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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 19-Abr-2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.35022 

Artigos

Projeto festival de dança: educação por meio da arte

Proyecto festival de danza: educación a través del arte

Dance festival project: education through art

1Graduada em Letras (Português e inglês) pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (2016). Professora de Inglês na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes, no estado de Santa Catarina.

2Doutoranda em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Professora efetiva no estado de Santa Catarina e assessora de direção na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes.

3Graduado em Informática pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2017) e em Pedagogia pelo Grupo Uninter (2009). Assistente de Educação na Escola de Educação Básica São João Batista.

4Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) (2009). Professora efetiva de Educação Física no estado de Santa Catarina.

5Graduada em Pedagogia pela FAEL (2015) e Geografia e Artes Visuais pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2019). Professora efetiva na rede municipal de Major Gercino e gestora escolar da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Monsenhor José Locks.

6Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pelo Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE) (2015). Professora de Educação Física no estado de Santa Catarina na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes.


Resumo

A pesquisa refere-se ao Projeto Festival de Dança, desenvolvido na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes, escola pública estadual de Santa Catarina. A investigação visa a compreender o papel de um projeto de dança no desenvolvimento das habilidades dos estudantes no âmbito das linguagens e no impacto à comunidade escolar. Os dados foram obtidos através da análise dos diários reflexivos dos estudantes do Ensino Fundamental – Anos Finais - e do Ensino Médio, e dos relatos de prática das professoras orientadoras. Como resultados, enfatiza-se a relevância do projeto para a comunidade escolar e o desenvolvimento de habilidades e protagonismo por meio da dança.

Palavras-chave Festival de Dança; Escola pública; Dança; Arte-Educação; Educação estética

Resumen

La investigación se refiere al Proyecto Festival de Danza, en la Escuela de Educación Básica Manoel Vicente Gomes, escuela pública estatal, en Santa Catarina. La investigación tiene como objetivo comprender el papel de un proyecto de danza en el desarrollo de las habilidades de los estudiantes en el campo de los idiomas y en el impacto en la comunidad escolar. Los datos se obtuvieron mediante el análisis de los diarios reflexivos de los alumnos de Primaria - Últimos Años y Secundaria, así como los informes de prácticas de los profesores rectores. Como resultados, se resalta la relevancia de este proyecto para la comunidad escolar y la construcción de un alumno protagonista y consciente de las habilidades que se pueden desarrollar a través de la danza.

Palabras clave Festival de Danza; Escuela pública; Danza; Educación artística; Educación estética

Abstract

This research refers to the Dance Festival Project, at the Manoel Vicente Gomes Basic Education School, a public state school, in Santa Catarina. The objective of the investigation understands the role of a dance project in the development of students’ skills in the language and impact to the school community. The data were obtained through the analysis of the students reflective diaries of elementary and high school, as well as the practice report of the guiding teachers. Among the results, emphasizes the relevance of this project to the school community and the construction of a protagonist student and aware of the skills that can be developed through dance.

Keywords Dance Festival; Public school; Dance; Art-Education; Aesthetic education

Os primeiros movimentos

O Festival de Dança traz a magia para o coração de quem o vivencia, me fez repensar a forma de educar, e que a educação vai muito além da sala de aula. (Diário reflexivo, Docente 3, 2019)

A dança assume papel fundamental nos dias de hoje enquanto forma de expressão, torna-se praticamente indispensável para vivermos presentes, críticos e participantes em sociedade, sendo uma arte expressiva, cultural e interdisciplinar. Ao encontro deste pensamento, Marques (2011, p. 32) diz que “Corpos que dançam são potenciais fontes vivas de criação e de construção, de reconfiguração e de transformação dos cotidianos”, ou seja, na dança há o potencial de construir formas de ser e estar no mundo.

Fazendo uma analogia histórica, observa-se que todos os povos, desde a Antiguidade, cultivavam formas expressivas, como as danças, os jogos e as lutas. Desde os tempos primitivos, o ser humano dançava, e por vários significados, que podiam ser a caça, a colheita, a alegria ou a tristeza (Verderi, 2009). Dessa forma, a dança representava uma forma de ritual para algo que tinha significado ao ser humano.

Isso nos faz perceber que a dança é realmente uma das artes mais antigas que o homem experimentou, e que ao longo dos anos, evoluiu em conceitos, nos fatos sociais e culturais, relevando a relação do homem com o mundo e seus diferentes meios de vida.

Atualmente, a dança tem se tornado um estilo alternativo nas práticas pedagógicas por orientar o movimento corporal de cada estudante de forma a explorar sua capacidade de criação, estimulando o autoconhecimento e favorecendo a aprendizagem.

Contudo, a dança, ao ser inserida ao conteúdo escolar, não pretende formar bailarinos, antes disso, consiste em oferecer ao estudante uma relação mais efetiva e intimista com a possibilidade de aprender e expressar-se criativamente através do movimento. Nessa perspectiva, considerando a visão de Marques (2007), a dança na escola vai além de coreografias, sendo uma forma de incluir todos os corpos, superando a visão tradicionalista de que existe um corpo específico para a dança.

O papel da dança na educação é o de contribuir com os processos de ensinar e de aprender, de forma a auxiliar o estudante na construção do seu conhecimento, e também, apoiar o professor enquanto recurso pedagógico. Ao encontro deste pensamento, considerando os processos de ensinar e de aprender, a dança também é um objeto do conhecimento, numa perspectiva de autoconhecimento do ser e da busca pela compreensão de sua sensibilidade (Feijó, 1996).

