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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub Mar 25, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.36134 

Artigos

Amálgamas entre o ensino de geografia e o protagonismo juvenil

Amalgames entre la enseñanza de la geografía y el protagonismo juvenil

Amalgames between teaching geography and youth protagonism

Aloysio Marthins de Araujo Junior1 
http://orcid.org/0000-0003-4674-0285

Maria Fernanda Diogo2 
http://orcid.org/0000-0002-5936-0823

1Doutor em Ciências Humanas (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2003). Professor Associado do Departamento de Metodologia de Ensino, do Centro de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia (CED/CFH).

2Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Professora Adjunta do Departamento de Psicologia, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional (LAPEE/CFH/UFSC) e do grupo do Grupo de Estudos Trabalho e Conhecimento na Educação Superior (TRACES/CED/UFSC).


Resumo

O artigo objetiva reconhecer se o ensino de geografia no ensino médio pode auxiliar no desenvolvimento do protagonismo juvenil. A investigação se baseou em levantamentos documentais e bibliográficos e envolveu uma pesquisa de campo, com a aplicação de questionários a alunos do ensino médio de escolas públicas. Os resultados revelaram que o ensino de geografia propôs reflexões e se aproximou das vivências dos estudantes, o que lhes permitiu (re)pensá-las. A análise indicou que os conceitos abordados apoiaram o reconhecimento, a compreensão e/ou a resolução de questões cotidianas e a capacidade crítico-reflexiva dos estudantes, permitindo considerar que potencializaram o protagonismo juvenil.

Palavras-chave Juventudes; Protagonismo juvenil; Ensino médio; Ensino de geografia

Resumen

El artículo tiene como objetivo reconocer si la enseñanza de la geografía en la escuela secundaria puede ayudar al desarrollo del protagonismo de los jóvenes. La investigación se basó en levantamientos documentales y bibliográficos e involucró una investigación de campo, con la aplicación de cuestionarios a alumnos de secundaria de escuelas públicas. Los resultados revelaron que la enseñanza de la geografía propuso reflexiones y se aproximó a las experiencias de los alumnos, lo que les permitió (re)pensarlas. El análisis indicó que los conceptos abordados apoyaron el reconocimiento, la comprensión y/o la resolución de problemas cotidianos por parte de los alumnos y su capacidad crítico-reflexiva, lo que permite considerar que potenciaron el protagonismo juvenil.

Palabras clave Juventud; Protagonismo juvenil; Escuela secundaria; Enseñanza de geografía

Abstract

The article aims to recognize whether the teaching of geography in high school can assist in the development of youth protagonism. The research based on documental and bibliographical surveys and involved a field research, with the application of questionnaires to high school students from public schools. The results revealed that the geography teaching proposed reflections and approached the students' experiences, which allowed to (re)think them. The analysis indicated that the concepts addressed supported the recognition, understanding and/or resolution of everyday issues and the critical-reflexive capacity of the students, allowing us to consider that they strengthened youth protagonism.

Keywords Youth; Youth protagonism; High school; Geography teaching

Introdução

Esta pesquisa buscou reconhecer a potencialidade de o ensino de geografia auxiliar jovens secundaristas na formação de uma consciência sobre o mundo que os cerca, fomentando o protagonismo juvenil.

Inicialmente, faz-se essencial distinguir a heterogeneidade e a condição social plural dos jovens. Abramovay et al. (2015, pp. 21-22) apontam para a complexidade desta categoria e criticam o critério etário enquanto único analisador. Os autores consideram indispensável “[...] singularizar o jovem enquanto parte de uma geração e de um período histórico [e] [...] considerar as ambiências sociais e sistemas de identidades pelos quais diferentes jovens circulam”. Conforme Stamato (2008), desigualdades de classe, raça, gênero, etnia, estilo e condições de vida forjam a constituição de diferentes juventudes, gerando distintas possibilidades de desenvolvimento, inserção, participação social e concepção de mundo. Assim, no presente artigo, os autores apropriam-se do termo juventudes, com s, posto que este favorece o reconhecimento das diversidades, diferenças e desigualdades às quais os jovens estão submetidos.

O estudo se baseia numa perspectiva histórica e dialética. As relações sociais forjam os sujeitos na mesma medida em que esses, por meio de suas ações, compõem a materialidade de suas existências. Em cenários multifacetados, a emergência de diferentes juventudes se produz pela mediação de distintos instrumentos psicológicos – signos, palavras e conceitos (Vygotski, 1992). De acordo com a teoria histórico-cultural, o psiquismo humano possui natureza sócio-histórica e a educação adquire papel humanizador, criando condições para o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas por meio do acesso aos bens culturais.

Um lócus central nos processos educativos – não o único, mas o principal – é a escola. Seu papel é articular os conhecimentos espontâneos e os teóricos (Davidov, 1988), permitindo aos estudantes o acesso aos conhecimentos histórico e coletivamente produzidos. Considerando que a educação formal é um direito, toma grande relevância refletir sobre o papel da escola na formação dos jovens, principalmente da escola pública – que recebe, em grande medida, os filhos da classe trabalhadora. Dados do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2020) apontam que 80,7% dos estudantes brasileiros do ensino fundamental e 86,9% do ensino médio frequentaram a escola pública no ano de 2019.

