SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26Alfabetización crítica: contribuciones de Paulo Freire y de los nuevos estudios de literacidadLas representaciones sociales de los niños negros sobre el color en un contexto escolar índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília ene./dic 2020  Epub 22-Oct-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.23633 

Artigos

Docência universitária na área das tecnologias da computação

Docencia universitaria en el campo de las tecnologías informáticas

University education in the field of computer technologies

Enseignement universitaire dans le domaine des technologies informatiques

1Mestra em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE-UFRJ e Doutora em Educação pela UFBA. É Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pesquisa docência universitária, ludicidade na educação superior e metodologias ativas de ensino-aprendizagem, com foco nas ciências exatas.

2Doutora em Educação pela UFBA e Pós-doutorado com concentração em Docência Universitária pela Université Paris 5 Sorbonne Cité. É professora titular da Faculdade de Educação da UFBA, onde é líder do Grupo de pesquisa em educação, didática e ludicidade (GEPEL/PPGE/UFBA).


Resumo

O artigo apresentado versa sobre a docência universitária no campo das tecnologias da computação. Objetiva compreender as práticas que orientam o seu fazer pedagógico e como as vertentes lúdica e afetiva se fazem presentes em sua mediação didática, segundo as concepções dos professores que compõem o grupo de interesse da pesquisa. Os resultados encontrados permitem indicar que, no ambiente investigado, o modelo academicista e tecnicista de ensino coexiste com uma preocupação dos docentes por uma prática educativa mais lúdica e afetiva, embora inicialmente numa perspectiva instrumental.

Palavras-chave Ensino Superior; Ensino de Computação; Ludicidade; Formação docente

Resumen

El artículo presentado trata sobre la docencia universitaria en el campo de las tecnologías informáticas. Tiene como objetivo comprender las prácticas que orientan el saber hacer pedagógico y cómo los aspectos afectivos y lúdicos están presentes en su mediación didáctica, desde las concepciones de los docentes que integran el grupo de interés investigador. Los resultados encontrados permiten indicar que, en el ámbito investigado, el modelo académico y técnico de enseñanza convive con una preocupación de los docentes por una práctica educativa más lúdica y afectiva, aunque inicialmente en una perspectiva instrumental.

Palabras clave Enseñanza Superior; Enseñanza de la Informática; Ludicidad; Formación de docentes

Abstract

The article presents a study about teaching computer technologies in higher education. It aims to understand the methods that guide their teaching practices and how affective and playful aspects are present in the didactic mediation process, based on the conceptions of the group of teachers surveyed. The results seem to indicate that, in the case studied, there´s a coexistence of a teaching model centered on technical rationality and the teachers concern for a more playful and affective educational practice, although with an instrumental perspective.

Keywords Higher Education; Computer Science Education; Playfulness; Teacher Education

Résumé

L’article présenté traite de l’enseignement universitaire dans le domaine des technologies informatiques. Son objectif est de comprendre les pratiques qui guident le savoir-faire pédagogique et comment les aspects affectifs et ludiques sont présents dans la médiation didactique, basée sur les conceptions des enseignants qui composent le groupe d’intérêt de recherche. Les résultats trouvés nous permettent d’indiquer que, dans l’environnement enquêté, le modèle pédagogique académique et technique coexistent avec un souci des enseignants pour une pratique éducative plus ludique et affective, quoique encore dans une perspective instrumentale.

Mots clés Enseignement Supérieur; Enseignement de l´informatique; Ludicité; Formation des Enseignants

Introdução

Nosso ambiente social hoje, no qual informações se multiplicam e se disponibilizam em uma velocidade cada vez maior, é consequência do paradigma lógico e racional constituído desde a revolução científica, que se caracteriza não só pelo desenvolvimento das tecnologias e pelo predomínio do conhecimento científico, mas também pela perda da visão sistêmica existente na Antiguidade, que entendia o todo como maior do que a soma das partes.

Entretanto, essas teorias do conhecimento que privilegiam a racionalidade técnica não atendem às questões da contemporaneidade, que demandam uma integração entre os saberes, retomando a interdependência das partes que foram divididas pelo modelo cartesiano para serem mais bem entendidas separadamente. É bem acolhido um novo paradigma de ciência que permita a interlocução entre o saber científico e o senso comum, como afirma Santos (2018), e que nos provoque a refletir sobre a reprodução de formas de ensino orientadas pelos modelos transmissivos tradicionais que ainda são predominantes no ensino na esfera da universidade, especificamente no segmento das tecnologias da computação. De que forma podemos viabilizar uma aprendizagem em sintonia com o estudante da atualidade, que tem formas variadas de acesso à informação, que executa diversas atividades simultâneas, sem assumir um ensino disciplinar e desconectado de sua realidade? Nesse novo contexto, compreendemos o conhecer como uma forma de espiral, que se constitui pelas experiências e vivências anteriores. Essa construção, compartilhada entre professor e estudante, precisa mobilizar as diferentes vertentes do humano (racional, emocional, social, política etc.) que habitam em nós.

A expansão e o alcance das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), desde as últimas décadas do século XX, vêm ampliando significativamente a demanda por profissionais dos diversos segmentos de computação. Como docente da referida área, a primeira autora, tal qual seus colegas de profissão, enfrenta dificuldades para responder às necessidades educacionais nesse contexto. Esse foi o fator motivador do nosso interesse em pesquisar novas possibilidades de delineamento desse profissional, que inclua as atitudes e habilidades do sujeito docente na sua formação e no exercício da sua profissão, para além dos conteúdos técnicos, fundamentais para a sua constituição como docente.

Esse projeto, que colocamos aqui em discussão, resulta da tese no âmbito do doutorado da primeira autora e objetiva pesquisar o paradigma de ensino vigente nos cursos do segmento das tecnologias da computação, contemplando as vertentes cognitiva, lúdica e afetiva de sua mediação didática. Trata-se de uma análise transdisciplinar, que perpassa diversos campos, como a computação, a educação e a comunicação. Traduz-se em um convite ao leitor para examinar com profundidade e em diferentes perspectivas os percursos da mediação didática, neste segmento específico, para promover a evolução do estudante e a produção do conhecimento, corroborando a interação criativa, lúdica e comunicativa, no contexto áulico.