Neste sentido, foi criado o Projeto Festival de Dança, tendo seu início no ano letivo de 2017, sendo que continua até hoje. É desenvolvido na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes, instituição pública da rede estadual de Santa Catarina, situada em Major Gercino. Provenientes do centro do município e das localidades que o circundam, alguns estudantes precisam percorrer longas distância para chegar à escola. O projeto envolve, atualmente, todos os 156 estudantes, abrangendo os do Ensino Fundamental - Anos Finais - e do Ensino Médio, bem como professores e demais funcionários.

Considerando a importância da dança para se alcançar os objetivos da educação, um deles o desenvolvimento do aspecto afetivo e social, surge a questão de como inserir a dança no contexto escolar em uma comunidade que não dispõe de acesso artístico cultural, de maneira que venha a promover a inclusão de todos os estudantes e desenvolver suas habilidades, bem como integrar a comunidade neste processo de construção de um estudante protagonista. Diante desta problemática, justifica-se este projeto por ser uma prática que propicia ao estudante grandes mudanças internas e externas no que se refere ao seu comportamento, na forma de se expressar e pensar.

Nesse contexto, o Festival de Dança tem por objetivo promover a manifestação artístico-cultural para aprofundar e ampliar os saberes, contribuindo para refletir sobre diversos significados, relações, valores pessoais, culturais, políticos e sociais, literalmente incorporados às danças, bem como promover um evento democrático de ampla participação popular que incentive a prática da dança como expressão artística e contribua para a difusão cultural, desenvolvendo as potencialidades comunicativas e expressivas dos educandos, a observação e a análise das ações humanas, estimulando a expressão e a criação estética.

Sendo os objetivos específicos: a) inserir na comunidade, através da dança, um evento que promova a cultura; b) estimular o trabalho em grupo; c) promover a orientação espacial; d) desenvolver as capacidades cognitivas como memória, noção de tempo e concentração; e) potencializar a consciência corporal e a autoestima; f) promover atividades físicas, artísticas e culturais; g) desenvolver o ritmo e a musicalidade; h) incentivar o aprendizado da Língua Inglesa por meio de linguagens artísticas, como a música e a dança; e j) promover acesso a novos contextos multiculturais.

Portanto, destaca-se como objetivo dessa investigação compreender o papel de um projeto de dança no desenvolvimento das habilidades dos estudantes no âmbito das linguagens e impacto à comunidade escolar.

Assim, segue-se a apresentação do aporte teórico utilizado nessa pesquisa.

Como dançar

[...] a dança nos liberta, nos deixa até com um humor melhor, e isso exercita o nosso corpo e a alma. (Diário reflexivo, Estudante 03, 2019)

A dança sempre esteve presente ao longo da história evolutiva do ser humano, com o intuito de expressar aspectos do dia a dia, e está presente até a atualidade, pois a criança, desde muito cedo, possui a necessidade de se mover e se expressar pelo movimento para interagir com o mundo. Desse modo, a dança é compreendida como um comportamento humano que possibilita gestos e movimentos corporais (Lacerda & Gonçalves, 2009).

O processo de aprendizagem da dança permite o desenvolvimento do sujeito criador em que as emoções e expressões humanas permeadas pela cultura e os contextos sociais promovem um sujeito histórico, que surge nos processos educativos, formando a sua identidade nas suas produções (Saraiva, 2009).

O autor ainda disserta que a discussão aprofundada sobre o desenvolvimento da dança nos contextos escolares pode promover propostas de projetos de dança institucionalizados no ambiente escolar que vão além de experiências esporádicas com a dança. O planejamento, a estruturação, a implementação, a execução e a avaliação desses projetos com qualidade dependem da realidade escolar, abrangendo aspectos socioeconômicos e culturais, bem como o interesse e engajamento de toda a comunidade escolar.

A arte, e consequentemente a estética, são essenciais nos contextos escolares, pois visam uma educação que promova o desenvolvimento de sentimento, expressão e criação humana. A dança na escola, na perspectiva da educação estética, permite a formação humana integral, com sujeitos mais sensíveis, criativos e expressivos (Fiamoncini, 2006). A compreensão da conexão entre razão e emoção resulta na completude humana. Nesse sentido, Lacerda & Gonçalves (2009, p. 112) acrescentam que “a estética permite ao ser humano ler o mundo através de um olhar que concilia a racionalidade com a emocionalidade”. Ainda nesta vertente, Baroni (2015) acrescenta que “a educação estética pode reverter o embotamento dos sentidos dirigido pela racionalidade unidimensional mediante uma perspectiva de estetização como experiência formativa”.

Fiamoncini (2006, p. 63) conceitua estética na qual “refere-se à sensibilidade e, portanto, à propriedade de se conhecer através do sentir pessoal/particular, proporcionando a observação do mundo de modos diferentes”. A autora destaca ainda que a estética compreende a expressão da emoção, da sensibilidade, do sentimento na arte.

Fiamoncini (2006) infere que a educação estética promove o desenvolvimento da sensibilidade humana, o enfoque nas vivências dos indivíduos, o sentimento próprio e com o outro à medida que a estética contribui para a ressignificação da percepção deste ser humano. Desta forma, Lacerda e Gonçalves (2009, p. 101) realizam importante reflexão sobre a escola e a educação estética:

A escola constitui um lugar favorável ao desenvolvimento da educação estética, sendo fundamental que não se constitua num espaço reservado, predominantemente centrado na aquisição de competências cognitivas, mas antes um espaço aberto, atento às alterações e evoluções culturais e sociais, permeável a diferentes formas significativas de representação do imaginário. Através do mediador estético é possível estabelecer um diálogo privilegiado entre o mundo cognitivo e o mundo afectivo.

