SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27Speeches by a president: public policies and education in times of pandemicThe school curriculum as a trainer of the entrepreneurial subject for capital author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub May 13, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.36898 

Artigos

Intencionalidade e responsabilidade: a experiência em Dewey para a educação inclusiva

Intencionalidad y responsabilidad: la experiencia de Dewey para la educación inclusiva

Intentionality and responsibility: the Dewey experience for inclusive education

1Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2020). Professora de Educação Infantil. Membro do Grupo de Pesquisa Contextos Integrados de Educação Infantil (CIEI-FEUSP).


Resumo

Do ponto de vista da formação docente, o conceito de experiência em Dewey configura-se como ato investigativo no qual pesquisar situações de aprendizagem significativas amplia competências profissionais. Ao questionar o engajamento docente com vistas ao desenvolvimento de todos e à construção de uma sociedade mais igualitária, este artigo demonstra que o conceito aproxima-se à educação inclusiva quando há preocupação social. Com o levantamento bibliográfico da obra de Dewey, propõe-se uma leitura para a educação inclusiva, condensando nas palavras intencionalidade e responsabilidade os pilares da ação docente.

Palavras-chave Educação inclusiva; Experiência; Formação docente

Resumen

Desde el punto de la formación, la experiencia en Dewey se configura como acto investigativo, en el que investigar situaciones significativas de aprendizaje amplía las competencias profesionales. Al cuestionar el compromiso con el desarrollo de todos y la construcción de una sociedad igualitaria, este artículo demuestra que el concepto se acerca a la educación inclusiva cuando hay preocupación social. Con el relevamiento bibliográfico de la obra de Dewey se propone una lectura para la educación inclusiva, con los significados de las palabras intencionalidad y responsabilidad los pilares de la acción docente.

Palabras clave Educación inclusiva; Experiencia; Formación de profesores

Abstract

From the point of view of teacher training, the concept of experience in Dewey is configured as an investigative act in which researching significant learning situations expands professional skills. When questioning the teaching engagement with a view to the development of all and the construction of a more egalitarian society, this article demonstrates that the concept is close to inclusive education when there is social concern. With the bibliographic survey of Dewey's work, a reading for inclusive education is proposed, condensing the pillars of teaching action in the words intentionality and responsibility.

Keywords Inclusive education; Experience; Teacher training

Introdução

É possível que a obra de John Dewey (1859-1952), dentre os autores consagrados que se interessaram pela educação, seja a mais completa e abrangente para pensar a práxis educativa em diversas modalidades e etapas de escolarização. Especificamente para o tema deste artigo, uma compilação de sua obra sem recorte temporal oferece amplitude para analisar os processos educativos dos alunos como protagonistas, ao desenvolver conceitos como “interesse”, “esforço” e “ampliação da experiência”. A obra também pode ser analisada a partir de uma perspectiva filosófica, pois traz contribuições quando fortalece os ideais democráticos, com seus conceitos de “participação”, “pertencimento” e “trabalho colaborativo”, alinhando-se aos princípios que sustentam a educação inclusiva.

Na introdução deste artigo, prima-se pela definição do conceito de experiência em Dewey, visando a respaldar a discussão sobre o objeto de estudo, que se refere ao engajamento docente e à importância do pensamento reflexivo com vistas à educação inclusiva. É relevante salientar que o autor desenvolveu seu trabalho num cenário de profundas transformações sociais e políticas, no qual surgiam novos princípios nos âmbitos da psicologia, da filosofia, biologia e de configuração política e econômica. Tais princípios possuem suas relações com o papel social da instituição escolar quanto à intencionalidade das práticas pedagógicas e à responsabilidade por uma organização escolar voltada para a emancipação. Isto porque, por um lado, nenhum indivíduo é dado como pronto e cabe à escola ofertar experiências para o desenvolvimento de seu potencial máximo, de modo intencional; por outro lado, porque a escola é uma instituição que faz parte da sociedade e, como tal, precisa estar articulada a outras instituições, integrando redes, bem como assumindo sua parcela de responsabilidade, na composição de uma sociedade mais igualitária. Desse modo, do ponto de vista do autor, o engajamento docente e o pensamento reflexivo precisam circular por ambos desses aspectos.

Quando Dewey menciona a experiência, ele não se refere à mera experimentação física, nem à quantidade de ações que tornariam um indivíduo mais “experiente” que outro. O conceito de experiência em Dewey considera a integração entre o plano físico (ou sensível) ao plano racional (ou cognitivo) e, mediante esta conexão, há desenvolvimento. Para ele, há três acepções sobre o ato de pensar: tornar-se consciente ou manter-se atento ao ocorrido; a capacidade de abstrair ou representar a realidade; e a convicção acerca de um conteúdo, que obedece a uma sequencia lógica e difere, portanto, da mera sucessão de ideias ou fatos (Dewey, 1952; 1959). O pensamento humano, enquanto ação reflexiva, é o que tem intenção, aspira a um fim, uma convicção, que pode ser caracterizada por uma aceitação de algo que foi tomado como verdadeiro ou incontestável, ou por um repúdio a algo que se concluiu como inverossímil. O ato de pensar, em seu sentido mais nobre, subentende o exame das bases e consequências a respeito dos conteúdos que foram investigados pelo pensamento de forma consciente:

O pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimentos, exame efetuado à luz dos argumentos que apoias a estas e das conclusões a que as mesmas chegam [...] para firmar uma crença numa sólida base de argumentos, é necessário um esforço consciente e voluntário. (Dewey, 1952, p. 8, tradução nossa)

Os elementos que orientam o pensamento reflexivo – o problema norteador e a finalidade da ação reflexiva – aproximam o ato de pensar à pesquisa, o que abrange também seus procedimentos metodológicos. O método considera observação, inspeção, verificação, exploração, classificação, comparação, análise, síntese etc. Dewey (1952) nomeia cinco fases que orientam o ato de pensar, enquanto ciclo investigativo, desde a origem do problema e as ideias iniciais para solucioná-lo até a verificação consciente das hipóteses elencadas ou testagem mediante ação exterior: a dificuldade encontrada; sua localização e definição; as sugestões de soluções possíveis; a intelectualização ou raciocínio no sentido das sugestões; e a verificação das hipóteses, isto é, novas observações e experiências posteriores que conduzam à aceitação ou ao repúdio das ideias, constituindo uma conclusão ou síntese do problema.

É um processo bastante pessoal e particular, tornando impossível que a construção do conhecimento em sua complexidade seja transferida de uma a outra pessoa a partir do simples diálogo. As definições e as concepções são individualizadas na medida em que foram constituídas a partir de combinações ou relações com conhecimentos particulares e passam, portanto, a exprimir qualidades a eles referentes. Além disso, essas definições e concepções são aplicáveis a finalidades ou objetivos práticos também pessoais e, por isso, possuem sentidos que não necessariamente atendem a qualquer pessoa. Quando Dewey refere-se a método, não se fixa em metodologias de ensino e sim aos processos mentais que dizem sobre como o humano pensa e, por consequência, aprende (Dewey, 1952; 1959; 2017). Ao contemplar procedimentos metodológicos, o ato de pensar possui suas relações com o desenvolvimento humano e é dessa forma que seu conceito de experiência ganha contornos:

Desenvolvimento não significa apenas extrair algo da mente. É o desenvolvimento da própria experiência e dentro da experiência que é realmente desejado. Os interesses devem funcionar, e a forma como irão funcionar dependerá quase inteiramente dos estímulos que o rodeiam e do material em que se exercitam. (Dewey, 2002, p. 168)

Experiência é um conceito vinculado a ações, projetos humanos e cognição. Para compreender o funcionamento da mente, a cognição, as habilidades e operações mentais não são analisadas de modo fragmentado ou isolado, mas apenas em situações investigativas, de solução de problemas práticos. O ato de conhecer implica em reflexões que ocasionam mudanças tanto no agente do conhecimento quanto nos fatos, elementos naturais ou objetos de pesquisa. O conceito de experiência considera uma forma de interação entre a pessoa e seu contexto, que resulta em desenvolvimento para o primeiro e traz transformações para o segundo.

Foi esse caminho que conduziu Dewey à valorização das ações cotidianas e o levou à definição dos conceitos de situação e hábito. Como o ato de conhecer exige um processo individual de mobilização interior em direção a novas aprendizagens, estas apenas serão possíveis na medida em que a situação relacionar-se minimamente com o que já há construído para a pessoa. Nesse sentido, a experiência não se compara a uma atividade qualquer, que pode tornar-se dispersiva; a experiência é caracterizada por um fluxo de significações vinculadas a uma situação específica. Já o hábito a que Dewey se refere, este é abordado em sentido intelectual, pois é a partir de sua manutenção que se sustentam novas experiências. Para o autor, os hábitos são incorporados ao psicofísico, e assim se tornam naturais ou “instintivos”, constituindo a base para o desenvolvimento e a apreensão de novas significações (Dewey, 2017). É uma disciplina do pensamento, que implica em liberdade cognitiva. Se há a manutenção de um fluxo de significações mediante o hábito intelectual de debruçar-se a uma situação específica, o conceito de experiência é visto instrumentalmente e a partir do princípio de continuidade, representado pelos desdobramentos da experiência precedente e sua expansão para novas experiências (Dewey, 1967).

Para isso, são necessários interesse e esforço, outros dois termos que o autor utiliza para complementar sua noção de experiência. O interesse genuíno é aquele que resulta da identificação da pessoa com o objeto ou a ideia em questão. O esforço implica em resistir aos entraves encontrados no ato do pensamento, que podem ser atividades mecânicas, dispersões ou divagações. Os interesses emergem quando um impulso ganha força suficiente para mover uma pessoa em direção à realização de um propósito. Portanto, são pessoais, objetivos e relacionam-se com o hábito intelectual. Mas não basta uma identificação da pessoa, um despertar de sua energia para alcançar resultados, é também necessário esforço para a conclusão de um propósito, uma persistência para a continuidade da ação:

O que realmente é importante na experiência do esforço é a sua relação com o pensamento. A questão não é de quantidade de energia e força desprendida, mas do modo por que o pensamento de um fim em vista persiste, a despeito das dificuldades, induzindo a pessoa a refletir sobre a natureza dos obstáculos e os elementos disponíveis pelos quais pode removê-los. (Dewey, 1959, p. 125, grifos do autor)

No conceito de experiência em Dewey, interesse e esforço integram-se para que seja alcançado, conscientemente, um fim ou motivo. Há motivação quando este fim exerce influência na ação reflexiva em conexão com as atividades da pessoa. Quando há interesse genuíno, há a conscientização a respeito das significações dos acontecimentos, as quais, por sua vez, acabam por transformarem-se ou redirecionarem-se. Ações muito familiares ou arraigadas nem sempre são conscientes, mas numa situação em que opera um interesse, suas significações emergem e mudam de sentido (Dewey, 1952). No esforço, os desafios também emergem na consciência e passam então a fazer parte do planejamento em busca de soluções.

