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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 02-Sep-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.32512 

Artigos

“Ser estudante” no ensino superior: aspectos valorativos da experiência na perspectiva discente

“Ser estudiante” en la enseñanza superior: aspectos valorativos de la experiencia en la perspectiva de los alumnos

“Being a student” in the university education: values aspects from the students’ perspective experience

« Être etudiant » dans l’enseignement superieur: les aspects de valeurs de l’expérience sous la perspective des étudiants

José Leonardo Rolim de Lima Severo1 
http://orcid.org/0000-0001-5071-128X

Gabriela da Nóbrega Carreiro2 
http://orcid.org/0000-0001-5559-9901

Maristela Silva de Morais3 
http://orcid.org/0000-0003-1860-2379

Camila de Lourdes Cavalcanti Paiva4 
http://orcid.org/0000-0003-1096-8827

Ravi Cajú Duré5 
http://orcid.org/0000-0003-1040-5071

1Pedagogo. Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde atua no Programa de Pós - Graduação em Educação. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pedagogia, Trabalho Educativo e Sociedade (GEPPTES). Membro do GT 4 -Didática da ANPEd.

2Doutoranda na linha Processos de Ensino e Aprendizagem no Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE da UFPB. Mestra em Educação pelo PPGE/UFPB, graduada em Licenciatura Plena em Filosofia pela UFPB e Bacharelado em Filosofia pela mesma instituição. Integra o Grupo de Pesquisa Ágora (Grupo de pesquisa em filosofia e psicologia da educação).

3Pedagoga. Mestre em Educação pelo PPGE/UFPE na linha Teoria e História da Educação. Atua como Professora convidada no Programa de Pós-graduação da Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE e como Coordenadora Pedagógica na rede privada de ensino.

4Mestranda na Linha Processos de Ensino e Aprendizagem no Programa de Pós-graduação em Educação - PPGE/UFPB. Especialista em Produção de Material Didático e Formação de Mediadores de Leitura para a Educação de Jovens e Adultos pela UFPB. Licenciada em Pedagogia pela UFPB e Bacharel em Fonoaudiologia pela UNIPÊ. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas de Práticas Educativas na Educação de Jovens e Adultos (GEPPEEJA).

5Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas (UFPB); Especialista em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (IFRN); Mestre em Educação (PPGE/UFPB); e doutorando na linha Processos de Ensino e Aprendizagem pelo PPGE/UFPB. Vinculado ao Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Educação Ambiental (GPEBioMa-UFPB), trabalhando e pesquisando nas áreas de Didática das Ciências e Formação Docente.


Resumo

O presente estudo teve como objetivo analisar as percepções dos estudantes sobre aspectos positivos e negativos da experiência acadêmica no ensino superior. Para tanto, aplicamos um questionário virtual aberto e obtivemos 305 respostas de estudantes universitários. Os resultados mais relevantes indicaram a satisfação que as/os estudantes sentem ao perceber o próprio desenvolvimento (31,5% dos participantes); e as dificuldades que enfrentam com desempenho didático das/os professoras/es da universidade (36,4%). Esses resultados reforçam a necessidade de políticas institucionais e práticas pedagógicas que incrementem o currículo dos cursos a fim de possibilitar a superação de obstáculos ao engajamento acadêmico do/a estudante.

Palavras-chave Pedagogia universitária; Percepção dos estudantes; Didática do ensino superior; Engajamento acadêmico

Resumen

El presente estudio tuvo como objetivo analizar las percepciones de los estudiantes sobre los aspectos positivos y negativos de la experiencia académica en la enseñanza superior. Para esto, aplicamos un cuestionario virtual abierto y obtuvimos 305 respuestas de estudiantes universitarios. Los resultados más relevantes indicaron la satisfacción que sienten los estudiantes al percibir su propio desarrollo (31.5% de los participantes); y las dificultades que enfrentan con la actuación didáctica de los profesores universitarios (36,4%). Estos resultados refuerzan la necesidad de políticas institucionales y practicas pedagógicas que incrementen el curriculum de los cursos al fin de superar obstáculos al compromiso académico de los estudiantes.

Palabras clave Pedagogía universitaria; Percepción de los estudiantes; Didáctica de la educación superior; Compromiso académico

Abstract

The present study had as its objective to analyse the students’perceptions about positive and negative aspects of the academic experience in higher educaction. For that so, we applied an open virtual questionnaire and obtainned 305 answers from academicals students.The most relevant results indicated the satisfaction that the students feel when they realize their own development (31,5% of the participants) and the difficulties they face with the university teacher’s didactic perform (36,4%). These results reinforce the need of institutional policies and pedagogical practices that increases the curriculum of the courses to enable the obstacles to academic engagement of the studant.

Keywords University pedagogy; Students' perception; University education Didactic; Academic engagement

Résumé

La présente étude a eu comme objectif d’analyser les perceptions des étudiants sur les aspects positifs et négatifs de l’expérience académique dans l’enseignement superieur. Pour cela, nous avons appliqué un questionnaire virtuel ouvert et nous avons obtenu 305 réponses des étudiants universitaires. Les résultas les plus relevants ont indiqués la satisfaction que les étudiants ressentent lorsqu’ils perçoivent leurs développement (31,5% des participants); et les difficultés qu’ils rencontrent avec la performance didactique des professeurs d’université (36,64%). Ces résultats renforcent la nécessité de politiques institutionnelles et de pratiques pédagogiques qui puissent enrichir le curriculum des formations afin de rendre possible surmonter les obstacles pour l’engagement académique de l’étudiant(e).