Nesta mesma vertente, Laban (1990) reflete sobre a consciência das possibilidades de movimento nas qual a criação e a transformação na dança seriam possíveis, sendo que a articulação dos conceitos da área opera como artefato gerador do processo criativo. Assim, para o autor, a compreensão corporal e intelectual da linguagem da dança é fundamental na educação. Corroborando esse pensamento, Berge (1986) compreende o corpo como não dualista, isto é, não separa o corpo da mente. Deste modo, para a autora, na atividade física os aspectos mentais e espirituais estão associados, visto que o corpo se move com inteligência e sensibilidade, já o espírito nasce, na expressão do corpo.

Assim sendo, através da educação estética inclusa no ambiente escolar, promovida através do Projeto Festival de Dança, é possível fomentar uma aprendizagem significativa, que forme o sujeito de maneira integral para a constituição do ser.

Em seguida, a descrição da metodologia utilizada nessa investigação.

Os passos de dança

Uma noite mágica, onde todos os alunos se expressam artisticamente e todos assistem e sentem o poder da arte. (Diário reflexivo, estudante 27, 2019)

O presente artigo seguiu o modelo de pesquisa com abordagem qualitativa, que analisa indutivamente os dados levantados. De acordo com o que Godoy (1995) conceitua, a pesquisa qualitativa tem como principal preocupação o estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural, valorizando o contato direto e delongado do pesquisador com o ambiente e a situação.

Buscando compreender o caso em estudo, Godoy (1995) nos diz que todos os pontos de vista dos participantes são essenciais e devem ser considerados, bem como o ambiente da prática analisada. Neste contexto, a palavra escrita ocupa lugar de destaque nesta abordagem, desempenhando um papel fundamental tanto no processo de obtenção dos dados, quanto na disseminação dos resultados.

Os dados foram coletados por meio dos diários reflexivos dos estudantes. Para Colaço (2015), este é um gênero discursivo utilizado como instrumento para registrar as atividades e reflexões realizadas em sala de aula. Ou seja, o diário reflexivo é uma forma de acompanhar o processo de construção de pensamentos dos estudantes, bem como de sua avaliação e autoavaliação. A escrita original dos sujeitos foi mantida nos excertos, bem como nos dizeres das epígrafes, que foram extraídos dos diários reflexivos dos estudantes, referentes ao ano letivo de 2019.

O projeto Festival de Dança, desenvolvido nos componentes curriculares de Arte, Educação Física, Língua Portuguesa e Língua Inglesa, teve início em 2017 na Escola de Educação Básica Manoel Vicente Gomes, no Ensino Fundamental – Anos Finais - e no Ensino Médio, sendo que todos os 156 estudantes são contemplados pelo projeto que continua em vigência.

Na sequência, analisaremos as ações do projeto e seus resultados.

Vamos dançar?

O festival de dança me transmite emoções inexplicáveis, sentimentos totalmente duradouros e também um nervosismo contínuo, mas após entrar naquele palco, com as pessoas olhando, a dança toma conta de mim, e como uma pena de tão leve, meus braços e pernas se mexem em relação à melodia e entrego meu corpo, coração e alma àquela música tão contagiante. (Diário reflexivo, Estudante 48, 2019)

O Projeto Festival de Dança compreende a área de Linguagens, englobando os componentes curriculares de Arte, Educação Física, Língua Portuguesa e Língua Inglesa, visando a promover a construção de sujeitos sociais por meio de práticas que envolvam diversas linguagens. Em conformidade com o que afirma a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2017, p. 63) sobre a área de Linguagens, “A finalidade é possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações artísticas, corporais e linguísticas [...]”.

A motivação para a criação do Projeto Festival de Dança partiu das docentes de Arte e Educação Física, que sentiram a necessidade de promover na comunidade escolar um evento cultural significativo, “uma vez que todos nós moramos em um município do interior, sem acesso à biblioteca pública, teatro, cinema ou qualquer outra forma de arte ou cultura” (Diário reflexivo, docente 3, 2019).

Além do mais, as próprias memórias das docentes em relação ao seu percurso formativo na Educação Básica e na Educação Superior serviram como base para a concepção do projeto, conforme mostra a fala da Docente 3: “Lembro ainda com nitidez das danças e coreografias criativas elaboradas por meus professores durante minha fase escolar e que me trazem boas lembranças e saudades da infância” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019), o que é evidenciado também nos dizeres da Docente 1: “Foi na faculdade que aprendi a importância de tudo o que é a dança, de tudo que ela envolveu em tempos passados e na atualidade, toda a representatividade do povo que vê através dela uma forma de demonstrar suas necessidades, o que realmente sente” (Diário reflexivo, Docente 1, 2019).

Nesse sentido, percebe-se as experiências positivas das docentes em relação à dança, seja na sua trajetória na Educação Básica ou na formação profissional, o que evidencia a importância das práticas de dança em todos os níveis de ensino, bem como na formação docente.

Com essas motivações, os componentes curriculares de Língua Portuguesa e Língua Inglesa foram incluídos no projeto, uma ação interdisciplinar que fomenta a formação humana integral no âmbito das linguagens. Iniciativas pedagógicas diferenciadas, como o ensino por projetos interdisciplinares, configuram-se estratégias pedagógicas que intensificam os processos de ensinar e os processos de aprender, possibilitando ao estudante desenvolver o papel de investigador, tendo o prazer pelo ato de aprender (Pacheco, 2007). A união de componentes curriculares com a finalidade de promover a aprendizagem é notória na fala do Estudante 72:

Este projeto foi muito bem desenvolvido e elaborado por uma equipe que sempre busca a inclusão de todos. Além de que sempre buscando inovar e evoluir neste projeto, o festival busca incluir a comunidade em geral. Portanto, podemos enfatizar que o festival em si preza a cultura, além de incentivar a criatividade de seus alunos e participantes. (Diário reflexivo, Estudante 72, 2019)

Para que um projeto de dança na escola obtenha êxito, faz-se necessária a união e integração dos educadores em benefício do ensino da dança e da educação estética, visto que a elaboração de projetos educacionais interdisciplinares pode estimular e motivar os estudantes a participar e aprender habilidades voltadas à dança (Sousa et al., 2014).