Essas mudanças de direções ou transformações que ocorrem na consciência humana quanto às significações envolvidas no decurso da experiência são os pontos que assinalam o ápice da consciência quanto ao foco e à intensidade do pensamento quando acontece uma nova reorganização (Dewey, 1952). Considerando que as experiências relacionam-se às situações, há vários fatores que alimentam estes saltos no desenvolvimento, como emoções, recordações, fantasias e imaginação, isto é, modalidades de consciência em que há uma abundância de valores e significados que podem ser reconstruídos no processo de experiência. De acordo com o autor, há um momento perceptivo, auditivo ou visual, que constitui referências cognoscitivas. Esse momento antecede um juízo de inferência, quando as significações são tomadas para sua reconstrução – daí também decorre a importância do ambiente e sua qualificação. Os momentos de percepção e de juízo de inferência são potencialmente distintos, mas intrinsecamente relacionados: quanto mais complexa a ação, mais referências cognoscitivas e, portanto, maior o potencial de desenvolvimento mental:

Pensamos para nos apossarmos de uma significação; cada vez porém, que nosso conhecimento se amplia, este nos faz ver pontos obscuros que, com menos conhecimento, teriam parecido compreensíveis e naturais [...] O aumento do cabedal de significações nos torna conscientes da existência de novos problemas e, só pondo em relação esses problemas com o que para nós já é familiar e claro é que os poderemos compreender e resolver. É esse o contínuo movimento em espiral do conhecimento. (Dewey, 2017, p. 128, tradução nossa)

Assim, o controle dos símbolos sociais ou convencionais possibilita a expansão da experiência. À medida que são utilizados socialmente, vão se tornando familiares e claros, ampliam o repertório de significações e possibilitam a conscientização a respeito de novos problemas. No caso da linguagem, por exemplo, Dewey (2017) afirma que esta não é o pensamento, mas que ela torna possível a comunicação. Para ele, tudo que é empregado conscientemente como símbolo é linguagem, modalidades que são utilizadas pelo pensamento para exteriorizar-se. Além da fala e da escrita, gestos, sons e imagens favorecem o desenvolvimento do pensamento quando são intencionais [1] . Ao mesmo tempo, se as palavras não explicitarem intencionalidade, também não possibilitam a expansão da experiência. Quanto mais familiares as distintas modalidades de linguagem em seu uso social, mais rico se torna o repertório de significações.

Conforme aumenta o domínio do sujeito sobre os objetos e o mundo, mais elementos ele dispõe para lidar com situações inéditas. O controle dos símbolos sociais ou o domínio de conceitos científicos são necessários, mas estes devem suceder a partir dos interesses e esforço pessoais. A variedade dos interesses proposta por Dewey (1959) contribui na compreensão dos estádios, visto que estes interesses relacionam-se com a construção de sentidos ou transformação de significações. O autor cita quatro tipos de atividades ou ocupações: a física, a construtiva, a intelectual e a social (Dewey, 1959; 2017).

Até o primeiro ano e meio da infância, há significação intelectual das ações na medida em que o bebê aperfeiçoa o controle do seu movimento “físico” para o atendimento de seus interesses. O primeiro desafio da criança é dominar o próprio corpo para que este possa instrumentalizar outras experiências (Dewey, 2017). O corpo continua apresentando essa importância no decorrer da infância até que haja desenvolvimento da capacidade intelectual especializada sem a participação intensa dos órgãos do sentido ou dos músculos. Daí a influência dos estudos de Pestalozzi quanto aos “sentidos e as lições de coisas” na obra de Dewey. As qualidades sensoriais (cores, sons, elementos táteis, gostos, gestos...) são relevantes por suas conexões com as formas de comportamento que gradualmente vão assegurando à criança a percepção e o controle da própria existência. Dewey também recorre a Platão e às contribuições da escola Froebeliana na valorização dos jogos e de ocupações enquanto recursos que viabilizam o acesso a essas qualidades sensoriais.

A ampliação da exploração do próprio corpo para o mundo dos objetos, em suas dimensões ou aplicações de uns sobre os outros, caracteriza a atividade construtiva. Conforme o uso de instrumentos torna possível o prolongamento das ações e o aumento das habilidades técnicas em seu manuseio para atingir objetivos, a execução de projetos ganha novos contornos. O planejamento passa a considerar objetos intermediários e as ações sucedem-se numa sequência lógica. Dewey (1959; 2002) distinguiu essa forma de atividade mediante a presença de regras internas que a estruturam e denominou-a de “trabalho”. Nesse sentido, o trabalho deve partir da ampliação da qualidade intelectual dos projetos, quando há um prolongamento de seu interesse genuíno para outras situações, de modo consciente e reflexivo. Na infância, por exemplo, é quando as brincadeiras se ampliam para situações que envolvam pinturas, recortes, desenhos, colagens, modelagens, cantos, entre outros. O trabalho consciente utiliza-se das significações já familiares para projetar a solução prática de um desafio real.