Organizamos o artigo da seguinte forma: inauguramos com a apresentação da metodologia utilizada e a caracterização do grupo selecionado para a pesquisa. Seguimos realizando a discussão teórica, que envolve a docência universitária geral e específica na área das tecnologias da computação e as vertentes lúdica e afetiva, incluindo como elas se apresentam na mediação didática nesses cursos. Apresentamos então as perguntas que norteiam a investigação, discutindo os resultados mediante os dados coletados através dos instrumentos definidos, buscando indicadores que nos revelem possíveis respostas às perguntas formuladas. Em seguida, apresentamos nossas considerações finais sobre a pesquisa realizada.

Percurso metodológico

O trabalho descrito neste artigo se pauta pelos modelos de investigação qualitativos, em que o foco do pesquisador é a compreensão do problema pela perspectiva dos participantes, no nosso caso, os docentes que compõem o grupo de sujeitos pesquisados. A estratégia adotada foi o estudo de caso, técnica descrita por Yin (2014) dentro do rol das abordagens qualitativas, que são adequadas à investigação de situações problema em que o interesse esteja na compreensão em profundidade de um fenômeno com características bem específicas e que, com base no seu entendimento, possa ser replicado para situações semelhantes. Observamos que as características apresentadas estão em consonância com a nossa situação de estudo, que objetiva analisar como o professor da área das tecnologias da computação percebe o seu processo de ensinar e aprender e como ele utiliza os aspectos afetivo e lúdico integrados à sua prática pedagógica.

Escolhemos como local de investigação um curso de Bacharelado em Sistemas de Informação, inserido no âmbito da área de pesquisa proposta, em uma universidade pública baiana. Quanto à composição do grupo investigado, este é formado por sete professores lotados no colegiado do referido curso. Considerando que o grupo contava na época com o total de catorze professores em seu quadro efetivo, tivemos uma adesão voluntária de 40% do total de professores. No quadro 1, apresentamos as principais características do conjunto de professores objeto da investigação.

Fonte: Massa (2014).

Quadro 1 Características do conjunto de professores objeto da investigação 

Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas e da análise de documentos (CV Lattes dos docentes e planos de ensino dos componentes curriculares ministrados). Para a entrevista, foi definido um roteiro básico dividido em cinco segmentos: perfil e formação docente, administração do processo de ensinar e aprender, mediação didática, mediação afetiva, e mediação lúdica. Todas as entrevistas foram gravadas, com a anuência dos professores.

Examinamos os dados colhidos, incluindo a sua organização, o estabelecimento dos padrões existentes e as relações e inferências sobre eles, utilizando a análise de conteúdo, metodologia qualitativa de análise de dados (Santos, 2012), que permite ao pesquisador investigar o sentido da comunicação, obtendo indicadores que permitam inferir sobre conhecimentos que estão implícitos nas mensagens analisadas. Proposta por Laurence Bardin, a análise de conteúdo propõe um desvendar crítico e se aplica a conteúdos diversificados.

Quem é o docente universitário da computação

Iniciamos essa discussão explorando a etimologia da palavra “docência”, que deriva do latim docere, cujo significado é “ensinar, instruir, mostrar, indicar, dar a entender” (Veiga, 2009, p. 13). Conforme Soares e Cunha (2010), a ação de ensinar (docere) se complementa com a ação de aprender (discere), em uma atividade complexa cuja finalidade é a aprendizagem do estudante.

São diversos os autores que apontam ser necessário investigar a preparação do professor da universidade para o efetivo exercício da docência. Isso inclui compreender como foram formados esses docentes e como é desenvolvida sua prática profissional (Cunha, 2007; Morosini, 2000; Pimenta & Anastasiou, 2017).

D’Ávila e Leal (2015) apontam que existem grandes lacunas relativas ao desenvolvimento do docente no contexto universitário na legislação brasileira, observando que a LDB – Lei de Diretrizes e Bases (Brasil, 1996) é ambígua e não apresenta critérios explícitos acerca da sua formação na área pedagógica, indicando apenas que o progresso desses profissionais deve ocorrer preferencialmente no ambiente da pós-graduação stricto sensu, o que implicitamente circunscreve a competência desses indivíduos à sua área específica de conhecimento técnico.

O documento que apresenta as diretrizes gerais para avaliação dos cursos superiores, disponibilizado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC (Brasil, 2017), também revela a lacuna mencionada pelos referidos autores. O documento possui três dimensões, sendo que a segunda delas apresenta os fatores de avaliação dos docentes para efeito de autorização e reconhecimento de cursos. Na referida dimensão, composta de dezesseis quesitos, são avaliadas: experiência e jornada do gestor do curso; tempo de experiência do professor no mundo do trabalho; tempo de experiência do professor no exercício da docência; e, no caso do ensino à distância, experiência do tutor na área. Observamos, portanto, a inexistência de qualquer item avaliando a formação específica pedagógica e didática dos docentes ou tutores do curso.

Fernandes (1998) também nota que tal formação é requerida ao professor tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, mas ela é facultada ao docente no domínio da universidade. Com a ausência da formação de natureza pedagógica específica, o docente universitário, em geral, para se constituir como tal, lança mão de sua vivência na época de aluno, em outro contexto histórico de ensino; de suas experiências empíricas como professor, bem ou malsucedidas; e de suas opiniões sobre seus mestres e seus colegas de profissão (D’Ávila, 2008; Pimenta & Anastasiou, 2017; Tardif, 2014). Ademais, levando em conta que esse conjunto é pessoal, baseado em suas experiências, cada professor tem seu próprio processo formativo, o que produz entendimentos diversos acerca do ensino (Cunha, 2007). E, considerando ainda que o seu processo formativo não resulta de reflexão acerca do ensino e da aprendizagem, o docente não faz um exame crítico que possa transformar sua prática docente. Por último, sendo um processo de natureza espontânea, pode passar despercebido, exercendo influência sobre suas ações.

Considerando os estudos acerca dos modelos teóricos de exercício da docência (D’Ávila & Ferreira, 2018; Pimenta & Anastasiou, 2017), os professores universitários parecem ter características academicistas e tecnicistas. Conforme as referidas teorias, o objetivo principal do docente é transmitir conhecimentos de maneira tradicional. Sua preocupação reside no ensino e nos conteúdos, sem um efetivo espaço de reflexão nem abertura para novas abordagens, individualizadas e centradas na aprendizagem do aluno. Consequentemente, a vivência de outros modelos pedagógicos que entendam a complexidade do ser docente e o significado da reflexão do professor sobre sua prática é algo ainda distante do contexto universitário.

