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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 16-Sep-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.25767 

Artigos

Desafios para a realização de Pesquisas Educacionais: articulando diferentes áreas do conhecimento

Desafíos para realizar investigación educativa: articular diferentes áreas de conocimiento

Challenges for conducting Educational Research: articulating different areas of knowledge

Cauê Ferreira Teixeira1 
http://orcid.org/0000-0002-6976-6763

André Pires2 
http://orcid.org/0000-0002-8344-7662

Artur José Renda Vitorino3 
http://orcid.org/0000-0002-8654-3182

1Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2019). Atua no Grupo de Pesquisa: Educação, Pobreza e Políticas de Inclusão.

2Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp (2004), Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PUC-Campinas), Diretor da Faculdade de Ciências Sociais (PUC-Campinas) e pesquisador do CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa: Educação, Pobreza e Políticas de Inclusão.

3Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PUC-Campinas). Atua no Grupo de Pesquisa: Política e Fundamentos da Educação.


Resumo

Pesquisas e planejamentos educacionais têm esbarrado em inúmeras dificuldades, principalmente metodológicas, para desenvolver-se. Neste artigo, discutiremos as dificuldades existentes em pesquisas educacionais referentes à linguagem, às relações entre a pedagogia e as outras ciências humanas, aos riscos do abstracionismo pedagógico, aos desafios para que a Pedagogia estabeleça uma metodologia própria e à postura do pesquisador ante seu objeto, que constantemente constitui-se como outro sujeito. Objetivamos, assim, contribuir para reflexões acerca da importância do desenvolvimento de pesquisas educacionais que não enveredem por um abstracionismo pedagógico, tampouco por um teoricismo vago.

Palavras-chave Pesquisa; Educação; Metodologia

Resumen

La investigación y la planificación educativa han encontrado numerosas dificultades, principalmente metodológicas, para desarrollar. En este artículo, discutiremos las dificultades que existen en la investigación educativa con respecto al lenguaje, las relaciones entre la pedagogía y las otras ciencias humanas, los riesgos del abstraccionismo pedagógico, los desafíos para la pedagogía para establecer su propia metodología y la actitud del investigador hacia su objeto, que constantemente se constituye a sí mismo como otro sujeto. Por lo tanto, nuestro objetivo es contribuir a las reflexiones sobre la importancia de desarrollar una investigación educativa que no esté guiada por un abstraccionismo pedagógico, ni por un vago teorismo.

Palabras clave Investigación; Educacion; Metodologia

Abstract

Research and educational planning have encountered several difficulties, mainly methodological, to develop. In this article, we will discuss the difficulties that exist in educational research regarding language, the relations between pedagogy and other human sciences, the risks of pedagogical abstractionism, the challenges for Pedagogy to establish its own methodology and the researcher's attitude towards its object, which constantly constitutes itself as another subject. Thus, we aim to contribute to reflections on the importance of developing educational research not guided by a pedagogical abstractionism, nor by a ambiguity theory.

Keywords Research; Education; Methodology

Introdução

O interesse por pesquisar questões referentes à educação tem aumentado no decorrer das últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade do século XX, quando as políticas de bem-estar social, a industrialização e o surgimento de novas profissões e das possibilidades de mobilidade social, tornaram necessária a expansão escolar, fazendo com que a escola passasse também a educar as massas, dentro de um projeto de nação que se revela excludente em relação às camadas desfavorecidas economicamente, conforme destaca Almeida (2012). De acordo com Azanha (1975), esse interesse não se restringe aos educadores e profissionais da educação, mas abrange profissionais de outras áreas do conhecimento, como filósofos, economistas, sociólogos, cientistas políticos e psicólogos, por exemplo. Para esse autor, há duas motivações claramente identificáveis que ajudam a compreender as razões por esse crescente e universal interesse. A primeira está relacionada ao slogan de que “educação é investimento”, o que remete ao entendimento de que as despesas destinadas à educação irão inevitavelmente produzir resultados que conduzirão ao desenvolvimento econômico da sociedade. Conforme Azanha (1975), a convicção de que essa tese é verdadeira é uma constante na atuação de educadores e no pensamento pedagógico, todavia a estes se somam também os próprios economistas, que buscam compreender as conexões entre o processo educativo e o processo econômico em diferentes contextos sociais. A segunda motivação diz respeito à perplexidade e angústia das gerações mais velhas frente às crises sociais oriundas da recusa da juventude em aceitar suas destinações pessoais e profissionais conforme as direções oferecidas por um conjunto de valores que julgam obsoletos. É do temor dessas crises que nasce a valorização do processo educativo como ferramenta para restabelecer a harmonia social em casos de crise aberta ou prevenir que crises ainda latentes eclodam.

Assim, consoante Azanha (1975), mesmo nos setores não especializados, há convicção de que os efeitos do processo educativo, nas suas ressonâncias econômicas e sociais, podem ser decisivos para a própria sobrevivência da sociedade. Esse processo pode ser observado no aumento do interesse por pesquisas educacionais, no incremento dos investimentos em recursos destinados à educação e ao estímulo de esforços para a reforma dos sistemas escolares em todos os níveis de ensino. No entanto, as pesquisas e os planejamentos educacionais têm esbarrado em inúmeras dificuldades, especialmente metodológicas, para desenvolver-se. No presente trabalho, apresentamos cinco dessas dificuldades, levantando algumas questões que fortalecem reflexões acerca dos possíveis caminhos e das práticas para superá-las, estritamente no contexto brasileiro. A despeito de reconhecermos a importância das perspectivas que tratam a pesquisa em educação em contexto global, consideramos priorizar o enfoque sobre o Brasil, em razão dos desafios históricos para a consolidação do campo de pesquisas educacionais no país, conforme atentam Silva e Alves (2018). Não pretendemos oferecer soluções prontas e definitivas, pois, como destaca Dalbosco (2014), as possíveis respostas encontradas à questão da pesquisa não devem ser tomadas pelo pesquisador como definitivas, mas sim como afirmações provisórias.

Entre as dificuldades existentes para realizar uma pesquisa educacional, trataremos neste texto, inicialmente, sobre a importância da linguagem e do emprego adequado dos termos e das expressões na descrição e no desenvolvimento de pesquisas, atentando para as dificuldades de análise e interpretação que a utilização de termos e expressões ambíguas, intemporais ou indefinidas pode acarretar, e para a desafiadora, porém indispensável, tarefa de procurar ao máximo possível conceituar precisamente os principais termos utilizados no texto. Para tanto, buscamos a contribuição de autores que levantaram anteriormente essa questão, como Azanha (1975), Orlandi (1983) e Dalbosco (2014).

Na segunda parte, propomos uma reflexão sobre a relação entre a pedagogia e outras ciências humanas que pesquisam questões educacionais. Nesse ponto, apresentaremos de que modos as ciências como a sociologia, a psicologia e a economia, por exemplo, contribuem positivamente para reflexões sobre problemas educacionais, e de que formas a pedagogia pode se prejudicar ao permanecer submissa a essas outras áreas do saber ou flutuando ao sabor das influências dessas, conforme destaca Orlandi (1983).

Em seguida, discorremos a respeito dos riscos inerentes ao abstracionismo pedagógico nas pesquisas educacionais, consoante o pensamento de Azanha (2011), salientando a importância de se enfrentar tentativas de introduzir a quaisquer custos teorias abstratas ou partes delas nas concretudes reais pesquisadas, conforme ressaltam em artigo recente Mendonça et al. (2019).