A atividade intelectual desenvolve-se na mesma proporção em que os interesses em descobrir e levantar hipóteses aprofundam-se e constituem o prazer para investigar construções teóricas. É como um novo prolongamento, do projeto anterior, mas com caráter mais científico. Quanto à atividade social, esta é definida a partir da ligação existente entre as atividades de uma e outra pessoa ou o fortalecimento dos interesses pessoais quando há uma questão social: como exemplos, a brincadeira da criança amplia seus sentidos a partir das ideias dos seus pares; os objetos ou materiais são utilizados pelas pessoas de acordo com suas funções práticas e sociais; as leis e os valores morais emergem de interesses sociais que influenciam a vida individual.

Evidente que essas quatro atividades ou ocupações elencadas por Dewey – física, construtiva, intelectual e social – não ocorrem de maneira fragmentada ou isolada no decorrer do desenvolvimento humano. Elas aparecem com maior ou menor intensidade de acordo com os interesses e possibilidades. Dewey também não se atém aos recortes de faixa etária e assume que não há nenhuma linha rígida de divisão entre esses diferentes tipos de interesse. Para ele, todas essas modalidades de interesses têm sua função no enriquecimento da personalidade. A noção de Dewey de desenvolvimento é mais contínua – uma experiência que se liga a outra – e menos fragmentada em fases ou estádios do desenvolvimento. Isso porque, embora ele admita a presença de estádios, preocupa-se mais com a história de transformações mentais ou trajetória das significações. Sempre que há experiência, há pensamento reflexivo e ampliação no grau de complexidade. O decurso ou história do processo de desenvolvimento mental a partir do que sucede com as significações é o que qualifica e atribui sentido à experiência da pessoa e, por isso, deve compor a maior preocupação para quem se dispõe a pensar sobre esse processo.

Com base nessa conceituação inicial da experiência em Dewey, propõe-se pensar sobre a ação docente e suas relações com a educação inclusiva [2] , tendo como foco das reflexões dois questionamentos: Como se dá o engajamento docente para que haja desenvolvimento para todos? De que formas se dá o engajamento docente com vistas à construção de uma sociedade mais igualitária?

Experiência docente e ocupação intelectual na educação escolar

Dewey compreende o desenvolvimento humano a partir do seu conceito de experiência. Sua sistematização, sua restauração ou reconstrução com relação às múltiplas linguagens ou aos diversos campos do saber são uma preocupação que se dá apenas se vinculada à história do processo de desenvolvimento individual, visto que só é possível compreender as sistematizações presentes no patrimônio cultural após passar por processos de pensamentos reflexivos (Dewey, 2002). Sendo assim, experiência diz respeito a processos de desenvolvimento muito singulares.

Com relação ao ato educativo, a questão da intencionalidade adquire duplo sentido. O primeiro, do ponto de vista de quem perpassa pela experiência, refere-se à aspiração por um fim, isto é, uma intenção que direcione seu projeto investigativo. A intencionalidade dessa pessoa transparece assim a cada salto de desenvolvimento, a cada transformação no decurso de sua experiência conforme ela ganha novos desafios. O segundo sentido parte da perspectiva de quem se propõe a estudar o processo investigativo do outro. Tomando a ação educativa enquanto olhar para a construção de saberes, há intencionalidade quando se fomenta a aprendizagem do outro, até que seja possível a reconstrução da experiência, para que esta se torne visível e explicite a trajetória do desenvolvimento dessa pessoa. A contribuição de Dewey para a educação escolar está em pensar o desenvolvimento individual com intencionalidade e aponta, então, para o reconhecimento de motivações e interesses pessoais, de cada aluno.

As ocupações física e construtiva são as principais ocupações na trajetória do desenvolvimento na infância. A percepção da criança sobre o mundo mediante suas qualidades sensoriais (cores, sons, elementos, táteis, gostos, gestos...) ganha contornos desde a exploração do próprio corpo físico, perpassa a imitação e a relação com o outro na compreensão e identificação com ele, e alcança o mundo dos objetos em suas diversas aplicações de uns sobre os outros. É possível afirmar que, para Dewey, as crianças pequenas utilizam-se da exploração de seu contexto, em relação a suas possibilidades de acesso, para o engajamento em seus projetos pessoais de investigação. Brincar com recursos variados, dentre eles papel, papelão, madeira, couro, barbante, argila e areia, contempla ações como dobrar, cortar, furar, medir, modelar, fazer moldes, aquecer e esfriar, constituem formas de lidar com os sentidos da criança em função de seu movimento físico para atingir algum objetivo (Dewey, 1959). Atividades como pintar, desenhar, cantar, dramatizar, contar histórias, ler, escrever, cozinhar, lidar com hortas e jardins, realizar passeios e excursões também fazem parte das ocupações construtivas. Conforme a criança passa a responsabilizar-se e adquirir consciência sobre seus projetos pessoais (Dewey, 1959; 2002) que emergem de suas vivências e participação no mundo, mais passa a planejar formas de atingir seus objetivos e assim se tornar protagonista do seu desenvolvimento: “Trabalhar em projetos significa planejar um trabalho inteligente e consecutivo que propicie uma familiaridade da criança com os métodos investigativos e experimentação” (Dewey, 2007, p. 214).

