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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub Mar 01, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.34623 

Artigos

O papel das enfermeiras na Campanha Nacional de Educação Rural (Brasil, 1954-1962)

El rol de las enfermeras em la campaña nacional de educación rural (Brasil, 1954-1962)

Nurses role in the national campaign for rural education (Brazil, 1954-1962)

Yanne da Silva Camargo1 
http://orcid.org/0000-0002-6147-3691

Sandra Cristina Fagundes de Lima2 
http://orcid.org/0000-0001-7191-7914

1Graduanda em enfermagem pela Universidade Federal de Uberlândia.

2Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Professora titular da Universidade Federal de Uberlândia.


Resumo

Pesquisamos a Revista da Campanha Nacional de Educação Rural (RCNER) para compreender o papel atribuído às enfermeiras no desenvolvimento da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), realizada no Brasil de 1952 a 1963. Os objetivos da pesquisa[1] consistiram em: perscrutar os critérios adotados pela campanha para recrutar e treinar as enfermeiras e compreender se o trabalho dessas profissionais contribuiu para melhorar a qualidade de vida da população rural.

Palavras-chave CNER; Educação Rural; Saúde; Educação

Resumen

Se buscó em la Revista de la Campaña Nacional de Educación Rural (RCNER) para compreender cuál fue el papel atribuído a las enfermeras em el desarrollo de la Campaña Nacional de Educación Rural (CNER), realizada em Brasil de 1952 a 1963. Los objetivos de la investigación fueron: examinar los critérios adoptados por la campaña para la contratación y la formación de los enfermeros y comprovar si el trabajo de estos profesionales contribuyó para mejorar la calidad de vida de la problación rural.

Palabras clave CNER; Educacíon em zonas rurales; Salud y Educacíon

Abstract

We searched the National Campaign for Rural Education Journal to learn what was the role of nurses during the National Campaign for Rural Education, carried out in Brazil from 1952 to 1963. The objectives were to examine the criteria adopted to recruit and train nurses and learn whether their work contributed to improving life quality of the rural population.

Keywords Education; Rural Area; Health

Introdução

Devido às iniciativas de industrialização que ocorreram no Brasil a partir dos anos 1950 e em face da nova realidade produzida pelo crescimento da urbanização, para que o país pudesse se industrializar e alcançar relevância dentro do cenário capitalista mundial fazia-se necessário que a sua população fosse alfabetizada e, também, formada segundo os rudimentos de uma profissionalização, condição necessária à sua inserção no mundo do trabalho urbano (Fausto, 2008). No que diz respeito ao campo, nesse mesmo período havia de um lado a justificativa de dotar os habitantes do meio rural das técnicas de trabalho “modernas” que pudessem ser aplicadas tanto na lavoura quanto nas demais atividades, de outro lado existia a preocupação em disseminar os princípios do sanitarismo, em particular dos hábitos de higiene, no cotidiano doméstico. Encontravam-se subjacentes a todas essas justificativas os argumentos em favor de construir um país “moderno”. Com vistas a atingir essa meta, o Governo Federal lançou a Campanha Nacional de Educação Rural, cuja duração estendeu-se de 1952 a 1963.

A contribuição anunciada por essa campanha para a modernização do país consistia em, por exemplo, reduzir o alto índice de analfabetismo verificado entre a população habitante do meio rural no Brasil no final da década de 1940 e início dos anos 1950. Ao realizar o censo demográfico, o Governo constata que, nesse período, aproximadamente, 63,8% da população brasileira habitavam no campo e apenas 28% eram alfabetizadas (Ferraro, 2012). Contudo, além da alfabetização, seria levada à população rural a “educação de base” que compreendia: cuidados com a saúde, higiene, noções de técnicas e cultivo agrícolas. Diante dessa realidade, tal campanha anunciava como objetivos:

Propiciar às populações até agora abandonadas a legítima oportunidade de alcançar superiores estádios de cultura, sem os quais não haveria verdadeira civilização. Ainda de acordo com justificativas de tal campanha, no Brasil, então, muito se poderia esperar dessa particularidade pedagógica de tão relevante significação social. Pode-se mesmo dizer, sem exagero, que o trabalho a ser realizado nesse setor garantirá, na oportunidade, um surto de progresso inimaginável em todas as facetas da vida coletiva, quer pela vitalização das comunidades rurais, onde se encontram cerca de 70% da população nacional, quer pela mudança de hábitos e de atitudes que isso acarretará para aproximadamente 35 milhões de brasileiros, até agora a margem das atuais concepções de trabalho e conforto usufruídos, exclusivamente, pela minoria que habita a faixa urbana do litoral. (Machado, 1954, pp. 4-5)

Segundo Barreiro (2010), a campanha foi organizada em quatro setores básicos: Estudos e Pesquisa, Treinamento, Missões Rurais e Divulgação. O primeiro setor incumbia-se de fazer um levantamento prévio nas áreas rurais antes da instalação e, para tanto, pesquisava o tipo de solo, as técnicas agrícolas adotadas, as instituições, as lideranças existentes e os meios de comunicação a serem adotados pela equipe. O Setor de Treinamento responsabilizava-se pela formação do pessoal técnico e pela organização dos cursos de educação para professores e líderes locais. Ao setor de Missões Rurais cabia assistir e supervisionar as atividades das missões rurais e admitir técnicos formados por esses cursos. O setor de Divulgação deveria elaborar e divulgar informações, promover difusão educativa e preparar o material sobre educação de base.