Até este ponto, abordamos questões relativas aos docentes universitários de modo geral. Mas… e os professores dos cursos superiores das tecnologias da computação, objeto do nosso estudo? Grande parcela dos docentes dessa área são indivíduos que optaram pelo caminho acadêmico através cursos de pós-graduação stricto sensu, após concluírem sua graduação como bacharéis, o que significa que não lhes foi oportunizada formação de natureza pedagógica inicial equivalente à dos alunos da licenciatura. Eles trazem como bagagem uma história de vários anos de linearidade em sua formação escolar, e a sua opção por um curso de ciências exatas indica certa aderência ao modelo racionalista, reforçada durante a graduação, através da sobrecarga de conteúdos específicos técnicos da informática. Como resultado, esses profissionais, considerados muitas vezes brilhantes no quesito técnico, apresentam dificuldades nas habilidades não técnicas, como trabalho em equipe e comunicação interpessoal, entre outras (Audy et al., 2001).

Para a exploração sobre o perfil profissional desse docente, foram selecionados para estudo dois documentos de referência: as DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Computação (Brasil, 2016) e os RFs – Referenciais de Formação para os Cursos de Graduação em Computação (Zorzo et al., 2017) construídos pela comunidade acadêmica através da Diretoria de Educação da SBC – Sociedade Brasileira de Computação, que estão disponibilizados no sítio da referida sociedade para servir como base para as diversas instituições de ensino do país.

O primeiro documento, que contempla as DCNs dos cursos, não explicita recomendações relativas à demanda pela formação de natureza pedagógica dos indivíduos que compõem o conjunto de docentes, nem aspectos relativos à jornada de trabalho ou à titulação requerida para esse grupo. Encontramos um tópico, de apenas um parágrafo, no referido documento, que aponta resumidamente a necessidade da adoção de uma metodologia de ensino centrada no aluno e o desenvolvimento de habilidades para a solução de problemas complexos; evidencia a mudança da visão do docente de transmissor para facilitador da aprendizagem; e observa que o projeto do curso deve explicitar o vínculo entre conteúdos dos componentes curriculares e competências a serem desenvolvidas.

De forma semelhante, questões relativas ao desenvolvimento pedagógico docente não são enfatizadas nos Referenciais de Formação citados anteriormente. O documento apresenta, para cada um dos cursos, um item versando sobre as estratégias de ensino, no qual observa ser imprescindível o foco no protagonismo do estudante e a percepção do professor como facilitador e mediador da relação ensino-aprendizagem. Também é proposta a adoção de novas mídias e novas tecnologias, bem como a adoção de metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em problemas e projetos (curso de Sistemas de Informação); problematização (curso de Licenciatura); e estudos de caso (curso de Engenharia de Software).

Cabe-nos salientar que a argumentação no documento é vaga, não sendo discutidas alternativas concretas. Percebemos a preocupação, tanto no texto das Diretrizes quanto no texto dos Referenciais de Formação, de deixar a cargo de cada curso a seleção de sua própria estratégia, consoante com as especificidades regionais, do conjunto de docentes que compõe o curso e da missão da IES. Mas consideramos que seria oportuna a discussão de possibilidades de práticas pedagógicas segundo os eixos de formação e as competências associadas. Outra ausência percebida no último documento está relacionada à importância da indicação de um plano que oriente o desenvolvimento docente no campo didático-pedagógico, indicando apenas que eles devem ser estimulados a adotar abordagens pedagógicas para promover as competências dos eixos de formação.

Considerando especificamente o curso de Licenciatura em Computação, identificamos uma questão de concepção desses cursos que se reflete nos problemas que encontramos hoje. Ainda que o documento das DCNs (Brasil, 2016, p. 25) aponte ser o seu objetivo principal “[…] preparar professores para formar cidadãos com competências e habilidades necessárias para conviver e prosperar em um mundo cada vez mais tecnológico e global […]”, o foco do curso está nas estratégias de aprendizagem baseadas no uso intensivo das tecnologias da computação e não nas especificidades da mediação didática para o ensino dessas tecnologias.

Em contrapartida, detectamos “Formação docente e tecnologias contemporâneas” como um dos eixos de formação na graduação de Licenciatura em Computação, com o propósito de guiar o desenvolvimento das competências de formação docente interdisciplinar, segundo os Referenciais de Formação (Zorzo et al., 2017). Nesse ponto encontramos o primeiro indicador nos estudos realizados sobre a relevância da formação de natureza didático-pedagógica específica do professor na área das tecnologias da computação, embora o ensino no terceiro grau (universidade) não faça parte da proposta deste curso.

Destacamos que a SBC vem promovendo o debate sobre a relevância da formação dos docentes deste campo do conhecimento, através de dois eventos anuais, vinculados ao seu Congresso Nacional (CSBC): o WEI – Workshop de Educação em Informática e o CQ – Curso de Qualidade. O primeiro compõe, por mais de duas décadas, a programação de eventos base do CSBC, tendo se firmado como um espaço para debate sobre diferentes temas relacionados ao ensino da computação, discutindo metodologias, estratégias e práticas pedagógicas para melhorar a mediação didática na área, além de abordar questões como evasão e atratividade dos cursos desse segmento. O segundo também é um evento capitaneado pela Diretoria de Educação da SBC desde 2002, cujo propósito é promover a discussão de temas ligados à proposição de metodologias para o ensino da computação, bem como projetos e currículos de cursos pela comunidade acadêmica da área (basicamente docentes e coordenadores de colegiados de cursos).

Diante do exposto, entendemos ser indispensável uma nova concepção pedagógica voltada especificamente para as demandas relativas ao ensino na universidade do campo da tecnologia da informação. Acreditamos em uma construção que compreenda que o aprender é um processo relacional e vivencial, integrando o sentir-pensar-agir, como observam os autores Moraes e Torre (2018).