No que tange à ação docente, essas características conduzem à preocupação com a cultura material e o desenho do ambiente, para que se desenvolvam centros de interesse que sustentem o tempo de engajamento das crianças. Cabe também o papel de ampliar as possibilidades de participação de todas elas. Nesse sentido, um dos desafios ao pensamento docente é, então, reconhecer que as crianças brincam de formas diferentes, possuem interesses diversos, e que, se há uma criança que não vê, não fala, não ouve, não se movimenta como as outras, é preciso observar atentamente o que vem lhe despertando atenção e que pode se transformar em processos investigativos. Na educação infantil, levando em consideração essas reflexões a respeito das ocupações física e construtiva, há experiência docente quando há olhar para as crianças de modo intencional (Pinazza, 2014), assumindo a responsabilidade por seu desenvolvimento.

Quanto às outras etapas da escolarização básica, as quais podem contemplar as ocupações intelectual e social também nas experiências dos alunos, a reflexão docente permanece importante para que se efetive o papel do professor como “guia” ou “orientador”, que participa ativamente de toda organização da ação pedagógica (Galter & Favoreto, 2020). A observação da relação do aluno com seu objeto de conhecimento e das formas como esta relação contribuem para as transformações dos contextos dos quais participam é imprescindível para que o docente possa dar continuidade aos processos, mas também reestruturá-los, tornando possível a sistematização e a apresentação da experiência do aluno conforme seus resultados estão compartilhados no patrimônio histórico e cultural da sociedade (Dewey, 1952; 2002). Esta ação pedagógica intencional resulta na ampliação da consciência dos alunos acerca de suas próprias aprendizagens e do mundo do qual fazem parte.

Essas preocupações constituem os desafios ao pensamento docente em ocupação intelectual, pois perpassam situações do cotidiano escolar que desencadeiam processos reflexivos que qualificam a competência docente. Para cada situação escolar, em dado contexto com suas particularidades, é válida a criação de estratégias para solução de desafios próprios.

Experiência docente e ocupação social na perspectiva inclusiva

A definição do conceito de experiência foi abordada no intuito de demonstrar como Dewey concebia o pensamento reflexivo e sua importância para o desenvolvimento humano. Os princípios norteadores dessa definição não estão apenas vinculados a como o pensamento humano sucede no decorrer da experiência, mas também a um ideal de democracia em que cada indivíduo possa exercer sua liberdade com responsabilidade, assegurando a construção de um sistema de vida moral sustentável [3] .

Dessa perspectiva decorre a preocupação com questões sociais e desafios de ordem econômica: a sociedade deixa de ser vista como um conjunto de pessoas em concorrência e passa a estabelecer-se como organismo em que prevalecem processos de vida associada. Para Dewey, “a educação corresponde à demanda social de cada época” (Galter & Favoreto, 2020), visto que indivíduo e sociedade não são entidades separadas; pelo contrário, esta se compõe por pessoas animadas por um espírito comum, com objetivos afins. A vida em sociedade requer convívio, integração, associação, sensação de pertencimento ao grupo, cidadania participativa. Democracia, portanto, é um ideal que deve permear as esferas sociais, integrando redes na composição de uma sociedade mais igualitária. A educação do hábito de pensamento condiz com a aprendizagem para que seja possível a participação em sociedade de modo eficaz e visa à construção da conduta humana, de costumes e da moralidade, com função social (Dewey, 2008; 2010). Por isso, para melhor compreender essa proposta, necessário retornar à obra do autor no que se refere à conduta humana.

Para Dewey (1948, 2010), a conduta de cada sujeito é concebida a partir de comportamentos que se desenvolvem na relação com o ambiente natural e social. De acordo com suas convicções, a natureza humana sofre a influência da realidade e de mecanismos sociais que repercutem na constituição da personalidade. Sempre que há uma ação, as reações das outras pessoas, sejam elas negativas ou de aprovação, acabam por recriminar ou encorajar outras ações similares à primeira (Dewey, 2010) e vão contribuindo para a delimitação da personalidade. Além disso, há a atribuição de valores morais às condutas humanas conforme suas consequências práticas. Desse modo, tanto os motivos que orientam as ações das pessoas quanto a significação de seus atos, sejam eles hábitos ou impulsos, são constituídos em meio a outras condutas sociais e culturais, que envolvem juízos e escolhas que sejam valorizados de acordo com sua ordem moral. É por isso que as diferentes comunidades constituem-se a partir de seus lastros distintivos: as relações entre pares vão lapidando os hábitos e educando os impulsos.

A conduta humana torna-se passível de educação porque ela é aprendida mediante a experiência prática. A deliberação é inteligente quando há uma análise ou previsão consistente e imparcial das consequências da ação em pauta (Dewey, 2010). Se cada interlocutor é capaz de realizar um juízo moral, este deve contar com a responsabilidade social: ao conhecer as consequências das próprias ações, deve responsabilizar-se por elas. Adentrar as raízes das tradições, dos costumes e impulsos imediatos para seu estudo inteligente requer também certa dose de coragem, já que nem sempre desejos individuais podem ser atendidos.

