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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub June 21, 2021

https://doi.org/10.26512/lc27202136660 

Artigos

A meta 19 do PNE 2014-2024 e as práticas pedagógicas democráticas

La meta 19 del PNE 2014-2024 y las prácticas pedagógicas democráticas

Goal 19 of the PNE 2014-2024 and democratic pedagogical practices

Thiago Cianni de Lara Resende1 
http://orcid.org/0000-0003-0601-8618

Valdivina Alves Ferreira2 
http://orcid.org/orcid.org/0000-0002-2306-7465

Josélia Soares Costa3 
http://orcid.org/0000-0003-4360-3752

1Engenheiro de Computação pelo Centro Universitário de Brasília (2011). Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas: Políticas Públicas Educacionais no âmbito da educação básica.

2Doutora em Educação pela PUC-GO (2013). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas: Políticas Públicas Educacionais no âmbito da educação básica.

3Pedagoga pela Universidade Estadual do Piauí (2011). Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília.


Resumo

O presente estudo aborda a meta 19 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 e as práticas pedagógicas democráticas presentes nas escolas de educação básica brasileiras, com objetivo de relacioná-las à participação da comunidade na gestão escolar. A pesquisa, bibliográfica e documental, foi direcionada à mediação necessária para se concretizar as ações docentes, que possuem papel indispensável para a democracia prevalecer nos espaços educativos e na sociedade. Verifica-se que o processo democrático escolar, ao pertencer ao coletivo, deve, enquanto instância social, ser assumido como tal.

Palavras-chave Gestão Democrática; Plano Nacional de Educação; Práticas Pedagógicas

Resumen

Este estudio aborda la meta 19 del Plan Nacional de Educación (PNE) 2014-2024 y las prácticas pedagógicas democráticas presentes en las escuelas de educación básica brasileñas, con el objetivo de relacionarlas con la participación efectiva de la comunidad en la gestión escolar. La investigación, bibliográfica y documental, se encaminó a la mediación necesaria para materializar las acciones docentes, que tiene un papel indispensable para que la democracia prevalezca en los espacios educativos y en la sociedad. Parece que el proceso escolar democrático, al pertenecer al colectivo, debe, como instancia social, ser asumido como tal.

Palabras clave Gestión Democrática; Plan Nacional de Educación; Prácticas Pedagógicas

Abstract

This study addresses goal 19 of the National Education Plan (PNE) 2014-2024 and the democratic pedagogical practices present in Brazilian basic education schools, with the aim of relating them to the effective participation of the community in school management. The research, bibliographic and documentary, was directed to the necessary mediation to materialize the teaching actions, which have an indispensable role for democracy to prevail in educational spaces and in society. It appears that the democratic school process, when belonging to the collective, must, as a social instance, to be assumed as such.

Keywords Democratic Management; National Education Plan; Pedagogical Practices

Introdução

Com objetivo de relacionar a Meta 19 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, instituído por meio da Lei nº 13.005, de 2014 (Brasil, 2014), às práticas educativas democráticas, o presente estudo utiliza-se de obras e trabalhos investigativos de autores como Libâneo (2014; 2015), Lück (2018; 2020), Paro (2016; 2018), Gadotti (2003) e Franco (2016). A referida meta do PNE 2014-2024 trata da gestão democrática na rede pública de educação básica em três principais dimensões: gestão participativa, órgãos colegiados e autonomia pedagógica, administrativa e financeira. Demonstra-se que as estratégias traçadas no PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) estão em consonância com a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996).

O presente estudo busca, a partir dos documentos oficiais e da literatura acerca do tema, indícios que subsidiem as discussões e análises apresentadas. O texto está dividido em três seções, além da introdução e das considerações finais.

A primeira, Entre a teoria e a prática, relaciona a concepção de gestão democrática com as práticas pedagógicas na educação básica pública, tendo como referência as estratégias traçadas na meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014). A segunda parte, Gestão democrática: desafios e possibilidades, trata sobre a concepção de gestão democrática em ambientes educacionais, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases – LDBEN nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996), e o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024, instituído pela Lei nº 13.005, de 2014 (Brasil, 2014). A terceira e última seção, Osvieses da gestão educacional, aborda as duas principais matrizes de gestão escolar – técnica-científica e democrática participativa - e suas principais características e aplicações.

São inúmeros os desafios inerentes à participação colegiada e organizada da escola pública de educação básica para se transformar em um ambiente legitimamente democrático. A presente pesquisa procura evidenciar se as estratégias designadas na meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) são, por si só, efetivas para a prática pedagógica democrática. Com estruturas e mecanismos que favoreçam a participação, a autonomia e a descentralização, a escola de educação básica se integrará à sociedade e se beneficiará pela participação ativa dos sujeitos que, dia após dia, consolidam a sua importância como instância social.