Mots clés Pédagogie universitaire; Perception des étudiants; Didactique de l’enseignement supérieur; Engagement académique

Introdução

Historicamente, as universidades foram se constituindo como uma importante força organizadora da vida cultural e produtiva da sociedade, assumindo um papel institucional vinculado à produção, difusão do conhecimento científico e à formação de pessoas para complexos âmbitos de trabalho que, ao longo do tempo, ajudaram a construir profissões reconhecidas socialmente, conforme interesses políticos e econômicos acionados em cada contexto. Derivam da relação entre ciência, sociedade e trabalho as principais referências que formam o quadro no qual se situam as diferentes formas de organização do ensino superior e como incidem, atualmente, na dinâmica social. Ancorando-se em sentidos variáveis sobre os elementos que permeiam essas relações, as instituições de ensino superior, hoje classificadas em universitárias e não universitárias, compõem modelos pedagógicos que buscam, via de regra, responder a sua finalidade básica, ou seja, a produção e socialização do conhecimento científico articulado à formação de profissionais, no marco das concepções de sociedade, ciência e educação com as quais se comprometem.

No contexto contemporâneo, as instituições de ensino superior experimentam transformações dessa finalidade em virtude dos impactos do mercado internacional na redefinição de agendas prioritárias de ensino, pesquisa e gestão acadêmica, dando origem a novos segmentos de atuação institucional, a exemplo da internacionalização, da produção tecnológica e da articulação com os setores produtivos. Essas transformações colocam em evidência novos condicionantes da cultura formativa das instituições de ensino superior e as suas contradições, especialmente quando se considera a permeabilidade da lógica mercantilista tanto na definição dos objetivos educacionais quanto no modo como as instituições são geridas, organizacional e pedagogicamente. Como discute Mancebo et al. (2018), novos modos de regulação econômica da educação superior enquadram o ensino e a ciência como mercadorias que servem a uma rede de negócios com perspectiva predatória de lucro, cujas consequências são, entre outras coisas, aligeiramento e empobrecimento dos cursos, além da precarização do trabalho docente.

Os desafios formativos no ensino superior emergem nesse contexto complexo e sinalizam a necessidade da defesa de modelos organizacionais e pedagógicos capazes de “formar pessoas com alto sentido cultural, moral e político de cidadania e de contribuir, em sua esfera de possibilidades e em seus limites, para a solução de problemas da coletividade” (Dias-Sobrinho, 2015, p. 584).

Nesse sentido, o contexto contemporâneo inspira a necessidade de consolidação de uma Pedagogia orientada para a crítica e a produção de culturas formativas sustentadas na permanente problematização dos modos de ensinar e aprender, das dinâmicas curriculares, da atuação e formação continuada de docentes, ou seja, do universo de processos de natureza pedagógica que configuram as instituições de ensino superior como espaços de formação humana.

A dimensão formativa do ensino superior exige uma pedagogia que articule as diferentes práticas acadêmicas a referenciais epistemológicos, ético-políticos, socioculturais e didáticos que permitam a estruturação de oportunidades educacionais às/aos estudantes no marco de uma concepção crítica de aprendizagem conforme finalidades próprias desse nível de ensino, especialmente em um cenário de profundas transformações sociais que impactam diretamente no modo como as instituições se definem e se comportam diante de exigências diversas.

Embora tenha-se, conforme a legislação nacional, instituições de ensino superior de caráter não universitário, essa pedagogia tem sido denominada de universitária em virtude de que o sentido de formação humana e a natureza da organização acadêmica tipicamente associados às universidades consistem em um paradigma do qual emerge uma pedagogia engajada na relação entre ensino, pesquisa e extensão como eixos fundamentais para a formação de sujeitos críticos, autônomos e socialmente participativos (Almeida & Pimenta, 2014)

Assim, a pedagogia universitária se configura como “campo científico específico de saberes que precisam ser mobilizados para que a educação superior alcance a sua dimensão política, social e cognitiva” (Cunha, 2015, p. 14). Seu objeto são os processos formativos no ensino superior, desde as perspectivas conceituais e metodológicas que incidem na configuração das atividades acadêmicas de natureza pedagógica, às condições institucionais de trabalho e formação de professores/as, bem como os processos de aprendizagem das/os estudantes.

Estabelecer a pedagogia universitária como referencial para problematizar a experiência discente no ensino superior implica abrir espaço para questões sobre os sentidos e modos de ação que configuram o ser/estar estudante e os desafios da construção de contextos propícios ao engajamento acadêmico e relações pedagógicas que oportunizem o ideal emancipatório de formação humana, um aspecto estruturante do ensino superior que um país como o Brasil precisa para enfrentar uma trajetória de profundas desigualdades no caminho rumo à justiça social. Tal enfoque implica a estruturação deste texto no diálogo com aspectos da Didática, campo de conhecimento que assume o ensino como prática social situada em contexto, e desenvolve uma abordagem crítica sobre as mediações educativas com base na problematização das suas finalidades e modos de ação.

