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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.26  Brasília jan./dez 2020  Epub 01-Dez-2020

https://doi.org/10.26512/lc.v26.2020.33999 

Dossiê: Tempo de pausa ou de crise? Assumir a infância e a educação como prioridades

Infância e pandemia: conhecimento nas ondas do rádio em Parintins/AM

Infancia y pandemia: conocimientos en las ondas de radio em Parintins/AM

Childhood and pandemic: knowledge on radio waves in Parintins/AM

Luciane Maria Schlindwein1 
http://orcid.org/0000-0003-3463-2746

Patrícia dos Santos Trindade2 
http://orcid.org/0000-0002-5197-3908

Gyane Karol Santana Leal3 
http://orcid.org/0000-0002-4324-3796

1Pós doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Campinas - FE/UNICAMP (2018). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Formação de Professores, Escola, Cultura e Arte (NUPEDOC).

2Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - ProPEd-UERJ (2020). Membro do Núcleo de Pesquisa Infâncias Amazônicas (NUPEIA).

3Mestre em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA (2014). Membro do Núcleo de Pesquisa Formação de Professores, Escola, Cultura e Arte (NUPEDOC).


Resumo

Este artigo se propôs a investigar os impactos que a pandemia vem causando na educação das crianças da zona rural, no município de Parintins-AM. O arcabouço teórico-metodológico está centrado na perspectiva Histórico-Cultural, especialmente, nos estudos de Lev Vigotski. Analisamos as percepções das crianças que, em tempos de pandemia, contam com as ondas do rádio para aprender. O rádio se apresenta como tecnologia acessível, acompanhada de material impresso, oferecido pela Secretaria de Educação. A falta dos professores e a ausência dos amigos são as principais queixas relatadas pelos estudantes.

Palavras-chave Infância; Pandemia; Educação

Resumen

Este artículo tiene como objetivo investigar los impactos que la pandemia ha venido provocando en la educación de los niños de la zona rural del municipio de Parintins-AM. Nuestro estudio se sustenta, teórica y metodológicamente, desde la perspectiva Histórico-Cultural, especialmente en los estudios de Lev Vigotski. Analizamos las percepciones de los niños sobre sus vidas y su relación con la escuela en tiempos de pandemia. Las ondas de radio son la tecnología accesible que permite que el conocimiento llegue a los hogares de los estudiantes. La falta de profesores y la ausencia de amigos son las principales quejas que denuncian los estudiantes.

Palabras clave Infancia; Pandemia; Educación

Abstract

This article aims to investigate the impacts that the pandemic has been causing in the education of children in the rural area of the municipality of Parintins-AM. Our study is supported, theoretically and methodologically, from the Historical-Cultural perspective, especially in the studies of Lev Vigotski. We analyzed children's perceptions of their lives and their relationship with school in times of pandemic. Radio waves are the accessible technology that enables knowledge to reach students' homes. The lack of teachers and the absence of friends are the main complaints reported by students.

Keywords Childhood; Pandemic; Education

Introdução

Os tempos de excepcionalidade gerados pela pandemia da Covid-19 trouxeram à tona as desigualdades estruturais do Brasil, principalmente, na região norte do país. No estado do Amazonas, o primeiro caso de contaminação foi confirmado no dia 13 de março e, no dia 24 do mesmo mês, ocorreu o primeiro óbito (Diniz, 2020). Em 16 de março, o governo promulgou o Decreto nº 42061 (Amazonas, 2020), que declarava a situação de emergência na saúde pública e institui um comitê de enfrentamento da pandemia do novo Coronavírus.

O Sistema de Saúde do Estado do Amazonas não demorou muito para entrar em colapso. No dia 09 de maio, o estado atingiu a marca de 1.198 vítimas fatais pela Covid-19 (Amazonas Atual, 2020). Do dia 13 de março até 12 de setembro de 2020 foram registrados 126.939 pessoas infectadas no Estado (Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz], 2020). Nesse sentido, como medida de enfrentamento ao coronavírus, o governo decretou o isolamento social, paralisando todas as atividades não essenciais, incluindo-se, aí, as escolas, com a finalidade de conter a propagação do vírus.

No que se refere ao Município de Parintins, pode-se afirmar que foram promulgados diferentes decretos determinando o isolamento social e a suspensão de atividades não essenciais. A exemplo disso, podemos citar o Decreto Nº 014/2020 (Parintins, 2020a).

As medidas de enfrentamento ao vírus transcenderam a esfera da saúde e logo levou o governo municipal a adotar a suspensão das aulas presenciais na sede do município e nas comunidades rurais, através do Decreto Nº 015/2020. (Parintins, 2020b). Essa medida restritiva inviabilizou a convivência entre os membros da comunidade escolar.

Desse modo, fica claro que a pandemia afetou a dinâmica de diversos contextos sociais, incluindo aqui as áreas da saúde e a educação, entre outros setores da sociedade que foram obrigados a manter o isolamento social. As alterações, naquilo que toca ao cenário educacional, levaram os gestores, os professores e os alunos a experimentarem novos modos de ensinar e aprender em tempos de pandemia.