Entre a teoria e a prática

Ao relacionar as práticas pedagógicas democráticas com as estratégias determinadas na meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) para o ensino básico público, identifica-se que as determinações presentes têm capacidade de contribuir para a gestão democrática no ambiente escolar.

A escola, por ser uma unidade social formada por pessoas que atuam em torno de objetivos comuns e com constantes relações interpessoais, tem, por meio da gestão democrática, a possibilidade de criar uma cultura própria no interior da instituição escolar que se traduzirá em um coletivo atuante e participativo. A escola, quando democrática, permite iniciativas autônomas organizadas de forma coletiva e com a devida prestação de contas à sociedade (Libâneo, 2015).

Alguns autores, entretanto, apontam que as práticas democráticas, como a forma de eleição dos diretores ou dos órgãos colegiados de participação, como as associações de pais e docentes, os conselhos escolares e os grêmios estudantis, parecem não contribuir, ou não garantir, a participação dos sujeitos na gestão escolar. Para Dewey (1986, como citado em Fernandes et al., 2018, s.p.):

A democracia não pode ser resumida somente na existência de certas instituições e estruturas formais sem que tenha um sentido mais profundo sobre a forma como enxergamos a vida social. A democracia está presente em como vivemos, como trabalhamos e como falamos, constituindo uma forma de vida que se identifica com a ideia de vida comunitária.

De acordo com Freire (2015), com a apresentação, a articulação e a confrontação livre e racionada de diferentes pontos de vista, a opção democrática para a educação constrói diálogos. A gestão democrática não se restringiria às estruturas ou aos organismos destinados à participação que, por sua vez, são elementos naturais e intrínsecos do contexto escolar. Os conselhos e os órgãos representativos são uma potencialidade a ser explorada. A escola, ao atender aos interesses da sua comunidade, desempenha um papel transformador para defender seus interesses diante de eventuais decisões autoritárias.

Para Libâneo (2015), as escolas se diferenciam no grau em que as práticas organizacionais e de gestão concorrem para melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Quando bem gerida, a escola cria condições – organizacionais, operacionais e pedagógico-didáticas – que permitem o êxito dos alunos em suas aprendizagens. A escola democrática propicia uma educação e um ensino, pressupõe uma estrutura organizacional e com regras explícitas para sua aplicação, justificadas quando trabalhadas com agrupamentos humanos intencionalmente construídos para os objetivos da aprendizagem.

Com função de promover a formação discente, cabe à escola possibilitar aos alunos, de forma perspicaz e crítico-analítica, conhecer o mundo e a si mesmos nesse mundo, ao mesmo tempo que desenvolvem competências cognitivas e psicossociais, autoestima e autoconfiança (Lück, 2018).

A participação direta dos cidadãos nas instituições-chave da sociedade, entre elas a escola de ensino básico, destaca o papel transformador da ação política sobre a sociedade e sobre os indivíduos. A participação, componente central da democracia, necessita de uma série de ideais, valores, atitudes, ações e pensamentos para ser efetiva (García-Perez & Montero, 2017).

Em um ambiente democrático, a negociação para alcançar decisões que supõem oferecer um maior benefício para o maior número de pessoas possível visa ao bem-comum. A escola, em seu papel, precisa conscientizar a sua comunidade – educadores, alunos e famílias – com o objetivo de gerar confiança para o aprendizado e à experimentação de habilidades democráticas (Libâneo, 2015).

Contudo, o diálogo construtivo possui uma faceta inerente de conflito. Promover a escuta, a capacidade de fazer e de receber críticas, de admitir erros e de encontrar interesses em comum, pode parecer mais um problema do que uma solução. Os procedimentos para tomadas de decisão, em um modelo democrático, devem estar claros e ser aceitos por toda a comunidade escolar.

De acordo com Paro (2016), como a escola contribui para a transformação social, não é possível enxergá-la como um processo pronto e definitivo, mas como um desenvolvimento constante da consciência crítica para evitar a negação de valores legítimos das relações que se dão no âmbito da estrutura econômica, política e social. A escola, em transformação, se apropria dos atores para transformar o sistema de autoridade e a distribuição do próprio trabalho em seu interior.

Desta forma, o conceito de qualidade escolar perpassa pelo atendimento das expectativas da comunidade, além de fatores que também a influenciam diretamente, como as políticas administrativas, as condições físicas, o clima organizacional, os recursos materiais e o currículo oculto. Para a escola desfrutar de sua representatividade social e intelectual e para se concretizar a participação na gestão escolar democrática, são necessários: o envolvimento dos atores no processo, uma maior valorização nos processos que nos resultados e uma priorização na avaliação qualitativa (Melchior, 2016).