Diante do exposto, o presente artigo teve como objetivo analisar a experiência discente no ensino superior a partir de suas percepções sobre o papel positivo da universidade em suas vidas, e os principais desafios que enfrentam no cotidiano acadêmico; tendo como finalidade a contribuição para reformulações curriculares e didáticas que incorporem as críticas das alunas/os ao desenvolvimento pedagógico e organizacional das instituições de ensino superior.

Material e métodos

Ancoramos este estudo na abordagem qualitativa, a qual, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), tem como objetivo central compreender os comportamentos e as percepções a partir da perspectiva dos sujeitos que vivenciam a realidade analisada em sua complexidade real. O tratamento dos dados foi estruturado de acordo com a análise de conteúdo temático-categorial proposta por Oliveira (2008).

O estudo foi desenvolvido no primeiro semestre do ano de 2020, através da aplicação de um questionário virtual que foi distribuído ao máximo de estudantes de ensino superior possível. Ao final da amostragem, agrupamos a resposta de um total de 305 alunas/os de cursos de graduação presenciais do Brasil, abrangendo instituições públicas e privadas. Devido à baixa quantidade de respostas provenientes de estudantes de cursos a distância, decidimos delimitar o corpus de análise nas respostas de estudantes de cursos presenciais. Porém, reconhecemos a importância do empreendimento de estudos que proporcionem um enfoque comparativo entre esses dois grupos, haja vista as diferenças que cercam cada um e das especificidades do desenvolvimento curricular em cursos presenciais e a distância.

O questionário que utilizamos abarcou, além das perguntas básicas sobre o perfil dos respondentes, as seguintes questões: 1ª) Quais os aspectos mais positivos da sua experiência no ensino superior? 2ª) Quais os aspectos mais negativos da sua experiência no ensino superior? Essas questões eram abertas e possibilitavam respostas amplas por parte das/os estudantes.

As questões foram construídas com o intuito de investigar a percepção das/os graduandas/os sobre a experiência no ensino superior, dando enfoque às suas satisfações e insatisfações no decorrer da vivência discente. Os dados obtidos por meio dos questionários foram codificados e analisados através das seguintes etapas: leitura flutuante das respostas, determinação das unidades de registro e unidades de análise e a quantificação dessas unidades em frequência absoluta e relativa (Oliveira, 2008). Como cada estudante poderia apresentar mais de uma unidade de registro no decorrer de suas respostas, o total percentual da frequência relativa foi maior que 100% para as duas perguntas centrais da pesquisa.

Em relação aos procedimentos éticos, o presente trabalho está associado a um estudo mais amplo sobre engajamento acadêmico, o qual foi devidamente aceito pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal da Paraíba, sob o protocolo de número 31141320.7.0000.5188.

Perfil das/os participantes do estudo

Participaram da pesquisa um total de 305 estudantes, sendo 203 (66,6%) mulheres, 83 (27,2%) homens, 1 (0,3%) não-binário e 18 (5,9%) que não responderam à pergunta. Em relação à identidade étnico-racial, 135 (44,3%) se autodeclararam como pardas/os, 107 (35,1%) como brancas/os, 49 (16,1%) como negras/os/pretas/os e 14 (4,6%) como amarelas/os, indígenas ou mestiças/os. Em relação aos estados onde os participantes moram e estudam, a pesquisa alcançou alunas/os de 9 estados, sendo eles: Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.

No que tange ao perfil formativo, dos 305 participantes do estudo, 268 (87,9%) estudam em instituições públicas e 37 (12,1%) em instituições privadas. Em relação à modalidade de graduação, 170 (55,7%) são estudantes de licenciaturas, 119 (39%) de bacharelado, 10 (3,3%) estão em cursos de formação de tecnólogos e 6 (2%) estão em graduações que são, simultaneamente, licenciatura e bacharelado.

Os questionários alcançaram estudantes de 55 cursos diferentes. Os cursos mais representados em nossa pesquisa foram: pedagogia com 90 participantes (29,5%), educação do campo com 26 (8,5%), biologia com 24 (7,9%), ciências sociais com 12 (3,9%), arquivologia com 10 (3,3%), direito com 10 (3,3%) e educação física com 10 (3,3%). Os outros 48 cursos apresentaram menos de 10 respondentes e, somados, correspondem a 123 estudantes (40,3% do total).

Tais dados compõem um perfil de participantes preponderantemente feminino (66,6%), de identidade étnica parda (43,3%). Em sua maioria são estudantes de instituições públicas de ensino superior (87,9 %), que cursam licenciaturas (55,7%), em cursos de pedagogia (29,5%).

Resultados e discussão

A partir das respostas das/os graduandas/os aos questionários, identificamos elementos que representam suas satisfações e insatisfações com a experiência no ensino superior brasileiro; apresentando um total de 372 citações sobre aspectos positivos (satisfações) e 603 relativas aos aspectos negativos (insatisfações).