A mediação afetiva

Diferentes autores investigam a correlação entre o sentir e o pensar na educação, tais como Luckesi (2014), Moraes e Torre (2018) e Rojas (2002). Tais autores entendem que sentimento e conhecimento não são antagônicos e que é fundamental aos professores perceberem as vertentes afetiva e cognitiva com igual prioridade, resgatando e integrando-as ao processo educativo.

Ainda que a vertente sensível (ou afetiva) seja menosprezada pelo racionalismo, ampliando-se a distância entre o sensível e o cognitivo, Duarte (2006) observa que são os saberes sensíveis que norteiam nossas ações diárias, embora em diversas ocasiões não nos apercebamos de sua influência nem de sua presença. Então, é preciso um retorno a essa essência, reaproximando e aliando o saber inteligível e o saber sensível, como afirma Maffesoli (1998).

O espaço da afetividade no mundo escolar infantil é reconhecido e necessário, ligado ao seu desenvolvimento emocional, socialização e aprendizagem (Silva & Schneider, 2007). Nossa pesquisa pretende extrapolar o universo da criança e buscar como essa vertente se constitui no ensino de adultos, no contexto da universidade. Além disso, entender quais as consequências de considerá-la nas situações educativas neste nível de ensino, notadamente na área das tecnologias da computação.

Para aprofundar nosso estudo, inicialmente buscamos uma conceituação do que seja afetividade. Almeida e Mahoney (2011) definem o termo como a capacidade do sujeito de afetar ou de ser afetado, que acontece interna ou externamente e impacta positiva ou negativamente o indivíduo. Dessa forma, ampliamos a noção sobre a afetividade, para além das manifestações de ternura ou amizade, frequentemente associadas ao termo no senso comum.

Silva e Schneider (2007) observam uma concordância entre as teorias de desenvolvimento de Wallon, Vygotsky e Piaget nos estudos que relacionam afetividade com cognição, superando as teorias dualistas dominantes da época que separavam esses dois aspectos, e a importância dessa relação para o crescimento do indivíduo. Segundo os autores, através das relações estabelecidas, a criança desenvolve seu conhecimento, o que torna fundamental o papel do outro na construção da aprendizagem.

Entre essas teorias, nos aproximamos mais dos estudos wallonianos, que analisam o desenvolvimento humano durante toda a vida, incluindo, portanto, o ensino no contexto da universidade. Para o autor, segundo Gratiot-Alfandéry (2010, p. 36), “[…] afetividade e cognição estarão, dialeticamente, sempre em movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens incorporadas pelo indivíduo”.

A teoria de desenvolvimento de Wallon (2007) aponta entre seus pilares a relação estabelecida entre as vertentes afetiva, cognitiva e motora, que ele denomina “campos funcionais”. Considerando que esses campos não são estanques e sim interligados, a compreensão da construção da aprendizagem requer reconhecer o indivíduo integralmente, incluindo a sua ligação com o ambiente e, consequentemente, a vinculação construída entre aluno e professor.

Para Wallon (2007), a afetividade inclui tanto o sentimento, associado ao cognitivo, quanto a emoção, expressão corporal e biológica. O autor evidencia a importância das emoções no processo de ensinar e aprender, pois elas, ligadas ao corpo, são mais viscerais e difíceis de ser encobertas pelos estudantes, enquanto sentimentos podem ser mais facilmente contidos. Cabe ao professor estar vigilante para identificar os sentimentos que afloram ao longo das aulas. Também compete ao docente refletir sobre a importância de conhecer e valorizar a vertente afetiva no seu desenvolvimento como professor, assim como compreender sua própria afetividade e como ela exerce influência sobre suas atividades cotidianas, buscando soluções alternativas para uma forma de mediação mais efetiva

Postle (1993) é outro autor que trata da temática da aprendizagem afetiva, indicando que esta deveria ser a base para os demais níveis de aprendizagem, o que não acontece em razão da supremacia do cognitivo sobre o afetivo. O autor também relata que em diversas ocasiões as emoções e sentimentos, quando expressos, são qualificados como fraqueza do estudante, apontando para certa falta de habilidade social. Podemos associar a ideia desse autor com a reflexão acerca do perfil profissional dos egressos dos cursos do segmento das tecnologias da computação, com excelente formação técnica, mas com dificuldades em aspectos como relacionamento interpessoal, comunicação e liderança, conforme discutido anteriormente neste artigo.

Outra discussão que envolve a afetividade na educação é a relação existente entre autoestima e segurança do estudante e o espaço afetivo estabelecido pelo professor no contexto áulico. Silva e Schneider (2007) abordam essa questão no ensino das crianças, mas é possível deduzir que o mesmo aconteça no ensino dos adultos na universidade: a relação de base afetiva estabelecida entre professor e estudante no ensino universitário pode também oferecer uma estrutura de segurança, criando condições nas quais o aluno expresse suas opiniões, pergunte, acerte e erre, entendendo que é assim que se configura o caminho de estruturação do conhecimento. Também é fundamental a disponibilidade do professor em escutar seus alunos e viabilizar a sua expressão, integrando-a como componente da relação de ensino-aprendizagem (Gratiot-Alfandéry, 2010).

Para ampliar a discussão proposta neste trabalho, exploramos outros campos do conhecimento, tais como a neuropsicologia, a neurologia, e as ciências sociais, colhendo informações sobre como elas explicam, em suas teorias, a afetividade e como ela se correlaciona com a educação. Destacamos, nas duas primeiras, as pesquisas de Howard Gardner, que ampliou o conceito sobre inteligência para além do verbal e da lógica matemática, indicando um conjunto de habilidades cognitivas, com nove dimensões da inteligência, expressas pelo indivíduo em diferentes estágios do seu desenvolvimento (Gardner, 1999). Também evidenciamos os estudos do neurocientista português Antônio Damásio, que discutiu a integração entre afetividade e cognição através dos experimentos realizados com pacientes que, apesar de terem sofrido lesões na área do cérebro responsável pela cognição, apresentaram comprometimento da atividade emocional (Damásio, 2012).

Nas ciências sociais, os estudos de Turner e Stets (2012) contribuíram para a nossa investigação com o conceito da “construção social das emoções”. Considerando essa teoria, os indivíduos aprendem as emoções, que são produzidas pela cultura, através das relações que ele estabelece na sociedade. Portanto, as emoções nascem imersas em um contexto social. Ainda assim, os autores atentam que, para o entendimento das emoções, bem como da sua implicação no processo de ensinar e aprender, torna-se fundamental considerar a natureza biológica das emoções, que eles denominam “neurologia das emoções”.