Jovens que cursam o ensino médio vivem uma fase em que suas decisões repercutem em sua atuação na sociedade e no (futuro) mercado de trabalho. Aqueles que conseguem melhor analisar as condições materiais são capazes de realizar escolhas (mais) conscientes. Os autores desse estudo se apropriaram da concepção de consciência desenvolvida por Marx (2006) nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844. Para o autor, o ser humano constrói a materialidade por meio de sua atividade vital e, dialeticamente, constrói também a si mesmo, assumindo novas características. “O caráter social é o caráter universal de todo movimento; assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, assim ela é por ele produzida” (Marx, 2006, p. 139, grifos no original). Ainda segundo o autor, a atividade condiciona a consciência e, dialeticamente, essa a regula. Por conseguinte, entende-se que se uma pessoa deseja atuar conscientemente sobre uma situação, precisa saber reconhecer e interpretar suas determinações, indo além das aparências.

A ciência geográfica tem como um dos seus principais objetos de estudo o espaço – percebido enquanto produto das sociedades humanas, historicamente construído. Moreira (1993) aponta que o espaço geográfico se caracteriza como uma formação econômico-social devido ao modo de produção e reprodução dos bens materiais. Para Santos (1996), este conceito exige compreensões multifacetadas sobre a organização e constituição do espaço e como os subespaços se articulam. O autor entende que é possível realizar análises espaço-temporais reveladoras da formação socioespacial, conforme a teorização marxista da formação socioeconômica (Santos, 2002a). Para Gomes (2002), o espaço é um elemento ativo na organização social, que atua simultaneamente como produtor e como produto, em constante movimento. Assim, esse estudo tomou o ensino de geografia como foco e considerou que as discussões sobre o espaço e demais conceitos desta ciência podem contribuir com o desenvolvimento da consciência crítica para os estudantes do ensino médio.

Com base em Creswell (2010), a investigação utilizou um desenho quali-quantitativo. O autor indica que o uso combinado de análises pode ampliar a compreensão do problema de pesquisa, “[...] utilizando os pontos fortes das pesquisas qualitativa e quantitativa” (Creswell, 2010, p. 238). Utilizou-se, também, amplo levantamento documental e bibliográfico. A pesquisa de campo foi realizada em duas escolas públicas, uma federal e outra estadual, ambas localizadas no município de São José, em Santa Catarina. As fontes de informações foram estudantes do ensino médio. Para a coleta de dados, foi elaborado um questionário, respondido por alunos do primeiro ao terceiro anos, aplicados presencialmente durante o segundo semestre de 2019. Os pesquisadores seguiram parâmetros éticos em toda a investigação, desde a elaboração do projeto, contato com o campo e análise, até a apresentação dos resultados.

O questionário foi composto por dez perguntas, sendo duas discursivas e oito objetivas. As questões objetivas foram tabuladas e apresentadas em forma percentual. Nas questões discursivas, foi realizada a análise de conteúdo do material coletado. Segundo Franco (1996, p. 165, grifos no original), essa “é uma técnica de pesquisa cujo objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos de um texto”. Minayo (2013) orienta iniciar pela identificação de questões significativas e descreve que os pesquisadores que almejam compreender significados em narrativas ou textos realizam propostas compreensivas, refutando análises de frequência. A autora sugere “[...] articular a superfície dos enunciados dos textos com fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de produção da mensagem” (Minayo, 2013, p. 308). Buscou-se os sentidos emergentes nas respostas escritas pelos estudantes nas questões discursivas por meio da organização dos temas recorrentes em categorias. Na análise, a frequência das respostas foi desconsiderada em cada uma delas, compreendendo-as qualitativamente.

O conceito de sentido usado no estudo se ancora nos pressupostos da teoria histórico-cultural. Vygotski (1992) postula a existência de um duplo referencial semântico intrínseco aos processos de significação: os significados, sistemas semióticos socialmente construídos, compartilhados e relativamente estáveis; e os sentidos, singularizados pela experiência pessoal e social de cada sujeito, mais dinâmicos e mutáveis, compreendendo a singularidade historicamente construída.

Para facilitar a visualização dos dados coletados nas questões discursivas, as narrativas foram sistematizadas em nuvens de palavras por meio do software livre WordClouds [1] . Para formar as imagens, o software associa a frequência dos vocábulos nos textos ao seu tamanho nas imagens. Buscando diminuir a poluição visual, as nuvens foram geradas a partir de palavras que se repetiam acima de quatro vezes.

Os jovens e a educação formal

Dado que essa pesquisa se alicerça numa perspectiva histórica e dialética, faz-se importante resgatar a legislação educacional, posto que esta repercute no modo como se objetiva a organização curricular e, consequentemente, as propostas pedagógicas dispostas aos estudantes.

