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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília jan./dez 2020  Epub 04-Ago-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.26484 

Entrevistas

Docência, tecnologias e sociedade neoliberal: um diálogo com o professor Acir Mário Karwoski

Evandro Salvador Alves de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0003-2228-9776

Júlio Henrique Cunha Neto2 
http://orcid.org/0000-0003-0090-6913

Henrique Carivaldo de Miranda Neto3 
http://orcid.org/0000-0003-0629-1534

Sálua Cecílio4 
http://orcid.org/0000-0001-6035-1636

1Doutor em Estudos da Criança pela Universidade do Minho (UMINHO - Portugal). Doutor em Educação pela Universidade de Uberaba (UNIUBE). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Professor Associado do Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES) e atualmente Diretor de Ensino e docente no curso de Educação.

2Doutor em Educação pela Uniube; Mestre em Educação pela Universidade Federal do Triangulo Mineiro. Graduado em Matemática. Área de Investigação Educação.

3Doutorando em Educação pela Uniube; Pró-Reitor de Pesquisa no Centro Universitário de Patos de Minas, UNIPAM; Mestre em Educação. Área de Investigação Educação.

4Doutora em Sociologia pela USP; coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba - UNIUBE; Área de Investigação Educação


Resumo

Nesta entrevista[1] a temática que envolve educação, tecnologias e sociedade neoliberal é o ponto central de discussão e reflexão. O propósito é trazer à tona problematizações sobre as controvertidas relações entre educação e tecnologias na sociedade conduzida pelo capitalismo global e neoliberalismo, além de seus efeitos na produção de subjetividades. Dialogar sobre esse tema é bastante instigante porque, ao olhar a partir de outras dimensões (perspectiva crítica e dialética), é possível desconstruir aspectos instaurados na academia com pontos e contrapontos que oportunizam críticas e debates. Para aprofundar esse campo de conhecimento, foi entrevistado o docente Acir Mário Karwoski (A. M. K.), que se destaca no cenário nacional pelos legados e pelas inúmeras produções científicas que possui.

Palavras-chave Educação; Sociedade neoliberal; Mídias e tecnologias; Subjetividades

Resumen

En esta entrevista, el tema de la educación, las tecnologías y la sociedad neoliberal es el punto central de discusión y reflexión. El propósito es plantear preguntas sobre las controvertidas relaciones entre educación y tecnologías en la sociedad impulsadas por el capitalismo global y el neoliberalismo, y sus efectos en la producción de subjetividades. El diálogo sobre este tema es muy emocionante porque, al mirar desde otras dimensiones (perspectiva crítica y dialéctica), es posible deconstruir aspectos establecidos en la academia con puntos y contrapuntos que proporcionan crítica y debate. Para profundizar este campo de conocimiento, se entrevistó al maestro Acir Mário Karwoski (A. M. K.), quien se destaca en la escena nacional por sus legados e innumerables producciones científicas.

Abstract

In this interview the theme involving education, technologies and neoliberal society is the central point of discussion and reflection. The purpose is to raise questions about the controversial relations between education and technologies in society driven by global capitalism and neoliberalism, and their effects on the production of subjectivities. Dialogue on this theme is very exciting because, when looking from other dimensions (critical and dialectical perspective), it is possible to deconstruct aspects established in academia with points and counterpoints that provide criticism and debate. To deepen this field of knowledge, the teacher Acir Mário Karwoski (A. M. K.) was interviewed, who stands out on the national scene for his legacies and countless scientific productions.

Résumé

Dans cette interview, le thème de l'éducation, des technologies et de la société néolibérale constitue le point central de la discussion et de la réflexion. L’objectif est de poser des questions sur les relations controversées entre l’éducation et les technologies dans une société tirée par le capitalisme mondial et le néolibéralisme, ainsi que sur leurs effets sur la production de subjectivités. Le dialogue sur ce thème est très excitant car, en regardant sous d'autres dimensions (perspective critique et dialectique), il est possible de déconstruire des aspects établis dans le monde universitaire avec des points et des contrepoints qui suscitent critiques et débats. Afin d'approfondir ce domaine de connaissances, l'enseignant Acir Mário Karwoski (A.M.K.) a été interviewé. Il se démarque sur la scène nationale pour ses legs et ses innombrables productions scientifiques.