Posteriormente, apresentamos a importância de se pensar as possibilidades e desafios para que a pedagogia institua um método próprio de pesquisa, de forma que permita, conforme sugere Orlandi (1983), que a pesquisa tenha na educação seu ponto de início e de término, ainda que perpasse por outras ciências durante seu desenvolvimento. Para isso, buscamos a contribuição de Azanha (1975), Orlandi (1983), Dalbosco (2014) e Severino (2019).

O último aspecto a ser desenvolvido nesse trabalho diz respeito às posturas do pesquisador diante do objeto de pesquisa, de modo que seja possível compreendê-lo e propor caminhos de reflexão. Nesse ponto, consideramos as contribuições de Ribeiro (1999), para quem o pesquisador deve se colocar de modo mais exposto aos objetos de pesquisa, pois esses objetos, em ciências humanas, estão intimamente conectados aos sujeitos; de Dalbosco (2014), que argumenta em favor de uma postura de abertura ao diálogo, uma vez que nas pesquisas educacionais o objeto de investigação é, frequentemente, outro sujeito; de Honneth (2018), que afirma a importância de se manter o primado do reconhecimento sobre o conhecimento objetivo do outro, do mundo e de si mesmo, bem como do enfrentamento de todas as possibilidades de reificação; e de Severino (2019), que discorre sobre a necessidade da assunção de uma ética pautada na alteridade e no reconhecimento da dignidade do outro na postura do pesquisador.

Por fim, estabelecemos uma articulação entre essas dificuldades na realização de pesquisas educacionais e as reflexões sobre possíveis estratégias para superá-las, visando a contribuir para pesquisas futuras no campo educacional.

A importância da linguagem para o desenvolvimento de pesquisas educacionais

O primeiro obstáculo que se apresenta para a realização de pesquisas educacionais diz respeito ao uso que se faz da linguagem em educação. De acordo com Azanha (1975), conceitos e expressões usualmente empregados para descrever os processos educativos são carregados de ambiguidades e de uma amplitude de significados que dificultam sua utilização de modo eficaz. Os diagnósticos produzidos com base em vocabulários ambíguos, intemporais e imprecisos dificultam tanto as reflexões teóricas quanto as atuações práticas de reformadores e planejadores, pois, conforme destaca Azanha (1975), a utilização ambígua da linguagem tem “pouca objetividade e escasso valor descritivo”. Expressões vagas e com múltiplos sentidos produzem equívocos que dificultam tanto a compreensão do processo educacional quanto as boas práticas de planejamento e reformas. Assim, consoante Azanha (1975), ideias como “a falência do ensino primário, médio e superior” e o “arcaísmo das instituições escolares” transformam-se em axiomas, a ponto de a busca por dados empíricos referentes ao assunto pesquisado servir apenas para exemplificar as afirmações e análises, e não para comprová-las. Para o autor, o mesmo ocorre com expressões como “ensino integrado”, “integração da escola na comunidade”, entre outras, que são tomadas como um alvo, cujo alcance produziria uma melhoria nos padrões de ensino. Dessa forma, Azanha (1975) salienta que

O que importa é pôr em relevo o fato de que as descrições e análises do processo educativo são, usualmente, conduzidas numa linguagem na qual os termos possuem uma amplitude de significado que dificulta a sua utilização de modo eficaz. O problema não é apenas de interesse teórico, mas também de profunda importância prática porque a atuação de reformadores e planejadores fica em parte condicionada pelo valor dos diagnósticos feitos. (Azanha, 1975, p. 17)

Logo, faz-se premente que pesquisadores educacionais busquem o uso adequado da linguagem, por meio de conceitos bem definidos e explicados, pois a imprecisão de termos ou sua utilização de forma que gere múltiplas interpretações impede diagnósticos úteis que possibilitem aprimorar planos e práticas educacionais.

Assim, Azanha (1975) nos atenta para a importância de se empreender de modo sistemático a análise filosófica dos conceitos educacionais para se obter um grau satisfatório de racionalidade do discurso pedagógico, uma vez que a linguagem da educação é ainda uma mistura da linguagem corrente e dos jargões técnicos de outras ciências humanas. Conforme o autor, o próprio termo “educação” é difícil de ser delimitado e compreendido em contextos distintos. Portanto, conforme explana Azanha (1975), a linguagem é muitas vezes um obstáculo epistemológico que necessita indispensavelmente ser removido por meio da análise filosófica dos conceitos básicos da área de educação para tratar criticamente os problemas educacionais.

Na mesma linha, ao tratar sobre a importância da autocrítica para a formação da consciência pedagógica, Orlandi (1983) atenta justamente para o problema da compreensão que se tem dos termos utilizados nos discursos e práticas educativas. De acordo com esse autor, em uma teoria, existem “termos primitivos”, aqueles não definidos, que são basilares para definir outros termos dessa mesma teoria. Assim, noções como “atividade” e “moderno”, por exemplo, podem cumprir o papel de “termo primitivo”, de modo que à consciência pedagógica se impõe a tarefa de sistematicamente questionar termos, noções e procedimentos considerados primitivos.

Dalbosco (2014), por sua vez, afirma que existe uma fragilidade teórica no campo educacional relacionada com a frouxidão e imprecisão de conceitos chaves nesse campo, como educação, pedagogia, didática e prática de ensino, por exemplo. Essa imprecisão é uma das razões que dificulta a autoafirmação e o reconhecimento do campo educacional frente a outros campos científicos.

Dessa forma, o primeiro desafio a ser superado na tentativa de empreender uma pesquisa educacional é o de estabelecer maior cuidado na compreensão e escolha dos conceitos e das expressões que serão utilizados para desenvolver a pesquisa. Portanto, deixar claro o sentido e as definições determinados para cada termo e o contexto específico em que se utiliza, e com quais objetivos, é primordial para uma pesquisa que se pretenda bem escrita e bem compreendida.

As relações da pedagogia com as outras ciências humanas que estudam problemas educacionais

O segundo obstáculo refere-se à complexa relação entre a pedagogia e outras ciências humanas que pesquisam questões educacionais. Embora exista vasta quantidade de estudos e intervenções de pesquisadores da sociologia, filosofia, psicologia, economia, entre outras, na área da educação, com seus conceitos e métodos já constituídos, a própria pedagogia ainda não foi eficiente na tarefa de se constituir como uma ciência com métodos próprios. Sob essa perspectiva, conquanto essas ciências produzam trabalhos fecundos e úteis em determinados momentos e contextos, seu valor pedagógico é quase sempre diminuto ou nulo. É o que destaca Estrela (1992), afirmando ainda que a pedagogia transforma-se em um campo de aplicação de princípios de outras ciências, reduzindo-se a uma prática fundamentada em metodologias e teorias pertencentes a outros domínios científicos. Ainda de acordo com Estrela (1992), para que uma ciência se constitua, é necessário que encontre seu próprio objeto, ou seja, um determinado objeto concreto que possa ser explicado a partir de teorias construídas por uma prática específica de metodologias estruturadas. Ao se analisar o fenômeno educativo pelo ângulo de outras ciências, são os objetos e as teorias da prática dessas ciências que são detectados. Assim, a pedagogia necessita, pois, estabelecer um “irredutível pedagógico”, um objeto próprio que, conforme Estrela (1992), seria a didática, compreendida como o “processo de ensino-aprendizagem”. Sob essa perspectiva, Severino (2019) destaca que a construção do conhecimento científico no campo educacional, sob a ótica epistemológica, é extremamente dificultosa em razão de os fenômenos educacionais serem práticas intencionalizadas que dificultam a apreensão de sua objetividade. Para o autor, os fenômenos educacionais, por se tratarem se práticas histórico-sociais suscetíveis às práxis dos sujeitos, não podem ser abordados sob os mesmos princípios com que se analisam objetos anatômicos em uma bancada de laboratório. Ainda mais, Severino (2019) salienta que produzir ciência no campo da educação não difere apenas dos processos aplicados nas ciências naturais, mas também daqueles próprios de outras ciências humanas, exigindo-se a constituição de uma distinção entre ciências da educação e uma ciência da educação.