A análise que empreendemos não evidencia, a partir das categorias analíticas formuladas, diferenças significativas na experiência discente em faculdades e universidades públicas e privadas, de modo que os relatos fornecidos indicam aspectos valorativos mais amplos que transcendem o modelo das instituições de ensino superior, como demonstraremos a seguir.

Aspectos positivos da experiência discente

Quando indagadas/os sobre os aspectos positivos de suas experiências no ensino superior, a análise das respostas mostrou a emergência de quatro grandes tipos de satisfação: pessoal, interpessoal, acadêmica e do sentido social da universidade (quadro 1).

Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 1 Aspectos positivos apontados pelas/os discentes na experiência com o ensino superior 

Satisfação em desenvolver-se como pessoa: nessa categoria, a maioria das/dos participantes (70,8%) enfatizou a relevância da universidade como instituição determinante para sua formação e seu desenvolvimento, também reiterando o entendimento da função social das instituições de ensino superior na formação de “valores cívicos e conhecimentos técnicos e cientificamente relevantes e socialmente pertinentes” (Dias-Sobrinho, 2015, p. 583).

Para além de uma exaltação do desenvolvimento individual, as/os estudantes revelaram uma contundente valorização do trabalho das instituições de ensino superior na construção de uma formação pedagógica mais ampla, coletiva e de caráter social. A subunidade “Capacidades de reflexão crítica” revelou uma ampla concordância com uma formação crítico-reflexiva por parte das/dos discentes, valorizando os processos de aprendizagem em suas dimensões cognitivas, sociais e políticas.

Reconhecer a vivência no ensino superior como uma experiência que provoca um deslocamento epistêmico, de modos de pensar e pensar-se, corrobora com o que Dias-Sobrinho (2015) entende como papel formativo das instituições de ensino superior. Para o autor, as universidades devem caminhar na direção do desenvolvimento da consciência crítica e da produção de condições favoráveis ao desenvolvimento dos estudantes e, consequentemente, das sociedades.

A unidade analítica de segundo maior destaque, “acesso ao saber” (presente em 24,6% das respostas), enaltece o papel das universidades e faculdades na promoção do acesso ao conhecimento historicamente produzido, confirmando o papel da universidade enquanto locus de produção e compartilhamento desses conhecimentos (quadro 1). Essa concepção discente é reforçada na subunidade de análise “conhecimentos avançados”, reforçando a valorização da disseminação e atualização do conhecimento socialmente válido e necessário ao desenvolvimento individual e coletivo em uma sociedade democrática em pleno desenvolvimento.

De acordo com Franco (2009), o desenvolvimento de uma formação superior em que o conhecimento é articulado com atividades pertinentes e emancipatórias, na direção de transformações das condições dos estudantes, constitui-se como um potencial movimento didático que mobiliza estruturas cognitivas, emocionais e relacionais das/dos estudantes. Identificar que a apropriação da dimensão crítica, a ampliação dos conhecimentos e a mudança de visão de mundo foram questões enaltecidas nos relatos de satisfação discente é um potente indicador do impacto social que as instituições de ensino superior acarretam na formação dos brasileiros, e de como os estudantes compreendem e valorizam esses ideais.

Satisfação em participar de atividades acadêmicas: presente em 22,3% das respostas, a satisfação em participar de atividades acadêmicas mostrou-se como um fator potencializador de permanência e engajamento discente com o ensino superior. Reforçando a responsabilidade institucional no desenvolvimento de um engajamento discente que envolva "[…] não apenas o esforço (físico e psicológico) das/os estudantes nas suas dimensões afetiva, comportamental e cognitiva, mas, também, englobe as atividades que as instituições de ensino promovem” (Vitória et al., 2018, p. 263).

Identificar que as atividades acadêmicas podem ser fonte de satisfação discente reforça a noção de que projetos, pesquisas, boas aulas e eventos bem desenvolvidos detém o potencial de auxiliar na permanência (não só pela distribuição de bolsas de auxílio econômico), mas também por proporcionar um maior envolvimento da/do estudante com a cultura universitária, promovendo engajamento e desenvolvimento didático de forma simultânea e cumulativa.

De acordo com Vitória et al. (2018, p. 266), a permanência na universidade está intimamente relacionada à satisfação da/o discente em vivenciar as experiências acadêmicas, pois “[…] além de estarem motivados, os estudantes precisam estar envolvidos em atividades que os mobilizem intelectualmente, que façam sentido, que envolvam o protagonismo, a interação entre pares”. A participação em pesquisa, extensão, eventos e dinâmicas acadêmicas são elementos importantes na formação profissional das/os estudantes, sendo atividades que estimulam o desenvolvimento da curiosidade e do pensamento crítico.

Na identificação com o campo de formação/profissão, a valorização da “Experiência prática” foi o aspecto mais valorizado pelas/os participantes do estudo nas respostas sobre satisfação (4,3%). De acordo com Vitória et al. (2018), essa articulação entre o mundo acadêmico e o mundo profissional representa uma forma de gerar aprendizagem e engajar a/o estudante com o universo prático e subjetivo de uma profissão, estimulando o desenvolvimento da identidade profissional em cursos de formação superior.

