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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 06-Ago-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202136736 

Artigos

Avaliação informal e expectativa docente: compreendendo e relacionando conceitos

Evaluación informal y expectativas de los maestros: comprender y relacionar conceptos

Informal assessment and teacher expectations: understanding and relating concepts

Camila Maria dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-8541-3896

Luana Ferrarotto2 
http://orcid.org/0000-0002-2861-2127

1Licenciada em Matemática pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia, campus Bragança Paulista (2021). Professora do Estado de São Paulo. Membro do grupo de Pesquisa Ares (Avaliação e Relações Escolares) do IFSP.

2Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (2018). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus Bragança Paulista. Membro do grupo de pesquisa Ares (Avaliação e Relações Escolares) do IFSP.


Resumo

Diversos estudos analisam as relações em sala de aula. Alguns tomam como categoria de análise a avaliação, enquanto outros focalizam as expectativas docentes. Para contribuir com o debate, apresentamos uma pesquisa bibliográfica cujo objetivo é elucidar os conceitos de avaliação informal e expectativa docente. Entende-se que há aproximações entre eles, entretanto, as abordagens relacionadas à avaliação informal alargam as reflexões ao contemplarem os processos históricos e sociais que repercutem nas concepções dos/as docentes. Defende-se a abordagem da temática nos cursos de formação docente, considerando as construções sociais e históricas, situadas em uma sociedade capitalista.

Palavras-chave Avaliação informal; Expectativa docente; Sala de aula

Resumen

Varios estudios analizan las relaciones en el aula. Algunos toman la evaluación como una categoría de análisis, mientras que otros se enfocan en las expectativas de los maestros. Para contribuir al debate, presentamos una investigación bibliográfica cuyo objetivo es dilucidar los conceptos de evaluación informal y expectativas docentes. Se entiende que existen similitudes entre ellos, sin embargo, los enfoques relacionados con la evaluación informal amplían las reflexiones al contemplar los procesos históricos y sociales que afectan las concepciones de los docentes. Se defiende el abordaje del tema en los cursos de formación docente, considerando las construcciones sociales e históricas, situadas en una sociedad capitalista.

Palabras clave Evaluación informal; Expectativa del maestro; Salón de clases

Abstract

Several studies analyze the relations in the classroom. Some of them use evaluation as a category of analysis, while others focus on teachers' expectations. In order to contribute to the debate, we present a bibliographical research which objective is to clarify the concepts of informal assessment and teacher expectation. It is understood that there are similarities between them, however, the approaches related to informal assessment broaden the reflections by contemplating the historical and social processes that reverberate on the teachers' conception. The thematic approach of teacher training courses is defended, considering the social and historical constructions, situated in a capitalist society.

Keywords Informal assessment; Teaching expectations; Classroom

Introdução

As relações que são estabelecidas em sala de aula envolvem, sobretudo, dois sujeitos: docente e estudante. São relações complexas que vão se constituindo conforme as atividades são desenvolvidas. Essas atividades planejadas pelo/a docente para serem realizadas por seus/suas estudantes não estão apartadas das concepções desse/a profissional. Por estarem tão emaranhadas, é preciso observá-las atentamente, de modo a desvelar o que de fato as orienta.

Nessa direção, diversos trabalhos foram e são desenvolvidos contemplando a sala de aula, sinalizando como as relações que nela acontecem podem favorecer alguns estudantes e desfavorecer outros. Há estudos que tomam como categoria de análise os processos de avaliação (Pinto, 1994; Freitas, 1995; Bertagna, 2010), enquanto outros elegem as expectativas docentes como foco das reflexões (Rist, 1970; Rosenthal & Jacobson, 1981).

A fim de contribuir com esse debate, apresentamos, neste artigo, uma pesquisa bibliográfica cujo objetivo é elucidar os conceitos de avaliação informal e expectativa docente, de modo a identificar possíveis relações entre eles. Segundo Gil (2002, p. 44), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. De acordo com o autor, a pesquisa bibliográfica permite uma cobertura ampla de fenômenos, possibilitando a reunião de dados dispersos pelo espaço.