Uma coisa é buscar conhecer a fenomenalidade envolvida na dimensão antropológico-existencial, com as perspectivas e recursos teórico-metodológicos das ciências humanas; outra coisa será compreender a especificidade da própria educação, mediante recursos epistemológicos específicos, que deem conta dessa condição original da educação como prática humana permanentemente em devir (Severino, 2019, p. 909)

Depreende-se, por conseguinte, a necessidade da constituição de um campo próprio para a pesquisa em educação, ainda que esse campo possa e deva dialogar com outros campos do conhecimento que se dediquem a estudar fenômenos educacionais. Nesse sentido, as pesquisas educacionais devem buscar superar a subordinação às demais áreas das ciências humanas, de modo que a educação seja o próprio objeto, o início e o fim da pesquisa, e não apenas um ponto de passagem de outras áreas.

Essa questão já havia sido suscitada anteriormente por Orlandi (1983), que afirma que a consciência pedagógica ainda oscila entre dois pólos – um isolacionismo abstrato, marcado por um vago teoricismo, e um isolacionismo empírico, marcado por um irrisório praticismo – justamente porque “não conta com uma teoria própria e não pode perpetuar a aplicação de um feixe de técnicas e práticas que se cruzam inevitavelmente no desempenho da tarefa educativa” (Orlandi, 1983, p.8). Por essa razão, de acordo com o autor, a consciência pedagógica flutua conforme a força deste ou daquele núcleo influenciador em cada momento. Esse núcleo influenciador pode ser a psicologia, a economia ou a sociologia, por exemplo, e o que se observa em consequência disso é a pedagogia flutuando à mercê dos conceitos e métodos dessas ciências, em vez de construir elementos para exercer controle sobre essas influências, integrando-as em um determinado sentido.

Essa flutuação da consciência pedagógica ao sabor das influências de outras ciências humanas guarda relação direta com o próprio processo histórico de tentativa de criação de um campo de pesquisa em educação no Brasil, o qual merece ser brevemente retomado aqui. De acordo com Silva e Alves (2018), embora as pesquisas em educação já se desenvolvessem por meio de experiências como a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INPE), em 1938, durante a Ditadura estadonovista de Vargas, e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) – com suas esferas regionais também, a partir da segunda metade da década de 1950, experiências desvinculadas da universidade. É somente a partir da década de 1960, já no contexto da Ditadura Militar, que as pesquisas em educação ganham terreno no campo universitário. Esse processo é marcado pela expansão dos quadros universitários e tem como principais destaques a criação dos primeiros programas de pós-graduação em educação, entre 1965 e 1971, e a Reforma Universitária de 1983, que buscou definir a área de educação como campo específico, a partir de sua dissociação de outros campos, como as letras e a filosofia. É nesse contexto que se acirram as disputas entre os pesquisadores da área de educação e pesquisadores de outras áreas que compunham as faculdades de filosofia, ciências e letras.

A partir desse período compreendido entre a segunda metade de década de 1960 e a primeira metade da década de 1970, a educação começa a buscar sua consolidação como campo científico, sendo alguns fatores preponderantes para tanto: a criação de faculdades de educação e de agências de fomento para pesquisas educacionais; a constituição de um grupo de professores, pesquisadores e obras de referência; a criação dos programas de pós-graduação que possibilitam a consolidação, renovação e reprodução do próprio campo educacional; e o diálogo com outras áreas que compunham as faculdades de filosofia, ciências e letras, nas quais estavam anteriormente ancoradas a formação de professores e o curso de pedagogia. Por conseguinte, esses fatores possibilitaram o duplo movimento de uma relativa autonomização do campo da educação e sua inserção no campo universitário. O nível de inserção e consolidação dessa nova área (que busca se firmar como campo), de acordo com Silva e Alves (2018), se deu ao longo dos anos por meio da expansão dos programas de mestrado e doutorado, fundações de associações regionais e nacionais de pesquisa, criação e consolidação de eventos científicos em nível local, nacional e internacional e também de períodos científicos próprios da área.

As autoras salientam ainda que o desenvolvimento do campo educacional se deu a partir de uma perspectiva relacional com o campo universitário, tendo desenvolvido um habitus próprio, ao mesmo tempo em que mantém relação com um habitus mais geral do universo acadêmico brasileiro. No entanto, pode-se questionar se há efetivamente um habitus próprio na pesquisa em educação, justamente por sua complexa e permanente relação com outras áreas do conhecimento e sua constante flutuação dentro dessas áreas. Afinal, é justamente nesse histórico dialógico com outras ciências humanas, presente desde a criação dos primeiros programas de pós-graduação em educação, que reside uma das dificuldades da educação em se consolidar com campo específico de pesquisa.

Ainda nesse sentido, Mendonça et al. (2019) atentam para a necessidade de que a educação seja eficiente em convencer os demais campos do saber e as referidas agências de que é um campo científico próprio e rigoroso, distinguindo-se, assim, desses outros campos.

O segundo desafio para uma pesquisa educacional é, portanto, que a pedagogia instaure um objeto e método próprios de estudo, desenvolvendo a capacidade de dialogar com as outras ciências que estudam questões educacionais, sem, no entanto, submeter-se a elas, tornando-se autônoma e abrindo caminhos para diálogos interdisciplinares com outras áreas do saber para melhor compreender os processos educativos em cada contexto. Tal desafio passa pela superação do chamado abstracionismo pedagógico presente em pesquisas educacionais, conforme será visto na próxima seção.

Os riscos do abstracionismo pedagógico às pesquisas educacionais

No tocante às dificuldades enfrentadas para se realizar uma pesquisa educacional, Azanha (2011) chama atenção para a existência de um estilo de investigação educacional que paralisa os estudos acadêmicos em educação. Trata-se, conforme o entendimento desse autor, de um estilo caracterizado como uma categoria do que se poderia compreender como “abstracionismo pedagógico” (grifo do autor), expressão indicativa da leviandade de descrever, explicar ou compreender situações educacionais reais, descartando-se as determinações específicas da realidade concreta em que se desenrolam e restringindo sua atenção somente a “princípios” ou “leis” gerais que em sua dimensão abstrata seriam, aparentemente, suficientes para assimilar situações focalizadas. (Azanha, 2011, p. 42)

De acordo com Azanha (2011), tal estilo de investigação, a despeito de suas pretensões teóricas, é incapaz de ir além da utilização da teoria disponível (ou de parcelas esquemáticas dela) para executar operações “formais” de classificação de “fatos” da realidade como se tais operações fossem de fato explicações. Assim, a compreensão histórica acaba se traduzindo na “aplicação” de “referenciais” (grifos do autor) a uma realidade que na verdade se desconhece.