Com vistas a perquirir tal processo, o tema proposto por esta pesquisa consistiu em apreender as formas pelas quais a CNER preocupou-se com a saúde da população rural. Decorre desse tema as seguintes questões: Qual foi o papel atribuído ao trabalho da enfermagem na CNER? Existiram estratégias específicas adotadas pela CNER para abordar a prevenção, promoção e reabilitação que envolvem a saúde? A fonte de pesquisa empregada para responder as questões elencadas foram os 10 números lançados pela Revista da Campanha Nacional de Educação Rural, incluindo o volume especial. Publicado pelo Ministério da Educação e Cultura e divulgado ao público, tanto aquele envolvido diretamente com os seus trabalhos quanto à população de uma forma geral, esse periódico lançou o seu primeiro número em 1954 e publicou o último em 1962. As páginas variavam de 200 a 317 por volume; sendo a periodicidade irregular, a publicação oscilava entre períodos semestrais e anuais.

O texto encontra-se dividido em duas seções, a saber: Noções de saúde segundo a CNER e O papel atribuído às enfermeiras na CNER. Na primeira parte apresentaremos o histórico da campanha com destaque para apreender quais foram os seus idealizadores, quais objetivos eram propostos, quais critérios foram usados para selecionar o local onde deveria ser instalada a missão e, por fim, o papel atribuído a cada profissional dentro dessas missões. Além disso, abordaremos quais eram as noções e conceitos de saúde propostas pela CNER, ademais mostraremos, com exemplos retirados da própria RCNER, quais eram os principais conteúdos abordados pela campanha com a população rural. Na segunda parte, discutiremos a formação profissional das enfermeiras, suas atribuições no período em que a profissão foi constituída, além disso, comentaremos como ocorria o processo de formação desses profissionais para trabalharem na CNER e, principalmente, discorreremos sobre as suas atividades no decorrer da campanha.

Histórico da CNER

No final dos anos 1950 emerge no Brasil um discurso segundo o qual seria necessário ao professor e aos profissionais que fossem atuar no meio rural um preparo mais específico para corresponder às necessidades da população daquele espaço. Ademais, essa medida estimularia as pessoas a se fixarem no campo e poderia criar um sentimento de pertencimento e orgulho daquele local; contudo, caso emigrassem, precisariam estar minimamente preparadas para inserirem-se na vida urbana.

Nesse contexto, portanto, o Governo Federal do Brasil, com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), institui a CNER para oferecer à população brasileira residente no meio rural o que denominava de “educação de base”. Segundo uma nota oficial da Unesco publicada na RCNER,

[...] educação fundamental e/ou de base é o mínimo de educação geral necessário a ajudar as crianças, os adolescentes e os adultos a compreenderem os problemas peculiares ao meio em que vivem, a formarem uma ideia exata de seus deveres e direitos individuais e cívicos e a participarem, eficazmente, do progresso econômico e social da comunidade a que pertencem. (Silva, 1954, p. 13)

Conforme anunciado nas páginas da RCNER, os objetivos gerais da Campanha Nacional de Educação Rural foram estes:

[...] investigar e pesquisar as condições econômicas, sociais e culturais da vida do homem brasileiro no campo, preparar técnicos para atender as necessidades da educação de base ou fundamental, promover e estimular a cooperação das instituições e dos serviços educativos existentes no meio rural e que visam o bem comum, concorrer para a elevação dos níveis econômicos da população rural por meio da introdução, entre os rurícolas, do emprego de técnicas avançadas de organização e de trabalho e contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões educativos, sanitários, assistenciais, cívicos e morais das populações. (Silva, 1954, p. 13)

Nesse sentido, a educação proposta pela CNER não foi apenas uma instrução que se promoveria pela educação escolar, mas, sim, e principalmente, uma educação integrativa onde os professores, médicos, agrônomos, enfermeiras, seriam capacitados mediante um treinamento específico a ministrar aulas de higienismo, puericultura, agricultura, corte e costura saúde emergencial, entre outras. A meta proposta resumia em promover a educação plena do homem rural.

Segundo Conceição, no âmbito da campanha, a ideia central das missões rurais não consistia apenas em levar recursos à população por meio do ensino de como cuidar de sua casa e de suas terras, pois as missões agiam combatendo o analfabetismo, endemias, falta de escolas, de consciência agrária e de aplicação de métodos racionais.