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) foi a Lei 4.024 (Brasil, 1961), que normalizou o sistema de ensino, regulamentou os Conselhos Estaduais de Educação e incentivou um ensino mais flexível com a finalidade de torná-lo mais eficiente. Na vigência da ditadura civil-militar (1964-85), esta foi substituída pela Lei 5.692 (Brasil, 1971). Na segunda LDBEN, a escola primária e o ginásio fundiram-se no primeiro grau (de oito anos) e o colegial passou a se chamar segundo grau com a intenção de profissionalizar os alunos neste último ciclo. Com traços marcadamente tecnicistas em detrimento de conteúdos teóricos, a educação da classe trabalhadora passou a almejar a formação profissional. Ainda na vigência da ditadura, esta foi substituída por outra LDBEN, a Lei 7.044, na qual se lê: “O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania” (Brasil, 1982, art. 1, grifos nossos).

Com a redemocratização do país, em 1985, a escolarização voltou a ser socialmente debatida, emergindo propostas que defendiam uma educação pública, de qualidade e voltada à cidadania. A atual LDBEN – Lei 9.394 (Brasil, 1996) – recebeu, postumamente, o nome de seu autor, Darcy Ribeiro (1922 -1997). Esta reorganizou a educação básica em educação infantil, ensino fundamental (de nove anos) [2] e ensino médio, considerando como finalidade da educação básica “[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 1996, art. 22, grifos nossos). O tecnicismo e o utilitarismo da LDBEN de 1982 foram substituídos por uma perspectiva desenvolvimental e, embora mantenha a educação associada ao mercado produtivo, a atual LDBEN incorpora o exercício da cidadania e a progressão nos estudos.

Dirigindo o foco para a educação das juventudes, a escola, nos moldes capitalistas, tem como função preparar os jovens para o mercado de trabalho. Contudo, a escolarização deve, também, apresentar-lhes conhecimentos para que possam (re)pensar o mundo, compreendendo-os enquanto protagonistas sociais – ideia pouco presente no histórico das legislações educacionais nacionais.

São três os documentos relacionados, especificamente, ao cotidiano escolar: as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) orientam o planejamento curricular (Brasil, 2013) – as do ensino médio foram revistas visando a atender às mudanças propostas pela Lei 13.415, denominada Reforma do ensino médio (Brasil, 2017a); os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam a composição dos currículos, divididos por áreas do conhecimento (Brasil, 1997); e, em 2018, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio (Brasil, 2017b). As escolas devem adaptar seus currículos à BNCC até 2021, contemplando os conhecimentos, as habilidades e as competências a serem desenvolvidas pelos jovens secundaristas. A Base indica que uma parte do currículo é comum e outra está direcionada a um itinerário formativo, escolhido pelo estudante em função do que é ofertado na sua cidade/região. São cinco itinerários: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, e formação técnica e profissional (Brasil, 2017a).

Concepções teóricas em educação não são fortuitas. “Todo projeto educativo institucional está imbricado e relacionado a um projeto de sociedade” (Rocha & Hypólito, 2020, p. 6). A BNCC tem recebido críticas de autores e entidades que lutam pelo direito à educação pública. Costa e Silva (2019) apontam que a Base apresenta rupturas em relação às políticas educacionais em andamento e atende, sobretudo, aos interesses de entidades políticas e econômicas, privatizando e mercantilizando a educação. Dourado e Siqueira (2019, p. 295) denunciam que a BNCC substitui a educação integral pela aprendizagem por competências e exibe “[...] um discurso de responsabilização individual, sobretudo dos professores, pelo sucesso ou fracasso da educação”. Para Mesquita (2018), os referenciais de competência estão no cerne das políticas de profissionalização docente, orientadas pelos organismos multilaterais internacionais. Segundo o autor, estas recebem fortes críticas quando atreladas a lógicas reducionistas, que privilegiam princípios instrumentais de treinamento e execução de tarefas, levando ao empobrecimento do fazer docente, o que compromete, em última instância, os próprios processos de ensino e de aprendizagem.

Juventudes, protagonismo e escolarização

Segundo Souza (2009), o conceito de protagonismo juvenil começou a circular em meados dos anos 1990 no terceiro setor, relacionado, principalmente, à educação não formal para jovens de baixa renda, deslocando-os de uma posição passiva para um paradigma de democracia participativa. A autora descreve que o protagonismo juvenil concebe os sujeitos como atores sociais que estabelecem relações enquanto realizam atividades que beneficiam a si próprios e à coletividade.

Ainda segundo Souza (2009), a expressão ator social busca designar aquele que persegue seus interesses por meio do diagnóstico de possibilidades, diálogos e negociações, defendendo-os por meio de ações em proveito de si e de sua localidade ou grupo social. São necessários três ingredientes para produzir um ator social: objetivos, capacidade de comunicação e consciência de cidadania. Stamato (2008) acrescenta que ao exercer uma função decisória e sair da postura de espectador, o jovem se torna protagonista, alguém que ocupa um papel ativo na história. Com um viés voltado à preparação para o mercado de trabalho, Costa e Vieira (2006) relacionam o protagonismo juvenil à cidadania e às estratégias de desenvolvimento, propiciando aos jovens constituírem sua autonomia pela ação (por meio, portanto, da prática ativa e crítica) na sua escola e na vida social mais ampla.