Considerando o exposto, entendemos que o aspecto afetivo é essencial para o crescimento do sujeito, nos diversos níveis de ensino, inclusive na universidade. Entretanto, como os programas de desenvolvimento de professores não consideram a incorporação da afetividade, cabe ao docente incluir e desenvolver esse componente em sua prática para auxiliar seus alunos. Ribeiro (2006) tece algumas considerações sobre essa temática, ressaltando que o professor que possui competência afetiva é humano e enxerga o aluno em suas várias dimensões. Ademais, o professor afetivo desenvolve estratégias criativas para desenvolver no aluno o desejo por aprender. Tais reflexões também são partilhadas por Luckesi (2005), ao analisar a associação que existe, na educação, entre o prazer e a afetividade, pois é isso que mobiliza o professor na procura por alternativas atrativas, motivadoras e envolventes para as situações de ensino.

Entendemos que a inserção do componente lúdico, por intermédio das vivências lúdicas, seja uma via para atender ao contexto apresentado, no qual se pretende ativar o potencial afetivo de docentes e discentes. Um ensino lúdico, que inclua a criatividade, tem muito mais recursos de afetividade do que o ensino centrado na racionalidade. O estímulo ao potencial criativo permite ao sujeito vivenciar e expressar a ludicidade.

A mediação lúdica

Com o intuito de entender a função do componente lúdico no ensino na universidade, buscamos inicialmente esclarecer a conceituação do que seja ludicidade, tarefa que não é simples (Huizinga, 2019; Lopes, 2005). Como essa palavra não existe em diversas línguas, incluindo nossa língua materna, é utilizado um conjunto de termos para representar esse conceito, o que dificulta a sua compreensão. Para Lopes (2014), essa multiplicidade de sentidos revela as diferentes perspectivas acerca do lúdico e de suas manifestações, apontando que as palavras “brincar”, “jogar”, “brinquedo”, “recrear” e “lazer” são utilizadas indistintamente associadas à ludicidade, lembrando ainda que, em alguns idiomas, elas possuem a mesma tradução.

Analisada pela perspectiva semântica, “ludicidade” é originária de ludus, palavra latina que engloba diversas atividades como jogos infantis, competições, recreações e representações teatrais, entre outras (Huizinga, 2019). Ademais, o termo “lúdico” é derivado do verbo ludere, que tem o sentido de agir ou exercitar, e do radical in lusio, que significa ilusão, o que também demonstra a polissemia do termo.

A variedade de entendimentos acerca do lúdico se faz presente em estudos de diversos autores, como Brougère (2002; 2003), Fortuna (2011), Huizinga (2019) e Lopes (2005; 2014). Considerando a perspectiva histórica, na Antiguidade as civilizações grega e romana tinham visões diferentes sobre o lúdico, mas ambas o reconheciam como essencial para a evolução do sujeito. Na Idade Média, as manifestações lúdicas foram colocadas marginais à sociedade, que associava o prazer ao pecado, o que perdurou até a Modernidade, quando a ludicidade foi novamente integrada à vida do indivíduo e presente nas diversas manifestações artísticas.

Observamos também diferentes percepções da ludicidade, considerando o enfoque científico, dependendo da visão de cada autor, seja uma visão antropológica, sociológica, psicológica ou psicopedagógica. Entretanto, na maioria delas “[…] o jogo está na gênese do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo” (Rojas, 2002, p. 6). Nós nos aprofundamos na perspectiva subjetiva, que examina a ludicidade sob uma ótica interna ao indivíduo, abordagem sustentada tanto por Luckesi (2014) quanto por Lopes (1998; 2014).

O primeiro autor compreende o lúdico como uma experiência que é interna ao sujeito e, portanto, nem sempre perceptível externamente. A ludicidade, para ele, é um estado da consciência e caracteriza o sujeito que está em um estado lúdico e que vive uma experiência lúdica, sendo mais profundo do que a execução de atividades lúdicas perceptíveis pelo observador externo. Luckesi (2014) defende, portanto, a estreita ligação entre a ludicidade e o mundo interior do indivíduo, e observa que as práticas que os educadores propõem serão lúdicas se incentivarem o seu estado lúdico: o autor chama essa situação de “vivência lúdica”. Consoante ao pensamento do autor, o lúdico pode estar em atividades cotidianas, como em uma aula de base expositiva, se proporcionar uma vivência lúdica.

Para Lopes (1998, 2014), a ludicidade está intimamente ligada à comunicação e reside principalmente nas relações e nas interações entre os sujeitos, sendo que as manifestações da ludicidade assim se configuram em função do pacto que é estabelecido entre os indivíduos. A autora compreende que a ludicidade é uma condição de ser do humano, que pode se manifestar de diferentes formas, produzindo seus efeitos. Assim, ela entende que o lúdico é um fenômeno tanto social quanto humano. Como fenômeno humano, é subjetivo e de natureza interna e, como fenômeno social, é objetivo e observável através do seu comportamento. Consoante com Lopes (1998, 2014), a ludicidade resulta da reunião das vivências lúdicas do indivíduo, bem como das interações e das conexões estabelecidas pelas situações experienciadas, se constituindo em uma via de aprendizagem e de mudança. Para a autora, as vivências das situações lúdicas promovem uma experiência (interna) no indivíduo que, sendo uma construção pessoal, pode levar a uma mudança de comportamento. Considerando essa visão, podemos inferir que o lúdico contribui na construção do indivíduo, e na relação estabelecida com o outro e com a sociedade.

São vários os pesquisadores que relatam a associação entre a brincadeira das crianças e a ludicidade (Fortuna, 2011; Brougère 2003), na qual o lúdico promove a estruturação do conhecimento, auxiliando as crianças no convívio social e no estabelecimento das relações interpessoais. No entanto, a ludicidade permitida na educação infantil, ou mesmo do ensino fundamental, vai perdendo a importância conforme o indivíduo cresce e ingressa no ensino médio e no ensino universitário, o que ratifica a lacuna do lúdico no mundo adulto, notadamente na sua correlação com a educação. Sustentadas pelas ideias de Fortuna (2011), Luckesi (2014) e Rojas (2002), acreditamos que o lúdico no contexto educativo pode ser extrapolado para o mundo adulto, no âmbito do ensino universitário.