Esse pensamento levou à defesa de que as transformações sociais são resultantes de processos reflexivos sobre as condições que operam em dada comunidade para que suas significações constituam a formação de novos hábitos. Conhecer as problemáticas da vida social e direcionar a experiência para sua solução é o canal para a promoção da evolução das interações humanas (Dewey, 2010). Por isso, a qualificação da experiência democrática é a forma encontrada pelo autor para que a vida humana seja digna. Quando a experiência incide para além dos sentidos físicos e comporta a relação entre indivíduos – o que sucede mais especificamente em ocupações sociais –, levando em conta que ocorrem com o objetivo de pensar questões problemáticas do social e da vida humana em comunidade, as transformações resultantes do processo de experiência repercutem na vida do agente do conhecimento, mas também na vida das pessoas que estejam a ele associadas. A consciência de que há uma vida associada, uma comunidade com suas implicações, constitui a ideia de democracia, que se materializa em ocupação social (Dewey, 1991).

Nessa abordagem, indivíduos e instituições sociais assumem seu papel, pois, como esses elementos operam em associação, intenções e atividades do grupo devem tomar forma na consciência coletiva e, assim, também na consciência individual. O olhar para os conflitos sociais implica numa mudança das relações entre as instituições, visando a um diálogo mais efetivo. Sobre a escola, Dewey (1970) afirma:

Nós somos hábeis em olhar para a escola de um ponto de vista individualista, algo que se processe somente no âmbito de professor e aluno ou professores e pais. Sempre que nós temos em mente uma discussão de um movimento novo em educação, é especialmente necessário levar em conta uma visão social. Caso contrário, mudança na instituição escolar era olhada como as invenções arbitrárias de professores particulares; às piores modas passageiras transitórias. É como conceber que a locomotiva ou o telégrafo fossem criados como dispositivos pessoais. A modificação que entra no método e currículo de educação é um produto da situação social mudada e, com muito esforço, procura satisfazer as necessidades da sociedade nova que está formando. (Dewey, 1970, p. 19)

Segundo Dewey (1970, 2010), os hábitos nutridos socialmente devem contar com uma responsabilidade associada no sentido de que suas significações devem voltar-se às condições sociais para fomentar mudanças que contribuam para a vida das pessoas. Não há como promover profundas mudanças isoladamente, mas apenas formando uma rede de comportamentos interligados, visto que a comunidade consiste em vida associada. Ele propõe a necessidade de olhar para os fenômenos sociais, para as consequências das ações humanas, até que seja possível qualificar a regularidade de costumes que repercutem de forma positiva ou negativa na sociedade. Todos são responsáveis na construção de uma sociedade democrática: maior o peso dessa responsabilidade quanto maior a conscientização individual sobre as condições sociais em análise durante a deliberação inteligente.

O pensamento de Dewey traz como contribuição a necessidade de a educação envolver-se com problemáticas sociais, uma vez que o indivíduo pode redirecionar sua conduta, em meio à vida associada, a partir da experiência. Nesse sentido, a educação deve buscar o equilíbrio entre hábitos e impulsos para favorecer a formação de condutas humanas voltadas para a equidade [4] e para o questionamento da desigualdade social. A deliberação inteligente deve reconhecer os entraves que impedem a consolidação de uma sociedade igualitária, ao passo em que também desenvolve o hábito para a participação e o envolvimento em questões sociais, assumindo uma postura propositiva.

Uma comunidade é tão democrática na proporção em que seus membros podem exercer sua liberdade, intencionalmente, ou dar continuidade a sua experiência com responsabilidade. Nesse sentido, a evolução parte do princípio de que as condições sociais devem expandir seus horizontes para a participação de todos os indivíduos:

A igualdade denota a parte não tolhida que cada membro individual da comunidade tem nas consequências da ação associada [...] Igualdade não significa aquele tipo de equivalência matemática ou física em virtude da qual qualquer elemento possa ser substituído por outro. Ela denota consideração real por aquilo que é distintivo e único em cada um, independente de desigualdades físicas e psicológicas. (Dewey, 2008, pp. 56-57)

A obra de Dewey aponta para um caminho de valorização das diferenças individuais, pois estas ampliam possibilidades de contribuição decorrentes de interesses pessoais diversos, desencadeando processos de experiência com propósitos que enriquecem o corpo social. Para ele, não há aprendizagem em situação de isolamento. Poder exercer a individualidade é positivo no sentido de que há uma sensação de pertencimento a uma sociedade, de possibilidade de participação de modo eficaz. Aqui há uma crítica ao liberalismo clássico que define o indivíduo a partir da proteção de direitos, num âmbito paternalista em que muitas vezes o indivíduo não assume deveres e desvia suas responsabilidades apenas para a ação do Estado. Para que haja uma educação para a democracia, diferente da ânsia por ações de caráter assistencialista, as individualidades precisam ser desenvolvidas em seu potencial máximo, para que de fato contribuam para a sociedade de modo consciente e reflexivo. É uma individualidade “social”, pois este desenvolvimento ocorre em associação aos outros e é centrada na capacidade de escolha e de projeção das próprias experiências, para que estas lhe sejam significativas.