Missões procuram realizar a consecução do grande postulado da educação de base: ‘ajudar as populações a que se ajudem a si mesma’. [...] Uma boa técnica de missão rural, se diz que esta se realiza em três fases: a de estimulação para o conhecimento dos problemas pelo povo, a da adoção de nova mentalidade para a vida, por parte dos indivíduos e dos grupos com relação a melhoria individual e a de sua comunidade - a da resolução de aprender novas coisas, de ‘querer’ adquirir novos conhecimentos para conseguir a melhoria desejada. (Conceição, 1958, pp. 113-114)

O trabalho tinha início com a instalação de uma missão e, para tanto, primeiramente a CNER enviava técnicos para fazer um estudo prévio dos locais a serem selecionados, uma vez que cada Estado brasileiro comportava necessidades particulares. Assim, de posse desses levantamentos, os profissionais poderiam traçar estratégias para compor um plano de ação adequado a cada realidade. Por exemplo, em 1954 Miguel Alves de Lima, engenheiro agrônomo, seguiu para Alagoas para fazer um reconhecimento das condições nas quais vivia a população rural. O seu relatório informa: extensão da região, densidade populacional, principais meios de moradia, clima, solo, lideranças; enfim, contém todos os recursos para que os outros técnicos pudessem entender a dinâmica do local antes de instalarem a missão rural (Lima, 1954).

O processo de aproximação dos técnicos das missões rurais junto à população local era realizado primeiramente em colaboração com os líderes locais; a partir daí chegavam à população. Posteriormente, iniciavam-se conversas com os habitantes locais para lhes explicar o que seria a missão rural, quais seus objetivos e, principalmente, para convencê-los a tentar superar as dificuldades enfrentadas que, segundo a CNER, eram oriundas do analfabetismo e da ignorância.

Ademais, os técnicos instruíam o papel de cada um dos seus membros e, em seguida, tentavam despertar o interesse para a formação de um clube para que em conjunto, pudessem melhorar o meio em que viviam. Com isso, surgiam os diversos clubes conforme o interesse daquela determinada comunidade, a partir dos quais os técnicos poderiam conseguir atingir o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população (Repercussões do trabalho da CNER - as Missões Rurais, 1957).

Noções de saúde propostas pela CNER que fundamentaram o trabalho das enfermeiras

Nos anos de 1950 e início de 1960, a noção de saúde que pautava o trabalho da CNER junto ao homem do campo era fundamentada nas concepções oriundas do higienismo ou do movimento sanitarista que, embora preventivos, também partiam de outros princípios. Proposto como um projeto de reforma sanitária e social a partir do século XX, o higienismo considerava a doença como um fenômeno social que abarcava todos os aspectos da vida humana. Segundo os seus defensores, as causas das doenças que acometiam a população eram oriundas da pobreza, ignorância e da mistura de etnias do povo brasileiro. Por isso, o seu objetivo principal era propor reformas nos padrões de higiene e de comportamento moral com vistas ao estabelecimento de normas e hábitos para conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual (Góis Junior, 2007).

No Brasil, o higienismo recebeu influência dos princípios do eugenismo proposto por Francis Galton, fisiologista inglês que afirmava que a ciência deveria estudar e aprimorar as qualidades hereditárias da raça para assim melhorar a espécie humana. Tal princípio originou diversas interpretações e propostas extremamente racistas que repercutem na sociedade até os dias atuais (Mansanera & Silva, 2000). Ademais, as preocupações com o movimento higienista no Brasil foram crescendo a cada dia, e a partir da década de 1930 ficou estabelecido na Constituição Brasileira de 1934 que o governo deveria assegurar e estimular os princípios eugênicos, cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais e, principalmente, promover campanhas de sanitarismo, o que acabou contribuindo para a criação da CNER (Mansanera & Silva, 2000). Com efeito,

Os médicos e os higienistas, baseados nas teorias que relacionavam a doença com o meio ambiente, propõem a medicalização do espaço e da sociedade, sugerindo normas de comportamento e de organização das cidades: localização mais adequada para os equipamentos urbanos regras para a construção de habitações, hospitais, cemitérios, escolas, repartições públicas, praças, jardins. etc.; intervenção nos ambientes considerados doentios e mesmo migração temporária da população nas estações consideradas mais propensas as epidemias. (Costa, 2013, p. 2)

Nesse sentido, defendia-se que, através das ações implementadas na CNER, poderiam se modificar os hábitos da população rural - ao lhe ser ensinada, por exemplo, como cuidar de sua saúde - para que assim houvesse uma melhora em sua qualidade de vida. Conforme Rogério (1954), os ensinamentos da campanha seriam multiplicados pelas ações educativas que contemplavam principalmente o ensino da puericultura, vacinação, higiene, amamentação, epidemias. A campanha buscava por meio de suas ações modificar os hábitos de vida da população rural para reduzir o número de doenças, pois, de acordo com o projeto higienista, as enfermidades tinham como fator preponderante o modo de vida da população (Gondra, 2004).

De fato, segundo a campanha, para que houvesse uma melhoria significativa na vida desses indivíduos seria necessária uma união entre a educação e os profissionais da saúde para, juntos, transmitirem o conhecimento necessário ao homem rural. Em vários artigos e notícias publicadas na RCNER ao longo de todo o período pesquisado percebe-se esse aspecto. Em 1954, por exemplo, pode se ler: “Não há dúvida que o homem somente progride, se estimulado pelo exemplo e orientado pela educação.” (Rogério, 1954, p. 42).