O estudo de Azanha (2011) compreende o abstracionismo pedagógico como um processo pelo qual se deturpa o real por meio de um encaminhamento ingênuo ou astucioso do exame de um assunto, de modo que a discussão abstrata se disfarça de discussão teórica. Nesse sentido, a abstração assume o caráter negativo de separar, tomar como autônomos e independentes aspectos do objeto que são inseparáveis, uma vez que são essencialmente “conteúdos dados ao mesmo tempo” (grifos do autor) em uma relação de parte-todo, fazendo com que sua separação suprima a própria possibilidade do conhecimento.

Intencionando sustentar sua proposição, Azanha (2011) comenta analiticamente alguns aspectos do abstracionismo presentes em estudos da educação brasileira, particularmente aqueles referentes ao ensino primário, o qual, conforme o autor, concentra os mais graves problemas da educação brasileira. Consoante Azanha (2011), tornou-se lugar-comum descrever esse nível de ensino como numericamente insuficiente e qualitativamente ruim, em geral utilizando fatores como a má formação de professores, as condições precárias de trabalho, o caráter repressivo do ensino e a ausência de autonomia da escola para explicar essa situação. Contudo, Azanha (2011) destaca que esse tipo de descrição não pode ser compreendido como atual, visto que estudos realizados na década de 1920 e de 1960 traziam conclusões semelhantes àquelas produzidas por investigações recentes. Assim, ressalta o autor, se tais descrições forem verdadeiras, não seria certo afirmar uma deterioração desse segmento do ensino brasileiro, mas sim uma estagnação da ruindade. No entanto, o autor refuta a hipótese de estagnação de um processo social como a educação em um período de tempo tão longo e complexo, considerando-a como inadmissível, pois o simples e enorme crescimento quantitativo da rede de escolas tornou inviável a manutenção de padrões de ensino próprios da década de 20 ou de 30.

Azanha (2011) conclui que, no estudo da educação brasileira, salvo raras exceções, as análises sugerem uma permanência não histórica da instituição escolar, revelando-se incapazes de assimilar as transformações que efetivamente tinham ocorrido até então. Assim, conforme o autor, a escola brasileira tem sido estudada como uma entidade abstrata e completamente desconectada de seu ambiente histórico.

Essa maneira de pesquisar, conforme indica Azanha (2011), tem sido praticada tanto por autores que se situam em um espectro teórico-político conservador quanto por outros que se situam em um espectro mais liberal. As diferenças de formação e de motivação entre os dois grupos de autores não impediu a ambos elaborarem estudos abstratos acerca da realidade educacional brasileira. Para Azanha (2011), autores contemporâneos acabaram se inserindo também em um abstracionismo pedagógico, presente em análises com obsessiva preocupação com a descrição da escola e com a explanação de problemas educacionais a partir de hipotéticas relações entre os processos educativos e outros processos socioeconômicos. Nesse sentido, Azanha (2011) atenta que a esses estudos restaria apenas enunciar formalmente hipotéticas relações entre os processos sociais existentes em nossa sociedade capitalista, valendo-se para tanto de alguns “fatos” (grifo do autor) corroboradores.

Azanha (2011) salienta que discursos abstratos sobre educação possuem um efeito paralisante que incide sobre a própria ação educativa, pois

negando-se qualquer grau de autonomia às práticas escolares concretas e considerando-as invariavelmente como mero resíduo de forças exteriores a elas, eventuais características que assumam num certo momento só seriam modificáveis por alterações nessas forças e nunca por uma mudança interior nas próprias práticas. (Azanha, 2011, p. 47)

Sob essa perspectiva, Azanha (2011) vê como discutível o valor dos exercícios abstracionistas que, embora não representem a totalidade dos estudos em educação brasileira, pontificam o assunto. Para o autor, em tais estudos a escola focalizada não possui vínculo semântico com a realidade educacional do país, tornando-se, pois, uma entidade fictícia. Nesse sentido, as pesquisas desenvolvidas por meio de exercícios abstracionistas são incapazes de estabelecer vínculo com a realidade concreta que se pretendeu estudar, aproximando-se mais de uma fantasia do que de algo real. A esse respeito, ao refletir sobre o problema do abstracionismo proposto por Azanha (2011), Mendonça et al. (2019) contestam qual é a precisão de narrativas abrangentes e abstratas que não partem de uma análise concreta do ambiente escolar. Para os autores, a ausência de descrições empíricas que se debrucem sobre a concretude das situações educacionais, com o intuito não de ressaltar teorias, mas de trazer à luz o que a escola de fato vivencia em seu cotidiano, é um dos aspectos frágeis que envolvem os estudos educacionais

Assim, ao elucidar a prática do abstracionismo pedagógico nas pesquisas em educação, Azanha (2011) enfatizou a imprecisão epistemológica entre a elaboração teórica desenrolada por meio do relacionamento de ideias e noções gerais, necessariamente abstratas, e a investigação empírica operada por meio da teoria, mas que não pode restringir-se a uma simples ilustração da mesma. Conclui o autor que a orientação teórica para o estudo da educação brasileira (ou qualquer outra), embora indispensável, é apenas um ponto de partida e não pode prescindir do próprio estudo.

As observações de Azanha (2011) nos remetem à reflexão sobre a importância teórica e prática dos estudos de práticas escolares concretas, buscando aliar a teoria desenvolvida por meio de pensamento abstrato com a observação empírica da realidade concreta que se desenrola no cotidiano das escolas. Para tanto, é indispensável que teoria e prática dialoguem e que todos os aspectos do objeto sejam colocados em evidência, quer estejam de acordo com a teoria, quer sejam-lhes conflitantes. Nesse sentido, descartar os aspectos do objeto que divirjam da teoria ou forçosamente procurar no objeto de estudo aspectos que dialoguem com a teoria, como se fossem partes separadas do todo, fornece apenas uma compreensão incompleta da concretude que se propôs a estudar. Assim, para evitar esse abstracionismo, torna-se imperativo refletir sobre a necessidade do aperfeiçoamento da metodologia de pesquisa em educação e sobre a postura do pesquisador diante dos temas educacionais.

Por uma metodologia de pesquisa educacional

No que tange à busca por uma metodologia própria, é importante ressaltar a relação da pedagogia com as ciências naturais e as ciências duras, como a física e a matemática, para as quais todo objeto de investigação científica pode ser mensurado e determinado objetivamente. A busca por empreender os padrões de tais ciências tem sido amplamente problematizada e criticada por distintos pesquisadores, como Azanha (1975) e Dalbosco (2014).