Sobre o entrevistado: quem é Acir Mário Karwoski ?

O professor Acir Mário Karwoski possui licenciatura em Letras – Português e Inglês – pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória – PR (UNESPAR). Tem mestrado em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (UNITAU) e doutorado em Letras – Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Realizou estágio de pós-doutorado com bolsa CAPES no Departamento de Educação da Universidade da Califórnia Santa Bárbara (UCSB). Cursou especializações Lato Sensu em literaturas de língua portuguesa, na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO); língua e literatura portuguesa na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória – PR (UNESPAR); e Master Business Administration (MBA) em gestão Universitária no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL/SEMESP). Atua profissionalmente nas áreas de letras e educação a partir de uma visão multidisciplinar de assuntos como linguagens, educação e novas tecnologias; gêneros textuais digitais; história regional da leitura e da escrita; didática e formação profissional docente para a educação superior; letramentos para a saúde. Acir é Professor Associado do Departamento de Linguística e Língua Portuguesa, pesquisador do LabELFE – Laboratório de Ensino de Leitura, Fala e Escrita (UFTM), coordenador do grupo de pesquisa GPELLP – Educação, Linguagens e língua portuguesa e membro do grupo de estudos e pesquisas ProLiSaBr – Promoção em comunicação, educação e Literacia para a Saúde no Brasil, ambos certificados junto ao CNPq. Além disso, é avaliador de cursos do INEP/Ministério da Educação (MEC).

Pesquisadores: Gostaríamos de saber, inicialmente, como se deu o seu envolvimento com a temática das Mídias/Tecnologias na Educação? Há quanto tempo isso ocorreu e por quais razões?

A. M. K.: Sempre tive paixão por tecnologias, inovação, uso de recursos didáticos diversificados. Fiz o Ensino Médio profissionalizante (Magistério) e, na minha trajetória, fui curioso e questionador quanto à adoção do mimeógrafo para facilitar a impressão de textos (naquela época, xerox e impressoras eram raras!) (Risos!) e outras sugestões como flanelógrafo, quadro negro, giz (como era fabricado?), dentre outras curiosidades. Adorava datilografar documentos, monografia, textos. Também gostava de preparar as formas para impressão de cartazes na tipografia em offset. Então, sempre fui ligado ao tema equipamentos, dispositivos. E quando tive a oportunidade de usar um computador pela primeira vez, acho que foi em 1994, aquilo foi sensacional: digitar num teclado no MS Word e ver a impressão. Foi muito legal. Então, quando decidi ser professor, em 1989, sempre possibilitei aos alunos o contato com diversos suportes de textos e também com as tecnologias que possibilitavam a escrita. Não lembro como foi a inserção do computador na minha rotina de sala de aula. Em 1998, quando estava no primeiro ano do mestrado em linguística aplicada, tive aulas com um professor que usou PowerPoint, Datashow e as apresentações eram muito interessantes Então, decidi adotar algumas estratégias de uso das tecnologias nas minhas aulas. Mas, nem todas as escolas contavam com as condições necessárias. Em 1995, iniciara meu trabalho como professor num curso de Letras, mas nunca usei computador porque era coisa rara em sala de aula. Nem Datashow. Lembro que usava muito retroprojetor com as lâminas e transparências, era muito interessante. Usei até 2006. Depois vieram de vez as novas tecnologias. Portanto, minha paixão pelas tecnologias é antiga, mas como objeto de pesquisa faz menos de 10 anos que tenho me interessado na inserção do computador nas escolas, especialmente as políticas públicas, como PROINFO, PROUCA e outras. Atualmente, o foco está nas potencialidades dos dispositivos móveis nas práticas de ensino (tablets, smartphones, etc.) e os impactos na cultura da escola e na sala de aula como lugar de disseminação de conhecimentos.

Pesquisadores: Comente o seu processo formativo; ressaltando relações entre sua graduação e pós-graduação com a atuação docente e as pesquisas que vem realizando.