Nesse sentido, os professores transmitiriam os conceitos de saúde para os alunos por meio de aulas sobre higiene bucal e higiene do lar; utilizariam também os pelotões de saúde para que as crianças pudessem fiscalizar-se mutuamente quanto às práticas de higiene. Os profissionais de saúde abordariam a parte teórica sobre as doenças e os manejos corretos de uma boa higiene.

Para atingir seus objetivos, a campanha realizava as missões rurais, que, conforme comentamos anteriormente, eram responsáveis por escalar profissionais de diversas áreas para identificar um local de realização das ações educativas, pois seria necessário levantar os principais problemas enfrentados pela população rural para que os agentes da campanha pudessem auxiliar na sua resolução. Os técnicos responsáveis eram previamente preparados pelo Centro de Treinamento de Educadores de Base e contavam com um médico, uma enfermeira, um agrônomo, entre outros profissionais que, em conjunto, preparavam ações educativas fundamentadas no higienismo e no sanitarismo (Lourenço Filho, 1955).

Ao dar um exemplo de como seria a união desses profissionais em prol da saúde do homem rural, uma enfermeira sugeriu, por exemplo, uma campanha para a diminuição da Equinococose[2] no Rio Grande do Sul; o assunto seria debatido por todos os integrantes da missão e cada um contribuiria com uma ideia e opinião de como trabalhar o tema com essa população em específico. Os médicos e enfermeiras planejariam campanhas e palestras sobre o tema, a professora de artes providenciaria cartazes com desenhos ilustrativos sobre a doença, o agrônomo explicaria um pouco a morfologia do verme, e assim sucessivamente, todos esses profissionais, juntos, esclareceriam a população, de forma bem abrangente, sobre os aspectos que envolviam a Equinococose a fim de diminuir a doença naqueles indivíduos. (Coutinho, 1958, pp. 166-168).

Os assuntos referentes à saúde tratados por esses técnicos eram amplos e ao mesmo tempo específicos de cada população e podem ser classificados basicamente com dois eixos: promoção em saúde e prevenção em saúde. No interior desses dois eixos, os assuntos mais recorrentes eram: puericultura, alimentação saudável, saneamento básico, primeiros socorros, higiene e educação sanitária, doenças causadas por microrganismos e vacinação. Embora em todos os números da revista fossem abordadas as noções de saúde da população rural, percebemos que a maior preocupação da campanha era com a higiene e educação sanitária daqueles indivíduos, pois esses dois itens estiverem presentes em 9 dos 10 números publicados.

O conjunto dos temas tratados pela revista demonstra algumas representações da CNER sobre o homem rural no tocante aos cuidados com a saúde. Segundo essas representações, faltavam-lhe conhecimentos básicos sobre alimentação saudável, razão pela qual há tanta incidência desses assuntos nos artigos publicados na RCNER. Conforme um dos agentes da Campanha,

O homem rural sul-americano não sabe pensar para querer; habituou-se de tal modo a depender de alguém distante, fora de seu meio, que não tem capacidade para pensar, para querer, por si mesmo, alguma coisa de interesse coletivo. (Conceição, 1954, p. 06)

Assim sendo, diversas ações eram realizadas para mudar os padrões sanitários da população rural, como, por exemplo,

Na missão em questão, ocorrida na Bahia, o setor sanitário, formado por médicos, realizou três campanhas, a saber: enxoval do bebê, aquisição do material para o banho do recém nascido e curativos. Essas campanhas foram bem sucedidas, visto que a comunidade participou e se interessou por ela. Outras campanhas foram realizadas, como fossa sanitária, fervura da água, profilaxia das doenças contagiosas, e combate aos tabus alimentares. (Um relatório técnico trimestral de missão rural da CNER no Estado da Bahia, 1956, p. 42)

A higiene dos adultos e crianças também entrava no rol dos temas abordados no âmbito da RCNER.

A campanha de profilaxia das verminoses no tocante a construção das fossas sanitárias, não teve êxito nesta comunidade visto que ainda não registramos a construção de nenhuma privada; no entanto, a maioria dos associados faz uso rotineiro da agua fervida. Quanto aos hábitos higiênicos, temos anotado relativa melhoria, pois os sócios têm tido ultimamente melhor apresentação no vestuário, e assim individual. (Um relatório técnico trimestral de missão rural da CNER no Estado da Bahia, 1956, p. 36)

Outro aspecto da educação sanitária trabalhada pela campanha incidia sobre a vacinação, pois através desse procedimento seria possível eliminar diversas doenças e melhorar as condições de vida dos habitantes do meio rural. “Com a população prosseguimos a vacinação, iniciada no trimestre anterior e concluída agora brilhantemente com: 215 vacinas anti-tíficas e 30 anti-diftéricas.” (Missões Rurais e Outros Centros Sociais de Comunidade, 1957, p. 19).

Segundo a RCNER, os técnicos promoviam diversas campanhas sobre chagas, verminose e hidatidose. Na região Sul do país, devido ao aumento de Tenis equinococus, as missões convergiriam os seus esforços no controle dessa doença (Representação da CNER a Congressos, Seminários, etc., 1958).