Para Azanha (1975), existe nas pesquisas educacionais uma dificuldade em se utilizar de maneira racional as teorias e os dados empíricos. Para esse autor, há uma vasta literatura educacional composta de ensaios que ficam no nível da divagação literária ou pseudocientífica. Azanha (1975) salienta que, embora esses discursos pedagógicos possam ter utilidade prática, não são discursos científicos. Isso porque são normalmente opiniões frente a temas educacionais e não hipóteses a serem confirmadas ou refutadas. Dessa forma, os dados empíricos utilizados na pesquisa servem antes para exemplificar do que para comprovar algum fato. Consoante Azanha (1975), as ideias muitas vezes estão previamente aceitas, e os dados não servem para alterá-las ou refutá-las, apenas para exemplificá-las. Nas palavras do autor:

Quase sempre não existe, propriamente, um problema a ser investigado, mas simplesmente um assunto, um tema, em torno do qual se elaboram questionários e roteiros de entrevista, cuja utilização é por vezes associada a algum outro tipo de instrumento. Colhidos os dados, tabulados e feito o tratamento estatístico permissível, esses levantamentos poderiam ter alguma utilidade descritiva, não fossem as análises e interpretações que usualmente acompanham a apresentação dos quadros e tabelas […]. (Azanha, 1975, p. 21)

Azanha (1975) conclui que, considerando os procedimentos metodológicos utilizados e os resultados obtidos nas pesquisas, não se pode falar com total propriedade sobre a existência de um acervo de conhecimentos científicos sobre educação. Isso não significa que a questão educacional deva ser pensada segundo o modelo de método científico aplicável às ciências físicas, pois, para o autor, forçar qualquer dos ramos da pesquisa educacional nos moldes da física ou de outra ciência natural traria resultados duvidosos e prejudiciais. Ainda assim, é necessário pensar na aplicação de regras que disciplinem a produção de raciocínios corretos e inferências empiricamente confirmadas. O desafio é justamente pensar de maneira disciplinada as distintas experiências humanas no campo educacional. Nesse sentido, refletir sobre o que se entende por pesquisa educacional e por experiência humana pode auxiliar na superação desse desafio.

De acordo com Dalbosco (2014), em uma perspectiva mais ampla, a pesquisa educacional tem por objetivo investigar as experiências de formação entre dois ou mais seres humanos que participam de uma dada conjuntura social e natural. Sob essa perspectiva, na pesquisa em educação é indispensável levar em consideração a experiência humana, quaisquer sejam os referenciais teóricos e as metodologias utilizadas. Baseado no pensamento aristotélico, Dalbosco (2014) aponta que a construção do saber está relacionada à investigação dos princípios e das causas iniciais de tudo o que existe. Contudo, esse mesmo pensamento vincula o espírito questionador humano à experiência. Assim, na concepção aristotélica de experiência, existe uma tensão entre as percepções individuais e as generalizações, desde a tradição cultural ocidental até os dias de hoje. Dalbosco (2014) compreende como percepções individuais tudo o que é particular, empírico, observável e que guarda relação direta com os nossos sentidos. Já a generalização seria o empenho teórico de interpretar o observado sob um prisma mais amplo, afastando-o, inclusive, do próprio contexto que o gerou. Assim, o autor apresenta os dois pólos da investigação, quais sejam o empírico e o teórico, que devem ser pensados em uma perspectiva de constante e inacabada tensão.

Entretanto, na modernidade, a ciência concebida sob um prisma fundamentalmente tecnicista provoca uma ênfase nos significados produzidos por métodos experimentais. Conforme atenta Dalbosco (2014), a experiência em sua versão moderna é compreendida essencialmente como tudo o que é passível de ser mensurado dentro dos padrões do modelo físico-matemático, o que se constitui como um empecilho para o desenvolvimento de pesquisas que devem levar em conta as experiências humanas e a historicidade que as constituem. Para o autor, é amplamente problemático tentar transportar tal modelo às chamadas ciências do espírito, pois ele objetiva, equivocadamente, mensurar o que não pode e não deve ser medido, ou seja, o próprio ser humano. A tentativa de mensuração da experiência humana e de seus possíveis sentidos limita o ideal de objetividade, assumido também em partes pela pesquisa educacional. Conforme afirmado anteriormente, este aspecto é discutido também por Severino (2019), que afirma a necessidade de a educação se dissociar das ciências naturais (e também de outras ciências humanas) para se instituir como campo de pesquisa próprio. Nesse sentido, de acordo com Dalbosco (2014,) a significativa prevalência do ideal de objetividade se dá em claro prejuízo da historicidade como componente próprio da condição humana. No campo educacional, as consequências dessa opção geral pela objetividade são avassaladoras. Uma delas é o fato de as pesquisas em educação se orientarem para o empírico, que se reduz a algo que, em tese, pode ser medido ou que é autossuficiente para trazer respostas ao problema de pesquisa. O problema, afirma Dalbosco (2014), é que essa concessão excessivamente empírica prejudica os aspectos teóricos da pesquisa, dificultando o próprio processo de validação do conhecimento educacional.

Sob essa perspectiva, Ribeiro (1999) alerta que, nas investigações em ciências humanas, o pesquisador guarda uma relação de proximidade com os temas escolhidos, de modo que estes lhes podem trazer, concomitantemente, atração e temor. Contudo, a tentativa de afastar essa relação de proximidade, ou de neutralizar os anseios e temores, poderia desencadear no esvaziamento do sentido da própria pesquisa, podendo significar a perda do desejo de pensar e da libido pelo conhecimento.

Nesse sentido, a abordagem que Dalbosco (2014) faz da experiência humana como inerente ao campo educacional se mostra fundamental para a reflexão acerca dos caminhos que a pesquisa educacional deve percorrer para se realizar de modo que não se restrinja aos aspectos empíricos da investigação e nem se reduza a um teoricismo vago e abstrato.

O autor propõe que a tradição hermenêutica poderia trazer maior amplitude à concepção de experiência, retomando o sentido intrínseco à condição humana que foi olvidado pela ciência pautada nos métodos experimentais. Ainda conforme Dalbosco (2014), essa contribuição estaria ligada a uma noção de historicidade pautada no caráter de abertura da existência humana, manifestada por meio do diálogo constituído pela maneira inteligente de pergunta. Depreende-se então que é através do diálogo impulsionado pela dimensão aberta e inconclusa da pergunta que o homem pode se projetar além dos aspectos dogmáticos característicos de cada experiência humana, classificados pelo autor como ordinária, científica e filosófica. (Dalbosco, 2014, p. 1033). Nesse sentido, espera-se do pesquisador uma maior abertura ao objeto de estudo, que, em ciências humanas, é usualmente outro sujeito, conforme salientam Ribeiro (1999) e Severino (2019). Torna-se premente, pois, compreender as tensões e fragilidades existentes no campo de pesquisa educacional de acordo com Dalbosco (2014), bem como seu entendimento sobre experiência humana e da importância da hermenêutica para superar essas tensões e fragilidades.

Para Dalbosco (2014), o campo de pesquisa educacional caracteriza-se por ser difuso, fragmentado teoricamente e carente de um fio condutor geral. Segundo o autor, há uma multiplicidade de temas e uma carência de direcionamento que possibilite articular as linhas de pesquisa e oferecer uma unidade básica aos programas. Assim, “da necessária pluralidade temática e teórica, da indispensável liberdade acadêmica e da solidão intelectual produtiva ruma-se a passos largos à liberalidade e à fragmentação caótica, fortalecendo o individualismo possessivo de um perfil acadêmico ao estilo hobbesiano.” (Dalbosco, 2014, p.1033)

O autor entende que o predomínio acrítico do empírico e a debilidade teórica devem ser enfrentados por meio de uma agenda de pesquisa educacional que pense a questão da constituição de uma cultura epistemológica que responda adequadamente às exigências das sociedades modernas marcadas pelo pluralismo e pela complexidade. Nesse sentido, a cultura deve ser amparada em um “amplo conceito de razão, falibilista e encarnado social e historicamente, que seja capaz de problematizar o sentido reduzido da experiência humana” (Dalbosco, 2014, p. 1034).