A. M. K.: Fiz magistério (Ensino Médio), licenciatura em Letras, duas especializações em ensino de língua e de literaturas de língua portuguesa; mestrado em linguística aplicada e doutorado em Letras – Estudos Linguísticos. Em nenhum desses cursos estudei acerca das tecnologias digitais. No meu pós-doutorado, na Universidade da Califórnia, fui investigar como os gêneros textuais da cultura digital (e-mail, blogs e outros) são utilizados em escolas na Califórnia e também conhecer ações de inserção das tecnologias no contexto da escola nosEUA. Atualmente tenho orientado pesquisas e feito alguns estudos adotando a perspectiva da teoria dos multiletramentos e da multimodalidade na produção de textos, bem como na leitura de textos multimodais digitais. É um assunto fascinante porque, assim como as tecnologias evoluem, as práticas de leitura e de escrita e, com elas, a oralidade e escuta de textos também evoluem e se modificam a cada dia. Os aplicativos e as redes digitais têm modificado os processos de interação verbal entre as pessoas e, também, gerado alguns conflitos entre as gerações. O que viveram as pessoas quando da mudança do pergaminho para o papiro, deste para o papel e do papel para as telas digitais tem sido a grande questão em se tratando de alguns paradigmas. Ainda neste século teremos muitos avanços nas redes digitais de interação e comunicação. O mundo será a cada dia mais digital… isso é bom e ao mesmo tempo preocupante… mas, para quem acredita em inovação, todo dia é um novo dia, afinal, “todo dia o sol vem e nos desafia”, não? (risos)

Pesquisadores: Considerando que somos perpassados por uma ideologia neoliberal, que demanda um maior grau de eficiência e produtividade de todos os segmentos profissionais e da sociedade como um todo, entendemos que aos professores também são apresentadas exigências na mesma direção. Nesse sentido, tem-se uma condição de trabalho em que, aos professores, cabe maior envolvimento e dedicação para atingir a eficiência e o grau de produção esperados. Sobre tal contexto de trabalho, na sociedade neoliberal, perguntamos: você concorda que é condição para a sobrevivência produzir cada vez mais? Considera haver um papel das tecnologias em tal processo? Por outro lado, admite ser destinado aos profissionais da educação um papel específico diante das exigências de mercado em tempos de constantes renovações tecnológicas?

A. M. K.: Produzir, no sentido de trabalhar na labuta da docência, acredito que minhas professoras no ensino primário trabalhavam tanto quanto eu trabalho hoje. Aula é gratificante. Conheci professores que trabalhavam 75 horas na semana, entre escolas públicas e privadas, ministrando diariamente 15 aulas e algumas aos sábados. Ou seja, naquela década, dar aulas era a tarefa. Não havia tempo remunerado para preparo nem formação. Esse tempo de preparação e formação foi a grande conquista da categoria profissional. Afinal, aula precisa de preparo. Professor precisa atualizar os conhecimentos, participar de eventos, ler, estudar em grupo. Portanto, acredito que a cobrança atual quanto à produção pela sobrevivência está mais voltada à burocracia (preencher relatórios). Quando ingressa na educação superior, a exigência de publicações, trabalhos, projetos de pesquisa, etc. acaba exigindo a produção – e não podemos culpar as tecnologias. Elas vieram para facilitar nossa vida. Se antigamente o professor levava 30 cadernos ou 30 trabalhos impressos para analisar na sua sala de trabalho ou até mesmo em casa, atualmente ele recebe 30 e-mails para fazer o mesmo trabalho de avaliação. Acredito que não haja culpabilidade ou imputação do viés de mera exigência das tecnologias porque o professor recebe 30 e-mails. As renovações tecnológicas mudam as relações de trabalho, muitas vezes facilitam, outras complicam, e até mesmo fazem reféns. Se não conseguimos trabalhar sem computador, há casos de pessoas que sofrem de nomofobia, ou seja, não (sobre)vivem sem acessar aos celulares e essa questão tem despertado a atenção de muitos estudiosos porque estão surgindo casos de doenças motivadas pela sobrecarga de trabalho com as novas tecnologias. O que fazer? Desconectopia? Libertação total do apego às novas tecnologias? Há muita coisa por acontecer neste século ainda. Portanto, não concordo que, para sobreviver, você precisa produzir mais. Porém, como se manter vivo, sobreviver, se não se deixar levar pelo produtivismo? Os profissionais da educação sempre serviram de modelos em muitos contextos. Portanto, não, nunca ficaram livres das pressões com a expansão das novas tecnologias digitais, em especial num momento muito singular em que vivemos: o de tentar manter ou melhorar a qualidade da educação com as TICs apenas, como se elas resolvessem os problemas. Inserir computador na sala de aula sem que a cultura da sala de aula se ajuste ao que o computador oportuniza não é inovação. É escravidão ou subserviência a modismo. E o que mais tem na escola são modismos. Sempre pensei na contramão dos modismos. Mas, nem sempre podemos usar todo o potencial das novas tecnologias.