Nesse sentido, pretendemos com este trabalho, investigar os impactos que a pandemia vem causando na educação das crianças de três escolas da zona rural do município de Parintins-AM, com o intuito de compreender as relações de ensino e a organização escolar nestes tempos de pandemia. Analisamos assim, as percepções de três crianças sobre o ensino remoto, não presencial, mediado por uma programação especial divulgada pelas ondas do rádio.

O Contexto do Estudo

Nas comunidades rurais da Amazônia, o dia a dia é marcado pela estreita relação do homem com a natureza, especialmente com o rio, vital à compreensão desse homem e do universo que o habita (Fraxe et al., 2007). Nesse sentido, as políticas educacionais relativas às crianças das áreas rurais precisam contemplar as especificidades do seu peculiar modo de viver, que perpassa pelo isolamento natural advindo dos aspectos geográficos da região amazônica.

Esses espaços rurais revelam um panorama diferenciado do urbano, pois a vida nesses locais gira em torno dos rios, das florestas, onde os sujeitos estão envolvidos com atividades como a agricultura, a pesca, a caça, entre outras. Esse povo enfrenta desafios como a dificuldade de acesso às comunidades ribeirinhas por via fluvial, sofrem com as limitações nos serviços de saneamento básico como: água encanada, esgoto, energia elétrica, acesso a telefonia e internet, dentre outros aspectos, que precisam ser levados em consideração pelos órgãos responsáveis de educação, no município de Parintins.

Nesse contexto, é interessante pontuar que Parintins é um município do estado do Amazonas, localizado a 170 km da capital Manaus. Possui uma população estimada em 112.716 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2016). Sua origem remonta às populações indígenas da etnia Tupinambá, cujo subgrupo denominado Parintintin deu nome à cidade limítrofe com o vizinho estado do Pará (Reis 1967; Bittencourt, 2001; Saunier, 2003; Cerqua, 2009; Leal, 2014; 2019).

É reconhecida tradicionalmente pelo seu “Festival Folclórico”, realizado anualmente no último final de semana do mês de junho, atraindo turistas de diversos lugares do país e do mundo (Saunier, 2003). Sua população é majoritariamente urbana (cerca de 40% da população reside nas áreas rurais). Parintins possui cerca de 26 escolas localizadas em área de várzea e 92 escolas em terra firme. Portanto, é na área rural de terra firme que está localizada o lócus de estudo de nossa pesquisa, mais precisamente em três escolas rurais do município de Parintins. A seguir, apresentamos um pouco da realidade dessas três escolas.

Caracterização das comunidades e suas respectivas escolas

Partindo do princípio de que a vida do homem, nos espaços rurais amazônicos segue um ritmo diferenciado dos indivíduos da área urbana, têm suas próprias tradições, suas histórias, suas variações linguísticas que são típicas de cada localidade (Wagley, 1957). Pode-se dizer que são assim as três comunidades rurais a serem descritas neste trabalho, cada uma com as suas características, dificuldades e limitações na medida em que se apresentam. Nesses espaços, é válido também registrar, a presença das escolas que se constituem ambientes de encontro, de transmissão e de partilha de conhecimentos.

O primeiro espaço rural compreendido, neste estudo, é a Comunidade Nossa Senhora das Graças do Maranhão, fundada em 1959, às margens do Rio Uaicupará, aproximadamente a 13,1 km em linha reta de Parintins. Utiliza energia elétrica proveniente do Programa Luz para Todos[1] e poço artesiano, que concorre com os rios na irrigação das hortaliças, rios também disponíveis para pesca e lazer. Ao lado da escola, há uma igreja católica, um salão comunitário e um campo de futebol.

A comunidade supracitada vive da agricultura e da agropecuária. A maior parte das famílias trabalha no cultivo e beneficiamento da mandioca para a fabricação de farinha, tucupi, goma, entre outras atividades. É também conhecida como a terra do pé-de-moleque, beijú, beijuzinho, alimento regional cujo principal ingrediente é mandioca. Pela sua proximidade geográfica com a sede do município, a comunidade é bem desenvolvida, conta com funcionários públicos na escola e no posto de saúde. O comércio é uma fonte de renda para cinco famílias. Há ainda a carpintaria naval artesanal, com a fabricação de canoas, cascos, rabetas[2] e embarcações de pequeno porte utilizadas para atividades do cotidiano e para comercialização.

A escola situada na comunidade possui uma estrutura de alvenaria. O corpo docente é composto por oito professores e quatro servidores de apoio. Antes da pandemia, iniciou o ano letivo com cento e doze crianças matriculadas na Educação Infantil (com faixa etária de 3 a 5 anos) e Ensino fundamental (1º ao 9º ano), sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e trinta e nove estudantes do 1º ao 3º ano do Ensino Médio Tecnológico mediado pela Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).