De acordo com Paro (2018), em uma sociedade democrática, é importante que o Estado estabeleça mecanismos institucionais que promovam a participação de toda a comunidade na gestão da escola. Para isso, é necessária uma postura positiva da escola perante, principalmente, as famílias, ao oferecer meios de participação na vida escolar de seus filhos. Essa inovação na postura dos gestores transforma as relações dentro da escola. A abertura às famílias favorece a importância de sua presença e a criação de uma cultura de participação em um processo escolar que busca a qualidade, característica da educação identificada com a atualização histórico-cultural dos cidadãos. Por meio da participação coletiva, é possível garantir, ao menos, a qualidade social da escola. Assim, o projeto pedagógico se torna o instrumento de articulação entre os fins e os meios para alcançar os objetivos educacionais propostos.

Como cada ator tem interesses, culturas, hábitos e visões distintas, são precisos uma divisão mínima de tarefas e uma exigência com alto grau de profissionalismo. Ao apresentar uma realidade objetiva, é importante que haja planejamento e organização para alcançar bons índices de eficácia e eficiência. Porém, como a escola não seria uma instituição objetiva e neutra, mas construída pela comunidade educativa, também devem vigorar formas democráticas de gestão e tomada de decisões que levem em consideração as análises qualitativas (Libâneo, 2015). Escolas abertas à participação da comunidade tendem a ser mais efetivas (Conselho Nacional de Secretários de Educação [CONSED], 2005, como citado em Lück, 2018). De acordo com Lück (2018, p. 61), “a gestão democrática e participativa está diretamente relacionada à perspectiva de construção da autonomia da gestão escolar que corresponde à capacidade de assumir responsabilidades pelos seus próprios atos e a transparência em relação aos mesmos”.

Se por um lado a gestão democrática é uma atividade coletiva que implica na participação e em objetivos em comum, por outro, depende da capacidade, das responsabilidades individuais e de uma ação coordenada e controlada para se realizar. Neste processo, os gestores promovem as decisões tomadas democraticamente para, depois, se converterem em ações concretas e articuladas com as relações interpessoais presentes na escola e entre a escola e a comunidade. Com essa integração, o gestor, ou diretor, mesmo com funções administrativas, possui um forte papel pedagógico, já que se refere à instituição e ao projeto pedagógico com função no campo educativo.

Como o diretor representa o mais alto grau hierárquico, ele é o responsável pelo exercício da autoridade dentro da escola, inclusive pela defesa dos princípios norteadores do projeto pedagógico e pelo cumprimento dos regulamentos existentes. Essa constatação, que pode até parecer contraditória, é somada à sua competência técnica ao exercer as demais funções, como a administração dos recursos escolares. O diretor, porém, por vezes sofre devido à falta de autonomia e, eventualmente, à de recursos para manter a infraestrutura física da escola. Passa então a ter que lidar com o antagonismo de administrar recursos de que na realidade não dispõe.

A escola que cumpre com o seu objetivo educacional tem certas características organizacionais, como capacidade de liderança dos gestores, práticas de gestão participativa, ambiente de trabalho favorável, bom relacionamento interpessoal, oportunidades de reflexão e de trocas de experiências entre professores, participação dos pais e existência de condições físicas, materiais e demais recursos necessários para o processo de ensino-aprendizagem. O objetivo das práticas de organização escolar é de prover condições, meios e recursos necessários para o funcionamento da escola (Libâneo, 2014).

As práticas organizacionais são determinantes para a eficácia e para o nível de aproveitamento escolar dos alunos. Elas resultam em efeitos diretos na aprendizagem de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes. Dessa forma, é possível afirmar que existe uma relação entre a organização e a cultura da escola com as práticas democráticas em sala de aula. A educação básica de qualidade é determinante para a diminuição da exclusão e da desigualdade social. Com a rápida transformação do mercado de trabalho que, cada vez mais, demanda mão de obra qualificada, a escola não pode ser analisada de forma isolada da sociedade.

A dinâmica interna de uma escola tem que levar em conta o grau de complexidade que ela requer. O ambiente cultural em que se situa a escola, por exemplo, reflete na definição da própria cultura escolar. Portanto, a prática social no âmbito de uma escola determina a aceitação ou a resistência frente a inovações, o modo de tratar as pessoas, de enfrentar os problemas, ou mesmo as mudanças de rotina. Assim, práticas de organização, de gestão, de relacionamento e de tomadas de decisões também possuem importante papel para o desenvolvimento e a aprendizagem discente.

As práticas democráticas atuam como ação pedagógica ao refletir a práxis social e não devem apenas apresentar conteúdos transmitidos em sala de aula. O aprendizado existente nos contextos socioculturais, nas interações sociais e nas formas de organização e gestão tem a capacidade de transformar a escola em uma organização em constante aperfeiçoamento.

Para Franco (2016), ao tratar das práticas pedagógicas democráticas, é importante argumentar a intencionalidade da ação docente. No contexto escolar, a democratização viabiliza a prática educativa dentro da dimensão da gestão democrática e participativa. Sobre a dimensão da autonomia no aspecto pedagógico, Libâneo (2014) dá ênfase à consistência da mediação didática ao estabelecer condições ideais para a ativação do processo de aprendizagem e faz a atividade docente ser conduzida para a apropriação desta.