Para o ensino ser verdadeiramente lúdico, é preciso que os docentes experienciem a ludicidade que integra cognição, sentimento e ação, o que nos remete à integração entre as vertentes cognitiva e afetiva discutidas anteriormente neste artigo. Considere-se, para tal turno, a experiência das memórias afetivas de ludicidade de cada um nesse processo. É necessário observar a armadilha na qual os professores se enredam ao utilizar o lúdico apenas como instrumento de promoção das atividades junto a seus alunos. Retomando a teoria de Lopes (2014), o lúdico como condição humana ultrapassa as atividades lúdicas, e executá-las não confere ao professor, nem à sua proposta de ensino, o status de lúdico. Tampouco constrói o contexto lúdico para viabilizar aos alunos a experiência das vivências lúdicas. Se expressar a sua ludicidade no exercício da sua profissão como docente, o indivíduo poderá ser agente na concepção de uma nova forma de ensinar e aprender, em nosso caso específico, na área das tecnologias da computação. Esse novo paradigma educativo é esculpido na colaboração entre os conhecimentos técnicos e não técnicos e nas mudanças promovidas nas vivências lúdicas que acontecem na sua prática educativa, entre professores e alunos.

A investigação e a discussão dos resultados

A principal questão desta investigação nasce da ausência de um conhecimento sistematizado dos professores universitários do segmento das tecnologias da computação a respeito de aspectos didáticos e pedagógicos, que entendemos como fundamentais para a sua prática, bem como da carência de um espaço tanto para a integração entre cognição e afetividade quanto para a vivência lúdica na relação estabelecida entre o ensinar e o aprender.

Essa questão central, que está baseada tanto nos estudos teóricos aqui apresentados como na vivência pessoal da primeira autora, foi dividida em três partes, definidas como perguntas norteadoras: a) Como os docentes universitários da área das tecnologias da computação ministram suas aulas, ou seja, como se caracteriza sua prática pedagógica?; b) Como a vertente lúdica se apresenta em tais práticas?; e c) Como a vertente afetiva se apresenta em tais práticas?

Adentramos o universo dos docentes pesquisados, buscando compreender quem é esse professor; como é o seu cotidiano didático; quais atividades desempenha na universidade; quais são as suas crenças a respeito do ensino e da aprendizagem; como aconteceu sua escolha profissional e seu desenvolvimento técnico e pedagógico; e como ele se percebe na condição de docentes, com suas forças e suas fragilidades.

Iniciamos com o diagnóstico mediante dados relativos à primeira pergunta: Como os docentes universitários da área das tecnologias da computação ministram suas aulas.

Segundo seus depoimentos, os docentes apresentam simultaneamente características de diferentes modelos de ensino, alternando principalmente aspectos do modelo transmissivo e do modelo crítico-reflexivo, com a maior ocorrência de situações no primeiro caso. Essa dificuldade inicial em perceber a possibilidade de o professor transitar em diferentes modelos de docência nos deu a oportunidade de compreender as contradições dentro da complexidade que é a atividade docente, para além do sistema binário do mundo da computação.

Em nossa discussão teórica, traçamos algumas considerações sobre a lacuna de uma formação de natureza pedagógica específica do docente desse segmento. Os achados da pesquisa ratificaram essa ideia, pois identificamos que 70% do grupo investigado não teve esse tipo de formação e percebe que ela faz falta. No entanto, quando esses indivíduos foram questionados sobre suas leituras, seus estudos e suas demandas de desenvolvimento profissional, afirmaram priorizar a formação técnica. Também confirmando o quadro conceitual sobre a ausência de formação específica pedagógica e suas consequências, as principais estratégias apontadas pelos docentes investigados para conduzir suas aulas foram: sua experiência como aluno; a reprodução do modelo de um docente conhecido; sua experiência profissional no mundo do trabalho; seu feeling (tentativa e erro); e o uso de metáforas e situações práticas.

Ainda relativo à primeira pergunta, o exame dos resultados evidenciou que os professores pesquisados, em sua maioria, se percebem como docentes e exercem essa função em tempo integral, mesmo que seja em diferentes instituições de ensino. Esse achado relata uma mudança na identidade profissional desses indivíduos, que comumente conjugavam atividades docentes com atividades técnicas no mundo do trabalho.

A percepção da vertente lúdica é o ponto central de nossa segunda pergunta norteadora. Foram analisados os resultados sobre o entendimento do lúdico no ensino das tecnologias da computação pelos sujeitos do grupo foco da pesquisa, tais como a percepção do que é ludicidade, do que é uma aula lúdica e das estratégias que os docentes usam, no que concerne à mediação lúdica. A totalidade dos docentes pesquisados relacionou a ludicidade, direta ou indiretamente, a um instrumento a serviço da mediação didática. Embora eles tenham utilizado diferentes termos, como “ferramenta”, “estratégia” e “instrumento”, o sentido dos seus relatos apontou para um mesmo entendimento do lúdico. Observamos ainda, no quesito da conceituação da ludicidade, a associação entre ludicidade e brincadeira para 60% dos professores entrevistados, enquanto que 40% deles associaram o lúdico ao prazer. Esses dados ratificam a polissemia do termo discutida anteriormente.

Pelos resultados encontrados, os docentes reconhecem a ludicidade no ensino no âmbito da universidade. Entretanto, ela é vista apenas como instrumento ou ferramenta para a mediação didática, ou seja, os docentes não vivenciam a ludicidade: o que eles praticam é uma mediação tradicional, de caráter conservador, que utiliza atividades lúdicas. Em alguns momentos das falas docentes observamos contradições: por exemplo, um dos docentes conceituou a ludicidade como instrumento didático e, em seguida, relacionou o lúdico ao envolvimento dos alunos, o que parecia evidenciar uma percepção da ludicidade como processo formativo. Outro docente, que afirmou não se perceber como lúdico, relatou em sua fala diversas situações que aproximam sua prática de uma mediação lúdica, segundo as teorias de Lopes (2014) e Luckesi (2014). Tais contradições mostram que a associação existente no senso comum entre a ludicidade e as brincadeiras infantis não permite ao professor perceber o potencial da mediação lúdica nesse contexto de ensino.