Questões econômicas, sociais e políticas podem ser entraves às possibilidades do exercício do protagonismo por parte dos jovens. Estudo realizado por Neri (2019) aponta que a desigualdade aumenta há mais de cinco anos no Brasil. Os dados indicam que 23% dos jovens brasileiros não estudam nem trabalham – alguns estão procurando emprego e, boa parcela, formada principalmente por mulheres, dedica-se ao trabalho doméstico (Verdélio, 2018). Segundo Vasconcelos et al. (2017, p. 234), a população fora do mercado de trabalho e da escola é conhecida como “geração nem-nem”. Esta é composta por, aproximadamente, um quarto dos jovens brasileiros pertencentes às famílias com menor renda per capita, com forte dependência dos rendimentos do chefe do domicílio e dos programas de transferência condicionada de renda. Suas possibilidades de ação se encontram obstaculizadas pelas condições socioeconômicas e, por não estarem inseridos em um contexto socioeducativo, suas perspectivas atuais e futuras para (re)pensarem atuações que lhes tirem dessa situação ficam limitadas.

Espaços educativos são lugares de pluralidade e diversidade, mas, para isso, precisam rechaçar a cultura adultocrata que inviabiliza o protagonismo juvenil. “A socialização e as relações estabelecidas ‘na’ e ‘com’ a escola são fundamentais ao se discutir questões ligadas à juventude” (Abramovay et al., 2015, p. 33). A escola constitui o principal lócus de socialização dos conhecimentos histórico e coletivamente produzidos. Ela deve potencializar o desenvolvimento dos jovens pela interação com os pares e docentes e pelo acesso a conteúdos que debatam, de forma crítica e contextualizada, o espaço social e como este produz/reproduz os sujeitos que aí vivem.

Segundo Rocha e Hypólito (2020, p. 4), “o sentido da escola vai sendo constituído por multideterminantes vivas na teoria que embasa e orienta o trabalho docente e pelas mediações de diversos fatores sociais inerentes à escola como instituição social e campo econômico-político de disputa entre classes”. Os autores complementam: “O confronto e a disputa de consciência são vivos nesse espaço e a todo o momento realiza o movimento dialético na constituição de um sentido de escola”.

Para a teoria histórico-cultural, o papel da escola é articular os conhecimentos espontâneos (ou empíricos) e os teóricos (ou conceituais). Davidov (1988) postula que os primeiros se formam mediante sentidos entrelaçados às atividades práticas e vivências cotidianas e os segundos possuem existência mediatizada, refletida, elaborados por meio de conceitos – modelos mentais histórico e socialmente constituídos. O pensamento conceitual permite aos estudantes a “[...] conquista das capacidades intelectuais, das operações lógicas do raciocínio, dos sentimentos éticos e estéticos, enfim, de tudo que garanta ao indivíduo a qualidade do ser humano” (Martins, 2015, p. 275, grifo no original). O segundo tipo de conhecimento alicerça ações conscientes, pois o sujeito torna-se capaz de refletir sobre o espaço, reconhecendo e interpretando suas determinações.

Retomando o protagonismo juvenil, é pertinente ressaltar que diferentes referenciais teórico-metodológicos e ideológicos se utilizam deste conceito. Não há unanimidade e, ocasionalmente, este é apropriado de modo contraditório ou impreciso (Stamato, 2008), cooptado por operações discursivas que forjam consensos e impedem a transgressão (Souza, 2009) ou subsidia operações discursivas que aliam a participação democrática ao ingresso no mercado de trabalho, como em Costa e Vieira (2006). Esse texto defende, tal qual Stamato (2008), que refletir acerca do protagonismo juvenil pode fortalecer a práxis sócio- histórica de ressignificação das juventudes, empoderando ações contextualizadas, de transformação e que fortaleçam a participação social e política dos jovens. “A participação cidadã abre aos indivíduos a possibilidade de se tornarem protagonistas da sua história e da história coletiva” (Stamato, 2008, pp. 195-196).

Os conceitos geográficos no ensino médio

De acordo com a BNCC, os conteúdos de geografia ministrados no ensino médio aprofundam aqueles estudados no ensino fundamental (Brasil, 2017b). De acordo com os PCN+ ensino médio (Brasil, 2006b), a disciplina deve articular os conceitos: espaço geográfico, paisagem, lugar, território, escala, globalização, técnicas e redes. Ainda de acordo com o documento, “[...] nos pressupostos metodológicos da geografia, transparece a questão essencial que é o espaço geográfico” (Brasil, 2006b, p. 57), definido por Santos (2002b, p. 18) como um “[...] conjunto indissociável de sistemas de objetos [instrumentos do trabalho] e de ações [práticas sociais]”.