Após a produção escrita, a apresentação do projeto à gestão escolar e aos demais professores encontrou apoio da equipe pedagógica, o que é evidenciado na fala da Docente 3: “como professora, sempre tive o respaldo da Gestão Escolar, que sempre apoiou o Projeto desde o início, assim como de muitos professores na escola” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019). A Docente 2 completa:

O festival de dança só teve sucesso porque a gestão se dedicou do início ao fim para a realização, contamos com a ajuda dos mesmos, em todos os momentos. Eles acreditaram em nosso trabalho e abraçaram a causa, foi incrível. Sobre os professores, foi formado um núcleo que se dedicou de corpo e alma para este projeto. (Diário reflexivo, Docente 2, 2019)

Esse amparo é primordial para o êxito de um projeto escolar. Nesse sentido, Lück (2012) reflete que a equipe de gestão escolar precisa desempenhar sua função de liderança e comprometimento, reconhecendo o trabalho pedagógico, influenciando positivamente os envolvidos, para que coletivamente, aprendam, construam conhecimento, desenvolvam competências, realizem projetos, promovam melhorias, assim desenvolvendo a inteligência social e emocional da comunidade escolar.

O Festival de dança ocorreu em um primeiro momento com a apresentação do projeto em slides para cada turma do Ensino Fundamental – Anos Finais - e do Ensino Médio, onde foi explanada a importância da dança e os objetivos do projeto. Nesse momento, iniciou-se o processo de mostrar aos estudantes e familiares os benefícios da dança no contexto escolar, pois sendo algo novo ao ambiente, alguns paradigmas precisaram ser quebrados, como fala a Docente 3: “Inicialmente, alguns estudantes foram resistentes, porém com o passar do tempo, além de desenvolver a corporeidade e descobrir novos talentos na dança, conseguimos resgatar ainda também, a autoestima dos nossos discentes” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019). A Docente 1 amplia a questão, expondo seus próprios receios em relação à execução do projeto:

Tive receio no primeiro momento, preocupação de como proceder, de como iriam ser as aulas, pois, todo o conceito que habitava dentro de mim da época em que cursava o Ensino Superior, já tinha sido desconstruído, por um preconceito da sociedade que fez da dança uma vilã, culpando-a por deturpar os jovens, de aliená-los, ou seja, anular suas ideias e princípios. (Diário reflexivo, Docente 1, 2019)

Nesse sentido, o imaginário social coletivo brasileiro construído em relação à dança ainda é muito limitado, pois está relacionado, em muitos aspectos, à falta de conhecimento da função cognitiva e social da dança. Strazzacappa (2006) corrobora este pensamento ao dizer que a dança sempre esteve numa posição aquém das demais manifestações artísticas devido a vários aspectos, dentre eles políticos e de desvalorização.

Dessa forma, através da proposta do projeto, muitos preconceitos foram desconstruídos em relação à dança na escola, conforme o excerto do Estudante 12 onde ressalta que: “[...] me trouxe a ideia positiva do que é a dança, antes eu achava que dança era ficar fazendo uns movimentos, agora sei que dança é uma junção de movimentos onde você se transforma” (Diário reflexivo, Estudante 12, 2019). O Estudante 23 completa: “Eu tinha uma visão diferente sobre a dança, mas ajuda na timidez e expressão dos alunos” (Diário reflexivo, Estudante 12, 2019).

Numa intenção de contextualizar as apresentações de dança, no ano de 2017, o tema escolhido para o evento foi “A dança através dos tempos: anos 60, 70, 80, 90” (Figura 1). Sobre a escolha do tema, o Estudante 39 diz que “Uma simples ideia de relembrar o que um dia já foi sucesso se tornou o maior evento cultural da cidade” (Diário reflexivo, Estudante 39, 2019), e a Docente 3 completa: “resgatando os sucessos dos anos 60, 70, 80 e 90, causamos grande emoção nos pais dos nossos estudantes, e os estudantes puderam conhecer músicas que marcaram a geração de seus pais” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019).

Fonte: os autores (2017).

Figura 1 Festival de 2017, A dança através dos tempos: anos 60, 70, 80, 90 

No ano 2018, o tema do Festival de Dança foi “Nas telas do cinema” (Figura 2), onde cada turma coreografou um dos sucessos musicais de filmes consagrados no cinema internacional. Sobre esse evento, a Docente 3 conta: “No segundo evento, no ano de 2018, ‘Nas telas do Cinema’, as apresentações causaram um grande impacto na plateia, que reviveu as lindas trilhas sonoras de filmes que marcaram gerações” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019).

Fonte: os autores (2018).

Figura 2 Festival de 2018, Nas telas do cinema 

O festival “Uma noite na Broadway” (Figura 3) ocorreu em 2019, reconstruindo grandes obras do teatro musical internacional. Proporcionando novas experiências à comunidade escolar no sentido de promover acesso à cultura, a Docente 3 fala sobre o evento: “Nossa escola conseguiu destacar os mais famosos musicais, que mais uma vez encantaram os espectadores naquela noite tão especial para a comunidade escolar” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019).

Fonte: os autores (2019).