Considerando o exposto, entendemos que a visão utilitarista sobre o lúdico, expressa nas respostas dos docentes, como ferramental de promoção de situações áulicas que facilitem a aprendizagem, nos parece estar associada ao modelo racional e tecnicista. E, embora seja percebida pelos sujeitos da pesquisa, a ludicidade não configura um caminho para uma nova forma de significação e ressignificação do conhecimento e de transformação da educação, tampouco uma mudança paradigmática na relação ensino-aprendizagem.

Quanto às estratégias de mediação lúdica utilizadas, segundo o relato dos docentes, conseguimos identificar duas categorias: na primeira categoria estão as brincadeiras e outras atividades que buscam descontrair o ambiente na sala de aula e atrair a atenção do aluno. Na segunda, estão as atividades práticas, as aulas em laboratório, estas últimas bastante comuns e apreciadas nos cursos no âmbito das tecnologias da computação. Cabe notar que ambas se caracterizam como atividades lúdicas e não necessariamente como mediação lúdica, de acordo a discussão realizada anteriormente.

A terceira e última pergunta norteadora trata da vertente afetiva, como ela é percebida no ensino das tecnologias da computação e como é integrada às práticas dos docentes desses cursos. Buscamos compreender o que os sujeitos do grupo foco da nossa pesquisa entendem como afetividade e mediação afetiva; se essa questão é efetivamente importante para a sua prática pedagógica e para a relação que se estabelece entre aluno e professor; qual a relação existente entre afetividade e o exercício da docência; e quais as estratégias que eles utilizam no seu fazer docente.

Nas suas respostas, a totalidade dos docentes disse que o estabelecimento de uma mediação afetiva é importante. No entanto, quanto ao conceito de afetividade, houve um conjunto de respostas (acolhimento, carinho, solidariedade, companheirismo, espelho, comprometimento, confiança e dedicação). Pensamos ser importante ressaltar essas diferentes respostas porque elas não são sinônimas e, portanto, parecem evidenciar que existem diferentes interpretações sobre esse tema, o que foi ratificado durante as entrevistas.

Vários docentes manifestaram que se consideram afetivos e criticaram os colegas que criam um ambiente tenso e de distanciamento com os estudantes, não os considerando como indivíduos. No entanto, em suas falas, eles fazem claramente a distinção entre essa qualidade e a permissividade ou a obrigação de ser “simpático” aos alunos. Esse ponto nos parece importante, pois evidencia o entendimento acerca da mediação afetiva e a diferenciação entre esta e a imagem de professor afetivo do senso comum.

Outro ponto que imaginamos de fundamental importância é a distinção entre a vertente afetiva como facilitador do aprender e a vertente afetiva como constituinte do processo didático, tal qual analisamos a mediação lúdica. Entre os sujeitos pesquisados, 40% entendem a afetividade segundo uma perspectiva instrumental, ferramenta cujo objetivo é estimular a aprendizagem, proporcionando que o estudante participe e faça as atividades propostas na aula. No entanto, 60% dos professores têm uma percepção diferente da vertente afetiva, focada na empatia, na compreensão e no envolvimento dos discentes com a estruturação do conhecimento. Assim, os relatos dos docentes parecem evidenciar a aproximação do grupo investigado com a nossa percepção sobre mediação afetiva, como possibilidade de conexão entre docente e discente que permita que a estruturação do conhecimento extrapole os conteúdos técnicos e auxilie verdadeiramente na formação do sujeito.

Considerações finais

Com este artigo buscamos trazer à baila questões atinentes à formação docente universitária no segmento das tecnologias da computação, incluindo as vertentes cognitiva, afetiva e lúdica.

Os achados da pesquisa ratificam os estudos teóricos sobre a existência de uma lacuna na formação de natureza pedagógica desses professores, oriundos de cursos de bacharelado e formados na pós-graduação como pesquisadores. Embora estejam conscientes dos problemas existentes na condução do processo de mediação didática, os docentes investigados buscam alternativas empíricas para resolvê-los e transitam entre as concepções transmissiva e crítico-reflexiva em seu fazer pedagógico.

Os dados analisados evidenciam que as vertentes afetiva e lúdica estão presentes no discurso dos docentes, ainda que em grande parte seja em um contexto utilitário, no qual o afetivo e o lúdico são considerados instrumentos para atender aos objetivos do ensino e não como uma dimensão que compõe o processo de estruturação do conhecimento.

Entendemos ser necessário um olhar diferenciado sobre as possibilidades de mediação didática na estruturação do conhecimento, no qual o racionalismo científico deve ceder espaço a uma abordagem transdisciplinar que considere no seu âmago outras vertentes além da cognitiva. Nessa perspectiva, é mister que o docente, especificamente do ensino universitário, mobilize as vertentes lúdica e sensível no processo de mediação didática e que ele perceba essas outras dimensões em si mesmo, no outro (aluno) e na relação estabelecida entre eles.

Esperamos ter conseguido o nosso objetivo de desequilibrar o leitor, levando-o a pensar sobre a docência universitária, notadamente na área das tecnologias da computação. São necessários mecanismos que auxiliem o professor a repensar sua prática, a experimentar e ousar escolher uma educação que esteja conectada com a formação integral do sujeito e a promoção da vida. Esse professor oferecerá não apenas informação, mas fundamentalmente condições que auxiliem e potencializem o crescimento do aluno por si mesmo. É importante compreender o papel do professor no âmbito do ensino superior, de construir um espaço em que o aluno, acolhido em sua individualidade, possa se expressar, aprender e se desenvolver.