Toda ciência pressupõe o estabelecimento de um arcabouço teórico e metodológico e, na evolução do pensamento geográfico, é possível identificar vertentes que influenciam o modo como é ensinada a disciplina de geografia na educação básica.

Uma vertente que se destaca é a geografia crítica [3] . No Brasil, essa corrente se evidenciou no final da década de 1970 e consolidou-se como uma ciência social, influenciando pesquisadores e professores na elaboração de documentos (tais como os PCN) e na produção de livros didáticos. Seu escopo pressupõe uma análise histórica e dialética do espaço geográfico, encarando seu processo de produção a partir da formação econômico-social, compreendendo as sociedades como situadas no tempo e no espaço e concebendo a natureza como moldada e/ou significada pelas relações sociais – relações estas guiadas por grupos e/ou agentes dominantes (Harvey, 2003). Desde o início dos anos 2000, a geografia passou a tecer correlações, sobretudo no debate das questões ambientais, discutindo a paisagem a partir de práticas pedagógicas que levem os estudantes a compreender o espaço para modificar seu lugar de vivência e território (Mendonça, 2009).

Por sua vez, a geografia cultural estuda a maneira pela qual as sociedades modificam o planeta, valorizando o conceito de lugar e seu papel na espacialidade humana (Claval, 2007). A produção do espaço (denominada por esta vertente de paisagem cultural) ocorre pela sua modificação, reflexo das relações firmadas entre os sujeitos e o meio (natureza).

Também é preciso mencionar a geografia ambiental ou socioambiental, originada pela crise ambiental e pela conscientização da finitude dos recursos naturais. Para Mendonça (2009), essa perspectiva transcende as discussões da geografia física e humana e considera as sociedades como integrantes do meio ambiente e da natureza.

Este breve resgate epistemológico buscou demonstrar o potencial das principais vertentes geográficas para a geração do pensamento crítico-reflexivo, possibilitando ações contextualizadas e de transformação social, pois a educação – de modo geral e a geografia, em particular – está permeada por uma história e deve ser percebida como um produto do trabalho humano que responde aos desafios político-sociais que seus contextos erigem (Pimenta, 2012).

É preciso refletir, também, sobre o modo como o ensino se processa. Ao estudar o trabalho pedagógico no ensino médio, Mesquita (2018) aponta que o professor especialista em uma área precisa se aprofundar nos conhecimentos de sua ciência, nas estratégias pedagógicas e nos aspectos relacionais, motivacionais e profissionais da docência. Para a autora, “bons professores” precisam ter “[...] domínio dos conteúdos, da necessidade de multiplicidade de estratégias inovadoras, da otimização do tempo, da importância da gestão de classe e do envolvimento dos alunos com o processo de ensino-aprendizagem” (Mesquita, 2018, p. 258). Aplicando as dimensões levantadas pela autora à docência de geografia, o “bom professor” deve usar as diferentes perspectivas epistemológicas e conceitos desta ciência para proporcionar espaços para debates dos conflitos e contradições gestados tanto no interior da escola como no contexto social, usando métodos e recursos de aprendizagem que desafiem os estudantes do ensino médio a (re)pensarem sua vida, sua sociedade e desenvolver protagonismo. Para isso, ele precisa dominar os arcabouços teórico-conceituais e prático-metodológicos da geografia, visando ao estabelecimento de vínculos entre os documentos oficiais, os conceitos dessa ciência e a realidade vivenciada por seus alunos. Levar o estudante a reconhecer, saber interpretar os conceitos e aplicá-los à formação socioeconômica e espacial é uma das funções desse professor no ensino médio.

É pertinente, ainda, tecer uma breve reflexão sobre o ensino de geografia em razão da implementação da BNCC do ensino médio. As duas escolas que serviram de campo para esse estudo ainda não tinham atualizado seus currículos em função da Base. Urge, entretanto, esboçar algumas considerações sobre o documento em virtude de este alterar a composição e as cargas horárias das disciplinas de ciências humanas e sociais aplicadas – área na qual se insere a geografia.

A BNCC determina a obrigatoriedade do ensino de língua portuguesa e matemática, retirando esta exigência em relação às demais disciplinas (Brasil, 2017b). Assim, a Base opera um esvaziamento formativo nesta etapa, apresentando “[...] um caráter explicitamente tecnicista que contrasta uma vez mais com os pressupostos de formação integral destacados pelo próprio documento” (Mueller & Cechinel, 2020, p. 15). Investir em formação integral implicaria manter ou mesmo ampliar as cargas horárias das disciplinas de ciências humanas e sociais, o que não se verifica. É possível supor que tal alteração leve à desqualificação da formação social e humana dos secundaristas, dificultando ou bloqueando ações de protagonismo e o fortalecimento da participação social e política crítica e reflexiva dos jovens brasileiros. A Base opera, pois, uma dissociação entre discurso e ação, exerce funções reducionistas e retoma a concepção de que esta etapa formativa se volta, predominantemente, à formação para o trabalho, como propunham as predecessoras da atual LDBEN (Brasil, 1996).