Na compreensão de Dalbosco (2014), ao não formular apropriadamente determinadas questões indispensáveis à pesquisa e ao utilizar de modo impreciso determinados conceitos, o campo educacional torna-se fragmentado e inconsistente. Existe, para o autor, uma fragilidade teórica no campo educacional relacionada à inexatidão de conceitos chaves como educação, pedagogia, didática e prática de ensino, por exemplo, reforçando o que havia sido observado anteriormente por Azanha (1975). Essa imprecisão dificulta a autoafirmação e o reconhecimento do campo educacional frente a outros campos científicos. Nesse sentido, conforme aponta Dalbosco (2014), existem fatores estruturais exógenos que estão na raiz dessa fragilidade teórica e dessa indefinição conceitual da pesquisa educacional como configurada atualmente, destacando-se a intromissão excessiva da economia global de mercado no contexto da educação e, por conseguinte, uma mercantilização cada vez maior do ensino. Assim, o autor salienta que o modelo de gestão empresarial, em especial o pautado na competitividade agressiva, é inapropriado para tratar da experiência humana que se desenrola por meio de práticas educativas formais e informais.

Ainda conforme o mesmo autor, a fragilidade teórica da pesquisa e a ambiguidade do campo conceitual são ressaltadas quando se olvida de questionar a validade do conhecimento educacional. Em outras palavras, a pedagogia, de acordo com Dalbosco (2014), abandonou sua ambição de ser um conhecimento sobre educação elaborado por meios investigativos. Por essa ótica, faz-se imprescindível refletir sobre os modos de investigação.

Tomando como referência artigo de Gatti (2012), Dalbosco (2014) destaca a existência de três problemas associados aos modos de investigação: a heterogeneidade dos discursos e perspectivas sobre educação; as formas de concretizar a pesquisa; a relação entre a pesquisa e as reivindicações sociais. Ao se analisar esses fatores isoladamente, priorizando a relevância da conexão entre a pesquisa e as exigências sociais, Gatti (2012) escolhe como os dois pilares dos modos investigativos e da pesquisa educacional a necessidade de fornecer consistência ao argumento e de exercitar a crítica.

Entretanto Dalbosco (2014) acrescenta ainda que a primazia do empírico sobre o teórico nas pesquisas educacionais serviu para fragmentar e fragilizar ainda mais os aspectos teóricos da pedagogia. Nesse ponto, o autor declara que a pedagogia necessita recuperar sua capacidade teórica de reflexão e posicionar-se contrária ao reducionismo de sentido da experiência humana, pois essa seria a única forma de encarar amplamente as questões propriamente educacionais. Reforça-se, pois, a perspectiva de Ribeiro (1999), para quem a experiência humana não deve ser esvaziada em nome de uma suposta objetividade no campo de pesquisa, sob pena de se perder o próprio desejo de pensar. Assim, Dalbosco (2014) critica a opção pelo empírico que a pesquisa educacional adotou nas décadas recentes, afirmando que essa escolha resulta no abandono de questões epistemológicas, éticas, políticas e metodológicas, enfraquecendo a própria pesquisa. Em relação à disputa entre empírico e teórico, o autor conclui que, sob um prisma hermenêutico, o empírico resulta sempre da experiência humana, mais especificamente por meio dos diálogos que possibilitam a compreensão entre os seres humanos. Nesse ponto, Dalbosco (2014) critica a postura de identificar o empírico como algo posto de imediato às percepções sensíveis, em prejuízo da questão teórica mais ampla, o que se configura como uma das limitações da pesquisa educacional atualmente, pois preserva a característica dogmática da experiência humana. Compreender do que se trata esse dogmatismo e como se concebem conceitualmente as experiências humanas são o passo seguinte para se pensar as possíveis estratégias de desenvolvimento de pesquisas educacionais.

Para Dalbosco (2014), não há apenas uma perspectiva de conceber a multiplicidade de sentidos da experiência humana, a fim de resumi-la ao empírico, definido pelo ideal de objetividade inerente aos métodos experimentais, pois isso acaba por restringir por demasiado as pesquisas educacionais. Assim, o autor afirma a existência de uma ambiguidade que permeia os níveis ordinário, filosófico e científico da experiência humana.

A experiência ordinária, para Dalbosco (2014), refere-se a tudo aquilo realizado espontaneamente pelo ser humano, sem a necessidade de reflexão a respeito da ação. Trata-se da experiência cotidiana que compreende as ações praticadas durante boa parte do tempo do homem e que servem para atender as suas necessidades básicas. Para o autor, esses procedimentos, baseados em uma racionalidade mecânica, conduzem a uma rotina que origina um esquema mental determinado, assumido regularmente em qualquer contexto para satisfazer as necessidades ordinárias. É justamente nessa invariabilidade dos procedimentos que se assenta o dogmatismo, acentuando-se quando se aplica essa técnica para tentar solucionar problemas que ultrapassam a rotina. Em sala de aula, por exemplo, a prática dogmática pautada na rotina e na experiência ordinária pode impelir a um agir mecânico e levar a uma incapacidade reflexiva.

Contudo, de acordo com Dalbosco (2014), a consciência espontânea característica da experiência ordinária não se forma apenas por meio de uma racionalidade mecânica constantemente submissa ao hábito e ao dogmatismo. Existiria outro aspecto válido na experiência ordinária, qual seja a perspicácia do homem experimentado, aquele que faz muitas experiências e aprende com elas, mantendo-se disposto a experimentar novamente e de forma diferente, e a continuar aprendendo. Assim, constitui-se um tipo de saber que o homem adquire em suas experiências de vida, ainda que possa ser problematizado no ambiente acadêmico. Ainda para o mesmo autor, a perspicácia e a observação precisas constituem-se como qualidades imprescindíveis a um bom pesquisador, e podem ser otimizadas se colocadas em perspectiva com a reflexão teórica. Poder-se-ia afirmar que esse tipo de postura diante da experiência, essa disposição por permanecer em constante processo de aprendizagem, que Ribeiro (1999) coloca como essencial aos pesquisadores em ciências humanas, ao apontar que esses devam se expor mais aos seus objetos de estudo.

Com relação à experiência científica, Dalbosco (2014) critica a visão tecnicista da ciência moderna, que enxerga a experiência em seu escopo metódico-experimental, alicerçado na tríade observação, experimentação e descrição dos fenômenos, que deveria ser seguida à risca pelo pesquisador e argumenta em favor da existência de múltiplas concepções de ciência. Nesse ponto, o autor apresenta a ideia da hermenêutica como uma postura de crítica às ciências naturais, recusando tomá-la como única maneira de refletir sobre a experiência humana.

Por fim, a experiência filosófica relaciona-se com a ideia da profundidade do sentido da realidade, representada historicamente pela tragédia, referência ímpar nas reflexões a respeito da condição humana. Conforme sugere Dalbosco (2014), o espanto filosófico originário se pauta justamente na consciência da inevitável condição trágica do ser humano. Para definir esse conceito, o autor se fundamenta em Hegel, para quem a experiência filosófica seria a eterna procura pelo saber absoluto.

Há, finalmente, no contexto das reflexões acerca da experiência humana, a perspectiva hermenêutica, caracterizada por três elementos: o aspecto limitado ou falível (uma experiência só permanece válida até ser refutada por outra, logo toda experiência precisa ser testada pelo permanente exercício de questionar e responder); a abertura (a experiência não tem validade absoluta, ou seja, as questões tendem a permanecer em aberto); e a intersubjetividade (concebida por meio da prática da alteridade).