Vale dizer que esta pesquisa emergiu das discussões coletivas realizadas no grupo de pesquisa Avaliação e relações escolares (Ares) do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) [1] . A partir dos debates desenvolvidos sobre a avaliação, levantou-se o questionamento acerca das possíveis relações entre avaliação informal e expectativa docente. Na busca por respostas, iniciamos a pesquisa com o levantamento de publicações nacionais acerca da avaliação informal (Pinto, 1994; Freitas, 1995; Freitas et al., 2009, dentre outros). Na sequência, dirigimo-nos aos estudos relacionados às expectativas docentes, sobretudo às publicações de autores reconhecidos na área [2] (Rosenthal & Jacobson, 1981; Good & Brophy, 1970, dentre outros), sem deixar de considerar produções mais atuais (Rubie-Davies & Rosenthal, 2016; Timmermans et al., 2018, dentre outros). Assim, a escolha das fontes se deu para de fato entender como surgiram os conceitos e como eles são abordados recentemente.

A partir dos dados obtidos com essa pesquisa, apresentaremos, inicialmente, os estudos que nos ajudaram a entender o conceito de avaliação informal. Em seguida, descreveremos como as expectativas docentes são abordadas por diferentes autores. Por fim, destacamos as conexões identificadas entre tais conceitos e algumas reflexões que emergiram desse processo de investigação.

Entendemos que essa discussão se faz necessária uma vez que se trata de uma temática que deve estar presente nos cursos de formação de professores/as e nos debates coletivos realizados nas instituições. Por essa via, acreditamos que é possível favorecer a desconstrução de práticas excludentes e, por conseguinte, a construção de práticas que potencializem a formação de todos/as e de cada um/a dos/as estudantes.

Avaliação informal: a parte oculta da avaliação

As pesquisas que serão apresentadas nesta seção tomam a avaliação como categoria central de suas análises. São estudos que contemplam a escola e suas relações com a sociedade, mais enfaticamente com a sociedade capitalista. É nessa direção que alguns autores afirmam que a forma escola adquire os contornos da sociedade na qual se encontra, sendo suas principais funções sociais excluir e subordinar (Freitas, 1995; Freitas et al., 2009).

Para esses autores, tais funções perpassam os processos de avaliação que ocorrem em sala de aula. Assim, podemos dizer que a avaliação carrega os objetivos - que não se ligam apenas à aprendizagem dos conteúdos escolares - e modula a categoria conteúdos/métodos.

[…] o que será avaliado constitui seu objetivo. É por isso que propusemos a categoria da avaliação na forma de um par dialético avaliação/objetivos. Esta dupla é depositária tanto dos objetivos de conteúdos, como dos objetivos ligados a valores e atitudes - informados pela função social da escola incorporada na organização do trabalho pedagógico (ensino coletivo, seriação, homogeneização, etc.) (Freitas, 1995, p. 210).

Freitas et al. (2009, p.24) explicam que “a avaliação envolve um ‘tripé’ constituído pela avaliação instrucional, disciplinar e atitudinal” (aspas do original). A avaliação instrucional (formal) é o lado mais conhecido da avaliação, em que habilidades e conhecimentos são avaliados por meio de provas, testes, trabalhos, dentre outros instrumentos. Já os aspectos disciplinar e atitudinal remetem ao campo informal e ocorrem nas interações estabelecidas em sala de aula. Como afirma Villas Boas (1995; 2011), a avaliação informal está presente na sala de aula e na escola, em todas as situações de aprendizagem.

Freitas et al. (2009, p. 28) ainda destacam que a avaliação informal se relaciona com os juízos de valor que o/a professor/a tem de seus alunos e alunas.

Os professores tendem a tratar os alunos conforme os juízos de valor que vão fazendo deles. Aqui começa a ser jogado o destino dos alunos – para o sucesso ou para o fracasso. As estratégias de trabalho do professor em sala de aula ficam permeadas por tais juízos e determinam, consciente ou inconscientemente, o investimento que o professor fará neste ou naquele aluno. É nessa informalidade que se joga o destino das crianças mais pobres.

Para os autores, a avaliação do comportamento/disciplinar é um instrumento de controle e obriga os/as discentes a seguirem as regras, configurando as relações de poder em sala de aula. Esse poder “está ligado ao fato de o professor ter a possibilidade de aprovar ou reprovar a partir do elemento anterior, ou seja, a partir da avaliação da instrução” (Freitas, 2003, p. 41). A avaliação de valores e atitudes se refere à forma como o/a professor/a trata o/a aluno/a em sala de aula, suas repreensões ou elogios perante a turma com base nos valores e nas atitudes do/a estudante.