Estudo de Campo: Resultados e Análise

Foram aplicados 102 questionários a estudantes do primeiro ao terceiro ano do ensino médio de duas escolas localizadas na Região Metropolitana de Florianópolis. A população matriculada no ensino médio nas duas escolas era de 238 estudantes. Para a obtenção de um nível de confiança de 95%, o tamanho mínimo da amostra seria 100 respondentes [4] .

Quanto aos dados de identificação, a idade média dos estudantes se situava entre 16 a 18 anos; 54% sempre estudaram em escolas públicas, 43,1% fizeram parte de seus estudos em escola pública e parte em instituições particulares e 2,9%, não forneceram essa informação.

O questionário iniciava com a pergunta: “Como você gosta de aprender geografia?”. Este item aceitava respostas múltiplas. A explicação do professor obteve maior percentual de respostas (22,6%). A prática discursiva é recorrente na docência e visa apresentar aos estudantes os conhecimentos histórico e coletivamente produzidos. O professor é o responsável pela organização e mediação do conhecimento, possibilitando que os estudantes apreendam sentidos (Vygotski, 1992) sobre o conteúdo ministrado. Contudo, ele não pode colocar os alunos numa posição passiva, posto ser imprescindível articular os conhecimentos espontâneos e teóricos por meio do estabelecimento de correlações entre vivências e teorias (Davidov, 1988), permitindo aos educandos constituir um pensamento crítico-reflexivo para a compreensão do espaço geográfico. Os pares foram citados como importantes mediadores da aprendizagem, por meio dos trabalhos em grupo (19,1%) e debates com os colegas (14%), visto que a interação entre companheiros de classe possibilita aquisição de habilidades escolares e sociais.

Também foram assinalados os conhecimentos proporcionados pelas atividades realizadas fora da escola (18,3%). O reconhecimento da complexidade do espaço extramuros sob orientação docente é um valoroso recurso para o ensino de geografia e amplia as possibilidades de produção de conhecimentos geográficos pelo estudo do meio (Cavalcanti, 2002; Lopes & Pontuschka, 2009). O aprendizado mediado por filmes que abordam os conteúdos ministrados ou videoaulas receberam, respectivamente, 10,8% e 6,5% das respostas – esses recursos são especialmente valorosos para o ensino de geografia, já que alguns conteúdos podem ser melhor apreendidos por meio de audiovisuais. Os métodos de aprendizagem menos assinalados foram estudar sozinho na internet (4,6%) ou por meio do livro didático (3,3%), possivelmente devido ao isolamento social que essas alternativas impõem. Outros recursos, sem especificá-los, foram apontados em 0,8% das respostas.

Esses dados proporcionam considerar que, nas escolas analisadas, os professores de geografia utilizavam diferentes métodos e recursos para mediar a aprendizagem dos conteúdos teórico-conceituais. Buscou-se também reconhecer se os estudantes tinham se apropriado – formado sentido (Vygotski, 1992) – sobre os conteúdos e se eles os percebiam úteis para instrumentalizar ações locais por meio da pergunta: “você considera que os conhecimentos de geografia podem ajudar a solucionar ou minimizar problemas no seu bairro/comunidade/localidade de residência?”. A questão aceitava múltiplas respostas. Os estudantes assinalaram que as aulas proporcionavam debates sobre diferentes problemáticas: ambientais (16,7%); locais/regionais (15,6%); urbanas (13,5%); sociedade/natureza (11,8%); mobilidade/transporte (11,3%); sociais (11,1%); geopolíticas (10,1%); e organização do espaço (9%). Em diferentes proporções, todas as alternativas foram assinaladas e quatro estudantes demarcaram que não percebiam como usar esses conhecimentos fora da escola (0,9%).

A análise desses dados permite admitir que a maioria dos respondentes formou sentidos (Vygotski, 1992) sobre os conteúdos de geografia e significou que esses poderiam auxiliá-los a compreender os problemas sociais e a pensar possíveis alternativas para resolvê-los. O processo de conscientização se forma quando ocorrem debates sobre a forma como as relações sociais moldam e significam a natureza por meio de reflexões localizadas no tempo e no espaço. Tendências epistemológicas contemporâneas no ensino de geografia indicam a necessidade de os professores aproximarem o cotidiano dos estudantes às discussões sobre o espaço geográfico e outros conteúdos dessa área do conhecimento (Callai, 2008; Cavalcanti, 2002). Essa aproximação potencializa a formação de sentidos por meio da articulação entre conhecimentos espontâneos e teóricos (Vygotski, 1992; Davidov, 1988) e pode fazer germinar formas de protagonismo juvenil.