Figura 3 Festival de 2019, Uma noite na Broadway 

Os ensaios aconteceram nas aulas das disciplinas envolvidas no projeto, sobressaindo-se nas aulas de Arte e Educação Física, sendo sempre acompanhados e mediados pela professora orientadora, e foi durante estes que as coreografias foram criadas. Nas disciplinas de Arte e Educação Física, os estudantes desenvolveram os conceitos corporais, de expressão artística, movimento, expressividade, desenvolvimento motor e espacial; nas aulas de Língua Portuguesa, os estudantes desenvolveram a dramatização, utilizando recursos inerentes ao teatro; e nas de Língua Inglesa, da oralidade para coordenar os passos da dança com a pronúncia da letra da música. Em relação a isso, o Estudante 7 salienta que “Essa realização que acontece na escola proporciona o desenvolvimento em áreas como em arte, seja clássica ou moderna, arte cênica, trabalha com outras culturas de fora do Brasil” (Diário reflexivo, Estudante 7, 2019). A Figura 4 ilustra a fala do Estudante 7, que mostra uma apresentação relacionada ao musical Rei Leão em que os estudantes tiveram acesso a uma nova experiência cultural e, além de dançar, utilizaram elementos próprios do teatro a fim de dramatizar, dando mais sentido ao musical:

Fonte: os autores (2018).

Figura 4 Adaptação do musical O Rei Leão 

Essa junção interdisciplinar, embasada nos conceitos de arte corporal, desenvolveu nos estudantes diversas habilidades, que puderam ser aprimoradas e construídas, um processo de semiose que permitiu a construção de um sujeito pleno, capaz de realizar-se e expressar-se através da dança, bem como reconhecer a dança como arte. O desenvolvimento dessas habilidades na vida do estudante está evidente nos dizeres do Estudante 31: “[...] desenvolve as partes artísticas dos alunos. Me desenvolveu [...] a coordenação e para minha vida social” (Diário reflexivo, Estudante 31, 2019). O Estudante 8 corrobora:

Sou grata pela união que o festival nos dá, além de fazer com que alunos descubram talentos, melhorem o desenvolvimento corporal e se expressem de maneira artística. É lindo de fazer, assistir e sentir, claro, há momentos de sufoco, mas o resultado final compensa qualquer coisa. (Diário reflexivo, Estudante 8, 2019)

O desenvolvimento de habilidades diversas através da dança é abordado pelas professoras orientadoras do projeto, o que reitera o espaço que a dança ocupa na aprendizagem, conforme os dizeres da Docente 2: “Existia uma certa dificuldade com a coordenação motora ampla, onde também havia um bloqueio na socialização com os demais; com a prática da dança, se encontraram na música e se realizaram” (Diário reflexivo, Docente 2, 2019). A mesma complementa que “Houve um crescimento nos estudantes, relatos dos mesmos, quando se tratava de condicionamento físico, flexibilidade, ritmo, autoestima e melhora nas capacidades físicas em geral” (Diário reflexivo, Docente 2, 2019). A Docente 3 corrobora: “foi muito gratificante assistir o desenvolvimento e a evolução de estudantes que eram extremamente tímidos, sem coordenação motora ou sem habilidades com qualquer tipo de ritmo ou dança” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019).

Considerando os relatos dos estudantes, relaciona-se a dança ao desenvolvimento de habilidades diversas, conforme versa a BNCC (Brasil, 2017, p. 195):

A Dança se constitui como prática artística pelo pensamento e sentimento do corpo, mediante a articulação dos processos cognitivos e das experiências sensíveis implicados no movimento dançado. Os processos de investigação e produção artística da dança centram-se naquilo que ocorre no e pelo corpo, discutindo e significando relações entre corporeidade e produção estética.

Considerando essa abordagem, a dança é um processo de construção artística que promove a formação humana integral do sujeito, pois aprimora, além de habilidades cognitivas, as funções relacionadas à compreensão do próprio corpo, e a relação deste com o ser artístico.

Para Souza (2011, p. 41), “O ensino da Dança pode ser estratégico no sentido de gerar experiências estéticas que possam transformar valores, conceitos e habilidades físicas, sendo significativo no processo de formação de identidades individuais e de diferentes grupos sociais”. Para a autora, as discussões na escola sobre arte, corpo, estética e ética estão relacionadas aos procedimentos que focalizam o domínio corporal e a liberdade de expressão, constituindo-se estratégias necessárias às práticas pedagógicas escolares.

Os próprios estudantes percebem a transformação que a dança proporcionou através dos muitos ensaios: “Nunca tinha participado de um festival de dança. Para mim, sendo a primeira vez participando, gostei demais. Mesmo tendo ensaios que cansavam demais, valeu a pena” (Diário reflexivo, Estudante 39, 2019); “Melhora a capacidade de memorização dos alunos; coloca a dança no meio do planejamento como uma forma de exercício” (Diário reflexivo, Estudante 9, 2019), “[...] estimula a criatividade e a coordenação” (Diário reflexivo, Estudante 82, 2019), “[...] podemos demonstrar nossa habilidade. O festival ajuda a ter facilidade para dançar” (Diário reflexivo, Estudante 67, 2019); “Melhoras na parte da expressão corporal. A vergonha tem sido diminuída com o tempo e o corpo e a mente passam a trabalhar em sincronia por meio da dança” (Diário reflexivo, Estudante 6, 2019).

Além das habilidades corporais, os estudantes reconhecem que desenvolvem novos sentimentos em relação a si e aos outros, desconstruindo conceitos desmotivadores sobre si e assumindo um papel de protagonismo.