A essa centralidade conferida pela campanha à educação sanitária da população habitante do meio rural subjazia a importância de se incorporar os profissionais da saúde ao trabalho das missões e demais operações. Dentre esses profissionais, destacamos a atuação dos enfermeiros, tema que passaremos a discutir no próximo item.

Treinamento das enfermeiras em atuação na CNER

Até o século XVIII, a enfermagem era regida por princípios religiosos. Irmãs de caridade atuavam em Santas Casas na administração de medicamentos em horários pré-determinados por médicos, realizavam higiene do paciente e do ambiente hospitalar e cuidavam dos mortos. A partir do século XVIII a administração hospitalar é assumida pelos médicos e as irmãs perdem a primazia nos processos assistenciais, devido à subscrição do hospital como instrumento de cura. A partir da década de 1920, com a reforma sanitária, o perfil da enfermagem muda no Brasil, tal profissão deixa de ser voltada exclusivamente para a assistência hospitalar e volta-se à profilaxia. Cria-se então o cargo de enfermeiras visitadoras que atuariam juntamente com a população na promoção de melhorias dos hábitos de higiene. Nesse contexto, em 1922 inaugura-se na cidade do Rio de Janeiro a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública; posteriormente, com apoio da Fundação Rockefeller essa instituição foi reformada e passou a denominar-se, a partir de 1926, Escola de Enfermeiras D. Anna Nery (Stutz, 2010).

Nas décadas de 1940 e 1950, a enfermagem assume atribuições administrativas e atividades educativas como o treinamento e preparo de pessoal em serviço. Ademais, começa a realizar atividades educativas em escolas e outras instituições de ensino sobre noções de profilaxia de doenças infectocontagiosas (Costa et al., 2006). Já na década de 1960, a enfermagem enfoca a educação superior e enfatiza o cuidado com a atenção terciária. Além disso, pesquisas são estimuladas, principalmente, em relação à tecnologia dura em detrimento das tecnologias leves[3]. É, portanto, nesse contexto da profissão que as enfermeiras são requisitadas pela CNER.

Pela leitura da RCNER percebe-se que os profissionais de enfermagem envolvidos na campanha eram do sexo feminino, posto que em nenhum momento da leitura observamos a menção a um profissional do sexo masculino. Também constatamos que se tratavam de mulheres pobres e moradoras do meio urbano (Sousa, 1955), por isso a necessidade da realização dos cursos de treinamento para capacitá-las ao trabalho no meio rural.

Para atingir os objetivos práticos, a CNER sistematizou o ensino dos técnicos em cursos com prescrições abrangentes segundo as quais o treinamento deveria ser realizado em regime de internato, com o tempo integral de trabalho. Importante ressaltar que os locais de ensino seriam instalados no meio rural para que os alunos se acostumassem com o ambiente e se preparassem para enfrentar os desafios que teriam pela frente. O curso dividia-se em duas partes, uma teórica, composta por matérias básicas como: sociologia rural, geografia agrária, pedagogia rural, educação sanitária e, outra parte prática, que consistia em palestras, debates, mesas redondas, recreações, todos esses como temática a vida do campo (Lourenço Filho, 1955).

Entre os anos de 1952 e 1955 foram realizados nove Cursos de Treinamento de Educadores de Base, discriminados no Quadro 1, os quais contaram com o envolvimento de diversos profissionais; na enfermagem, por exemplo, foram registradas 39 participantes. Não obstante, a CNER considerava esse número insuficiente para o atendimento das demandas surgidas nas missões:

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Lourenço Filho (1955, p. 32).

Quadro 1 Cursos de treinamento de educadores de base 

Cada curso era dividido em 8 semanas e os técnicos tinham aulas no período matutino e vespertino. Segue o Quadro 2 com as principais disciplinas ensinadas durante a preparação dos profissionais.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Lourenço Filho (1955, pp. 32-33).

Quadro 2 Disciplinas ministradas nos cursos 

No Quadro 2 nota-se pelo elenco de disciplinas ministradas que, de acordo a campanha, o objetivo desses cursos seria inserir os profissionais da saúde nos assuntos relacionados à vida do campo para adquirirem conhecimentos que os ajudassem a prestar uma assistência mais específica ao homem do meio rural.

Segundo a RCNER, conforme a citação a seguir, alunos do curso de enfermagem realizavam estágios nas missões rurais para aprender o trabalho e, posteriormente, aplicá-los em outros locais,

[...] as alunas do 4º ano da escola de enfermagem da Universidade da Bahia realizavam seus estágios curriculares de saúde pública em uma das missões mantidas pela CNER. Elas eram divididas em grupos de 5, permanecendo cada grupo um mês junto a missão rural acompanhando seus trabalhos, projetos, para depois poderem aplicar os conhecimentos em outras missões ao redor do país. (Atividades em especial de cada estado, 1956, p. 29)

Atividades das enfermeiras na CNER

O trabalho das enfermeiras, segundo a CNER, desenvolvia-se em 3 grandes vertentes: 1) Realização de ações educativas juntamente com outros profissionais para o ensino de noções de higiene, puericultura, dentre outras, para a comunidade rural; 2) Auxílio na formação das professoras rurais nos Centro de Treinamento de Professores e de Auxiliares Rurais que visavam à capacitação de professores para trabalhar no meio rural. Assim sendo, as enfermeiras colaborariam com o ensino dessas profissionais por meio da transmissão de conhecimentos básicos sobre a saúde para que pudessem atuar, posteriormente, com as crianças rurais; 3) Treinamento direcionado às mulheres da comunidade para lhes ensinar noções básicas de primeiros socorros, principalmente. Com essa iniciativa, esperava-se que elas não precisassem recorrer, frequentemente, a unidades de saúde que, na maioria das vezes, ficavam longe de suas residências.