Pesquisadores: Levando em consideração a era da convergência midiática e os tempos da “idade mídia”, em que subjetividades de professores correm o risco de serem colocadas em suspenso, a partir de relações ampliadas e plurais com tecnologias digitais, indagamos: na sua visão, quais são os principais efeitos e impactos que “as novas fronteiras da indústria e dos serviços – consideradas por Raquel Barreto (2014) como “meios econômicos” – causam nos indivíduos em suas interfaces com os dispositivos de mídia eletrônica, como celulares, smartphones tablets e computadores?

A. M. K.: Ser humano segue as tendências, seja na modaou na arte,.Na tecnologia não seria diferente. Parece que a cada dia nosso aparelho torna-se obsoleto. Vivemos um mundo consumista. Um mercado em que a fidelização do cliente com a marca é constante. Quem nunca foi interpelado para trocar o aparelho celular anualmente? Quem compra computador com toda aquela parafernália de cabos e periféricos que havia há 5 anos? Quem usa internet com cabo de rede? O tempo da tecnologia digital não é o mesmo do tempo da gente. Eu, por exemplo, comprei um Iphone 4 em 2012 e uso até hoje. Mas, não funcionam nele muitos aplicativos do momento porque meu aparelho está obsoleto. Devo fazer upgrade e me deixar seduzir pelo mercado industrial, comprando um Iphone 7, ou continuo usando o aparelho que a qualquer momento pode parar de funcionar. Vai parar por quê? Certamente não será porque eu fiz mal uso, mas porque a engenharia nele embutida tem um fim e, quando isso acontecer, terei de comprar um novo aparelho. São as pressões do mercado. Os impactos não estão apenas no bolso; estão nas práticas de interação. Como é bom falar pelo Skype no celular, ou pelo Facetime, ou pelo Facebook. É possível falar e se ver tendo um celular. Então, por que ainda insistimos em ter pacote de minutos para falar grátis de um celular com um fixo, conforme anunciam algumas operadoras? Há muita apelação para se manter no mundo dos negócios, isso provoca muitas reações nos consumidores. Se agir impulsivamente, o consumidor troca de celular a cada ano, mas mantém as mesmas rotinas de comunicação. Ou seja, que adianta ter um Iphone apenas para falar? O orelhão da esquina fazia isso também. Portanto, acredito que as interfaces da mídia diversificaram as nossas relações, com os dispositivos abrindo horizontes muito divergentes dos vividos há uma década. E a tendência é a convergência de mídias ser ainda maior, o que pode obrigar algumas pessoas a se tornarem reféns de uma marca específica, como, por exemplo, os produtos da Apple, que são excelentes, mas exigem fidelidade do consumidor.

Pesquisadores: Segundo Dardot e Laval (2016, p. 331), “a racionalidade neoliberal impele o seu agir sobre si mesmo para fortalecer-se e, assim, sobreviver na competição. Todas as suas atividades devem assemelhar-se a uma produção, a um investimento, a um cálculo de custos. A economia torna-se disciplina pessoal”. Que possíveis desdobramentos dessa visão neoliberal você vislumbra para a construção da subjetividade docente?

A. M. K.: Acredito que há gerações distintas de docentes. Aqueles mais antigos, que não se deixam seduzir pelas novas tecnologias, pelo neoliberalismo, e continuam defendendo a sua visão, costumeiramente dizendo “no meu tempo era diferente”. Há aqueles que não acreditam no liberalismo e defendem outras crenças e há, obviamente, os que se deleitam no neoliberalismo. Há os que se sacrificam a semana inteira no trabalho para garantir um final de semana diante da NetFlix ou Tv por assinatura em família. Outros ainda ostentam novos aparelhos para estarem à altura do nível tecnológico dos aparelhos usados pelos seus estudantes. Subjetividade é construída na relação com o outro. Portanto, se há diferenças entre pessoas há identidades. A subjetividade docente não precisa ser construída pela visão neoliberal, mas pelas práticas do dia-a-dia, pelo exercício diário das práticas culturais heterogêneas que, nem sempre, são frutos do neoliberalismo. Ainda não tenho opinião formada acerca dos desdobramentos do neoliberalismo na subjetividade docente. Mas, acho que sou um afetado…