Ao articular os aspectos sensíveis, epistemológicos formais do movimento dançado ao seu próprio contexto, os alunos problematizam e transformam percepções acerca do corpo e da dança, por meio de arranjos que permitem novas visões de si e do mundo. (Brasil, 2017, p. 195)

Nessa vertente, Feijó (1996) diz que a dança deve contribuir para o autoconhecimento do ser humano a fim de que se torne mais consciente de sua sensibilidade. Sua concepção, chamada de "Dança-Experiência", termo que ela designou para a dança tornar-se um conteúdo da cultura de movimento na escola, com condições de explorar a subjetividade humana, ou seja, de conhecer e compreender seu mundo interior para corporificá-lo na construção do mundo externo.

Considerando o espaço que a dança pode ocupar no ambiente escolar e o papel social da dança, Almeida e Santos (1997, s.p.) dizem que:

[...] compreendemos que o papel da dança na Escola não é formar o bailarino ou restrita a eventos festivos, mas sim, tratá-la e vivenciá-la enquanto conteúdo da cultura corporal, para ampliar a compreensão histórica e social do aluno, sobre o mundo em que vive a partir de suas possibilidades e habilidades corporais, capacitando-o para uma melhor compreensão de ser coletivo e individual em sua totalidade.

Em concordância com esse pensamento, a Docente 3 relata:

Como trabalhamos em uma comunidade pequena, conhecemos a realidade de cada aluno, pois é bastante visível quando nossos alunos chegam à escola tristes ou com problemas pessoais. Com este projeto, além de resgatar a autoestima, nossos alunos desenvolveram um sentimento de pertencimento à comunidade escolar. (Diário reflexivo, Docente 3, 2019)

Ponderando o papel da dança na compreensão de si mesmo e do outro, bem como do desenvolvimento de habilidades socioemocionais, os estudantes relatam: “[...] aprendemos a ter mais coordenação motora e todos aqueles que tinham vergonha de dançar não têm mais [...]” (Diário reflexivo, Estudante 7, 2019); “[...] eu era muito travado e me ajudou a perder a vergonha” (Diário reflexivo, Estudante 12, 2019); “Me ajudou a perder a timidez” (Diário reflexivo, estudante 46, 2019); “[...] podemos descobrir muitas coisas sobre nós na dança” (Diário reflexivo, Estudante 75, 2019); “Nesse projeto, desenvolvemos sentimentos, talentos e expressões. É onde descobrimos talentos e aprendemos a amar a dança” (Diário reflexivo, Estudante 4, 2019/III); “[...] desenvolve a coordenação motora, a ansiedade e trabalha a gente em questão de se apresentar” (Diário reflexivo, Estudante 48, 2019); “[...] mostrando cada talento que tínhamos escondido dentro de nós mesmos, com a dança nos libertamos, sem julgamento nenhum, falamos coisas apenas com movimentos e emoção colocada em cada dança” (Diário reflexivo, Estudante 29, 2019).

Nesse sentido, Vigotski (2004) argumenta que a partir da reação do organismo a determinado estímulo, a emoção regula e orienta o organismo, bem como organiza internamente o comportamento. Para o autor, a emoção está relacionada diretamente com a construção do conhecimento, e pode ser determinante na aprendizagem do mesmo:

Devemos considerar as emoções como um sistema de reações prévias, que comunicam ao organismo o futuro imediato do seu comportamento e organizam as formas desse comportamento. Daí abre-se para o pedagogo nas emoções um meio sumamente rico de educação dessas ou daquelas reações. Nenhuma forma de comportamento é tão forte quanto aquela ligada a uma emoção. Por isso, se quisermos suscitar no aluno as formas de comportamento de que necessitamos teremos sempre de nos preocupar com que essas reações deixem um vestígio emocional nesse aluno. Nenhuma pregação moral educa tanto quanto uma dor viva, um sentimento vivo, e neste sentido, o aparelho das emoções é uma espécie de instrumento especialmente adaptado e delicado através do qual é mais fácil influenciar o comportamento. (Vigotski, 2004, p. 143)

Considerando as emoções do sujeito, “as reações emocionais exercem a influência mais substancial sobre todas as formas do nosso comportamento e os momentos do processo educativo” (Vigotski, 2004, p. 143) “na medida em que não é possível separar os processos intelectuais e afetivos, é necessário estabelecer um vínculo que leve o aluno a dirigir a atenção ao objeto do conhecimento” (Eidt & Tuleski, 2010, p. 141).

A construção da coreografia é um processo gradual que exige diálogo entre professor e estudante, como afirma a Docente 1: “Sempre acreditei na força do movimento e na expressão corporal como forma de diálogo” (Diário reflexivo, Docente 1, 2019). Exige também respeito às individualidades para que os objetivos sejam alcançados e exista satisfação dos imersos nesta prática. Nesse sentido, a Docente 1 complementa que:

Cada turma com suas peculiaridades conseguiu extrair da música sua melhor essência e coreografa de uma maneira que todos pudessem acompanhar e se divertir ao mesmo tempo, nossa batalha foi árdua, porém, na parceria que formamos, construímos não só uma coreografia, mas sim contamos uma história. (Diário reflexivo, Docente 1, 2019)

O envolvimento dos estudantes na construção da coreografia é algo que incentiva a prática da dança, fazendo com que todos sintam-se incluídos: “Esse projeto é incrível, começando pelos ensaios, o envolvimento de nós alunos se empolgar, se emocionar apenas criando a coreografia” (Diário reflexivo, Estudante 103, 2019).

Para tanto, em um primeiro momento, os estudantes e as professoras orientadoras realizam pesquisas em relação à temática das apresentações propostas. Essa pesquisa se dá na forma de textos e vídeos para proporcionar maior conhecimento do tema e estimular o diálogo e a criatividade. Nesse processo de construção, não se privilegiam coreografias já prontas, mas os movimentos que os estudantes criam, sendo que estes não estão isentos de influências, ocorre, assim, uma troca de ideias que busca incluir, valorizar e formar concepções estéticas coletivas.