Esse terceiro campo de atuação das enfermeiras na CNER encontra-se presente em praticamente todos os números da RCNER. No número 1 da Revista, por exemplo, publicou-se uma das ações de educação sobre noções de puericultura desenvolvidas pelas enfermeiras com as parteiras, onde se lê:

Um trabalho realizado pelos médicos e enfermeiras do local são as palestras com as parteiras da região, instruindo a forma correta de fazer a assepsia do cordão umbilical da criança, a maneira adequada de realizar o banho no recém-nascido (RN). [...] e já se percebem que as crianças assim cuidadas vivem sadiamente e que a mortalidade infantil, nessas comunidades, começam a declinar. (Rogério, 1954, p. 53)

Além desse, os três excertos retirados dos números 5 e 6, citados a seguir, também abordam temas trabalhados com as mães e com outras mulheres voluntárias nos denominados Clube de Mães,

Prosseguem, em pleno funcionamento, os Clubes de Mães organizados nas comunidades rurais sob a supervisão das Missões Rurais. Esses clubes atendem aos requisitos previstas pela Delegacia Federal da Criança, da qual recebem orientação técnica e auxílio constante de suprimento de leite em pó para os lactentes, instrumentos de trabalho para as mães e pequena contribuição. (Atividades em especial de cada estado, 1956, p. 32)

Entre os muitos problemas que a Campanha Nacional de Educação Rural, através de suas equipes de Missão Rural procurava resolver em benefícios das comunidades rurais, talvez nenhuma assuma proporções tão imperiosas e delicadas quanto o preparo da mulher camponesa para a maternidade. (Ramos, 1955, p. 120)

A finalidade do clube é criar uma consciência maternal: aprender a cuidar as crianças para uso mais tarde e ensinar as mães que não podem ir ao clube (clube sociais rurais); necessidade urgente de modificação de certos hábitos que estão determinando a morte das crianças menores de 1 ano. (Ramos, 1955, p. 123)

Outra atividade dos Clubes de Mães consistia na explicação sobre o “mal de 7 dias” por meio da qual esclareciam que se tratava de uma complicação decorrente da falta de higiene para tratar o cordão umbilical e prescreviam medidas adequadas para evitar o problema. As ações indicadas para tal fim eram: queimar a tesoura com álcool, ferver o cordão, ferver e passar os panos a ferro, aplicar mercúrio-cromo e sulfa no umbigo. Ademais, discutiam o tema da alimentação das crianças até os 6 meses de idade, esclareciam o valor nutricional, horário, duração. Outrossim, abordavam os cuidados com a roupa dos bebês, tratamento da sarna dos cachorros para se evitar a contaminação em recém-nascidos, a maneira adequada de realizar o banho para evitar quedas, resfriados e outras doenças.

Nos Centros Sociais de Comunidade, a população contava com um ambulatório onde o médico e a enfermeira faziam demonstrações sobre um determinado tratamento e esclareciam as possíveis dúvidas sobre diversos assuntos que interessavam à população local (Resenha de alguns trabalhos da CNER exclusivamente no meio rural, 1956).

Segundo a CNER, o principal problema enfrentado pelo setor médico das missões rurais consistia na dificuldade em se debelar a mortalidade infantil. Os técnicos destinavam seus principais esforços ao cuidado com as gestantes e com os recém-nascidos de forma a diminuir a morte prematura desses indivíduos. Assim sendo, trabalhavam para solucionar a causa desses problemas que consistiam, sobretudo, na falta de casas de maternidade e de parteiras profissionais com conhecimentos sobre assepsia e sobre outros cuidados indispensáveis à assistência à parturiente e ao recém-nascido (Missões Rurais e Centros Sociais de Comunidade, 1958).

Os técnicos realizavam vários projetos de forma multidisciplinar, ou seja, cada profissional contribuía com sua formação para melhorar a vida da população. Para isso, formavam diferentes clubes, tais como: agrícolas, de corte e costura, femininos e de mães. Cada clube era supervisionado por um técnico, porém todos os outros profissionais atuavam em conjunto com seus conhecimentos (Rogério, 1954).

Outra estratégia pedagógica que a enfermagem e outros técnicos utilizavam na CNER era o cinema educativo, pois perceberam que através das imagens em movimento a população conseguia assimilar melhor as orientações transmitidas pelos profissionais. Nesse sentido, segundo Haidar (1956), para se obter êxito no ensino de um determinado assunto, primeiramente fazia-se necessário despertar no homem rural um certo descontentamento com a realidade em que vivia e, com isso, motivá-lo a querer mudar e a buscar os meios para tal.