Pesquisadores: Considerando o enfraquecimento e/ou a diluição de fronteiras entre trabalho docente e vida pessoal, em razão da onipresença de tecnologias que impulsionam o ritmo de trabalho na sociedade do século XXI, a que caminhos esse fenômeno pode nos levar? Quais as possíveis implicações no campo educacional? Quais as decorrências do uso de tecnologias para o trabalho docente, em especial no ensino superior?

A. M. K.: Tenho visto casos e mais casos em que professores passam o dia diante da tela do computador, interagem com seus familiares somente por meio das tecnologias, não se permitem o contato visual, corporal, afetivo, diálogo. Enfim, tornar-se escravo do computador (notebook, tablete ou celular) tem sido um grande mal para a humanidade. No campo educacional, a maior implicação pode estar na rejeição física corporal, no ciberbullying, no egocentrismo, em atitudes psicopatas que trazem sérios problemas. No ensino superior, há alguns modismos como, por exemplo, “como assim, meu professor não tem página no Facebook?”; “Ele não envia e-mail?”; “tenho de imprimir o texto, não posso ler o texto compartilhado no dropbox?”; “Tem de buscar o material na casa de xerox?” e por aí vai. Ou seja, aparecem modismos que tornam os professores reféns por não ousarem inovar em suas práticas didáticas. Lembro que alguns estudantes do I período de um curso superior ficaram tensos quando eu pedi que eles respondessem a uma pergunta oralmente e enviassem o áudio para mim pelo WhatsApp. Estabeleci critérios de avaliação tais como tempo, aspectos da oralidade, estrutura do áudio, delimitação do conteúdo que privilegiaria na avaliação do material, ou seja, em vez de escrever o texto eles precisaram falar o texto. E foi um trabalho difícil para eles. Por quê? Porque a escola muitas vezes apenas repete as metodologias. Inovação disruptiva seria o caminho para transformar as velhas práticas de ensino. Acredito que deva acontecer uma mudança radical no modelo de Universidade, que seja mais inovadora, criativa, que estimule a produção de novos conhecimentos e não apenas reproduzir os conhecimentos que estão cristalizados nas enciclopédias e livros. É uma questão de tempo, pois prescinde de mudanças na educação básica e no protagonismo dos alunos que ingressam na educação superior. Deveriam ter vontade de querer produzir novos conhecimentos, pesquisar, investigar, questionar, mudar paradigmas… enfim, um novo modelo curricular deve ser implantado para dar conta do perfil e potencial dos estudantes.

Pesquisadores: No decorrer da prática docente, à luz das considerações de Chaquime e Mill (2016, p. 119), apropriando-se das análises de Tardif (2010), “o professor reinterpreta, ressignifica e amplia os saberes docentes da formação inicial de acordo com o contexto de trabalho em que está inserido, bem como a partir das articulações e interações que estabelece com os alunos”. Tomando como base tal pressuposto, em sua avaliação, quais são os principais dilemas de professores no que tange à utilização ou não de tecnologias no trabalho docente, nos espaços da sala de aula e fora dela?

A. M. K.: Você já viu PowerPoint não abrir? Datashow não funcionar? Áudio ou vídeo que param de funcionar? Enfim, o principal dilema hoje está na ineficiente infraestrutura tecnológica de algumas escolas e universidades. Há também muita resistência de alguns professores em permitir uso de celulares em sala de aula. Enfim, há muitos desafios que ainda precisam ser superados.

Pesquisadores: Sabendo que Raquel Barreto (2014) questiona a utilização e o acesso às TIC na educação, ressaltando existir um discurso falacioso de inclusão digital e democratização da informação, questionamos: você considera pertinente defender a ideia de evitar tanto a tendência de uma fetichização das TIC – tratadas como um mero recurso no processo de ensino e aprendizagem – quanto a defesa de seu poder redentor de modernizar a educação?