Na pergunta “Você participa de atividades fora da escola (políticas, assistenciais, religiosas, esportivas, comunitárias etc.)?”, 54% assinalaram afazeres externos à escola e 46% responderam negativamente à questão. No caso de resposta afirmativa, foi solicitado que eles discriminassem as atividades. As mais citadas foram, em ordem decrescente: esportivas (46,2%); religiosas (22,5%); assistenciais ou comunitárias (13,7%); artísticas (3,8%); trabalho (3,8%); e atuações políticas (2,5%). O percentual de estudantes que não respondeu à questão foi de 7,5%. Saliente-se que, mesmo vivendo em um contexto social individualista, 13,7% dos jovens estavam envolvidos em ações assistenciais ou comunitárias. Eles citaram participar de grupos de apoio, projetos sociais, eventos e ações filantrópicas ou voluntárias. Quanto à atuação política, é possível conjecturar que seu baixo percentual se relaciona à fraca politização da sociedade brasileira como um todo, herança de um passado colonial e escravocrata e, possivelmente, a certa apatia ou desilusão frente à esfera política contemporânea (Souza, 2015).

O questionário continha duas perguntas discursivas. A análise do conteúdo das respostas foi realizada seguindo as indicações de Franco (1996) e Minayo (2013). A pergunta “Qual a principal contribuição da geografia para a sua formação no ensino médio?” foi dividida em quatro categorias, visualizadas no quadro 1. Este também apresenta exemplos das respostas agrupadas em cada categoria. Faz-se necessário mencionar que, por vezes, estas continham elementos entrelaçados de duas categorias e que um respondente escreveu que a geografia tinha “quase nenhuma importância”.

Fonte: elaboração dos autores.

Quadro 1 Significações atribuídas às contribuições da geografia no ensino médio 

As respostas a essa pergunta evidenciam que, de modo geral, os jovens perceberam a necessidade de adquirir conhecimentos para reconhecer, entender e/ou tentar resolver problemas. As três primeiras categorias agruparam argumentações diretamente associadas aos sentidos atribuídos pelos estudantes aos saberes teórico-conceituais da geografia: esses ampliavam a gama de conhecimentos gerais, de saberes específicos dessa ciência, bem como auxiliavam na conclusão do ensino médio e/ou na preparação para um processo seletivo de nível superior.

O conhecimento teórico não promove mudanças concretas por si: para atuar no mundo, o sujeito tem que desenvolver o poder de discutir em profundidade a ação, renovando-a. Na quarta categoria, foram agrupadas as narrativas que indicavam a transcendência do conhecimento puramente teórico-conceitual – por meio da reflexão, da crítica, do autoquestionamento ou pela busca em tornar-se uma “pessoa melhor”. Essa superação resultaria em uma “potência de ação” e favoreceria o surgimento do protagonismo juvenil, sustentando uma leitura de mundo reflexiva que levaria o jovem a ocupar um papel ativo na história (Stamato, 2008). Disponibilizou-se aqui mais um exemplo dessa categoria para fundamentar o debate: “Acho que é essencial aprendermos a observar o lugar onde vivemos e como o mundo funciona, como solucionar problemas e cuidar do meio ambiente, já que estudamos causas ambientais” (verbos com grifos nossos). Nesta argumentação, percebe-se que o conhecimento sustenta o “observar” o lugar/mundo e proporciona o embasamento necessário para “solucionar” problemas e “cuidar” deste espaço. A potência de ação neste caso não estava autocentrada, mas abarcava a si e a coletividade, indicando a mediação de um ator social (Souza, 2009). A análise das respostas nessa categoria permitiu pressupor que os conhecimentos de geografia do ensino médio potencializaram, para alguns respondentes, questionamentos e leituras de mundo críticas e, nessa medida, poderiam possibilitar o protagonismo desses jovens.

Aprofundando esse ponto, a outra questão dissertativa instava-os a responder: “Você considera que a geografia pode contribuir para proporcionar aos jovens uma participação social crítica e democrática? Como? De que forma?”. Oitenta e nove estudantes responderam à questão. Sete respostas tiveram um aspecto negativo, mas, infelizmente, não detalharam os porquês; somente um respondente referiu que era “uma matéria técnica como qualquer outra”. Três respostas foram significadas como indefinidas. Exemplo: “Talvez para ambientalistas, ao informá-los dos problemas nacionais e regionais”. Setenta e nove foram positivas. Algumas não argumentaram as razões ou desenvolveram uma reflexão genérica, como por exemplo: “Para a socialização e para o conhecimento”. A maioria das respostas explicitou elementos relativos ao ensino de geografia e como esses ampliavam a compreensão de mundo ou instrumentalizavam tanto a ação prática como a capacidade crítica. Exemplos: “Para uma participação na sociedade temos que possuir conhecimentos sobre o local em que vivemos e sua condição ao longo dos anos. Para sabermos colocar nossas ideias em certo contexto ter embasamento é importante para ser bem compreendido”. “Sim! A geografia nos mostra como podemos reconhecer problemas sociais e urbanos e como ela pode amenizar esses problemas, podendo assim fazer críticas, cobrar dos órgãos públicos e nós mesmos preservarmos”. Nessas respostas percebe-se a potência de conceitos e teorias trabalhados pela geografia para estimular a consciência crítica e a cidadania dos jovens secundaristas, fortalecendo e/ou despertando ações de protagonismo social.