Os filmes exibidos eram classificados em técnicos, escolares, interesse geral e recreativos, subdivididos em culturais e dramáticos. Os filmes técnicos eram responsáveis por ensinar à população a maneira correta de executar uma tarefa nova ou aperfeiçoar as suas técnicas de trabalho. Segundo a CNER, “Por meio desses filmes podemos ensinar uma pessoa a manejar um instrumento com certo desembaraço numa fração de tempo que levaríamos para ensiná-las com outros métodos.” (Haidar, 1954, p. 114). Os filmes escolares eram produzidos para as classes escolares sobre conteúdos de química, biologia e arte; os filmes de interesse geral abordavam os temas sobre higienismo, alimentação, puericultura e economia doméstica; os filmes recreativo-culturais eram compostos por documentários que tratavam de indústria, viagens, sociologia, entre outros assuntos; e os filmes recreativos dramáticos mostravam a biografia de pessoas que trabalhavam em prol da comunidade rural.

A partir dessa amplitude de assuntos, os técnicos poderiam abordar diversos temas com o emprego de um mesmo método de intervenção: primeiramente escolhia-se o filme dependendo do tema que estivessem trabalhando na ocasião; logo após a sua exibição, o técnico responsável pela aula refletia, com a participação do grupo, a respeito da técnica de trabalho empregada pelos personagens da película e sobre a viabilidade de reproduzi-la pela comunidade rural com o intuito de lograr êxito na solução de problemas (Rogério, 1954).

Para exemplificar o trabalho dos técnicos, imaginemos que a professora abordasse um determinado conteúdo em sala para as crianças, estimulando-as a conversarem com seus pais sobre o assunto, os pais por sua vez se reuniriam com o agrônomo, médico, enfermeira para discutirem a possibilidade de construção da fossa. A partir de então, o filme educativo entraria para mostrar a melhor maneira de se construir a fossa (Haidar, 1954).

Por meio desses filmes, a enfermagem atuava também nas campanhas educativas relacionadas ao higienismo. Segundo Rogério (1954), um dos responsáveis pela CNER, logo no início da Campanha o governo já notava o avanço no setor médico-sanitário devido ao aumento de uso de privadas higiênicas para evitar a verminose. Além disso, de acordo com Haidar, a população passou a ferver a água antes de beber, o que teria diminuído consideravelmente o número de doenças no local.

Um filme sobre fossas sanitárias faz necessariamente parte de uma campanha contra a verminose. A comunidade é alertada, preparada para a luta contra a verminose: a construção das fossas é uma arma de que os habitantes precisam dispor o filme vem lhe ensinar a construir e usar esta arma. (Haidar, 1954, p. 115)

Além dessas iniciativas, outra abordagem dos profissionais de enfermagem consistia na ação de um grupo denominado “serviço de enfermagem” cuja atribuição era atender as urgências. “Este serviço exerce tal influencia no local que na vila já existe uma dependência do centro social com uma pequena farmácia e um quarto preparado para atender aos casos urgentes” (Missões Rurais e Outros Centros Sociais de Comunidade, 1957).

Segundo a CNER, para registrar as ações realizadas, os técnicos deveriam elaborar diariamente uma “Pasta de campo” onde fossem anotadas todas as impressões sobre o local, as ocorrências ou intercorrências ocorridas e, com esses dados, seriam produzidos um boletim mensal e um relatório trimestral com informações detalhadas de todos os projetos realizados (Como trabalha uma equipe de missão rural da CNER, 1955).

Apesar de mudanças que a CNER conseguia obter naquelas comunidades rurais com o auxílio do trabalho das enfermeiras, um dos assuntos muito discutidos entre os profissionais da saúde no primeiro seminário de técnicos das missões rurais consistiu nos problemas decorrentes da falta de assistência médica, uma carência que afligia os profissionais em questão, pois a população era muito pobre e não conseguia pagar uma assistência particular. Um dos médicos abordou em seu discurso o nível de pobreza da população e revelou que a falta de recursos era tão devastadora que uma mãe agradecia o fato de seus filhos terem morrido, pois não tinha dinheiro para sustentá-los,

Destaca-se um episódio no qual uma mãe tinha dois filhos doentes e, após um tempo, uma enfermeira foi visitá-los e perguntou a mulher como estava a saúde das crianças. A resposta emitida pela mãe revela o alívio que a morte representava diante de tanta miséria: ‘Ora muie, eu tout (sic) ao satisfeita, pois morreram todos dois’. (Plano de conjunto, para a recuperação econômica e social dos vales do Apodi e Açu, 1956)

Segundo a CNER, outro problema verificado na assistência à população rural consistia na defasagem do número de enfermeiros em atuação no Brasil naquela época, o que contribuía ainda mais para o agravamento das precárias condições de saúde que assolavam o país. De acordo com a Haidée Guanaes Dourado, diretora do Centro de Levantamento de Enfermagem, existia no país apenas uma enfermeira para cada 100 mil habitantes. Esse levantamento foi realizado em Salvador pela OMS (Organização Mundial da Saúde), com o patrocínio do Ministério da Educação e Cultura e da Associação Brasileira de Enfermagem, e contou com a participação ativa de quatro enfermeiras da OMS, seis consultores e conferencistas do Brasil, quatro assessores dos EUA e 30 técnicos de diversos países da América Latina (A impressa, só 1 enfermeira por 100 mil habitantes, 1958). Em suma, na totalidade, existiam apenas 3600 enfermeiras no país no ano de 1956 e estima-se que 160 encontravam-se na assistência hospitalar e 379 exercendo funções didáticas em escolas de enfermagem[4]. Conforme o relatório, essa falta de profissionais nos hospitais, ambulatórios e nas missões rurais desenvolvidas pela CNER contribuía para um déficit no cuidado com a população rural.