Ao relacionar as estratégias da meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) às práticas pedagógicas, faz-se necessária a compreensão de que a democracia é construída, e não imposta. E, quando práticas democráticas são exercidas em solo escolar, legitimam a representatividade social ao abranger a comunidade a qual pertencem e oferecer sentidos e significados ao processo de ensino-aprendizagem.

Gadotti (2003, p. 32) descreve da seguinte forma a formação do professor que materializa as práticas pedagógicas democráticas:

A nova formação do professor deve estar centrada na escola sem ser unicamente escolar, sobre as práticas escolares dos professores, desenvolver na prática um paradigma colaborativo e cooperativo entre os profissionais da educação. A nova formação do professor deve basear-se no diálogo e visar à redefinição de suas funções e papéis, à redefinição do sistema de ensino e à construção continuada do projeto político-pedagógica da escola.

A atuação do professor deve se dar além do simples exercício educativo. Suas ações devem levar à adequada condução de um processo emancipatório que também permita modificar o contexto histórico ao qual a escola pertence. De forma plena, as práticas articuladas conduzem da participação para a transformação e devem abranger a gestão democrática, pois a partir dela os processos formativos passam a ser um eixo de mediação.

Para Franco (2016), a necessidade de considerar o caráter dialético das práticas pedagógicas, no sentido de a subjetividade construir a realidade, modifica-se mediante a interpretação coletiva, de forma que permita ao professor estabelecer uma perspectiva democrática para a vida social dentro do ambiente escolar. De outra forma, aconteceriam somente práticas educativas lineares desenvolvidas pelos processos educacionais.

Gadotti (2003) esclarece que o professor não pode ser um mero executor do currículo oficial, assim como a educação não deve ser propriedade da escola, mas de toda a comunidade. Ao argumentar a relação entre a gestão democrática e as práticas pedagógicas na educação básica, a formação do professor passa a ser relevante para o desempenho da transformação da realidade sócio-histórica.

Nessa perspectiva, entre a teoria e a prática, ao analisar a meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) e a sua efetivação por meio das práticas pedagógicas democráticas presentes nas escolas públicas de ensino básico do Brasil, abre-se caminho para uma gestão mais participativa e descentralizada. De forma mediadora, o gestor e o professor validam essa conquista para o coletivo. As práticas docentes se estruturam em relações dialéticas pautadas nas mediações entre a totalidade e a particularidade (Franco, 2016).

São notórias as possibilidades de transformação efetuadas pela educação. Como o processo educacional é dinâmico e possui bases históricas, é necessário reconhecer o significado da gestão democrática para o ambiente escolar e a própria vida futura dos alunos. Para Libâneo (2014, p. 7):

Evidentemente não se deseja o retorno a práticas que caracterizam a escola monocultural, de memorização de informações, das tarefas pouco estimuladoras da atividade mental, o ensino individualista, a avaliação homogeneizadora. A aposta é numa proposta pedagógica que propicie instrumentos conceituais aos alunos e promova mudanças qualitativas no seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos e, ao mesmo tempo, articule os conceitos científicos aos conceitos que trazem do meio local e da vida cotidiana.

Trata-se, portanto, de uma temática abrangente que aborda a visão da escola democrática a partir da representatividade legal e participativa. Para isso, a articulação entre gestão democrática e práticas pedagógicas democráticas é o objetivo a ser tratado nesse texto.

Gestão democrática: desafios e possibilidades

A presente seção apresenta os artigos que tratam da gestão democrática escolar na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e na Lei de Diretrizes e Bases – LDBEN nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996), assim como os resultados divulgados no Relatório de Monitoramento do PNE 2020 para a concretização das oito estratégias da meta 19 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Brasil, 2014). Aborda-se os principais desafios, dificuldades e êxitos para a implementação das diretrizes norteadoras para a gestão democrática na educação básica pública e como elas podem colaborar para as práticas pedagógico-didáticas em sala de aula.

A escola de educação básica deve assumir o compromisso de construir um projeto pedagógico que permita à comunidade escolar desenvolver o senso crítico do aluno, propiciar a aquisição de novos conhecimentos e estimular a criatividade. A gestão democrática, caracterizada pela participação dos atores escolares – professores, alunos, famílias, gestores e demais profissionais da educação – nos processos decisórios, é considerada essencial para permitir uma educação de qualidade, ao criar vínculos entre os diferentes grupos e ao direcionar para o cumprimento da missão social da escola.

O art. 206 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), em seu inciso VI, diz que “o ensino deve ser ministrado com base nos princípios de gestão democrática no ensino público, na forma de lei”. Ao explorar a redação da Lei nº 9.394 de 1996 (Brasil, 1996), que trata das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDBEN, no art. 14, cita que:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica [...] conforme os princípios de (i) participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e (ii) da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (Brasil, 1996, s.p.)