O excerto mostra o sentimento em relação a isso: “Alunos podem colocar suas ideias e sentimentos em prática na criação das músicas” (Diário reflexivo, Estudante 53, 2019), propiciando, também, um espaço colaborativo e de respeito: “Nos ensaios sempre temos algumas diferenças de pensamento, mas se for parar para pensar isso nos ajuda a entender as opiniões de todos” (Diário reflexivo, Estudante 122, 2019); “[...] mostrou que trabalhando em grupo tudo se torna mais fácil” (Diário reflexivo, Estudante 3, 2019).

De acordo com as relações interpessoais estabelecidas, “nós nos tornamos nós mesmos através dos outros” (Vigotski, 1989, p 56). Nesse sentido, Oliveira (2002) destaca que o aprendizado permite o desenvolvimento dos processos internos do sujeito por meio do ambiente sociocultural em que se encontra inserido, e das relações com os outros humanos.

As interações sociais são fundamentais em processos de ensinar e de aprender. Para Vigotski (1998), o estudante em cooperação pode resolver problemas que, sozinho, não seria possível. Desse modo, a diferença entre a capacidade cognitiva real dos estudantes e o patamar que ele pode atingir com a ajuda do outro configura-se como a Zona de seu Desenvolvimento Próximo (ZDP). Dessa forma, Oliveira (2002) entende que a ZDP caracteriza-se como uma esfera psicológica em constante transformação, pois aquilo que o indivíduo consegue realizar com o auxílio de outro hoje, conseguirá realizar sozinho amanhã, e o ciclo se repete constantemente, desenvolvendo as funções psicológicas superiores, por meio da internalização dos conhecimentos.

Assim, é organizada uma apresentação prévia das danças, quando prontas as coreografias, ocorrendo na escola apenas para as outras turmas, sendo uma forma dos estudantes autoavaliarem-se.

Para o dia do evento, além da coreografia pronta, são necessários outros elementos que contribuem para o resultado final, que são os cenários e os figurinos. A princípio, propiciar isso seria um grande desafio, visto que a escola não possui condições financeiras de arcar com tais despesas. Porém, são realizadas arrecadações, como rifas, pedágios e pedidos de patrocínio. Para tanto, os estudantes, pais e professores mobilizam-se no sentido desta arrecadação; o projeto recebe ainda doações de material e de mão de obra, como evidencia a Docente 3: “Um dos grandes desafios que encontramos foi, sem dúvida, a falta de verbas para o custeio dos figurinos, decoração e cenários e outros materiais; que logo foi resolvido com a união da equipe, promovendo eventos, tais como rifas e pedágios que solucionaram o problema” (Diário reflexivo, Docente 3, 2019). A mesma complementa, ressaltando a importância do trabalho em equipe na organização de todo projeto, bem como a participação das famílias:

Seria impossível a realização desse evento sem a doação integral da equipe de professores envolvida no planejamento e organização, também enfatizamos a importância do trabalho de outros docentes e estudantes que colaboraram confeccionando figurinos ou na elaboração de cenários para o evento. As famílias sempre prestigiam o evento de forma significativa, além de auxiliar os estudantes nas verbas para aquisição dos figurinos e acessórios para as apresentações. (Diário reflexivo, Docente 3, 2019)

O relato da Docente 1 mostra a superação dos sujeitos que fazem parte do projeto em busca de fazer deste evento algo único para os participantes e espectadores.

Escola pública não tem figurino? Tem, e o que eu vi sendo desenhado na minha frente era espetacular, aos poucos o empenho de alunos, direção e professores foi ganhando forma. Em cada apresentação dentro de suas características, floresciam lindas roupas. O que também chamou minha atenção foi cenário e os acessórios, quanto capricho, quanta dedicação. Tudo se encaminhando para tornar aquele dia especial. (Diário reflexivo, Docente 1, 2019)

Sobre esse movimento, a Docente 2 complementa: “existiu um número de pais que ficaram gratos por tanto comprometimento, pais que doaram brindes para arrecadações, que investiram em figurinos e cenários, que se disponibilizaram na organização” (Diário reflexivo, Docente 2, 2019); esta mesma, sobre a colaboração da equipe pedagógica, fala que “Este núcleo criou um vínculo muito forte, passou horas fora do expediente criando, construindo, montando painéis, entre outras tarefas” (Diário reflexivo, Docente 2, 2019).

Cada apresentação de dança possui um figurino e cenário próprios, coerentes com a música, como mostram as Figuras 5 e 6:

Fonte: os autores (2018).

Figura 5 Figurino Piratas do Caribe 

Fonte: os autores (2017).

Figura 6 Figurino Anos 60 

Strazzacappa (2006) reflete sobre a importância das apresentações de dança dos estudantes na escola no final do ano letivo, tanto para os discentes, quanto para os pais e/ou responsáveis. Esse momento deve ser respeitado para que os pais tenham uma apreciação estética significativa, vivenciando a experiência dos filhos com a dança. Muitos preconceitos são rompidos e a dança transcende o corpo que dança no palco, e as emoções deste são também as de quem assiste. A significância desse projeto está justamente nisto, algo que até então era impensado para o contexto escolar e para a realidade da comunidade, ou seja, o conjunto dos diversos sujeitos que compõem a escola proporcionam algo único para o município, considerando que não dispõe de acesso cultural à dança. Para que esse momento aconteça, gestão e professores possuem um papel fundamental.