Na sequência, as figuras 1 e 2 representam as nuvens de palavras geradas pelas respostas às duas questões discursivas.

Fonte: Elaboração dos autores a partir do software WordClouds1.

Figura 1 Significações atribuídas às contribuições da geografia no ensino médio 

Fonte: Elaboração dos autores a partir do software WordClouds1.

Figura 2 Contribuição da geografia para uma participação social crítica e democrática 

As cinco palavras em destaque na figura 1 são: conhecimento(s); ajudar; questões; mundo; e social(is). Na figura 2, destacam-se: conhecimento(s); geografia; assuntos; social(is); e questões. Comparando as cinco palavras em destaque nas duas figuras, distingue-se a repetição dos verbetes conhecimento(s), social(is) e questões, estes maciçamente associados pelos respondentes ao ensino de geografia no ensino médio. Fomentar conhecimentos (e questionamentos) sociais não é exclusividade dessa ciência, contudo, é uma temática recorrente e central para as principais vertentes da geografia trabalhadas no ensino médio, conforme já apresentado, percepção reforçada pelas narrativas dos estudantes.

Por fim, foi questionado aos estudantes: “Quais seus planos para depois de concluir o ensino médio?”. Nas respostas, 82,3% pretendiam trabalhar e cursar ensino superior; 9,8% dos estudantes pretendiam apenas estudar; e 4,9% ainda não tinham pensado sobre o assunto. Essas respostas levam a supor a centralidade do estudo entre esses jovens, hipótese reforçada pelo dado de que nenhum dos jovens assinalou a alternativa “só trabalhar”, também presente no questionário.

Considerações finais

A pesquisa buscou reconhecer se os conhecimentos de geografia subsidiavam o incremento do protagonismo juvenil para estudantes de ensino médio em duas escolas públicas localizadas em um município catarinense. A análise permitiu identificar que, nessas instituições de ensino, os estudantes acessaram mediações diversas para se apropriar dos conteúdos de geografia e que a maioria dos respondentes percebeu que esses saberes subsidiavam a compreensão de problemas locais e a reflexão de alternativas para solucioná-los ou minimizá-los. Assim, é pertinente deduzir que o ensino amparou reflexões localizadas no tempo e no espaço e se aproximou das vivências cotidianas desses jovens, potencializando a formação de sentidos (Vygotski, 1992).

Os conteúdos trabalhados nessa disciplina auxiliaram na emergência do protagonismo juvenil? Os dados analisados indicam que os saberes geográficos geraram, para muitos secundaristas, uma potência de ação, superando o conhecimento meramente teórico-conceitual e permitindo a constituição de sentidos sustentados por uma leitura de mundo crítica, reflexiva e contextualizada. Nesta medida, é possível apontar que o ensino de geografia potencializou a emergência do protagonismo juvenil, ampliando a capacidade reflexiva desses jovens. Como já analisado, muitos narraram que conhecimentos são indispensáveis para entender e/ou tentar resolver problemas e apontaram que aprender geografia lhes ampliou a compreensão de mundo, sustentando tanto ações práticas como capacidades reflexivas. Também foi demonstrado que os vocábulos que mais se repetiram associados ao ensino de geografia nas instituições que foram campo desse estudo foram conhecimento(s), social(is) e questões. Ora, um dos principais objetos dessa ciência é o espaço geográfico (Brasil, 2006b). Na medida em que o estudo de geografia descortina ao educando análises sobre a formação político-econômico-social, indissociáveis de uma reflexão sobre os modos de produção e reprodução (Moreira, 1993; Santos, 2002a), o espaço passa a ser encarado como socialmente produzido, potencializando questionamentos, compreensões multifacetadas e protagonismos sociais.

Por fim, é preciso enfatizar que as escolas que foram campo do presente estudo eram instituições públicas, o tipo de instituição de ensino frequentada por mais de 80% da nossa juventude (Inep, 2020). As informações analisadas revelaram a qualidade do ensino ofertado por essas instituições e sua potência em fomentar a consciência crítica e reflexiva nos estudantes. É, portanto, basilar este reconhecimento e a valorização da escola pública.

A instituição escola frequentemente se encontra imersa em discrepâncias e contradições, mas, por outro lado, representa uma genuína possibilidade de gestar uma sociedade mais igualitária, pois reproduz a sociedade e, ao mesmo tempo, projeta novos mundos (Pimenta, 2012). A educação se encontra imersa em territórios de disputas e tensionamentos. Assim, questionar e defender uma formação efetivamente integral para as juventudes tem que estar no horizonte de pesquisas que abordam o protagonismo juvenil.

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[1]Disponível em: https://www.wordclouds.com

[2]Conforme alteração efetuada pela Lei 11.274/2006 (Brasil, 2006a).

[3]As correntes geográficas abordadas são as que estão mais presentes nos documentos oficiais e/ou nos livros didáticos.

[4]Fonte: Calculadora Amostral. Disponível em: https://comentto.com/calculadora-amostral

Recebido: 20 de Janeiro de 2021; Aceito: 09 de Março de 2021

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