Os aspectos metodológicos do ensino foram elementos menos citados nas respostas (mostrando-se presente em apenas 3% das respostas sobre satisfação discente).

Satisfação em participar de relações interpessoais: a terceira unidade de registro mais presente nas respostas, “Satisfação em participar de relações interpessoais”, emergiu nas respostas de 19,3% dos participantes da pesquisa, reforçando o entendimento da universidade como espaço da diversidade, sociabilidade e construção de relações entre aquelas/es que ali vivenciam experiências diversas de relação humana.

Na categoria “Contato com diferenças”, 6,9% das/dos alunas/os apontaram satisfação em conhecer novas pessoas e vivenciar a diversidade que o espaço universitário possibilita. Esse dado indica uma percepção de diversidade como experiência positiva, remontando à compreensão e defesa do ensino superior acessível a juventudes cada vez mais diversificadas em suas culturas e etnias, suas classes e crenças e em suas visões de mundo. Igualmente incursa na experiência da diversidade, a categoria “Relações socioafetivas” contemplou 6,6% dos registros e é enfatizada nas subunidades “Trocas/conhecer pessoas”, reiterando a sociabilidade enquanto possibilidade positiva de experienciar na educação superior.

A unidade de análise “Vínculos interpessoais”, subdividida e contemplada em “Docentes competentes” (3,0%) e “Amizades” (3,0%), assinalam a valorização das relações constituídas no espaço acadêmico. Tais relações se configuram como processos de adaptação que as/os estudantes constroem ao ingressarem nesse novo espaço educativo, que contém arranjos próprios da organização institucional, pedagógica e social. Conforme afirma Ferreira (2014), a adaptação às exigências cognitivas e as relações sociais proporcionadas pelo ensino superior possibilitam vínculos afetivos de amizade - entre as/os estudantes e também docentes - que servirão como suporte necessário para o êxito nos projetos de estudo e de formação profissional.

Valorização do sentido social da universidade: a valorização do sentido social da universidade foi um tema presente nas respostas de 10,4% das/dos participantes. As/Os discentes demonstraram satisfação pela universidade por considerá-la uma “Oportunidade para o futuro” e por refletir uma “Contribuição para sociedade”, sendo esta visão de contribuição social muito importante, pois para Coulon (2017), o fracasso da/o estudante representa uma perda global importante, não apenas para essa/e estudante e seus familiares, mas para toda a sociedade, que terá uma população com menor nível de qualificação.

O sentido social da universidade consiste na sua condição de instituição comprometida com a democratização do saber necessária para a justiça social, ao tempo em que desloca esse saber de narrativas homogêneas e colonizadoras de indivíduos e grupos (Santos, 2010). Uma universidade engajada com a transformação da sociedade é, em si, um espaço em que a sociedade plural se vê representada em pautas afirmativas e cidadãs, onde seus saberes se articulam ao processo de desvelamento crítico e consolidação dos sistemas democráticos.

Aspectos negativos da experiência discente

Quando perguntadas/os sobre os aspectos negativos da sua experiência no ensino superior , a análise das respostas mostrou a emergência de quatro grandes tipos de dificuldades: um tipo mais voltado aos desafios que o indivíduo enfrenta em uma dimensão pessoal, como lidar com dificuldades econômicas e problemas para lidar com pressões psicológicas; um segundo tipo relacionado a dificuldades de relação interpessoal; outro tipo diretamente conectado à sua instituição de ensino superior, com problemas de infraestrutura e a insuficiência das políticas de assistência estudantil; e um quarto tipo conectado às críticas relativas aos docentes universitários, apontando problemas com a didática docente e casos de desvios éticos e morais por parte dessas/es educadoras/es (quadro 2).

Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 2 Aspectos negativos apontados pelas/os discentes na experiência com o ensino superior 

Insatisfações de ordem pessoal: no que tange aos desafios da dimensão pessoal, a “pressão psicológica” foi a categoria mais citada em nosso estudo, com respostas que atribuem essa pressão a desafios variados, como a quantidade de atividades exigidas; o desgaste para engajar-se a uma nova cultura formativa; e as dificuldades econômicas e estruturais que acabam interferindo no psicológico discente. Problemas que, para Jardim e Almeida (2016), reforçam a necessidade de discutir-se o grau de impacto de fatores econômicos na promoção da permanência estudantil, mesmo vivendo em um contexto de ampliação das políticas públicas de acesso ao ensino superior.

De acordo com uma ampla pesquisa realizada pelo observatório do Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Assuntos Estudantis e pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Fonaprace, 2018), nas mais de 63 instituições públicas, 83,5% dos estudantes relatam dificuldades emocionais, 63,6% relataram ter desenvolvido ansiedade durante o curso, e 45,6% afirmam ter desânimo ou desmotivação. Todavia, é importante salientar que essas pressões também devem ser entendidas como um efeito colateral de problemas mais individuais do contexto familiar, social e econômico de cada estudante. Dimensões que nem sempre são possíveis de serem transformadas pelas políticas de assistência estudantil.

