteúdo, irá determinar quem lê e como significa as informações expressas. Ao mesmo tempo, essa linha sugere, de certa forma, a qual interlocutor a obra em questão, principalmente quanto aos paratextos, está sendo direcionada. Todavia, exceções são possíveis, dado que se trata de uma observação geral, e uma prova disso pode ser citada com base em A velhinha e o porco. O livro de Rosinha conta com sinopse direcionada ao público infantil, mas, ao mesmo tempo, apresenta biografia impessoal e com provável ausência de ligação com público mirim.

Considerando o local de apresentação da sinopse sendo, em geral, a contracapa, reafirmamos a importância desse paratexto para a interação do leitor com a obra. Afinal, por estar na parte externa do exemplar e apontar a direção pela qual a obra irá seguir, esse paratexto possui a responsabilidade de atrair o leitor ou afastá-lo dos segredos do enredo.

Nesse aspecto, a linguagem destaca-se por ser responsável, sobretudo nos paratextos verbais, pela ligação entre leitor e obra, autor e leitor, de forma autônoma ou não. A linguagem possui caráter humanizador e é o que permite ao homem relacionar-se com os demais, daí a importância dos paratextos verbais. Assim, a necessidade de mediação na formação leitora volta à tona, de modo que, sobretudo nas obras infantis, a continuidade do caminho leitor dependerá da eficácia dos paratextos.

Fator muito importante e que não deve ser ignorado é o que diz respeito à evolução e ao amadurecimento dos leitores. As crianças, com o tempo e experiências, adquirem maior independência quanto ao ato de ler, o que as permite interagir de forma mais autônoma e ampla com a obra no todo. Com base no estudo e na gradual maturidade literária, os leitores iniciantes trilham seus próprios caminhos e, ao longo dessa caminhada, aprendem a interagir com o livro literário de leitura de maneira mais eficaz. Consequentemente, passam a ser mais capazes de estabelecer relações entre os elementos dos livros. Dessa forma, autorizados a formular ligações mais diretas com os paratextos e também com o texto verbal em si, agregando informações e interligando-as para a formulação de hipóteses e significados, as crianças tornam-se capazes de construir interpretações mais amplas das histórias apresentadas.

Confirmamos, nas análises, que a forma como se constrói o texto verbal representa diferencial para os livros, visto que são responsáveis por cativar o leitor e aliá-lo ao enredo. Com isso, a maneira como o autor escreve cada informação componente da obra, seja ela construtora de sinopses, biografias ou outros elementos verbais, tem a capacidade de agregar para o leitor e atingi-lo diretamente ou, em contrapartida, faltar com o mesmo e exigir, irremediavelmente, a intervenção de um mediador. Assim, a forma como a mediação sobre esses elementos é realizada irá influenciar na aproximação do leitor com a obra e na forma como essa relação vai, ou não, se estabelecer.

Referências

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Recebido: 15 de Dezembro de 2019; Aceito: 22 de Julho de 2020

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