A segunda escola do estudo de campo, situa-se na comunidade São Pedro do Rio Marajó. É considerada o centro do Uaicurapá, distante 29,5 km do centro urbano de Parintins, em linha reta. Há dois barracões comunitários onde acontecem as reuniões, as festividades sociais e escolares, conta ainda com uma igreja católica e um campo de futebol. A energia depende de um motor a diesel 11HP e de um gerador de 05 KVA. A água encanada é de um poço artesiano comunitário, mas as pessoas utilizam a beira do rio para fazer a maioria dos afazeres cotidianos, como, por exemplo: pescar, lavar roupas, tomar banho e molhar as plantas.

A instituição funciona com turmas de Educação Infantil (com faixa etária de 3 a 5 anos) ao Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) sob a responsabilidade da SEMED e Ensino Médio Tecnológico mediado pela SEDUC. Para ter acesso à escola, os estudantes utilizam o transporte escolar fluvial, que se constitui o meio de transporte mais utilizado na região (Ribeiro et al., 2019). A produtividade econômica gira em torno do cultivo da mandioca, da banana e do guaraná. Os moradores produzem beijus, crueira, farinha e tapioca que são levadas mensalmente à sede do município de Parintins para venda e posteriormente comprarem a sua cesta básica (rancho ou despensa).

A terceira escola do estudo de campo está localizada na Comunidade Bom Socorro, às margens do Lago do Zé-Açú. A comunidade possui cerca de mil habitantes, é cercada por uma vasta vegetação, é bastante frequentada por turistas, que interagem com a natureza, saboreiam a culinária regional, passeiam de canoa, tomam banho no lago, conhecem a cultura da localidade e seu modo simples de viver e cuidar do meio ambiente (Trindade, 2019).

O comércio da comunidade abastece as comunidades adjacentes. Há mercearias, lanchonetes e bares, geralmente estabelecimentos caseiros, aproveitando um cômodo das residências. Basicamente, o sustento das famílias vem do que plantam e colhem, principalmente, da mandioca.

A comunidade possui uma rádio comunitária, instalada no alto de uma torre, atrás de um dos anexos da escola. Além disso, há também um sistema público de telefonia com orelhão. O celular funciona devido à proximidade com Parintins, mas em locais limitados, geralmente, os comunitários fazem ligações em frente à Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

A escola possui cento e vinte e seis alunos, da Educação Infantil ao Ensino Médio, distribuídos em três turnos: matutino, vespertino e noturno. A instituição recebe recursos oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Plano Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e da Associação de Pais, Mestres e Comunitários (APMC) que contribuem para a manutenção diária da escola. A estrutura física dessa escola é composta por oito salas de aula, quatro anexos utilizados como sala de aula, secretaria, sala do gestor, dois banheiros, cozinha, sala de informática, sala de recursos multifuncionais, refeitório e quadra poliesportiva com vestiário.

Quanto ao quadro funcional da escola pode-se dizer que é composto por um gestor, um coordenador pedagógico, um assistente técnico-administrativo, um professor de educação física, um monitor de informática, duas merendeiras, três auxiliares de serviços gerais, quatro vigias, dezenove professores, um motorista de transporte terrestre e dois motoristas de transporte fluvial.

A escola atende principalmente os alunos das comunidades adjacentes, que chegam por via fluvial ou terrestre, pois a comunidade de Bom Socorro centraliza a região do Zé Açú. Os alunos que moram à beira do lago só têm acesso à escola por meio do transporte fluvial. Nesse contexto, é oportuno salientar que a escola tem uma função social relevante na comunidade que é fazer o acompanhamento do projeto Bolsa Família e criação da escolinha de artes, propondo alternativas de trabalho aos alunos e ex-alunos.

Desse modo, a descrição das três comunidades supracitadas evidenciam as potencialidades, riquezas, semelhanças e diversidades dos ribeirinhos, que encontramos nos espaços amazônicos, sobretudo, na região de Parintins.

Pesquisa em tempos de pandemia: Alô?! Novos modos de produzir os dados

Nesta pesquisa precisamos ousar. No momento, a proximidade física com os campos de estudo não é possível. Mas a tecnologia é uma aliada importante. Por isso, criamos estratégias metodológicas para atingirmos os objetivos propostos. Sabemos que o caminho está cheio de percalços. Mas decidimos enfrentar o desafio. Mais do que nunca, o tempo impetuoso da pandemia se coloca como imperativo para a produção científica, mesmo que em condições desfavoráveis. Como pesquisadoras das Ciências Sociais, encaramos o desafio de investigar o ser humano em sua adaptabilidade e ações afirmativas diante das incertezas e dos impedimentos.

Cabe lembrar que, no que tange às questões éticas, para a efetivação de pesquisas com crianças, o projeto foi submetido ao comitê de ética da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pedimos autorização dos pais para a realização de entrevistas com seus filhos, registro fotográfico, uso de imagem e gravação de voz. As solicitações foram enviadas via WhatsApp (aplicativo multiplataforma de mensagem instantânea e chamada de voz). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelas pesquisadoras e pelos responsáveis das crianças participantes da pesquisa.