Nesse aspecto, quando há preocupação com o desenvolvimento e a aprendizagem de todos, então a experiência docente recai em ocupação intelectual – como abordado anteriormente – com vistas a encontrar os melhores caminhos ou estratégias para isso, ou seja, para despertar, validar ou desenvolver qualidades que favoreçam as possibilidades de participação social:

[...] a vida baseada na inteligência experimental providencia a única oportunidade possível para todos desenvolverem experiências ricas e diversificadas, enquanto também assegura a cooperação contínua de dar e receber e a intercomunicação [...] (Dewey, 2008, p. 101, grifos do autor)

Não menos importante, Dewey defende também o engajamento em soluções para viabilizar o acesso a todos, para que suceda experiência democrática. Esses canais de acesso permeiam as instituições, desde a escola até outras instâncias que viabilizem o pertencimento social em nível macroestrutural. O livre entrelaçamento de experiências e a disposição de oportunidades de crescimento para todos constituem o ideal democrático da obra de John Dewey, superando a exclusão de alguns membros e o isolamento. Aqui, cada membro possui o seu papel na composição de uma rede que se articula em torno da educação inclusiva. Se o ato de conhecer implica em reflexões que ocasionam mudanças tanto no agente do conhecimento quanto nos fatos, elementos naturais ou objetos de pesquisa, isto é, se o conceito de experiência considera a interação entre a pessoa e seu contexto, resultando em desenvolvimento para o primeiro e transformações para o segundo, quando problemáticas sociais são tomadas como objetos de pesquisa, há transformações sociais. É nesse sentido que o conceito de experiência vincula-se à dimensão de responsabilidade, visto que a persistência entre pares na solução de questões sociais implica uma conduta de solidariedade.

Ao assumir o compromisso com uma educação que seja cada vez mais inclusiva, a experiência docente, quando se lança ao social, manifesta-se em ações que tornem público o seu trabalho. A difusão do conhecimento não demonstra apenas a igualdade de acesso e o respeito às diferenças; a cada compartilhamento, que pode ocorrer com as famílias, com a saúde, com outras escolas e docentes, ou com interlocutores de demais esferas sociais, torna-se visível o que foi feito e é assim validada a inclusão escolar como uma educação possível. Interesse e esforço são necessários para que a experiência docente tenha continuidade, posto que consolidar mecanismos menos excludentes é bastante desafiador. Além de tornar-se consciente da importância social de sua prática para exercê-la numa perspectiva inclusiva, o docente contribui na medida em que se compromete em dialogar, participar de redes, compartilhar boas práticas.

Conclusões

A obra de John Dewey sugere que trabalhar com educação é estar em experiência. Pensando a educação escolar, essa experiência é do aluno quando seus interesses genuínos tornam-se pontos de partida para a aprendizagem, num processo contínuo de ampliação, que pode aproximar-se de diversas ocupações. A experiência é do docente, quando este se preocupa com seu aperfeiçoamento profissional e engaja-se numa ocupação intelectual com o objetivo de pensar a reconstrução da experiência de cada aluno – a intencionalidade. Mas também ocorre experiência do docente quando há a formação de redes, partilhas de boas práticas, visando à continuidade dos processos educativos e à criação de oportunidades para o atendimento da diversidade, foco da educação inclusiva, numa ocupação social da qual todos os alunos sentem os efeitos em âmbito de vivências – o que está aqui sintetizado na palavra responsabilidade.

Quando há interesse genuíno de cada aluno em uma situação específica – o princípio de interação – há o engajamento em processos de pesquisa ou ciclos investigativos que desencadeiam aprendizagem e, quando alimentados, promovem a formação do hábito intelectual. Ao passo em que estes processos vão se tornando conscientes para cada aluno, mediante a reconstrução de sua experiência, novos saberes podem instrumentalizar novas experiências – o princípio de continuidade. A intencionalidade docente permeia alguns pontos em destaque, a depender da natureza da ocupação de seus alunos: na infância, a reflexão sobre o ambiente físico e social para que este contribua para a investigação da criança (Rinaldi, 2006); o olhar para seus interesses para que seja possível a mediação do processo; a ampliação da experiência, trazendo novos elementos que possibilitem a testagem de suas hipóteses (Dewey, 2017); e a reconstrução da experiência, que é tornar visível o processo de pesquisa e interpretá-lo, para que o próprio aluno seja consciente de suas aprendizagens (Dewey, 1959; 1991; Malaguzzi, 1999; 2001).

Para Dewey (2002), vivências escolares tornam-se positivas na medida em que a escola seja uma instituição regida por princípios integradores, capazes de fomentar a criação de hábitos de solidariedade e respeito, e até mesmo de desafiar os problemas sociais para contemplar a democracia. A sociedade em “miniatura” nutrida dentro do ambiente escolar está alinhada ao desenvolvimento de hábitos de participação em vida associada. Há também o questionamento da fragmentação social entre minorias ou grupos diferenciados com relação ao todo do qual fazem parte, já que se defende uma superação da dicotomia entre indivíduo e sociedade.

Portanto, qualquer proposta ou estratégia educativa que tenha como objetivo atender aos princípios da educação inclusiva deve contemplar a intencionalidade e a responsabilidade como aspectos cruciais para este fim. A educação se lança para o desenvolvimento do indivíduo e suas possibilidades de participação social, mas também se compromete com a transformação de mecanismos de exclusão.