A avaliação informal está diretamente ligada à submissão. Para Freitas (2003, p. 42), é “no campo da avaliação de valores e atitudes, bem como no da avaliação do comportamento do aluno, que se instala preferencialmente a lógica da submissão”. A avaliação instrucional articulada a essas dimensões da avaliação informal “cria o campo necessário para que se exercitem relações sociais de dominação e submissão ao professor e à ordem” (Freitas, 2003, p. 43).

Assim a avaliação na escola capitalista molda as atitudes e o comportamento dos/as estudantes e vai além de analisar o nível de conhecimento destes, ela os controla. Fica, desse modo, mais próxima do autoritarismo do que da democracia (Freitas, 2010). A maneira como o/a professor/a trata seus alunos e alunas, os elogios direcionados e escolhidos podem definir a trajetória do/a estudante e como ele/a vai se desenvolver em sala de aula, pois afeta sua autoestima, suas crenças sobre si próprio/a e sobre sua aprendizagem (Freitas et al., 2009; Villas Boas, 1995). Dito de outro modo, as relações estabelecidas em sala de aula podem excluir muito mais do que as avaliações formais (Freitas et al., 2009).

Ainda sobre a avaliação, Bourdieu e Passeron (1975, p. 171) advertem sobre as funções ocultas dos exames, sinalizando a relação entre o sistema de ensino e a perpetuação das classes sociais. Para os autores, não há nada mais adequado que os exames “para inspirar a todos o reconhecimento da legitimidade dos veredictos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam”.

Sabendo-se tudo o que o julgamento dos examinadores deve a normas implícitas que retraduzem e especificam na lógica propriamente escolar os valores das classes dominantes, vê-se que os candidatos têm que suportar um handicap tanto mais pesado quanto esses valores estão mais afastados daqueles de sua classe de origem. A ótica de classe está mais marcada do que nunca nas provas em que o examinador mais se libera quanto aos critérios implícitos e difusos da arte tradicional de dar nota, como a prova de dissertação ou a oral, ocasião de se fazer julgamentos totais, armados dos critérios inconscientes da percepção social, sobre pessoas totais, cujas qualidades morais e intelectuais são percebidas através dos infinitésimos do estilo ou das maneiras do acento ou da elocução, da postura ou da mímica, ou mesmo das roupas e dos cosméticos […] (Bourdieu & Passeron, 1975, p. 171).

A origem social sobressai entre os fatores que constituem o olhar do professor/a para o/a estudante, bem como a sua relação com o mesmo (Freitas et al., 2009). Bourdieu e Saint-Martin (2018, p. 213), ao abordarem o julgamento professoral [3] , destacam que “para nota igual ou equivalente, as apreciações são tanto mais severas e mais brutalmente expressas, menos eufemísticas, quanto mais baixa é a origem social das alunas”. Os autores também ressaltam que não há neutralidade nesse processo e que o julgamento professoral se apoia em critérios difusos, não explicitados, que são oferecidos pelos trabalhos escolares e pelo/a seu/sua autor/a.

Não há dúvidas de que o julgamento que pretendem aplicar-se à pessoa em seu todo levam em conta não somente a aparência física propriamente dita, que é sempre socialmente marcada (através de índices como corpulência, cor, forma do rosto), mas também o corpo socialmente tratado (com a roupa, os adereços, a cosmética e principalmente as maneiras e a conduta) que é percebido através das taxionomias socialmente constituídas, portanto lido como sinal da qualidade e do valor da pessoa (Bourdieu & Saint-Martin, 2018, p. 214).

Em uma de suas pesquisas, Freitas (1995) apresenta dados de um estudo desenvolvido em uma escola localizada na periferia de um município no interior de São Paulo. Nas interações com seus estudantes, a professora acompanhada durante o estudo reproduz o discurso da meritocracia [4] existente na sociedade capitalista, descartando as dificuldades sociais, variáveis que trazem grandes repercussões para o desempenho escolar.

Freitas (1995) relata que a docente separava os alunos e as alunas em fileiras, algumas com os considerados “fracos” e outras com “fortes”. Durante a realização das atividades, os que estavam na fileira dos “fortes” enfatizavam serem pertencentes a esse grupo e puniam os outros colegas com comentários agressivos e constrangedores. Vale dizer que no meio do ano letivo, durante uma conversa com outra docente, a professora dessa turma afirmou que doze crianças seriam reprovadas e, no final do ano letivo, treze estudantes não foram promovidos para a série seguinte, dentre eles aqueles que estavam na fileira dos “fracos”.