As crianças foram devidamente conscientizadas acerca da realização pesquisa, que seriam entrevistadas, filmadas, fotografadas e seus depoimentos gravados. Após esses esclarecimentos, elas aceitaram participar da pesquisa, que divulga seus verdadeiros nomes e idades. Devido ao isolamento social, não foi possível entrevistá-las pessoalmente, levando-nos a solicitar aos prestativos gestores que registrassem as perguntas e respostas em vídeo e áudio, que nos foram repassados pelo WhatsApp.

Inicialmente, entramos em contato telefônico com a gerência pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Parintins, que nos forneceu informações preliminares sobre o projeto “Aprendendo em casa pelas ondas do rádio” e marcamos uma entrevista com a equipe responsável. Por sua vez, os gestores e professores das escolas nos indicaram crianças e informaram aos pais os objetivos da pesquisa. Foram contempladas as comunidades Nossa Senhora das Graças do Maranhão no Rio Uaicurapá, São Pedro do Rio Marajó e Bom Socorro do Zé Açú.

As crianças entrevistadas frequentam a escola em uma das três comunidades rurais aqui apresentadas. Como já afirmamos, são escolas localizadas em área de terra firme. Segundo Pereira (2007, p. 13), “são as proporções mais elevadas e nunca são inundadas pelo rio”, com acesso por embarcações de pequeno e médio porte: canoa, rabeta, voadeira e barco/motor. O tempo de duração das viagens que as crianças enfrentam, varia de acordo com os fatores climáticos e estação (enchente/vazante) [3] . De acordo com Pereira (2007, p. 15) “os períodos do ano se dividem em quatro estações que correspondem à combinação dos regimes fluvial (enchente, cheia, vazante e seca) e pluvial (‘inverno’ e ‘verão’. Os meses de maio, junho e julho formam o trimestre da estação cheia, quando uma grande parte das áreas cultiváveis está submersa, causando uma redução drástica nas atividades da fase terrestre.

Neste trabalho uma estratégia de pesquisa original permitia um contato extenso entre pesquisador e pesquisado, já que os pesquisadores acompanhavam os participantes em suas tarefas diárias; repentinamente percebemos, que as pesquisas deveriam ser realizadas através de plataformas digitais, abolindo o contato interpessoal, nesse caso o aplicativo de celular WhatsApp.

Escolhemos o referido aplicativo de celular de acordo com a familiaridade dos participantes. O projeto não construiu uma plataforma especialmente para esse estudo, apenas utilizou algumas já existentes do nosso sistema digital. Todos já estão familiarizados com a tecnologia e com o tipo de conteúdo que circula nessas plataformas, o que ameniza o impacto dessa transição não planejada.

Vigotski e a Escola

Nossos estudos vêm indicando que é a escola o espaço social e cultural no qual as relações de ensino se constituem sobremaneira. Nesse sentido, eles têm se voltado para pesquisa na escola, com o intuito de compreender os processos de aprendizagem e desenvolvimento em um espaço e tempo definido, circunscritos em um espaço urbano ou rural, com contradições e possibilidades (Schlindwein & Souza, 2019).

Problematizamos as relações de ensino que contemplem a criança e a infância na escola, na perspectiva histórico-cultural. Para Vigotski “o conhecimento preciso nas leis da educação é o que se exige antes de tudo de um professor” (2003, p. 454). Questionamos as relações de ensino que se estabelecem entre professores e estudantes e os modos de ser criança e viver a infância em diferentes espaços culturais.

Vigotski (2003) compreende que o ser humano se constitui em contextos culturais e históricos definidos. Para o autor é fundamental que se pense o professor e a criança a partir de suas relações com o conhecimento, com a vida e com a atividade de ensinar e de aprender. Ao questionar as “leis” que orientam a atividade de ensino em seu tempo, afirma que “a ciência é o caminho mais seguro para a vida […] só a vida educa, e, quanto mais amplamente a vida penetrar na escola, tanto mais forte e dinâmico será o processo educativo” (Vigotski, 2003, p. 300).

O processo pedagógico é a vida social ativa, é a troca de vivências combativas, é uma tensa luta em que o professor, no melhor dos casos, personifica uma pequena parte da classe – com frequência, ele está totalmente só. Todos os seus elementos pessoais, toda experiência de sentimentos e pensamentos, além da vontade, são utilizados sem cessar nessa atmosfera de tensa luta social denominada trabalho pedagógico interno. Sua rede de insatisfações pessoais, de incômodos, de esforços para se aclimatar e sua sinceridade pedagógica, as lições educativas derivadas disso (Vigotski, 2003).

É possível compreender as relações de ensino como práticas sociais, criativas, nas quais o professor pode tornar-se aquele que promove situações nas quais as crianças observam, planejam, vivenciam situações de aprendizagem. A prática de ensino se constitui de atividades vivenciadas, significadas pelas crianças, um espaço fundamental para o exercício de compreensão da docência, pelo professor (Schlindwein & Souza, 2019).