Segundo os relatos discentes, as atividades acadêmicas exigidas pelas/os docentes, na maioria das vezes, não consideram o estágio cognitivo, emocional e material de cada aluna/o, levando os estudantes a um sentimento de frustração cumulativo. Problema também identificado pelo estudo de Díaz e Gómez (2007), os quais concluem que o ambiente acadêmico se torna potencializador de desconforto psicológico quando não existe diálogo e compreensão das características e dos desafios para a aprendizagem de cada estudante, resultado de aulas descontextualizadas, pouco interativas e estimulantes que dificultam a aprendizagem.

Essas pressões psicológicas também podem estar associadas aos desafios de se engajar em uma nova cultura, a cultura universitária. Esse estudante carrega uma cultura de aprendizagem construída no ensino médio, com uma série de comportamentos e representações que mudam drasticamente no ensino superior. Desse modo, as rupturas cognitivas exigidas pela vida acadêmica tendem a tornar-se um dos possíveis aspectos que reforçam a sensação de inaptidão sobre a compreensão das temáticas abordadas no ensino superior.

A esse respeito, Coulon (2017, p. 1243) pondera que incorporar o “ofício de estudante” requer rupturas como a mudança das condições de existência, condutas, maior nível de autonomia e compreensão sobre as novas regras de apropriação do saber. Assim, “o novo estudante deve, em particular, descobrir as rotinas, as evidências, as regras, os novos códigos da universidade”. Desse modo, há uma legítima necessidade em pensarmos em uma universidade que proporcione o acolhimento às/aos estudantes e ao seu processo adaptativo, que amplie o olhar sobre a formação docente também numa perspectiva de adaptação identitária das/dos novas/os universitárias/os, não no sentido de desresponsabilização, mas de orientação a esse novo lugar de ofício e experiência.

Tanto a pressão psicológica quanto as dificuldades individuais de aprendizagem são categorias diretamente relacionadas a outras duas categorias recorrentes em nosso estudo: as “Dificuldades econômicas” e as dificuldades com a “Distância da universidade” (quadro 2). A dificuldade de acesso à universidade, mediante a utilização de transporte público e moradia em regiões periféricas das cidades, estão ligadas às dificuldades econômicas e acabam impactando o rendimento discente na ausência de tempo para se dedicar mais aos estudos, ampliando a pressão psicológica e as dificuldades de aprendizagem durante a formação acadêmica dessa/desse estudante (Fonaprace, 2018).

Insatisfações de ordem interpessoal: as dificuldades de ordem interpessoal representaram a menor quantidade de respostas relativas aos desafios da experiência acadêmica (quadro 2). É no espaço do campus universitário que a/o estudante necessita interagir com pessoas diferentes, com culturas e comportamentos variados e de opiniões que, muitas das vezes, divergem das suas.

Do ponto de vista relacional, percebemos que os principais desafios se focaram na dificuldade de relação com os demais colegas; na ocorrência de casos de preconceito e discriminação; e na construção coletiva de uma cultura de competitividade. De acordo com Soares et al. (2016), o desenvolvimento de boas relações interpessoais é um aspecto que proporciona mais liberdade e conforto para se estudar, por isso, é importante que as/os estudantes identifiquem seus grupos de pertencimento e fortalecimento para conseguir permanecer e se desenvolver na graduação.

Quanto aos casos de preconceito e discriminação, Salles e Silva (2012) ressaltam que os estereótipos e as diferenças entre as/os estudantes no espaço acadêmico são fatores que classificam e podem provocar conflitos e problemas de relacionamento interpessoal, conduzindo inclusive à violência, ao desprezo, à queda da aprendizagem e à evasão do ensino superior.

Insatisfações de ordem institucional: as insatisfações relativas a aspectos institucionais demonstraram uma forte crítica das/dos estudantes à precariedade da infraestrutura universitária, estando presente na resposta de 17,4% dos participantes da pesquisa. Resultado que indica o grau de importância que aspectos relativos à estrutura possuem para a aprendizagem e o engajamento na perspectiva desses discentes (quadro 2).

Durante a análise dos questionários, foi possível identificar a recorrência de alguns problemas específicos como: a pouca manutenção de prédios, salas e laboratórios das instituições; a escassez de recursos pedagógicos nas salas de aulas (com quadros antigos, poucos projetores de slides, cadeiras desconfortáveis e precária climatização); e a quantidade reduzida de laboratórios de pesquisa.

Outro tema bastante citado foi a insuficiência das políticas de assistência estudantil (citado por 14,4% das/dos alunas/os). Nos relatos, a pouca quantidade de bolsas de pesquisa, de iniciação à docência e de extensão se mostrou como um desafio central na experiência formativa. Nesse ponto, ressaltamos que, além das importantes experiências formativas que os projetos extracurriculares proporcionam, a remuneração alcançada com a bolsa é, por vezes, o fator determinante para a permanência no curso superior, visto que é esse auxílio que permite à/ao estudante não precisar dividir seu tempo entre a universidade e algum emprego que complemente sua renda.