Essa perspectiva considera o exercício da docência como uma ação que não pode ser indiferente aos desafios sociais de dado contexto. Do mesmo modo em que há a preocupação com os interesses, as intenções ou motivações de cada aluno para fomentar sua aprendizagem, resultando num ensino consciente e intencional, há também o olhar para o contexto de modo responsável, seja ele o campo de possibilidades de experiências ofertadas na escola, situado em práticas e hábitos cotidianos, seja ele um contexto social maior, no qual as oportunidades extra-escolares relacionam-se intimamente às condições políticas e econômicas, exigindo esforço e responsabilidade para que todos usufruam de bens na mesma proporção. Se a educação tem como foco apenas o desenvolvimento do indivíduo, acaba por depositar nele mesmo as responsabilidades por seu sucesso ou fracasso no que se refere a sua participação social.

Atribuir responsabilidade à docência não significa afirmar que existem caminhos únicos a ser percorridos, muito menos que o professor deve, sozinho, buscar parcerias. Pelo contrário, o engajamento é necessário no mesmo sentido em que há interesse e esforço para que suceda a experiência (Dewey, 1959) no âmbito social, a qual se vincula aos outros na medida em que há vida associada. Desse modo, soluções provavelmente serão construídas na integração entre distintas profissionalidades e seus saberes, desde que haja um objetivo em comum.

Para concluir, importante ainda considerar que a separação entre intencionalidade e responsabilidade presente neste artigo diz respeito apenas à melhor compreensão dos processos de experiência nas ocupações propostas por Dewey. Essa é uma subdivisão que não aparece tão nitidamente na sua obra, por isso, toda intencionalidade docente é também responsável, bem como a responsabilidade voltada para a educação inclusiva é uma ação intencional. É com essa leitura do conceito de experiência em Dewey que emerge a interpretação da ação docente voltada para a educação inclusiva, concebida esta como processo que envolve a educação de todos, com vistas à construção de uma sociedade mais igualitária.

Referências

Dewey, J. (1948). La experiencia y la naturaleza. Fondo de Cultura Económica. [ Links ]

Dewey, J. (1952). La busca de la certeza: um estudio de la relación entre el conocimiento y la acción. Fondo de cultura económica. [ Links ]

Dewey, J. (1959). Vida e Educação: I – A criança e o programa. II – Interesse e Esforço. Cia Editora Nacional. [ Links ]

Dewey, J. (1967). Experiencia y Educación. Losada. [ Links ]

Dewey, J. (1970). Liberalismo, liberdade e cultura. EDUSP. [ Links ]

Dewey, J. (1991). The public and its problems. Ohio University Press. [ Links ]

Dewey, J. (2002). A Escola e a Sociedade. A Criança e o Currículo. Relógio d’água. [ Links ]

Dewey, J. (2007). Democracia e Educação. Platano Editora. [ Links ]

Dewey, J. (2008). Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey 1927-1939. EDIPUCRS. [ Links ]

Dewey, J. (2010). Human nature and conduct: an introduction to social psychology. Nabu Press. [ Links ]

Dewey, J. (2017). How we think. Andesite Press. [ Links ]

Galter, M. I., & Favoreto, A. (2020). John Dewey: um clássico da educação para a democracia. Linhas Críticas, 26, 1–15. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/28281/27067Links ]

Malaguzzi, L. (1999). História, ideias e filosofia básica. Em C. Edwards, L. Gandini & G. Forman. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. (pp. 59-104). Artes Médicas Sul. [ Links ]

Malaguzzi, L. (2001). La educación infantil en Reggio Emilia. Octaedro/Rosa Sensat. [ Links ]

Pinazza, M. A. (2014). Formação de profissionais de educação infantil em contextos integrados: informes de uma investigação-ação. [Tese Livre de docência, Universidade de São Paulo]. Repositório Institucional da FEUSP. http://doi.org/10.11606/T.48.2014.tde-01122014-155847Links ]

Rinaldi, C. (2006). In dialogue with Reggio Emilia: Listening, researching and learning. Routledge. [ Links ]

[1]Para Dewey, o que difere a linguagem verbal das outras modalidades é que ela fixa ou conserva as significações, tornando possível recorrer a elas. Ao mesmo tempo, ela oferece riscos, pois as palavras falseiam e alteram com frequência o sentido das ideias destinadas a conservar (Dewey, 2017).

[2]O conceito de educação inclusiva pressupõe a existência de grupos excluídos e é visto como pilar para a qualidade da educação de forma sistêmica, para além da formação docente. Como é um conceito contemporâneo à obra de Dewey e deu-se ênfase ao escritos do autor, optou-se pelo destaque das palavras intencionalidade e responsabilidade, conforme reflexões adiante.

[3]Na obra Human Nature and Conduct (Dewey, 2010), nota-se que a separação entre os estudos sobre o desenvolvimento humano e as proposições filosóficas e políticas é apenas didática. Nas ocupações sociais, a experiência resulta tanto em desenvolvimento humano quanto em transformações sociais – processo que Dewey defende e estuda como “psicologia social”.

[4]É possível o questionamento da obra de Dewey quanto à formação de condutas morais no que tange à dificuldade da definição de um padrão ético. No entanto, neste artigo há um recorte definido – a educação inclusiva – que já possui consenso quanto aos princípios de acessibilidade, respeito à diversidade, permanência e sucesso escolar.

Recebido: 13 de Março de 2021; Aceito: 11 de Maio de 2021

Creative Commons License Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución 4.0 Internacional.