É pelo viés da perspectiva histórico-cultural, compreendida por Smolka (2002) como uma das formas de pensar o ensino-aprendizagem na infância nas ideias pedagógicas no Brasil, que objetivamos este trabalho. A obra de Smolka (2002) nos instiga a problematizar os estatutos de ser criança nas diferentes regiões brasileiras e suas circunstâncias, o que nos provoca a pensarmos de que forma a infância é vivida nas escolas em diferentes contextos sociais, culturais e históricos. As obras de Vigotski (2001; 2003; 2006; 2018) nos possibilitam compreender como se constitui o desenvolvimento infantil, por um viés psicológico e, também, pedagógico. De acordo com Vigotski (2001, p. 303),

[…] a vida vai se revelando como um sistema de criação, de permanente tensão e superação, de constante combinação e criação de novas formas de comportamento. Assim, cada ideia nossa, cada um de nossos movimentos e vivências constituem a aspiração de criar uma nova realidade, o ímpeto para frente, rumo a algo novo.

Para Vigotski (2001), as relações de ensino, na escola, se constituem nas relações sociais, culturais e históricas, compreendendo processos intelectivos e afetivos na relação com a realidade vivida, pelas crianças, no espaço escolar.

São as relações de ensino e aprendizagem que promovem o desenvolvimento humano. Esta premissa implica em toda uma reorientação da organização pedagógica escolar e um comprometimento profissional dos professores. Podemos considerar que cabe aos professores programarem situações de aprendizagem que busquem envolver vivencialmente e efetivamente as crianças, de forma que estas possam, ao incorporar novos conteúdos, ampliando suas possibilidades de novas aprendizagens, em um movimento processual, dialético e histórico. (Schlindwein, 2017, p.32)

Considerando a realidade atual, de pandemia, pretendemos explicitar algumas questões: De que forma vêm sendo organizadas as ações educativas nas escolas do município de Parintins? As crianças da zona rural estão conseguindo acompanhar as aulas? Como elas estão assimilando as mudanças advindas dessa nova modalidade de ensino?

Os desafios de estudar em tempos de Pandemia

A SEMED, após consulta ao Conselho Municipal de Educação (CME), elaborou o Projeto “Aprendendo em casa pelas ondas do rádio” para os alunos do 4º ao 9º ano do Ensino Fundamental, da Rede Municipal de Educação abrangendo a sede e a zona rural de terra firme, com o objetivo de fornecer o acompanhamento de aulas de Língua Portuguesa e Matemática, que são componentes de maior peso nas bases curriculares e ao mesmo tempo disciplinas com maior defasagem no ensino fundamental. (Brasil, 2019). Além disso, o projeto considera o disposto na Lei 9394/96 (Brasil, 1996) – Lei de Diretrizes e Bases (LDB), artigo 32 & 4° e artigo 35 & 8° sobre ensino fundamental à distância e se respalda na resolução 20/2020 (Amazonas, 2020) sobre aulas não presenciais na Educação Básica para evitar a disseminação do Covid-19.

Entretanto, cabe aqui ressaltar, que as crianças das áreas rurais dificilmente têm acesso a wi-fi, celular e computador, poucas possuem a televisão, mas todas as famílias acessam o rádio, meio de comunicação de maior potência nas comunidades. É exatamente por isso que o projeto contemplou o rádio como canal para realizar a transmissão das aulas, haja vista seu grande alcance, facilidade de comunicação e manuseio, seu vínculo interativo-social com as comunidades urbana e rural, cobrindo todo o território parintinense.

No que tange ao modo de vida da infância, no contexto amazônico, pode-se dizer que é permeado de pluralidades e singularidades. Como muito bem explica, Silva et al. (2013, p. 16):

[…] as infâncias do campo são múltiplas, porque também são múltiplos os campos que compõem o rural brasileiro […] as crianças assentadas e acampadas, quilombolas e ribeirinhas, caiçaras, de comunidades de fundo de pasto, pantaneiras, crianças da floresta […] vivem relações sociais, identitárias e com o ambiente construído e natural de formas diferenciadas […], se olhadas de perto, recortam e estruturam sentidos particulares de existência, de possibilidade de ação no mundo […] por meio de diferentes linguagens.

Como se vê, a multiplicidade é característica principal da infância em qualquer meio sociocultural. Nessa vertente, compreende-se que as crianças dão significados distintos e suas vivências são únicas. Para Vigotski (2018, p. 78), “a vivência é uma unidade na qual se representa de modo indivisível, por um lado, o meio, o que se vivência – a vivência está sempre relacionada a algo que está fora da pessoa –, e, por outro lado, como eu vivencio isso”. Então, compreender as vivências significa compreender o meio no qual elas são empreendidas.