Assim, o fortalecimento das políticas de assistência estudantil produzem um impacto em três eixos do engajamento universitário: em um primeiro eixo, fortalece a formação pedagógica das/os alunas/os, colocando-as/os em uma experiência formativa teórico-prática que mobiliza e aprimora conhecimentos e habilidades aprendidas no decorrer de seu curso; em um segundo eixo, melhora a relação subjetiva com a instituição superior, fortalecendo o sentimento de pertencimento e a identidade enquanto estudante de determinado curso; e em um terceiro eixo, proporciona um suporte financeiro que permite uma maior permanência na universidade, atingindo, deste modo, o engajamento da/o aluna/o no ensino superior por um viés formativo, subjetivo e econômico.

De acordo com Pineda-Báez et al. (2014), só será possível melhorar o diálogo acadêmico entre estudantes e professoras/es na medida em que sejam expandidas as oportunidades para que as/os estudantes participem de projetos de pesquisa guiados por essas/es docentes. Ainda segundo esses autores, tal avanço se baseia no que a literatura mundial sobre formação profissional compreende como o interacionismo do engajamento universitário, o qual defende uma direta relação entre o grau de integração social e acadêmica de uma/um aluna/o com o seu desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional.

Outro tema que apresentou grande quantidade de críticas foi a desorganização interna da universidade (apontado por 13,4% dos participantes). Nesse aspecto, identificamos relatos que apontam desafios provenientes da influência de partidos políticos na organização interna da instituição; dos impactos negativos de paralizações no calendário curricular; a pouca quantidade de professoras/es para a demanda dos cursos; e o excesso de burocracia para realizar atividades na instituição.

De acordo com Silva e Ribeiro (2020), um dos aspectos decisivos para o engajamento e permanência da/o aluna/o no ensino superior é sua satisfação com a organização e com a estrutura da sua instituição de ensino superior. O engajamento discente tem na organização institucional e infraestrutura dois elementos de valorização, por parte da/o aluna/o, do espaço e das relações produzidas nesse espaço; sendo elementos que tendem a aumentar o zelo, o afeto e a relação de respeito da/o estudante com a instituição, e da instituição para a/o estudante

Segundo Pineda-Báez et al. (2014), o apoio institucional com políticas de permanência, infraestrutura adequada e organização interna estimula o senso de responsabilidade social, fortalecendo o sentimento de pertencimento e a aprendizagem por parte dos/as estudantes.

Identificar que as categorias “Problemas na infraestrutura", "Pouca assistência estudantil" e "Desorganização da universidade" estão entre as cinco categorias mais citadas em todo o estudo, como os maiores desafios no ensino superior, nos dá a dimensão da centralidade que aspectos institucionais e estruturais possuem na percepção da/o estudante sobre seu curso de ensino superior. Quando a/o estudante não enxerga um projeto curricular que a/o inclua em variadas atividades de formação, estimulando-a/o com bolsas de estudo, infraestrutura adequada em um contexto organizado de instituição educativa, ela/e tende a reduzir sua relação de engajamento formativo-profissional, impactando negativamente o potencial pedagógico de sua experiência no ensino superior.

Insatisfações com o trabalho das/os docentes: a insatisfação com o trabalho das/os docentes formadores apresentou a unidade de análise com maior quantidade de respostas em todo o nosso estudo (incluindo aspectos negativos e positivos). “Dificuldades com a didática docente” foi um desafio relatado por 36% do total de alunas/os que participaram da pesquisa, demonstrando a urgente necessidade de aperfeiçoamento no que tange às habilidades e competências didático-pedagógicas desses profissionais (quadro 2).

No texto das respostas dessa categoria, foram mencionados, de forma específica, as seguintes dificuldades: falta de diálogo durante as aulas; seleção de um excesso de conteúdos que acabam dificultando a aprendizagem; aulas com conteúdos desatualizados; pouco planejamento para as aulas; cobranças avaliativas que destoam do nível das aulas; ausência de aulas práticas; e professoras/es que fogem do tema central durante as aulas.

Tais aspectos reforçam a necessidade de uma maior reflexão sobre o papel da didática no ensino superior, trazendo às/aos professores/as formadoras/es o desafio de desenvolver aulas que realmente promovam a aprendizagem de seus estudantes. De acordo com Pineda-Báez et al. (2014) e Silva e Ribeiro (2020), a diversificação de estratégias de ensino e avaliação, somada à adequação do currículo, são fatores potenciais para promover a aprendizagem e reforçar o engajamento acadêmico de estudantes universitários.

[…] a probabilidade de permanência e sucesso acadêmico dos alunos depende, em grande parte, dos esforços do corpo docente para ensinar com clareza e precisão; pelo interesse em promover um clima de aprendizagem na sala de aula; em conhecer o passado formativo dos alunos e incentivar sua participação nos processos educacionais. (Pineda-Báez et al., 2014, p. 12, tradução nossa)

Um planejamento bem feito, uma boa relação docente-discente, uma seleção cuidadosa de conteúdos com uma quantidade equilibrada de informações, são habilidades fundamentais para que a/o estudante aprenda com as aulas e se sinta realmente integrada/o ao processo formativo de uma instituição de ensino superior. De acordo com Pineda-Báez et al. (2014), a decisão de permanecer ou abandonar os estudos é influenciada pelo grau de integração social e acadêmica da/o estudante em determinada instituição de ensino superior. Essa integração, por sua vez, é condicionada por objetivos educacionais bem definidos, atividades planejadas que proporcionem aprendizagem, experiências didático-pedagógicas que tenham objetivos formativos intelectual, social e afetivamente estimulantes.