Porém, a gestão democrática, como prevista na LDBEN nº 9.394/1996 (Brasil, 1996), encontra diversas barreiras para ser implementada e os gestores acabam por buscar alternativas, além das previstas legalmente, para a participação da comunidade no funcionamento e na determinação das ações estratégicas da escola. Desta forma, além do cuidado orgânico do estudante, relacionado à saúde, as questões como a organização dos espaços e dos tempos, os recursos humanos, a formação e capacitação dos profissionais, a participação da família e da comunidade escolar, são pontos que tendem a uma oferta educativa de qualidade. Como o conceito de qualidade é subjetivo, pois depende do olhar de quem o conceitua e do momento sócio-histórico em que se vive, a escola deve estar em constante processo de transformação e adaptação diante de cada realidade encontrada.

É essencial os atores explicitarem a forma como eles se veem e como eles enxergam os instrumentos de gestão democrática. De nada vale ter mecanismos de gestão democrática se a equipe gestora não está receptível às opiniões das demais partes interessadas, se os pais não compreendem a importância de participar da educação de seus filhos ou, ainda, se os professores e demais educadores não se sentem motivados para participar de ações pedagógicas.

O gestor escolar precisa de uma comunicação eficiente e deve ter como princípio básico a construção de relações de confiança. E, dependendo do tipo de gestão adotada, o diretor, ou equipe gestora, encontrará diferentes possibilidades de construir essa relação de confiança junto à comunidade escolar. Os relacionamentos interpessoais se tornam fundamentais para definir o papel de cada grupo nas tomadas de decisões.

Dessa forma, há a necessidade de políticas que promovam a gestão democrática dentro da escola que, de acordo com o contexto local, pode encontrar desafios e soluções distintas. As escolas apresentam uma variedade de situações próprias, inclusive de recursos humanos e de capacidades locais. A gestão democrática e participativa, adaptada à cada realidade, possibilita a comunicação entre os grupos interessados e, quando bem implementada, contribui, significativamente, para a melhoria contínua da qualidade no serviço educacional prestado.

A complexidade da democratização escolar perpassa também pela mediação docente. O trabalho do professor no cotidiano escolar transparece práticas educativas que representam a coletividade. O professor transforma as situações presentes na escola por meio das práticas de ensino. A prática pedagógica com o caráter formativo se relaciona a um processo dinâmico quando tem, como finalidade, a promoção da democracia.

Para Albuquerque (2012), o exercício da gestão democrática, ao atuar nos espaços educacionais, termina por invalidar práticas do passado, como insatisfação escolar, despreparo dos professores e discriminação social. A escola precisa avaliar as mudanças que ocorrem no contexto histórico em que está inserida e se as práticas pedagógicas se traduzem em emancipação para além da transmissão dos conteúdos.

A democracia, e inclusive os direitos e deveres individuais, são constantemente reconstruídos e aprimorados de acordo com as demandas sociais. A interação entre os sujeitos, um processo dinâmico e criativo, desenvolve a consciência do processo como um todo. No âmbito político, a democracia é característica fundamental de sociedades e grupos centrados no respeito aos direitos humanos e no exercício da cidadania.

A defesa da importância de criação de espaços democráticos e participativos nas escolas é, hoje, um movimento supranacional, com diversas fundamentações teóricas para uma gestão escolar mais participativa, como relatam as obras de autores como Freire (2015) e Dewey (1995).

A democracia na escola envolve a “consciência de construção do conjunto da unidade social e de seu processo de melhoria contínua” (Lück, 2020, p. 55). A participação permite aproximar os sujeitos e promover a igualdade de oportunidades. Desta forma, a gestão democrática seria definida como o processo de criação de condições para que os membros de uma coletividade assumam a responsabilidade por sua implementação. O conceito de gestão democrática e participativa se desenvolve dentro desta visão.

Como a participação pode ter formas, significados e interpretações distintas, ela passa a ser um processo heterogêneo e, eventualmente, contraditório. Não há um marco teórico delimitado, assim como não há uma definição única e consensual sobre o conceito de gestão participativa dentro do ambiente escolar. Esse conceito, por sua vez, implica na criação de diferentes mecanismos e estruturas para garantir que todos estejam presentes nos processos fundamentais de tomada de decisões da escola (García-Perez & Montero, 2017). É o que se aborda na próxima seção.

Os vieses da gestão educacional

A gestão escolar pode assumir distintos significados de acordo com a concepção de educação dos sujeitos. Em uma matriz técnico-científica, prevalece o modelo gerencialista, e a escola, considerada uma realidade objetiva, tem uma atuação planejada, organizada e controlada. Na concepção democrático-participativa, o processo de tomada de decisões se dá coletivamente e possibilita aos membros do grupo a discussão pública de projetos e ações e o exercício de práticas colaborativas. Para Libâneo (2015, p. 89):

Em uma concepção técnico-científica de escola, a direção é centralizada numa pessoa, as decisões vêm de cima para baixo, bastando cumprir um plano previamente elaborado, sem participação dos professores, especialistas e usuários da escola. Já numa concepção democrático-participativa, o processo de tomada de decisões se dá coletivamente, participativamente. A direção pode, assim, estar centrada no indivíduo ou no coletivo, sendo possível uma direção individualizada ou uma direção coletiva ou participativa.