Pinto (1994) também desenvolveu uma investigação sobre a avaliação em sala de aula. Em sua pesquisa, ao questionar uma professora de uma escola pública sobre a forma que avaliava seus/suas alunos/as, obteve a seguinte resposta: “Olha, eu considero várias coisas: comportamento… aplicação dos conteúdos que eu passo para a classe… a participação deles, entende?” (Pinto, 1994, p. 58, grifos da autora). Apesar do domínio dos conteúdos ser sinalizado pela docente como importante no processo de avaliação, a pesquisadora percebeu o peso da avaliação informal em algumas situações.

Esse foi o caso do aluno intitulado “Adr”, que não tinha o comportamento almejado pela professora e andava com um colega que já era considerado “caso perdido” (Pinto, 1994, p. 114). Durante o ano letivo, a professora afirmou que “Adr” possuía condições de passar de ano, mas ao fazer uma visita à casa do estudante para dar uma “sondada”, percebeu que sua família era “problemática”, fato que repercutiu em sua decisão e o aluno acabou sendo reprovado. Quando questionada sobre o motivo pelo qual considerava a família de Adr “problemática”, a professora respondeu que o pai era drogado e a mãe muito nervosa, também disse que o ambiente de sua casa era muito ruim e ter dó da criança (Pinto, 1994).

Em suas declarações, a professora acompanhada por Pinto (1994) revela que sua avaliação informal sobre o comportamento de seus alunos e alunas e a família é usada para complementar seu julgamento. Ao rotular as famílias como “problemáticas”, a professora acaba reproduzindo os estereótipos presentes na sociedade e, assim, aquele que não corresponde ao modelo idealizado terá “um caminho difícil pela frente para obter sucesso ao final do ano” (Pinto, 1994, p. 114).

Considerando os dados de sua pesquisa, Pinto (1994) sumariou a lógica da avaliação adotada pela professora acompanhada. A seguir, temos um quadro com a intersecção entre avaliação formal e informal.

Fonte: produzido pelas autoras com base em Pinto (1994, p. 124).

Quadro 1 Intersecção entre avaliação formal e informal 

Como podemos notar, o modelo de estudante é “um dos aspectos mais cruciais da avaliação” (Freitas, 1995, p 226). Ele é construído a partir das experiências dos/as professores/as e suas concepções sobre educação e sociedade. Como afirma Perrenoud (1986, p. 143):

Cada docente traz inevitavelmente consigo uma imagem mais ou menos estereotipada do bom e do mau aluno, e pode acontecer que o diagnóstico se faça por semelhança com qualquer destas imagens, ao sabor de uma avaliação global da pessoa, mais do que através de uma avaliação analítica das suas aquisições e das suas aptidões.

No quadro anterior, notamos como o modelo idealizado pela professora acompanhada por Pinto (1994) se traduz em resultados escolares. Esse modelo é tomado como guia da ação docente que favorece os “bons” (submissos, quietos e estudiosos), ao mesmo tempo que pune os que não se enquadram nesse ideal e, desse modo, “sobreviver no sistema escolar não se mostra uma tarefa fácil” (Pinto, 1994, p. 136).

De modo semelhante, Bertagna (2010) apresenta os achados de seu estudo que abordou a compreensão da avaliação na implantação do Regime de Progressão Continuada no Estado de São Paulo. Bertagna (2010) desenvolveu uma pesquisa qualitativa que acompanhou, durante um ano, quatro turmas do ensino fundamental, bem como os momentos coletivos da escola. Segundo a autora, “avaliação informal ganha forte expressão nessa nova forma de organização escolar, revelando, também, novas formas de manutenção da seletividade e da exclusão escolar” (Bertagna, 2010, p. 193). E enfatiza:

Por meio do conceito de avaliação informal, tenta-se demonstrar que a classificação ou a diferenciação dos alunos segundo o sucesso ou o fracasso mantém-se, mesmo com medidas que dizem expurgá-las. Os mecanismos de seleção e eliminação continuam presentes no interior das escolas, independentemente de decretos ou ações que visam tratar tal problema isoladamente ou desconsiderá-lo como não inerente à forma e à organização da escola e da sociedade atual (Bertagna, 2010, p. 213).