Algumas impressões do campo

Devido à dificuldade de acesso direto as crianças, conseguimos entrevistá-las com auxílio dos gestores das respectivas escolas, contamos também com a participação de três crianças do 6º ano do Ensino Fundamental, com faixa etária de doze anos. O roteiro de entrevista com quatro perguntas simples enviadas por meio do aplicativo de celular WhatsApp, contendo questões relacionadas aos desafios que as crianças vêm enfrentando para estudar durante a pandemia. As entrevistadas responderam através de vídeos e áudios, posteriormente, as repostas foram transcritas e analisadas.

1. Você sabe qual o motivo que levou a paralisação das aulas?

– As aulas foram paralisadas no recinto educacional por causa da pandemia do Covid-19 que afetou o mundo. Todas as aulas foram paralisadas para não termos aglomerações. (Paula, 12 anos, estudante)

– Está acontecendo uma pandemia no Brasil todo por isso as escolas estão fechadas. Por causa de uma doença chamada Covid-19, houve paralisação das aulas. (Ana, 12 anos, estudante)

– Eu não tenho frequentado a escola no momento, o que está me impedindo, é esse tempo de pandemia porque temos que ficar em casa. (Nina Pérola, 12 anos, estudante)

É notório que as crianças sabem o motivo que decretou a paralisação das aulas presenciais, pois recebem notícias por meio do rádio, um dos meios de comunicação que abrange as áreas mais distantes da sede do município. Todavia, a pandemia do Coronavírus traz à tona – ou deveria trazer – uma preocupação redobrada com a população em maior estado de vulnerabilidade: idosos, portadores de patologias prévias, famílias de comunidades pobres, moradores de rua e, em especial, crianças e adolescentes, prioridade absoluta de acordo com a Constituição Federal (Brasil, 1988).

Embora, as crianças estejam isoladas geograficamente, não estão desconectadas dos acontecimentos, pois têm percepções do mundo e da vida que possibilitam as expressões próprias e singulares de sua infância. Para Soares (2017), as infâncias na Amazônia estão imbuídas de relações socioculturais que estabelecem com o meio, modos de vida e interlocução com a educação.

No caso do isolamento social, as famílias que vivem na zona rural ainda convivem com uma série de privações. As mais graves são a falta de emprego, as contas não pagas e a falta de gêneros alimentícios. Aliado ao estresse dos adultos por não conseguirem se manter, as crianças estão confinadas em casa, sem poder frequentar a escola ou brincar livremente. Como administrar tudo isso em ambiente pleno de incertezas e carente de condições sociais?

2. De que forma vocês estão estudando nesse momento de isolamento social?

– Através das ondas do rádio, projeto implantado pelo prefeito municipal de Parintins juntamente com o secretário de educação assim nós, os alunos, não ficamos sem aula. (Paula, 12 anos, estudante)

– Eu estou estudando pelo rádio e acompanhando pelo apostilado quem vem de um projeto “Aprendendo em casa pelas ondas do rádio”. (Ana, 12 anos, estudante)

– Estamos estudando em casa via rádio, em aulas à distância, uma vez por semana, nas disciplinas Português e matemática. (Nina Pérola, 12 anos, estudante)

O Projeto “Aprendendo em casa pelas ondas do Rádio” o qual elas se referem foi elaborado pela equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Parintins para impedir a suspensão das aulas, devido à propagação da Covid-19 no município. O projeto é voltado para estudantes do 4º ao 9º ano do ensino fundamental das escolas da rede municipal e abrange as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. As aulas são planejadas diariamente pelos professores e revisadas pela gerência especial de apoio técnico e pedagógico da SEMED antes de serem levadas ao ar, transmitidas do estúdio da Rádio Clube de Parintins em cadeia com a Rádio Alvorada e Rádio Tiradentes, as três rádios em frequência modulada (FM).

As aulas ministradas pela equipe técnica da SEMED estão em consonância com a Proposta Curricular Municipal alinhada à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e Proposta Curricular Amazonense. A Secretaria elaborou o projeto tendo como amparo as legislações federais, estaduais e municipais, como forma de impedir a propagação do vírus nas instituições escolares. Nessa perspectiva, a LDB 9394/96 (Brasil, 1996) também garante a possibilidade de oferecimento de aulas não presenciais em formato Ensino a Distância (EaD). No caso de Parintins, as aulas do Ensino Fundamental via rádio têm sido a única estratégia viável para atingir os alunos da área urbana e das comunidades rurais.

Amarante (2013) e Amarante e Varela (2016) trazem alguns apontamentos acerca da contribuição do rádio como espaço de manifestações culturais dando vez e voz a diferentes movimentos sociais em diferentes contextos. Castelo Branco e Kalhil (2015) apontam o uso das diferentes mídias na educação e suas possibilidades enquanto meios para um processo educacional comunicativo. A relação entre educação e comunicação já está presente no cotidiano.