A. M. K.: Acredito que as TIC não têm poder redentor. Mas veja um caso. Se eu precisar de um dicionário impresso para cada aluno numa sala de aula e a escola ou universidade não disponibilizar isso, ou os alunos não terem condição de comprar um bom dicionário, qual o problema se o professor usar um celular com acesso 3G a um dicionário online e compartilhar com os alunos as explicações para o vocabulário que se apresentar desconhecido naquele contexto de leitura, por exemplo? Nesta semana mesmo, numa aula de leitura e compreensão de texto, estávamos lendo um artigo de opinião e um aluno perguntou o que seria uma atitude niilista. Eu perguntei a ele em qual contexto aparecia a expressão e sugeri que algum aluno procurasse no dicionário online uma explicação para o termo niilista. Foi muito interessante. Porque para chegar a niilista tivemos de passar por niilismo, por que o dicionário mostrava que niilista era um adjetivo para que ou quem é adepto do niilismo. Ou seja, usar o dicionário exige habilidades. As tecnologias móveis digitais existem para facilitar o nosso acesso e contato com a cultura letrada. E disso a escola não pode abrir mão. Isso não é modernizar a educação. Isso é usar de forma eficiente os potenciais das novas tecnologias digitais, independentemente de onde ela for usada, incluindo-se nessa situação a sala de aula. Por que proibir uso de celulares na sala de aula? Os argumentos apresentados por algumas leis ainda não me convencerem quanto à proibição. Estou analisando e estudando a respeito disso. A mobilidade tecnológica está mudando os hábitos de interação das pessoas e isso gera controvérsias. Mas, acredito que há mais potencialidades que fragilidades quanto ao uso das TIC na sala de aula. Usar TIC como fetiche também não é um bom argumento, como vemos em muitas escolas privadas que capturam alunos ofertando plataformas virtuais, aulas em ambientes digitais, vídeos, simulados em computador, porém, nem sempre cumprem. Ou cumprem minimamente…

Considerações

O professor entrevistado contou um pouco de sua trajetória formativa e profissional, além de tecer comentários sobre suas percepções a respeito do universo que envolve a docência, tecnologias e o cenário construído pelo modelo neoliberal. Como foi possível perceber, as inovações tecnológicas mudam as relações de trabalho. Elas, por um lado, facilitam determinados aspectos e, por outro, até mesmo permitem que sujeitos se tornem reféns, destacou Karwoski.

Nesse sentido, vemos que os profissionais da educação são reféns desse sistema que possui uma roupagem neoliberal. Eles, como Karwoski aborda, sempre serviram de modelos em muitos contextos, pois tais profissionais não estão livres das pressões que acontecem em várias dimensões com a expansão das novas tecnologias digitais de informação e comunicação.

Em suma, o diálogo com o Acir Mário Karwoski permitiu refletir sobre questões muito pertinentes relacionadas à docência, como os diferentes tipos de professores (os mais tradicionais e aqueles mais inovadores); também sobre alguns modismos que atravessam o contexto da educação; bem como a respeito da relação entre tecnologia e trabalho docente frente ao cenário que impulsiona a sociedade a caminhar, avançar, inovar, produzir trabalho e subjetividades com base em uma possível lógica. Ou seja, dos ritmos acelerados, do ócio criativo, da produtividade da construção e fortalecimento do capitalismo global e flexível.

Referências

Barreto, R. G. A. (2012). Recontextualização das tecnologias da informação e da comunicação na formação e no trabalho docente. Educação e Sociedade. Campinas, 33(121), 985-1002. https://doi.org/10.1590/S0101-73302012000400004Links ]

Chaquime, L. P., & Mill, D. (2016). Dilemas da docência na educação a distância: um estudo sobre o desenvolvimento profissional na perspectiva dos tutores da Rede e-Tec Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 97(245), 117-130. https://doi.org/10.1590/S2176-6681/361514036Links ]

Tardif, M. (2010). Os saberes dos professores. In: Oliveira, D. A.; Duarte, A. M. C.; Vieira, L. M. F. Dicionário de trabalho, profissão e condição docente. Ed. UFMG. [ Links ]

[1]Esta entrevista é fruto de um trabalho desenvolvido no componente curricular Cultura Virtual e Subjetividade, do Programa de Pós-Graduação em Educação (doutorado) da Universidade de Uberaba, e integra atividades de pesquisa do projeto financiado pelo CNPq (APQ-01067-18).

Recebido: 03 de Agosto de 2019; Aceito: 23 de Junho de 2020

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