Nessa trilha, em um estudo realizado por Oliveira e Medeiros (2018), percebemos como essas relações estabelecidas em sala de aula também orientam as discussões que ocorrem nos Conselhos de Classe, colegiado muitas vezes responsável pela aprovação/reprovação dos/as estudantes, alicerçado nas avaliações realizadas. A pesquisa foi desenvolvida em um colégio estadual de um município da região metropolitana de Curitiba e foram analisados interpretações e julgamentos realizados por professores/as sobre alunos/as dos sextos anos, nas reuniões do Conselho de Classe.

A partir dos dados obtidos, os autores construíram quatro categorias de análise (Oliveira & Medeiros, 2018, p. 724): i - comportamento: “adjetivações relacionadas ao comportamento, formas de agir do estudante no espaço escolar”; ii - contexto social: “adjetivações relacionadas ao contexto social, como a origem do aluno, menções sobre os seus responsáveis, etc.”; iii - hexis corporal: “componente do habitus, forma física de estar que reflete sua condição de classes”; iv - produção acadêmica: “adjetivações relacionadas diretamente ao rendimento acadêmico”. Vale dizer que com base nas observações e na análise dos documentos escolares, os pesquisadores constataram que o destino escolar de alguns estudantes foi traçado no segundo Conselho de Classe. Oliveira e Medeiros (2018, p. 721) inferem que:

[…] a avaliação é um processo muito mais cruel do que simplesmente a verificação de aprendizagem, já que nesse processo é colocada em pauta não só a capacidade intelectual, mas também características sociais, morais e culturais dos alunos, favorecendo aquele indivíduo já “treinado”, “socializado” pela família, com mais capital cultural compatível com a instituição (aspas do original).

Dessa forma, fica notório como a avaliação ocupa espaço central na organização do trabalho pedagógico. Como diz Freitas et al. (2009, p. 23), a avaliação “expressa relações de poder atuantes no seio da sala de aula, […] modula o próprio acesso ao conteúdo e interfere no método escolhido para os alunos”. Apesar de ser mais conhecida pelo seu lado formal, vimos que a avaliação informal articula os processos de interação entre professor/a-estudante, influenciando as escolhas feitas pelo primeiro e, por conseguinte, repercutindo nas aprendizagens oportunizadas (ou não) para o segundo, bem como nas respectivas trajetórias escolares.

Deste modo, nos estudos sobre avaliação informal, ganha relevo o juízo de valor do/a professor/a, construído social e historicamente, que repercute nas relações estabelecidas em sala de aula. Como afirma Freitas et al. (2009, p. 29, grifos do original), “é a relação que aprova ou reprova”. A avaliação formal, nessa perspectiva, tem sido utilizada para legitimar decisões advindas desses processos informais de avaliação.

Expectativa docente conduzindo as relações estabelecidas em sala de aula

Na seção anterior, abordamos a avaliação informal, considerando sua relação com a avaliação formal desenvolvida pelo/a docente. Vimos que a avaliação informal diz respeito aos juízos de valor que acabam por repercutir nas relações estabelecidas em sala de aula e nas decisões metodológicas do/a professor/a. Como explica Freitas (2003, p. 45), “quando a avaliação formal entra em cena, a avaliação informal já atuou no plano da aprendizagem, de maneira que aquela tende apenas a confirmar os resultados desta”.

Iremos, agora, nos dedicar à expectativa docente. Para tanto, temos, a seguir, um quadro que sistematiza algumas referências que nos ajudam nesse processo.

Fonte: as autoras.

Quadro 2 Estudos sobre expectativas docentes. 

Rosenthal e Jacobson são autores que frequentemente são citados quando buscamos por pesquisas nessa área. Esses pesquisadores iniciaram os estudos sobre as expectativas docentes sobretudo com a obra Pigmalião em sala de aula, no ano 1968 (Timmermans et al., 2018). De acordo com Timmermans et al. (2018, p. 93, traduzido pelas autoras), tal pesquisa teve grande impacto científico ao apresentar que “alguns professores formam e comunicam expectativas diferentes a seus alunos e que alguns alunos internalizam essas expectativas de maneiras que se manifestam em seu desempenho real”.

A título de exemplo, temos uma publicação de 1981. Nela, Rosenthal e Jacobson (1981) ressaltam os possíveis efeitos de valores, crenças e expectativas dos/as docentes em sala de aula. Os pesquisadores partem da seguinte conjectura: em uma sala de aula, as crianças de quem o/a professor/a espera maior desempenho intelectual, apresentam tal desempenho. E, desse modo, ocorre uma profecia autorrealizadora, ou seja, uma profecia que pode levar a sua efetivação (Rosenthal & Jacobson, 1981).