A concepção técnico-científica traz o conceito de gestão da qualidade total, utilizando-se de métodos e práticas de gestão da administração empresarial. As escolas com essa concepção, geralmente, possuem uma divisão do trabalho escolar, com o poder centralizado no diretor e um sistema de normas, regras e procedimentos para controle de atividades. A concepção democrático-participativa propõe uma forma coletiva de tomada de decisões sem desobrigar as pessoas da responsabilidade individual. Em outras palavras, advoga formas de gestão participativa sem excluir a necessidade de coordenação, de diferenciação de competências profissionais entre os membros da equipe, de gestão eficaz e de avaliação sistemática da execução das decisões tomadas. Para tanto, são importantes o acompanhamento e a avaliação sistemáticos, para diagnóstico e reorientação na tomada de decisões. A ênfase se dá tanto nas tarefas quanto nas relações interpessoais.

Para Lück (2018, p. 25):

A gestão educacional [...] é responsável por estabelecer o direcionamento e a mobilização capazes de sustentar e dinamizar o modo de ser e de fazer [...] das escolas, para realizar ações conjuntas, associadas e articuladas, visando o objetivo comum da qualidade do ensino e seus resultados.

Ainda de acordo com Lück (2018, pp. 37-38):

Verifica-se [...] que os ambientes educacionais [...] são constituídos por processos interativos, caracterizados pela diversificação e pluralidade de interesses e objetivos, num contínuo embate entre diferentes dimensões e aspectos. Essas condições criam nas organizações sociais e processos interpessoais nelas ocorrentes complexidades tais que não se pode conceber sejam elas geridas pelo enfoque limitado da administração científica, pelo qual tanto a organização como as pessoas atuando em seu interior são consideradas como componentes de uma máquina a ser manejada e controlada de fora para dentro e de cima para baixo, a partir de normas, regulamentos e planos limitados e funcionais.

A gestão democrática se daria, portanto, pela atividade colaborativa, pela capacidade e responsabilidades individuais e pela ação coordenada e controlada. Para Libâneo (2015, p. 102):

Essas concepções representam estilos de gestão em seus traços gerais [...], mas raramente se apresentam de forma pura em situações concretas. Características de uma concepção podem ser encontradas em outras, embora seja sempre possível identificar, nas escolas, um estilo mais dominante.

Por fim, ainda de acordo com Libâneo (2015, p. 102):

Como toda instituição, as escolas buscam resultados, o que implica uma ação racional, estruturada e coordenada. Ao mesmo tempo, sendo uma atividade coletiva, não depende apenas das capacidades e responsabilidades individuais, mas de objetivos comuns e compartilhados, de meios e ações coordenadas e controladas dos agentes do processo.

Compreende-se, portanto, ser necessário instituir procedimentos de planejamento, monitoramento e controle na escola democrática-participativa, assim como a construção de espaços democráticos na escola técnico-científica, pois seus conceitos não são excludentes.

Na concepção democrática-participativa, apesar de o processo de decisões ser tomado de forma coletiva, nem sempre ele é suficiente para garantir a prática da participação colegiada. Como os interesses dos atores são, muitas vezes, divergentes, são necessários uma divisão mínima de tarefas e um alto grau de profissionalismo, sempre direcionados para os objetivos educacionais propostos.

De acordo com Lück (2020, p. 56):

A democracia se expressa como condição fundamental para que a organização escolar se traduza em um coletivo atuante, cujos deveres emanam dele mesmo, a partir de sua maturidade social, e se configuram em sua expressão e identidade, que se renova e se supera continuamente.

Lück (2020) complementa que compreender a gestão democrática implica, necessariamente, na participação. Porém, como a participação, por sua vez, nem sempre acontece dentro de um processo democrático, o seu conceito seria limitado e incompleto. Todavia, uma comunidade proativa é a característica marcante de uma escola democrática, que envolve a “consciência de construção do conjunto da unidade social e de seu processo de melhoria contínua como um todo” (Lück, 2020, p. 57). A participação permite à comunidade escolar “controlar o próprio trabalho, assumir autoria sobre o mesmo e sentir-se responsável por seus resultados – portanto, construindo e conquistando sua autonomia” (Lück, 2020, p. 57).

A participação da comunidade na escola é de extrema relevância, mas também depende dos interesses dessa mesma comunidade. Segundo Paro (2016, p. 58), “com respeito à diversidade de interesses dos grupos que se relacionam no interior da escola, há que se reconhecer, preliminarmente, a identidade de interesses sociais estratégicos por parte dos professores, demais funcionários, alunos e pais [...]”.