As reflexões propostas por Dalbosco (2014) acerca das complexidades da experiência humana constituem importante ferramenta para pensar qual seria a postura adequada de um pesquisador ante um tema educacional. É sobre essa postura que discorremos na próxima seção, a partir de um diálogo entre as abordagens de Ribeiro (1999), Dalbosco (2014), Honneth (2018) e Severino (2019).

A postura do pesquisador diante dos temas educacionais

Pensar qual seria a postura adequada do pesquisador diante dos temas educacionais tem sido objeto de reflexões ao longo das últimas décadas. Nesse sentido, Ribeiro (1999), Dalbosco (2014), Honneth (2018) e Severino (2019) oferecem alternativas que podem indicar um caminho para a realização de pesquisas com sentido teórico e utilidade prática para o melhor entendimento dos problemas educacionais e maior eficácia na elaboração de soluções, planejamentos e projetos pedagógicos.

Ribeiro (1999) alerta para a duplicidade de papéis desempenhados pela procura de referenciais teóricos no desenvolvimento dos trabalhos acadêmicos. Por um lado, esse processo pode despertar reflexões, o que é positivo; por outro, pode se constituir em amarras, em formas de atar o pesquisador aos referenciais já prontos, o que é negativo. Em relação ao papel negativo, Ribeiro (1999) afirma que, primeiro se busca uma bibliografia de referência, e depois se aplica mecanicamente a um corpo ou objeto de estudo, destituindo-se o papel inovador que a pesquisa poderia ter. Para o autor, essa demanda por referenciais, quer parta do aluno, quer parta do professor, tem a função de reduzir as ansiedades diante do tema de pesquisa. Em ciências humanas, os temas que escolhemos para trabalhar estão ligados aos nossos desejos e, por isso, concomitantemente nos atraem e nos causam temor. Assim, ele levanta a seguinte questão: seria correto, ou ainda, enriquecedor, esvaziar o temor, a dificuldade e a ansiedade que um tema nos suscita?

Para Ribeiro (1999), esse processo talvez desencadeie um esvaziamento no desejo de pensar, o que seria problemático, pois a razão para se fazer uma pesquisa deve ser o amor pelo pensar e a libido pelo conhecer. O pavor diante da novidade deve despertar no aluno o desejo de inovar e não de procurar terra firme. Sob essa perspectiva, a terra firme é considerada como o pior inimigo do conhecimento. Isso significa que os referenciais teóricos devem ser utilizados como ferramentas de auxílio e não como muletas. Os trabalhos anteriores são importantes na medida em que contribuem para nosso avanço na pesquisa.

Ribeiro (1999) sugere que a bibliografia seria bem utilizada se indagasse em quais pontos foi fecunda para o desenvolvimento do trabalho e em quais pontos não foi. Em ciências humanas, os temas devem ser trabalhados com maior abertura àquilo que eles têm para nos dizer. Nessa ótica, o pesquisador deve expor-se mais ao seu objeto. Para o autor, tal exposição deve ser feita de forma semelhante àquela como nós, leigos, nos aproximamos da literatura, do teatro, do cinema e da música. Como leigos, nós nos emocionamos com essas artes e as incorporamos em nossas vidas, anexando-as em nossas visões de mundo, aprendendo a pensar ou formular o amor, a alegria, a tristeza e até a política. É justamente essa maneira livre de lidar com as artes e a cultura que deve nos inspirar a lidar com a pesquisa científica.

Nesse ponto, o autor questiona o fato de fazermos recortes e triagens no processo de pesquisa e afirma que seria melhor expor-se àquilo que o objeto possa trazer de novo ou inesperado. Ele entende, no entanto, que isso vai contra quase tudo o que se recomenda nas universidades e questiona, então, se à vida do pesquisador não faltaria exatamente um pouco de vida, já que há uma tendência a trabalhar mecanicamente com os referenciais, buscando-os como terra firme e afastando-se dos anseios e temores que deveriam levar à inovação. Para Ribeiro (1999), o empenho que deveria ser colocado na direção da descoberta e da invenção se reduz assim a um mero planejamento, à carreira.

Ribeiro (1999) recomenda que os jovens se exponham mais aos objetos de pesquisa, pois esses objetos, em ciências humanas, estão sempre intimamente ligados aos sujeitos. É necessário sair da visão de exterioridade ao objeto e “mergulhar fundo nele”, indo contra o que recomendam as universidades e agências de fomento.

Por sua vez, Dalbosco (2014) afirma que, em educação, o objeto da experiência é, na verdade, um sujeito, e não um objeto, o que exige do pesquisador uma postura diferente do modo objetivado característico do método científico-experimental. Para o autor, na perspectiva hermenêutica, a formação do educador demanda a capacidade de escutar o outro. Assim, para a “boa” formação do sujeito pesquisador, é imprescindível saber manter-se aberto ao outro e saber ouvir. Dalbosco (2014) ressalta, assim, a indispensabilidade da abertura ao diálogo, que deve ser movido pela arte de perguntar. Logo, outro ponto fundamental na postura do pesquisador é saber fazer perguntas. Cabe, por fim, uma reflexão sobre a importância das perguntas.

Há, segundo Dalbosco (2014), dois aspectos a serem considerados para pensar a importância das perguntas. O primeiro é que o perguntar genuíno nasce do ato de assumir a própria ignorância, o que impede que o empírico seja concebido como algo correto e confiável per si. Para o autor, ao brotar da abertura, a pergunta possibilita manter o caráter inesgotável do sentido do empírico, podendo ser compreendido de distintas maneiras a cada situação. O segundo aspecto afirma a inexistência de um método específico de perguntar, uma vez que a pergunta autêntica não deve se submeter a métodos mensurados ou determinados de antemão. Assim, o perguntar demanda continuar perguntando e, por conseguinte, continuar pensando. Dalbosco (2014) conclui, pois, que para pensar por meio de pesquisas é necessário manter-se aberto ao âmbito inacabado da pergunta autêntica, uma vez que encerrar a pergunta seria encerrar o próprio processo de pensar.

Por fim, Dalbosco (2014) salienta a importância de que o pesquisador intervenha apenas se e quando necessário, adotando uma postura perspicaz e estando sempre disposto a rever suas conclusões iniciais, justamente porque seu material de investigação é formado por sujeitos, não por objetos. Assim, o pesquisador teria a capacidade de permitir que distintas formas emerjam naturalmente do objeto investigado. Depreende-se, pois, pelas reflexões de Dalbosco (2014), que o pesquisador deve manter-se aberto à experiência humana, pois sua pesquisa se desenvolve pelo contato com outros sujeitos, a partir da proposição de perguntas de dimensões inesgotáveis e da abertura ao diálogo constante, o que exige que suas afirmações sejam assumidas como temporárias e sujeitas a transformações.