Assim, os experimentos são realizados a partir de indicações randômicas, em que é dito ao/à docente sobre as capacidades intelectuais de alguns estudantes. Ao realizarem seus experimentos em uma escola primária estadunidense no início do ano letivo de 1964, por exemplo, algumas crianças foram indicadas como academicamente aceleradas após a aplicação do Harvard Test of Inflected Acquisition. Todavia, como afirmam Rosenthal e Jacobson (1981, p. 271, aspas do original), “os nomes dos 20% das crianças indicadas como ‘aceleradas’, foram sorteadas através de uma tabela de números equiprováveis”. Portanto, a diferença entre essas crianças “existia apenas na cabeça do professor”.

O teste foi realizado novamente quatro meses após os/as docentes receberem as indicações das crianças ‘aceleradas’. Ao final do ano letivo, o teste ocorreu mais uma vez. Nesse momento, também foi solicitado aos/às professores/as que classificassem seus/suas alunos/as considerando: sucesso futuro, interessados/as, curiosos/as, felizes, sedutores/as, ajustados/as, afetivos/as, hostis e motivados/as. As conclusões obtidas foram as seguintes:

As crianças cujo crescimento intelectual era esperado foram descritas como tendo mais condições de se tornarem bem-sucedidas no futuro, como significativamente mais interessantes, curiosos e felizes. Houve também uma tendência a considerar essas crianças como mais atraentes, ajustadas, afetivas e com menor necessidade de aprovação social. Em resumo, as crianças cujo desenvolvimento intelectual era esperado tornaram-se mais vivas e autônomas intelectualmente, ou, pelo menos, eram assim percebidas por seus professores. Vimos que as crianças do grupo experimental cresceram mais intelectualmente e, portanto, existe a possibilidade de que este crescimento tenha contribuído para a classificação mais favorável de seu comportamento e de suas atitudes. […] poder-se-ia concluir que quando as crianças em relação às quais se mantém uma expectativa de desenvolvimento intelectual realmente correspondem a esta expectativa, são consideravelmente beneficiadas também em outros aspectos (Rosenthal & Jacobson, 1981, pp. 273-274).

Good (1981) também aborda as expectativas docentes e destaca como podem impactar a interação em sala de aula, bem como as ações do/a professor/a e do/a estudante. Em seu trabalho, relata pesquisa desenvolvida com Jere Brophy no ano 1970, na qual os autores observaram quatro salas de aulas de uma escola localizada em um pequeno distrito do Texas (Good, 1981). Foi pedido aos quatro professores/as que classificassem seus estudantes. Articulando as observações das salas de aula e as classificações realizadas, “os resultados demonstraram que esses professores em particular forneceram mais oportunidades de resposta a alunos de alto desempenho do que a alunos de baixo desempenho” (Good, 1981, p. 415, traduzido pelas autoras).

Good e Brophy (1970) entendem que há um modelo a ser considerado nas reflexões acerca da relação entre expectativa docente e o desenvolvimento das aulas. Esse modelo é descrito pelos autores da seguinte forma:

(a) O professor cria diferentes expectativas para o desempenho do aluno; (b) Ele então começa a tratar as crianças de maneiras diferentes de acordo com suas expectativas; (c) As crianças respondem diferentemente para o professor porque eles são tratados de forma diferente por ele; (d) Respondendo ao professor, cada criança tende a exibir comportamentos que complementam e reforçam as expectativas particulares do professor; (e) Como resultado, o desempenho acadêmico de algumas crianças será aprimorado enquanto o de outros deprimido, com mudanças ocorrendo na direção das expectativas dos professores; (f) Estes efeitos aparecerão nos resultados dos testes realizados no final do ano, fornecendo suporte para a ‘profecia auto-realizadora’ (Good & Brophy, 1970, p. 365, traduzido pelas autoras, aspas do original).