Para Lück (2020 p. 61), “a gestão democrática e participativa está diretamente relacionada à perspectiva de construção da autonomia da gestão escola que corresponde à capacidade de assumir responsabilidades pelos seus próprios atos e a transparência em relação aos mesmos”. Ainda de acordo com Lück (2020), são três os objetivos da participação: promoção da construção coletiva da escola; possibilidade de aprendizagem de habilidades de participação efetiva; e concomitante, o desenvolvimento do potencial de autonomia das pessoas e da instituição. Vale aqui citar alguns valores orientadores da ação participativa: a ética, como orientação ao cuidado e à atenção aos interesses humanos e sociais; a solidariedade, como condições de troca e reciprocidade; a equidade, como reconhecimento de pessoas e grupos em situação diferenciada ou desfavorável que necessitam atenção e condições especiais, a fim de colocarem-se em paridade com seus semelhantes no processo de desenvolvimento, e; o compromisso, como ação dos envolvidos no processo pedagógico.

Para a participação da comunidade escolar contribuir para a promoção de aprendizagens significativas dos alunos, ela necessita ser centrada no aluno, e não nas famílias ou nos profissionais da escola. Esse deve ser o principal objetivo da participação, com intuito de melhorar os indicadores de qualidade. Ainda de acordo com Lück (2020, p. 22):

A gestão participativa se assenta [...] no entendimento de que o alcance dos objetivos educacionais, em seu sentido amplo, depende da canalização e do emprego adequado da energia dinâmica das relações interpessoais ocorrentes no contexto de sistemas de ensino e escolas, em torno de objetivos educacionais, concebidos e assumidos por seus membros, de modo a constituir um empenho coletivo em torno de sua realização.

Como recorda Paro (2016), há de se considerar, ainda, os condicionantes externos à escola para o envolvimento da comunidade escolar, entre eles: as condições de vida da população atendida, a visão da comunidade escolar sobre a viabilidade e a possibilidade de participação, e os mecanismos coletivos que permitem a participação.

Ao analisar as legislações e os normativos vigentes, a gestão democrática na educação apresenta diferentes significados construídos no decorrer da história da educação brasileira. Por sua complexidade e reconhecendo suas limitações, o conceito de gestão democrática na educação pode ser expresso pelas disposições presentes na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), na LDBEN nº 9.394/1996 (Brasil, 1996) e no PNE 2014-2024 (Brasil, 2014).

Especificamente na rede pública de ensino, apesar de absorvidos os conceitos da LDBEN nº 9.394 de 1996 (Brasil, 1996), a gestão democrática é, na prática, “um livro aberto a aprendizagens básicas que demandam muita observação, reflexão e estudo, mesmo porque, tendo em vista a complexidade dos processos sociais, estes são afetivos à atribuição de múltiplos significados, muitas vezes difíceis de captar e interpretar” (Lück, 2018, p. 28).

O PNE 2014-2024, instituído pela Lei nº 13.005 de 2014 (Brasil, 2014), trata a gestão democrática escolar de forma abrangente e relaciona, em sua meta 19, oito estratégias para garantir a efetivação da gestão democrática e participativa nas escolas, além da realização de consultas públicas junto à comunidade escolar, para definir critérios técnicos, meritocráticos e de desempenho (Dourado, 2017). Apesar de levar, eventualmente, a entendimentos polissêmicos e até mesmo multidimensionais, é possível classificar as estratégias do atual PNE em três principais dimensões, conforme demonstra-se a seguir:

Fonte: os autores.

Quadro 1 Classificação das estratégias da Meta 19 do PNE 2014-2024 

Diferentemente das demais estratégias, a Estratégia 1, que trata do mérito e do desempenho, influencia na implementação de políticas de responsabilização (accountability), como a gestão por resultados. Dessa forma, a referida estratégia possui um cunho mais gerencialista, ao destacar os critérios técnicos e de desempenho e ao utilizar de concepções e práticas empresariais, como planejamento, organização e controle.

Outro entendimento polissêmico seria a consulta à comunidade escolar, que não necessariamente significa uma eleição direta dos dirigentes escolares. Apesar da nomeação dos dirigentes estar associada à participação da comunidade escolar – estratégias 6 e 8 –, não fica claro, no texto apresentado, como essa participação se dará na prática.

As estratégias da Dimensão 2: órgãos colegiados, apresentam diversos tipos de instrumentos e estruturas de participação e fiscalização na gestão escolar, denominados órgãos colegiados, formados por conselhos, associações, grêmios e afins. Esses mecanismos de participação têm o objetivo de favorecer a autonomia pedagógica, administrativa e de gestão. Contudo, podem se apresentar como um híbrido ideológico nos processos de tomada de decisão, ora pela vontade popular, ora pela vontade política local, dependendo das forças e dos interesses daqueles que atuam nessa arena de debate. Ou, pela rigidez do sistema educacional e pela sua forma centralizadora, deixando pouco espaço para a atuação desses atores.