Perspectiva similar à de Dalbosco é assumida por Severino (2019), para quem o pesquisador em educação deve pautar sua postura diante do objeto de pesquisa – frequentemente outro sujeito – nos princípios da alteridade e do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, que sustentam a ética necessária ao desenvolvimento da pesquisa. Para o autor, o reconhecimento da alteridade e o respeito pela dignidade do outro enquanto ser humano ampliam a perspectiva da ética, fazendo dela uma dimensão ético-política. Assim, reconhecer e respeitar a dignidade do outro se constituem em elemento ético basilar na postura adequada ao pesquisador. Nesse sentido,

Essa sensibilidade à dimensão ética, vivenciada por todos os humanos, se expressa em todos os espaços em que sua vida se desenrola. Não se dá apenas na dimensão filosófica, sob inquietações solitárias de estudiosos isolados. Ganha ressonância nos mais variados lugares culturais e institucionais, produzindo repercussões e induzindo medidas que causam impacto na vida cotidiana das comunidades, pois o que está em jogo afeta todas as pessoas, sem exceção. Invade até as esferas do senso comum. Por isso, ela se faz bem presente no seio da prática científica, destacando-se e ganhando nuances peculiares no caso da educação, em geral, e muito particularmente no caso da pesquisa educacional. (Severino, 2019, p. 907)

Destarte, assumindo que a dimensão ética vivenciada por todos os seres humanos se desenrola nos distintos espaços institucionais e culturais, impactando diretamente na vida cotidiana das comunidades, e que a escola é por absoluto um espaço institucional e cultural que se desenvolve na, pela e para a comunidade, evidentemente as pesquisas em educação devem fincar alicerces nessa ética.

Por derradeiro, gostaríamos de enfatizar a relevância dessa dimensão ética fundamentada na alteridade e no respeito pela dignidade humana a partir do pensamento de Honneth (2018), que sustenta a existência de uma primazia do reconhecimento sobre o conhecimento objetivo do outro, do mundo e de si mesmo. De acordo com Honneth (2018), a especificidade do comportamento humano encontra-se na ação comunicativa atrelada à adoção da perspectiva do outro, a qual só pode ser assumida racionalmente quando enraizada em uma interação prévia carregada por traços de uma preocupação existencial. Sob essa ótica, o autor destaca que a apreensão neutra da realidade é precedida pelo comportamento participativo e que o reconhecimento precede o conhecimento. Sob essa perspectiva, consoante Honneth (2018), o conhecimento sobre os estados mentais de outros seres humanos só é possível quando precedido por uma postura em que o sujeito se sente incluído no mundo de sentimentos e sensações desse outro, estabelecendo com ele uma ligação, e percebendo suas expressões emocionais como exigências levantadas para que se reaja de forma correspondente. Como já mencionado, há nas relações humanas um primado do reconhecimento sobre o conhecimento, de um engajamento anterior à apreensão neutra de outras pessoas e da realidade circundante sem o qual, de acordo com Honneth (2018), as crianças não poderiam assumir a perspectiva de suas pessoas de referência e os adultos não poderiam compreender as manifestações linguísticas dos sujeitos com os quais interagem.

É, pois, essa postura de abertura ao outro e de reconhecimento do outro enquanto ser humano dotado de dignidade que antecede o próprio conhecimento objetivo desse outro (que pode ser um sujeito traduzido em objeto de estudo), que deve nortear o agir do pesquisador em educação. O descumprimento dessas prerrogativas decorreria em consequências atrozes para o próprio processo educativo, na medida em que significaria a perda de sua dimensão ética e sua própria reificação, conceito concebido por Honneth (2018) como o “esquecimento do reconhecimento”, ou seja, como uma situação em que o sujeito perde a capacidade de reconhecer o outro como um ser humano cujos sentimentos, sensações, expressões e manifestações são dotados de uma plenitude de significados, levando, por conseguinte, à adoção de atitudes desumanizadoras do outro. Assim, conforme Honneth (2018), quando perdemos de vista que o nosso conhecimento do outro deve ser precedido por uma postura de reconhecimento, desenvolvemos a tendência de perceber os outros seres humanos como meros objetos insensíveis. Ademais, também o mundo social circundante se torna como uma totalidade de objetos observáveis desprovidos de impulsos ou sensações físicas (Honneth, 2018). Por conseguinte, o esquecimento do reconhecimento conduz à não identificação com o outro, à não valorização da humanidade do outro, à objetificação e à desumanização desse outro.

Se considerarmos, como propõe Severino (2019), a educação como uma prática social de humanização e formação de pessoas, tendo como pressuposto que o ser humano está em um processo permanente de vir-a-ser, posto que sempre inacabado, a assunção da alteridade e do reconhecimento da dignidade do outro, bem como a garantia do primado do reconhecimento e o enfrentamento de quaisquer traços de reificação tornam-se elementos indispensáveis à práxis do pesquisador em educação.

Considerações finais

Realizar pesquisas educacionais é uma tarefa tão necessária quanto exigente e complexa. As dificuldades inerentes a esse processo são de várias ordens, dentre as quais destacamos a linguagem, o método, as diversas abordagens possíveis que cada tema educacional permite e a postura do pesquisador diante desses temas. Assim, pensar em maneiras de superar essas dificuldades é essencial para alcançar o objetivo de produzir pesquisas que permitam um processo contínuo de reflexões e práticas que conduzam à melhoria da qualidade dos planos e ações educacionais em nosso país.

Em relação à linguagem, o desafio é definir de maneira precisa cada termo e expressão utilizados na descrição e desenvolvimento da pesquisa, pois isso permitiria uma melhor compreensão da questão e, consequentemente, melhores possibilidades de tomadas de decisões eficientes para enfrentar o problema.

Referente ao método, julgamos indispensável que, desde o início de quaisquer pesquisas educacionais, estabeleça-se uma práxis capaz de evitar o abstracionismo pedagógico, de modo a impedir, ou ao menos dificultar sobremaneira, a utilização de approach abstracionista (no sentido atribuído por Azanha, 2011) ou partes dela para discorrer acerca de uma concretude que não necessariamente corresponde a tais abordagens teóricas. Nesse sentido, poder-se-ia evitar distorções analíticas sobre o real pesquisado.

Ainda no tocante ao método, consideramos que se deva aliar teoria e prática, buscando refletir a historicidade das experiências humanas e evitar o dogmatismo inerente ao método científico-experimental próprio das ciências duras. É inconcebível pensar as experiências educacionais sob uma ótica objetiva, que possa ser mensurada rigorosamente, justamente por se tratar de experiências humanas com múltiplas possibilidades. Logo, descartaríamos completamente a ideia de utilizar os padrões das ciências duras e naturais para pensar questões educacionais.

Ademais, os temas educacionais em geral podem ser pensados a partir de diferentes perspectivas, por diversos campos do conhecimento. Assim, um problema da educação pode ser refletido pela ótica da sociologia, da filosofia, da economia, da psicologia, entre outras. O desafio é, pois, fazer com que as contribuições de cada área sejam de fato profícuas para desenvolver melhorias nos planejamentos e nas ações educativas, aumentando a qualidade da educação e permitindo à pedagogia desenvolver seu próprio objeto de estudo sem perder as reflexões propostas por outras áreas.

Por fim destacamos a importância de o pesquisador manter uma relação de abertura com o material de pesquisa, considerando-o como outro sujeito (ou outros sujeitos). Essa abertura deve ocorrer pela capacidade de formular perguntas que permitam um processo contínuo de reflexões e pela abertura ao diálogo e à escuta interessada em compreender o outro. Sob essa perspectiva, assumir uma postura ética que se paute na alteridade e no reconhecimento da dignidade da pessoa humana presente no outro, combatendo toda e qualquer prática que leve à reificação desse outro ou de seu ambiente social é postura indispensável a qualquer pesquisador dos fenômenos educacionais. Nesse sentido, esperamos contribuir para novas reflexões sobre o tema e para o desenvolvimento de pesquisas futuras no campo educacional.

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Recebido: 04 de Julho de 2019; Aceito: 03 de Setembro de 2020

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