O que temos observado nesta pesquisa, é que diante do cenário de isolamento social e dificuldade de acesso às comunidades rurais, o rádio foi o único recurso disponível em condições de levar conteúdo escolar para as crianças e garantir, embora de forma limitada, o ensino no município de Parintins. As aulas são de segunda a sexta-feira, com duração de 1h para cada componente curricular (Língua Portuguesa e Matemática). Segunda-feira é direcionada ao sexto ano; terça-feira, sétimo ano; quarta-feira, oitavo ano; quinta-feira, nono ano; sexta-feira, quarto e quinto anos. Aos sábados são divulgados os áudios dos alunos, pais e professores sobre o andamento das atividades.

Não foi possível saber se todos os estudantes acompanham as aulas por meio do rádio ou se os participantes conseguem aprender os conteúdos de forma satisfatória. O que podemos afirmar é que há uma defasagem na carga horária e as aulas abordam apenas dois componentes curriculares: Língua Portuguesa e Matemática. É importante acentuar que a escola não é apenas um espaço de mera transmissão de conteúdos ou de preparação para a vida adulta, mas prioriza a convivência e a organização social.

Cabe aos órgãos competentes apoiar os estudantes, promovendo reflexões sobre essa crise vivenciada por todos, seja pelos sentimentos que ela pode suscitar, seja porque o desenvolvimento do pensamento crítico é fundamental nessa fase. A possibilidade de contágio também deve ser uma preocupação da escola. Mais do que assegurar transmissão de conteúdos em outras plataformas, é importante disponibilizar discussões altamente qualificadas que ajudem a criança e o adolescente a compreender o momento atual.

3. Que tipos de atividades vocês realizam e quem ajuda vocês quando surgem dúvidas?

– Sim, eu tenho tarefa pelo apostilado que a SEMED enviou para nós e os meus pais me ajudam quando não sei. (Paula, 12 anos, estudante)

– Sim, eu respondo todas as tarefas depois que ela termina de me explicar (a professora da rádio) e quem me ajuda é a minha mãe, e, às vezes, é a professora Rose que me ensina. (Ana, 12 anos, estudante)

– Quando há dúvida podemos mandar mensagem para os professores que estão na rádio, mas também tenho ajuda em casa. E dia de sábado tem a revisão dos conteúdos. (Nina Pérola, 12 anos, estudante)

Para subsidiar os conteúdos que são ministrados nas aulas, além dos livros didáticos, foram elaboradas apostilas com resumo de conteúdos, textos e exercícios. O material impresso foi distribuído para todos os alunos do 4º ao 9º ano das escolas da sede e da zona rural para acompanharem as aulas e responderem as atividades propostas com a ajuda de seus familiares.

De acordo com o projeto, as aulas seguem uma programação fixa: lê-se primeiramente um texto motivacional contextualizado. Conforme preceitua a BNCC, são apresentados os conteúdos. Lido o objetivo da aula os alunos devem acessar o material impresso para fazer as suas anotações e registros. É disponibilizado um número de telefone (CALL CENTER) para os estudantes encaminharem suas dúvidas, via mensagem de texto SMS (Short Message Service) ou WhatsApp para os professores ministrantes e equipe pedagógica de planejamento da SEMED. As dúvidas são elucidadas no momento da transmissão das aulas e revisadas aos sábados. Algumas são respondidas no decorrer da semana. “Nenhuma dúvida deixa de ser respondida pelos professores ministrantes” (Parintins, 2020b, s.p. – grifos nossos).

Apesar de a SEMED disponibilizar um número de telefone para sanar possíveis dúvidas sobre os conteúdos das aulas, na maioria das vezes os pais acabam assumindo a tarefa de ajudar os seus filhos na realização tarefas. A dificuldade dos responsáveis se estende, sobretudo, em dar conta de cumprir a tarefa que antes cabia à escola. Para muitos pais e responsáveis têm sido extremamente difícil, pois eles têm outros afazeres e as crianças acabam se dispersando.

Soma-se a isso, o fato dos alunos não irem diariamente à escola, o que pode ser um problema para muitos alunos, pois há aqueles que frequentam a escola porque precisam comer. No turno matutino, os alunos da precisam comer antes de ir para casa e os da tarde precisam comer antes do início das aulas. Outro problema é a falta de contato integral com professores e colegas em ambiente de interação e experimentação presencial.

4. O que é mais fácil e o que é mais difícil nessa nova forma de estudar?

– O mais fácil é que eu tenho apoio dos meus pais. O mais difícil é que não tem a presença dos meus professores como na sala de aula. (Paula, 12 anos, estudante)

– Às vezes, é difícil é entender o que a professora da rádio está falando, o mais fácil é quando ela vai explicando e eu vou logo respondendo. (Ana, 12 anos, estudante)

– Para mim o mais fácil é que não saímos de casa para ir à escola e o mais difícil é que estamos estudando só duas disciplinas e as demais matérias não estamos estudando, mas outra dificuldade é que mesmo podendo interagir por mensagem, não é a mesma coisa de ter um professor na nossa frente explicando. (Nina Pérola, 12 anos, estudante)

No campo das facilidades foi citada a possibilidade de participar das aulas sem sair de casa, contando com o apoio dos pais no dia a dia. O confinamento abre a possibilidade de diálogo e troca intergeracional de experiências, antes negligenciada. A parte difícil é não ter a presença do professor. Para Nina Pérola (12) “interagir por mensagem de texto não é a mesma coisa que ter o professor explicando em tempo real”. A dificuldade para acompanhar os conteúdos via rádio é o maior entrave nessa nova tarefa de utilizar o ensino à distância, que vem desafiando famílias e escolas.