De acordo com Lück (2018), os órgãos colegiados previstos pela LDBEN nº 9.394/1996 (Brasil, 1996) para a rede pública de ensino possuem as mais diversas atividades, como a participação na elaboração e no acompanhamento do projeto pedagógico, realização de atividades, troca de experiências, apoio a iniciativas de enriquecimento educativo, colaboração de parcerias e trabalho voluntário e auxílio na promoção da aproximação entre escola e comunidade. Entretanto, esses órgãos colegiados têm desempenhado funções mais direcionadas para a gestão das questões financeiras, deixando de lado a autonomia necessária para a construção e expansão de um modelo de gestão efetivamente democrático, contradizendo, inclusive, a terceira e última dimensão avaliada, referente à Estratégia 7.

Os mecanismos voltados para a gestão democrática da rede pública de ensino, como a eleição dos diretores e a descentralização financeira, não garantem uma prática escolar verdadeiramente autônoma, já que dependem de condições e disposições psicossociais e de competência dos participantes. Para Lück (2018, pp. 84-85):

Para promovê-la [a autonomia] [...] é necessário vontade política das bases de assumir, de forma efetiva, as responsabilidades correspondentes ao seu trabalho; e aos órgãos superiores é necessária a disposição para apoiar e sustentar essas ações, orientando-se, em suas ações, pelos mesmos princípios.

Percebe-se que a presença ou a ausência de um caráter hierárquico de distribuição da autoridade dentro do ambiente escolar não é fator preponderante para favorecer o envolvimento democrático e participativo. Paro (2016) acrescenta que, mesmo com a existência de mecanismos de ação coletiva, eles não têm servido satisfatoriamente a esta função, em parte devido ao seu caráter formalista e burocrático. A instituição escolar, quando atende à sua comunidade, desempenha um papel transformador para defender seus interesses diante de eventuais práticas autoritárias. Como no âmbito público as decisões muitas vezes dependem de decisões oriundas de instâncias superiores, nem sempre os conflitos têm como ser resolvidos dentro do próprio ambiente escolar.

Dentro do princípio da autonomia, é importante considerar a diversidade e a heterogeneidade de cada instituição de ensino, e como elas podem favorecer ou não processos descentralizados e diversificados. A gestão escolar democrática e participativa deve fornecer os subsídios necessários para que as mudanças ocorram no âmbito da escola, levando a uma mudança de mentalidade e de atitudes. Somente assim a escola será efetiva no cumprimento de seu papel social. Mas não cabe a essa gestão democrática ignorar, ou até rejeitar, práticas e formas de organização comuns no contexto internacional, como a melhoria da qualidade do ensino, os resultados, o monitoramento e a avaliação. Identifica-se, portanto, duas correntes divergentes: uma com foco nos processos, e outra nos resultados, como se fossem dissociadas, estanques e isoladas entre si (Lück, 2018).

Como a escola influencia na formação da personalidade humana, não é possível estruturá-la sem levar em consideração as esferas política e econômica. A escola precisa ser capaz de enfrentar com criatividade, empreendedorismo e espírito crítico os complexos desafios presentes na sociedade. Por meio da participação coletiva, é possível garantir a qualidade social da escola, com o desenvolvimento de competências e foco nas necessidades que a comunidade escolar enfrenta quando inserida em um contexto participativo.

Considerações finais

A escola de educação básica, ao assumir o compromisso de formar cidadãos para atuar em uma sociedade democrática, tem a missão de desenvolver ações pedagógicas democráticas. Todavia, a mera articulação de ações pedagógicas voltadas a uma gestão democrática na escola, conforme proposto pelas estratégias descritas na meta 19 do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014) e explanado no decorrer deste texto, não é suficiente para preparar adequadamente as crianças e os jovens para integrar os complexos sistemas sociais a que pertencem.

A prática pedagógica é democrática na medida em que compreende a democracia como natureza da ação pedagógica em si. Os professores, quando orientadores, mediadores e organizadores do processo de ensino-aprendizagem, desenvolvem estruturas cognitivas que estimulam os alunos a ter autoconfiança e autonomia. Ao mesmo tempo que liberdade exige responsabilidade, o processo democrático e participativo demanda o pleno exercício da cidadania.

A escola, ao respeitar a pluralidade da sua comunidade escolar, consegue criar vínculos e relações de confiança entre os atores para a promoção de um ambiente democrático e participativo. E o aluno, como protagonista, ao conviver com práticas pedagógicas verdadeiramente democráticas, levará consigo uma concepção de cidadania intimamente relacionada com a cultura local presente. Transforma-se, portanto, em um processo contínuo de busca de equidade e justiça social.

Referências

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Recebido: 24 de Fevereiro de 2021; Aceito: 08 de Junho de 2021

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