Referências

Almeida, L. R., & Mahoney, A. A. (2011). Afetividade e aprendizagem: contribuições de Henri Wallon (3a ed.). Loyola. [ Links ]

Audy, J. L. N., Costa, C., Ruiz, D., & Mazzucco, J. (2001). Plano pedagógico para cursos de bacharelado em sistemas de informação. Anais do III Curso de Qualidade de Cursos de Computação e Informática. SBC. [ Links ]

Brasil. (1996). Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional). http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdfLinks ]

Brasil. (2016). Resolução nº 5, de 16 de novembro de 2016 (Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da Computação). Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=52101-rces005-16-pdf&category_slug=novembro-2016-pdf&Itemid=30192Links ]

Brasil. (2017). Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação presencial e a distância. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2017/curso_reconhecimento.pdfLinks ]

Brougère, G. (2002). Lúdico e Educação: Novas Perspectivas. Linhas Críticas, 8(14), 5-20. https://doi.org/10.26512/lc.v8i14.2985Links ]

Brougère, G. (2003). Jogo e Educação. Artmed. [ Links ]

Cunha, M. I. (2007). Reflexões e Práticas em Pedagogia Universitária. Papirus. [ Links ]

D’Ávila, C. M. (2008). Formação Docente na Contemporaneidade: Limite e Desafios. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, 17(30), 33-42. https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/issue/view/227Links ]

D’Ávila, C. M., & Ferreira, L. G. (2018). Concepções pedagógicas na educação superior: abordagens de ontem e hoje. Em C. M. D’Ávila, & A. V. Madeira (Eds.). Ateliê Didático: uma abordagem criativa na formação continuada de docentes universitários (pp. 21-46). EDUFBA. [ Links ]

D’Ávila, C. M., & Leal, L. B. (2015). Docência universitária e formação de professores – saberes pedagógicos e constituição da profissionalidade docente. Linhas Críticas, 21(45), 467-485. https://doi.org/10.26512/lc.v21i45.4585Links ]

Damásio, A. (2012). O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Companhia das Letras. [ Links ]

Duarte, J. F., Jr. (2006). O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Criar Edições. [ Links ]

Fernandes, C. M. B. (1998) Formação do Professor Universitário: tarefa de quem? Em M. Masetto (Ed.). Docência Universitária (pp. 95-112). Papirus. [ Links ]

Fortuna, T. R. (2011). A formação lúdica docente e a universidade: contribuições de ludobiografia e da hermenêutica filosófica. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. LUME Repositório Digital. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/35091Links ]

Gardner, H. (1999). Inteligência: um conceito reformulado. Objetiva. [ Links ]

Gratiot-Alfandéry, H. (2010). Henri Wallon (tradução e organização de Patrícia Junqueira). Fundação Joaquim Nabuco. [ Links ]

Huizinga, J. (2019). Homo Ludens. Perspectiva. [ Links ]

Lopes, M. C. (1998). Comunicação e ludicidade na Formação do cidadão Pré-escolar. [Tese de Doutorado não publicada]. Universidade de Aveiro. [ Links ]

Lopes, M. C. (2005). Ludicity – a theoretical term. Sixth Annual Convention of Media Ecology Association. Fordham University. https://www.researchgate.net/publication/229004699_Ludicity-a_theoretical_termLinks ]

Lopes, M. C. (2014). Design de ludicidade. Entreideias, 3(2), 25-46. http://doi.org/10.9771/2317-1219rf.v3i2.9155Links ]

Luckesi, C. C. (2005). Formalidade e criatividade na prática educativa. ABC Educatio: a revista da educação, 6(48), 28-29. [ Links ]

Luckesi, C. C. (2014). Ludicidade e formação do educador. Entreideias, 3(2), 13-23. http://doi.org/10.9771/2317-1219rf.v3i2.9168Links ]

Maffesoli, M. (1998). Elogio da razão sensível. Vozes. [ Links ]

Massa, M. S. (2014). Docentes de computação: mediação didática e prática profissional. 2014. [Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório Institucional da UFBA. http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/16702Links ]

Moraes, M. C., & Torre, S. (2018). Sentirpensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. WAK. [ Links ]

Morosini, M. C. (2000). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. INEP/MEC. [ Links ]

Pimenta, S., & Anastasiou, L. (2017). Docência no ensino superior (5a. ed.). Cortez. [ Links ]

Postle, D. (1993). Putting the Heart back into Learning. Em D. Boud, R. Cohen, & D. Walker (Eds.). Using experience for learning (pp. 33-45). Society for Research into Higher Education and Open University Press. [ Links ]

Ribeiro, M. L., & Jutras, F. (2006). Representações sociais de professores sobre afetividade. Estudos Psicológicos, 23(1), 39-45. http://doi.org/10.1590/S0103-166X2006000100005Links ]

Rojas, J. (2002). O Lúdico na construção interdisciplinar da aprendizagem: uma Pedagogia do Afeto e da Criatividade na Escola. ANPED. [ Links ]

Santos, B. S. (2018). Um discurso sobre as ciências (8. ed.). Cortez. [ Links ]

Santos, F. M. (2012). Análise de Conteúdo: a visão de Laurence Bardin. Revista Eletrônica de Educação, 6(1), 383-387. http://doi.org/10.14244/%2519827199291Links ]

Silva, J. B. C., & Schneider E. J. (2007). Aspectos Socioafetivos do Processo de Ensino e Aprendizagem. Revista de Divulgação Técnico-Científica do ICPG, 3(11). http://www.miniweb.com.br/ciencias/artigos/aspectos_socioafetivos.pdfLinks ]

Soares, S. R., & Cunha, M. I. (2010). Formação de professores: a docência universitária em busca de legitimidade. EDUFBA. [ Links ]

Tardif, M. (2014). Saberes Docentes e Formação Profissional. Vozes. [ Links ]

Turner, J. H., & Stets, J. E. (2012). The Sociology of emotions. Cambridge University Press. [ Links ]

Veiga, I. P. A. (2009). Docência como atividade profissional. Em I. P. A., Veiga, & C. M. D'Ávila (Eds.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas (pp. 13-22).Papirus. [ Links ]

Wallon, H. (2007). A evolução psicológica da criança. Martins Fontes. [ Links ]

Yin, R. K. (2014). Estudo de Caso: planejamento e métodos (5a. Ed.). Bookman. [ Links ]

Zorzo, A. F., Nunes, D., Matos, E., Steinmacher, I., Leite, J., Araujo, R. M., Correia, R., & Martins, S. (2017). Referenciais de Formação para os Cursos de Graduação em Computação. Sociedade Brasileira de Computação (SBC). https://www.sbc.org.br/documentos-da-sbc/send/127-educacao/1155-referenciais-de-formacao-para-cursos-de-graduacao-em-computacao-outubro-2017Links ]

Recebido: 13 de Março de 2019; Aceito: 13 de Julho de 2020

Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons CC BY 4.0.