Considerações finais

No final da primeira metade do século XX, o governo brasileiro julgou importante levar à população rural uma educação de base segundo a qual seria necessário proporcionar-lhe a compreensão do meio em que vivia e o desenvolvimento de uma educação sanitária com vistas a melhorar a sua qualidade de vida, bem como contribuir para a modernização do país. Para conseguir realizar esses objetivos foi lançada a CNER. Tal campanha contou com o trabalho de diversos profissionais que, em conjunto, desenvolviam ações voltadas para resolver alguns dos problemas que dificultavam a melhoria das condições de vida dos habitantes do meio rural, tais como técnicas ultrapassadas de cultivo do solo e de cuidados com o rebanho, ignorância quanto aos meios de comercialização dos produtos agrícolas e negligência com a higiene.

Dentre as muitas ações implementadas pela campanha, nesta pesquisa enfocamos apenas os cuidados com a saúde e, especificamente, o papel assumido pelas enfermeiras. Concluímos que, ao longo da CNER, as noções de saúde estavam direcionadas, principalmente, à promoção de saúde com ênfase no higienismo. Tais noções eram realizadas e transmitidas à população rural através de ações educativas promovidas pelos técnicos, em especial o profissional de enfermagem, juntamente com os professores, agrônomos e assistentes sociais. Para tanto, além da abordagem direta - feita in loco - aos camponeses, havia a exibição de filmes educativos. Embora os temas fossem variados, pela leitura da RCNER percebemos que os assuntos mais discutidos e debatidos com aquela população eram: a importância da alimentação saudável, cuidado com a água, esgoto e lixo doméstico, higiene oral em adultos e crianças, vacinação, puericultura e amamentação.

Além disso, compreendemos que o profissional de enfermagem tinha um papel importante na CNER, tendo como função principal ensinar noções de profilaxia à comunidade rural. Esse ensinamento ocorria nos diversos clubes formados pela campanha como o clube de mães, clube de puericultura, entre outros. A enfermagem atuava na formação das professoras rurais nos Centro de Treinamento de Professores e de Auxiliares Rurais. Além disso, as enfermeiras ensinavam noções básicas de primeiros socorros às mulheres da comunidade.

Por todas essas atividades, é possível constatar a importância conferida pela CNER à enfermagem no cuidado com a população rural naquele período. Fazendo um paralelo com a atuação da enfermagem nos dias atuais, percebemos que a profissão foi desenvolvida ao longo dos anos e fundamentou a sua prática em evidências científicas e continua a promover ações educativas em diversos setores públicos, em especial nas escolas de educação básica, contribuindo para melhorar a qualidade de vida da população brasileira (Scarpini et al., 2018). Todavia, a atuação do enfermeiro continua circunscrita mais ao meio urbano.

Na época estudada, constatamos terem existido apenas 3600 enfermeiros no país. Atualmente, segundo (Machado et al., 2016), o Brasil conta com aproximadamente 1.800.000 profissionais. Entretanto, não obstante, esse aumento expressivo, ainda observamos pouco desses profissionais trabalhando nas comunidades rurais. A falta de recursos, as dificuldades relacionadas ao transporte para a área rural, o cronograma de trabalho para atender diferentes agrupamentos e equipes menores são alguns dos obstáculos que afastam esses profissionais do meio rural. Além disso, no Brasil não existe uma atenção primária à saúde própria para o campo, o que contribui para que as campanhas de saúde não sejam específicas para aqueles locais e não consigam promover medidas eficazes para minorar as precárias condições de saúde de sua população.

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[1]Pesquisa realizada no PIBIC-UFU, com financiamento do CNPq (23117.016603/2019-30, 2019 - 2020), no âmbito do projeto: Formação de professoras missioneiras nas regiões centro-oeste e norte do Brasil (CNPq 424497/2018-2, 2019-2021).

[2]Doença causada por larvas das tênias Echinococcus granulosus ou da E. multilocularis pode afetar o fígado, rim, cérebro, os principais sintomas são: náuseas, fraqueza, tosse, dores no peito e abdôme (Neves et al., 2005).

[3]As tecnologias duras consistem na utilização de equipamentos tecnológicos do tipo máquina. As tecnologias leves consistem no: acolhimento, vínculo e como forma de governar processos de trabalho. Assim sendo, são mais baratas para o país e muito utilizadas na atenção primária para promoção e prevenção de doenças da população (Coelho & Jorge, 2009).

[4]A matéria não informa onde estariam as demais enfermeiras.

Recebido: 08 de Outubro de 2020; Aceito: 25 de Fevereiro de 2021

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