A partir desse modelo, os autores criaram um roteiro para observar a interação e comunicação dos/as professores/as com os/as estudantes. Tal roteiro se baseia nos elogios e nas repreensões por parte dos/as docentes e na tentativa dos/as alunos/as de participarem da aula, ou seja, quando os/as estudantes “levantam as mãos, abordam o professor, fazem perguntas, fazem comentários, etc.” (Good, 1981, p. 415, traduzido pelas autoras). Sobre o comportamento dos/as professores/as, Brophy e Good observaram que alguns criticavam “os alunos de baixa performance mais frequentemente do que os alunos com alta performance por respostas incorretas” e, ainda, “elogiavam menos os alunos de baixa performance por respostas corretas do que os alunos com alta performance” (Good, 1981, p. 418, traduzido pelas autoras).

Para Good (1981), é notório o comportamento diferenciado do/a professor/a em relação aos estudantes de alto e baixo desempenhos. Isso se torna um problema quando impede que o/a aluno/a avance no aprendizado. Ao chamar a atenção do/ aluno/a na frente da classe inteira, por exemplo, o professor/a pode inibir participações futuras em sala de aula e, dessa forma, impactar no processo formativo do/a estudante.

Nessa direção, Rist (1970, p. 413) defende que as “expectativas e interações sociais dão origem a organização social da sala de aula” (traduzido pelas autoras). Ele acompanhou por um ano uma turma de jardim de infância localizada em um bairro urbano dos Estados Unidos. Nos primeiros dias de aula, com base na sua avaliação e em suas expectativas, a professora organizou a sala separando alguns estudantes. Sobre essa separação, Rist (1970, p. 422, traduzido pelas autoras; grifos nossos; aspas do original) destaca:

Eu acredito que a professora não designou aleatoriamente as crianças para as mesas, é necessário indicar o motivo para essa organização. Eu defendo que a professora escolheu utilizando alguma combinação de seus quatro critérios descritos acima, uma série de expectativas sobre o desempenho potencial de cada criança e, em seguida, agrupou as crianças de acordo com a percepção no desempenho esperado. A própria professora me informou que a primeira mesa consistia em seus ‘aprendizes rápidos’, enquanto os alunos das últimas mesas ‘não tinham ideia do que estava acontecendo na sala de aula’. O que se torna crucial nessa discussão é determinar a base sobre a qual a professora desenvolveu seus critérios para ‘aprendiz rápido’, uma vez que não houve teste formal das crianças quanto o seu potencial acadêmico ou capacidade de desenvolvimento cognitivo. Ela fez uma avaliação com base em seus julgamentos das capacidades esperadas das crianças para executar tarefas acadêmicas depois de oito dias de escola.

Segundo o autor, nessa separação a docente considerou quatro critérios: aparência física, interação com a professora, linguagem verbal e o que ela sabia sobre o/a aluno/a (classe social, por exemplo). O autor chegou a essa conclusão ao analisar as vestimentas dos/as estudantes, o odor e a linguagem verbal, chamados por ele de “linguagem escolar”. Rist (1970) dá ênfase a essa expressão - linguagem escolar - mais de uma vez em seu texto. Para ele, era nítido que as crianças que tinham mais contato com a professora apresentavam maior domínio da língua inglesa padrão, não falavam (ou falavam menos) gírias e dialetos de seus bairros e por isso estavam mais alinhadas com a cultura escolar.

Os estudantes que na visão da docente aprendiam mais rápido foram posicionados próximos a ela, enquanto os outros estavam afastados da lousa, o que dificultava a visualização. Algumas vezes, esses/as alunos/as foram repreendidos pela professora por não estarem sentados adequadamente, inclinando-se para visualizar a anotação presente no quadro.

Rist (1970) observou que os alunos e as alunas colocados nas redondezas da docente tinham uma situação socioeconômica mais privilegiada. Assim, podemos notar como a expectativa docente é um fator relevante na organização do trabalho pedagógico em sala de aula e interfere diretamente na relação docente-estudante, podendo repercutir nas aprendizagens proporcionadas (ou não) aos/as alunos/as. Como afirma Rist (1970, p. 427), “embora as crianças de baixo status tivessem conhecimento acumulado, elas não tiveram a oportunidade de verbalizá-lo e, consequentemente, o professor não sabia o que haviam aprendido” (traduzido pelas autoras).