Considerações finais

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a experiência discente no ensino superior, tendo como base suas percepções sobre o impacto positivo da universidade em suas vidas e os principais desafios que precisam lidar no cotidiano acadêmico. Essas questões se inserem no campo das pesquisas sobre a pedagogia universitária, tratando do engajamento acadêmico ao traçar um elo entre as relações sociais desenvolvidas na academia; a aprendizagem dos conhecimentos profissionais; e a construção da identidade formativo-profissional dessas/es estudantes.

Em relação aos impactos positivos das instituições de ensino superior, o resultado central de nossa pesquisa demonstrou a contundente satisfação que as/os estudantes sentem ao acessar os saberes acadêmicos e perceber o próprio desenvolvimento durante o curso. Aprender, se transformar, aprimorar sua capacidade de reflexão crítica, se relacionar com pessoas diferentes e desenvolver competências socioafetivas foram respostas marcantes em nosso estudo, bem como a exaltação da importância exercida pelas universidades como instituições de acesso aos vários saberes desenvolvidos pelas sociedades ao longo da história.

Essa visão positiva demonstra a consonância entre as percepções das/os estudantes e um ideal de universidade como espaço de formação pedagógica e produção/socialização dos conhecimentos científicos. Promovendo uma instituição pedagógica que não só forma em uma dimensão cognitiva, mas também desenvolve uma percepção crítica da realidade, promove o acesso ao saber científico e desenvolve a interação e socialização entre várias culturas no cotidiano acadêmico das instituições de ensino superior.

No que tange aos principais desafios da experiência acadêmica (insatisfações), a maioria das/os estudantes entendem que as/os docentes das universidades e faculdades apresentam fragilidades didático-pedagógicas marcantes que se tornam desafios à aprendizagem, permanência e ao engajamento acadêmico. Destacamos que essa categoria representou a unidade de análise mais recorrente em todo o nosso estudo, sendo encontrada nas respostas de 36,4% das/os participantes, dados que apontam para a urgência no aperfeiçoamento das habilidades e competências didático-pedagógicas das/os professoras/es formadoras/es, quer seja através da criação e de cursos de formação continuada, quer seja através da reformulação das políticas de contratação dessas/es profissionais.

É fundamental que se reconstrua a representação profissional das/os docentes das instituições de ensino superior em direção a uma noção de trabalhador que não só compreenda com profundidade acerca de algumas áreas do saber humano, mas também detenha conhecimentos e experiências sobre a dimensão didática de seu trabalho, para que realmente promova a aprendizagem das/os alunas/os e reforce o sentimento de engajamento acadêmico.

No que se refere às outras insatisfações citadas pelas/os participantes, nosso estudo destacou a relevância atribuída à desorganização administrativa, organizacional e pedagógica das instituições de ensino superior; aos problemas com uma infraestrutura precária; e à pressão psicológica que alunas/os relatam sentir na academia. Respostas que relacionam-se, visto que estudar em uma instituição desorganizada, com infraestrutura precária e professores/as que não ensinam de forma adequada são fatores que reduzem a aprendizagem, promovem o desengajamento e podem resultar no abandono dos cursos (problemática que vem aumentando nas últimas décadas), obstáculos que apontam para a urgente necessidade de repensar e transformar a formação da/o professora/or universitária/o, o currículo dos cursos e toda a lógica organizacional e pedagógica das universidades e faculdades.

Essas percepções discentes implicam demandas a respeito de políticas institucionais que garantam um espaço de qualidade para formação, permanência e engajamento da/o aluna/o em suas dimensões pessoais, interacionais e institucionais com a finalidade de possibilitar a superação de obstáculos que fragilizam o engajamento dessas/es estudantes.

Por fim, entendemos que as percepções discentes sobre a experiência acadêmica reforçam a compreensão de que o engajamento da/o estudante universitária/o é um processo que combina variáveis intrínsecas ao próprio sujeito, envolvendo sua avaliação das experiências vivenciadas - aspecto singular do seu modo de “ser/estar” no Ensino Superior - assim como variáveis extrínsecas relativas ao modo pelo qual as instituições de ensino superior dispõem e organizam experiências de aprendizagem e imersão em dinâmicas de interação interpessoal que ampliem os horizontes de enriquecimento cultural e diálogo com a diversidade.

Por outro lado, as percepções chamam a atenção para a necessidade de investimento em reflexões e experiências didáticas que melhorem o modo pelo qual os(as) docentes constituem vínculos com os(as) estudantes e criem situações de aprendizagem, a fim de superar modos magistrais, pouco dialógicos e descontextualizados de configurar a relação pedagógica e, nela, as conexões entre saberes acadêmicos e demandas de atuação profissional.

Nesse processo, o tripé universitário “ensino-pesquisa-extensão” não pode servir como um mero slogan institucional, é preciso concretizá-lo de forma real, fomentando uma cultura universitária que articule essas dimensões da formação.

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Recebido: 10 de Julho de 2020; Aceito: 31 de Agosto de 2020

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