Deste modo, para finalizar o projeto, os estudantes apresentam suas coreografias em um grandioso evento aberto ao público, sendo que “[...] é um dos eventos mais esperados durante todo o ano, não só pelos alunos e sim pela comunidade” (Diário reflexivo, Estudante 31, 2019), que conta com o prestígio de pais, familiares e da comunidade, sendo um momento de protagonismo para os estudantes, de encantamento para os espectadores e de dever cumprido para os professores, conforme os dizeres da Docente 2:

Os alunos bem vestidos, arrumados, ansiosos por sua estreia. A direção e os professores presentes todos igualmente ansiosos. E no decorrer da noite, era possível ver o brilho no olhar, em cada um havia um misto de alegria, entusiasmo e nervosismo. E ao fim de tudo, a sensação de dever cumprido inundava toda a sede da Associação estampada no sorriso de todos. (Diário reflexivo, Docente 2, 2019)

Ainda, através do Festival, os estudantes manifestam em suas falas o sentimento em relação a poder expressar seu talentos e impressionar o público: “[...] podemos conhecer o talento de cada um e a capacidade suficiente para deixar as pessoas de boca aberta” (Diário reflexivo, Estudante 56, 2019); “O festival de dança é algo muito importante para a família Manoel, é algo que vai ficar marcado em nossas vidas e também na vida de quem nos assiste” (Diário reflexivo, Estudante 27, 2019); “Lá apresentando me sinto em um verdadeiro show, parece um pouco exagerado, mas realmente é um espetáculo” (Diário reflexivo, Estudante 7, 2019). Ilustrando a fala do Estudante 7, a Figura 7 e a Figura 8 mostram uma parte do evento que ressalta a magnitude e produção especial da noite.

Fonte: os autores, 2019.

Figura 7 Musical Fantasma da Ópera 

Fonte: os autores (2019).

Figura 8 Musical La La Land 

Além das apresentações dos estudantes, outro fator que determina o sucesso do projeto é o envolvimento da equipe gestora e dos docentes. Tal união é muito importante para motivar os estudantes durante todo o processo, como ressalta o Estudante 120: “O festival une todos para que dali surjam apresentações incríveis. Isso porque, nós da família Manoel, somos realmente uma família. Os professores, a gestão, os alunos e até mesmo a família dos alunos” (Diário reflexivo, Estudante 120, 2019). Ao ver seus professores apresentando uma dança no dia do evento (Figura 9), os estudantes sentem-se orgulhosos e cria-se um vínculo de igualdade e de troca, como é evidenciado nos seguintes dizeres: “Na escola, todos elogiam, até os professores dançam! Sempre que temos dificuldades em alguma parte da coreografia, eles ajudam” (Diário reflexivo, Estudante 82, 2019); “[...] vejo o esforço de cada professor, que mulheres incríveis, quanta inspiração para conseguir poder criar um festival de dança” (Diário reflexivo, Estudante 142, 2019).

Fonte: os autores (2019).

Figura 9 Professores dançando 

Além do mais, a ampla participação da comunidade escolar para prestigiar o evento (Figura 10) é outro fator que contribui para o sucesso do projeto e à superação dos estudantes, de acordo com o Estudante 3: “Traz a comunidade para perto da escola; traz superação para os envergonhados” (Diário reflexivo, Estudante 3, 2019). O Estudante 31 corrobora: “É uma interação legal com a comunidade; melhora a interação com a turma; [...] anima os alunos; a cada apresentação é notável a melhora de todos” (Diário reflexivo, Estudante 31, 2019). O Estudante 71 completa: “União da família com a escola; união dos colegas de classe; aprendemos coisas diferentes” (Diário reflexivo, Estudante 71, 2019).

Fonte: os autores (2019).

Figura 10 Participação da comunidade escolar no evento de 2019. 

A dança é um campo do conhecimento artístico emancipatório e político. Permite ao estudante compreender o seu corpo e percebê-la como um modo de constituição de sua identidade, rompendo preconceitos associados à prática. Assim sendo, dançar na escola é mais que uma prática, é uma ciência que vai além de um espetáculo, é a construção de concepções de mundo que contribuem para o progresso civilizatório, sensibilizando tanto intelectualmente, quanto emocionalmente.

A última dança

São em ocasiões assim que a escola ultrapassa seus muros para levar conhecimento e valores à comunidade que a cerca, e isso me orgulha muito. (Diário reflexivo, docente 1, 2019)

Promover no ambiente escolar um Projeto de Festival de Dança que visa a desenvolver manifestações artístico-culturais é uma forma de arraigar e expandir os saberes dos estudantes; ainda contribui para promover reflexão sobre a diversidade de significados que envolvem a dança, como maneiras de ser e estar no mundo. Esse projeto é uma alternativa para, além de desenvolver habilidades sensório-motoras, incluir a família no processo de construção do conhecimento, criando e estreitando laços.

A dança, nesse sentido, não é apenas uma combinação de passos coreografados, mas sim uma fonte de descoberta de um corpo em formação, corpo este capaz de expressar emoções, identidades e linguagens através da dança. Para obter sucesso no alcance desses objetivos, é necessário um movimento coletivo, incluindo a união dos professores em um processo de criação conjunta, um projeto de escola, que represente mais que um evento, abrindo, assim, possibilidade para que a comunidade escolar possa ter acesso às mais diversas formas de manifestação artística, através da dança.

Assim, o mais importante em um projeto de dança na escola é o espaço propiciado para os estudantes desenvolverem a consciência da unicidade entre seu corpo e sua mente no sentido de expressão estética e protagonismo social, reconhecendo formas de ser e estar no mundo.

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Recebido: 06 de Novembro de 2020; Aceito: 16 de Abril de 2021

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