Um mundo digital pleno de possibilidades tecnológicas ajuda a diminuir os efeitos do isolamento social. Em Parintins, a instabilidade da precária rede dificulta o trabalho dos professores. Por falta de acesso igualitário à internet, a melhor opção seria a volta das aulas presenciais, o que já está previsto no projeto, com a retomada e avaliações dos conteúdos. Manter as aulas nesse formato fere o princípio de universalidade do ensino público garantido pela LDB Lei nº 9394/96 (Brasil, 1996). Porém, enquanto perdurar a pandemia, o retorno das aulas presenciais é inviável.

Considerações Finais

Este trabalho objetivou ampliar as pesquisas acerca da infância no interior do Estado do Amazonas, especialmente, em tempos de pandemia. E ainda, analisou as ações educativas das escolas do município de Parintins, como, por exemplo, a forma de acompanhamento das aulas não presenciais na zona rural. É importante evidenciar que o estudo buscou ouvir as percepções das crianças, promovendo indagações que foram viabilizadas via whatsapp.

As ações implementadas nas escolas do município de Parintins por meio do Projeto “Aprendendo em casa pelas ondas do Rádio” baseiam-se no ensino à distância, especificamente, por meio do rádio, único meio de comunicação acessível a todas as famílias do município. Vale a pena registrar que essas ações beneficiam principalmente as crianças das comunidades rurais. Não é o caso das comunidades pesquisadas, mas boa parte das casas na zona rural do município de Parintins não tem saneamento básico ou luz elétrica muito menos internet de qualidade. Como pensar em educação à distância, que demanda infraestrutura específica, em condições tão precárias?

A experiência de campo é primordial enquanto método de pesquisa. É a partir das experiências vividas que o pesquisador acessa o outro e constrói a própria teoria; dividir as dificuldades, as estratégias e as descobertas faz parte do método e demonstra como nos articulamos enquanto coletivo.

Longe de ser o ideal, tem sido a única forma que a SEMED encontrou para garantir aos estudantes acesso aos conteúdos escolares. Embora todo esforço seja válido, certas lacunas não conseguem ser preenchidas no ensino à distância. Assim, a SEMED estabeleceu que, no retorno às aulas presenciais, os professores titulares deverão revisar todos os assuntos, atividades e exercícios a partir de um planejamento diário/semanal concomitante com as atividades diárias para que as aulas ministradas no Projeto sejam computadas e registradas como carga horária nos dias letivos, e atribuídos aos alunos conceitos e notas, para reforçar o vínculo com a escola e evitar a evasão escolar conforme a Portaria Nº. 232, de 01/10/2020- GAB/SEMED (Parintins, 2020c).

O Amazonas é o estado mais extenso do país, ocupando quase um quinto do território brasileiro, mas é parcialmente desconhecido por seus gestores públicos. Para se ter uma ideia, não se sabe ao certo quantas comunidades rurais existem no Estado porque há muitas regiões da floresta às quais nem o IBGE chega para calcular a população. Estima-se que existam em torno de 6.500 comunidades espalhadas pelas áreas rurais mais afastadas da floresta.

São muitas as dificuldades que professores e alunos enfrentam no interior do Amazonas, as condições de desigualdade que já existiam foram bastante acentuadas desde o começo da pandemia. Por lei, toda criança tem direito à educação básica e secundária, não importa onde esteja, mas em muitas comunidades rurais isoladas e pouco povoadas é difícil encontrar professores de qualidade que ensinem todas as disciplinas.

Enfim, esse panorama retrata que há muito ainda que se investir não só em tecnologia, mas principalmente na qualificação dos professores que se desdobram para dar conta do ensino à distância através do rádio, ministrado às crianças que vivem nas zonas rurais e enfrentam ainda a mais perversa forma de exclusão: sua condição geográfica e cultural.

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[2]Rabeta: pequeno motor de propulsão que, acoplado na traseira de pequenas embarcações ou barcos, é conduzido manualmente, com ajuda de um bastão que determina as direções.

[3]Enchente e vazante: é um acontecimento frequente em determinadas áreas caracterizado pela subida (cheia), vazante (seca) dos rios. Diferentemente de outras regiões do país, na Amazônia as configurações climáticas são definidas em inverno (subidas das águas) e verão (descida das águas).

Recebido: 09 de Setembro de 2020; Aceito: 19 de Novembro de 2020

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