Nessa esteira, retomamos a pesquisa de Pinto (1994) mencionada na seção anterior. Assim como Rist (1970), Pinto (1994) ressalta que a professora acompanhada separava, em sua sala de aula, os estudantes em “bons” ou “ruins”. Essa separação era realizada a partir de suas expectativas quanto ao que seria um estudante ideal: aquele que era submisso e, por isso, estava mais propício a alcançar o sucesso escolar. Nas palavras da autora:

Pudemos notar também que a descrição feita de cada criança deste grupo foi ao encontro das expectativas que a professora ‘B’ tinha de um bom aluno, principalmente em relação à variável ‘comportamento’, que se constituía elemento importante na avaliação. Isto foi explicitado por ‘B’ nas diversas entrevistas que realizamos e nos contatos informais que estabelecemos durante todo o decorrer do ano (Pinto, 1994, P. 102, grifos nossos e aspas do original).

Como podemos observar, Pinto (1994) faz referência à expectativa da docente ao comentar sobre a avaliação por ela realizada. Ressaltamos que em outras passagens Pinto (1994) também faz menção às expectativas, como podemos notar no trecho a seguir.

Quando a professora ‘B’ assumiu a classe, em sua primeira entrevista afirmou sobre sua turma: ‘Olha, eu, sinceramente tô achando uma classe muito desinteressada…’. Na primeira reunião de pais que realizou, disse para eles: ‘…Uma boa parte das crianças não respeita a gente, elas são muito levadas… Acho que talvez o problema seja o bairro, que é famoso pelos problemas… Eles [os alunos] não fazem silêncio, como é que eles vão aprender assim?’. […] Essas expectativas criadas para um começo de trabalho provavelmente influenciaram a relação da professora com seus alunos e, consequentemente a avaliação encaminhada por ela (Pinto, 1994, p. 117, grifos nossos e aspas do original).

Vale lembrar que ambas as pesquisas destacam que as expectativas docentes surgiram já no início do ano letivo (Rist, 1970; Pinto, 1994). Ao conhecer os/as estudantes, obter informações do bairro e de familiares, as professoras organizaram a sala de aula e seus trabalhos e até traçaram o futuro dos/as estudantes, indicando aqueles que teriam sucesso. Na pesquisa de Pinto (1994) podemos notar como esse olhar da professora para seus/suas estudantes esteve presente também na decisão sobre a aprovação/reprovação dos/as estudantes.

E isso nos lembra das pesquisas de Freitas (1995) e Oliveira e Medeiros (2018) já abordadas na seção anterior. Os autores observaram que algumas decisões sobre aprovação/reprovação foram tomadas no meio do ano letivo. Sobre o estudo de Oliveira e Medeiros (2018), também é importante dizer que há menção às expectativas docentes. Considerando as pesquisas de Rosenthal e Jacobson (1991; 1968 como citados em Oliveira & Medeiros, 2018, p. 730), os pesquisadores enfatizam como “as expectativas dos professores sobre os alunos desencadeiam ações que favorecem o acontecimento de profecias” (Oliveira & Medeiros, 2018, p. 730, grifos nossos).

Timmermans et al. (2021) afirmam que pesquisas mais recentes também destacam que professores/as podem favorecer mais alguns estudantes do que outros, conforme suas expectativas. Assim, são oportunizadas atividades mais desafiadoras e feedbacks com foco na melhoria da aprendizagem para aqueles/as alunos/as que os/as docentes possuem altas expectativas. Ressaltam ainda que, de acordo com os estudos por eles analisados, alguns estudantes parecem ser mais suscetíveis aos efeitos da profecia autorrealizável das expectativas docentes, como aqueles de família de baixa renda e de grupos étnicos minoritários.

De modo semelhante, Meissel et al. (2017) destacam que quando os/as docentes subestimam o nível de aprendizagem dos/as estudantes, proporcionam atividades de nível inferior e isso se acumula ao longo do tempo, reduzindo as suas possibilidades de escolarização. Assim, constitui-se uma profecia autorrealizadora de insucesso. Eles enfatizam que “há um corpo substancial de evidências […] que indica que os professores normalmente têm expectativas mais baixas de alunos marginalizados, mesmo depois de controlar o desempenho” (Meissel et al., 2017, p. 57, traduzido pelas autoras).

Como alternativa, os autores defendem o uso da intervenção de contra-estereótipos, de modo a preparar os/as professores/as a construir concepções positivas acerca dos seus/suas alunos/as, sobretudo aqueles sujeitos a preconceitos. Segundo os autores, “remover o preconceito dos julgamentos dos professores deve ser uma prioridade na educação” (Meissel et al. 2017, p. 58, traduzido pelas autoras).

Nessa direção, Rubie-Davies e Rosenthal (2016) descrevem um estudo desenvolvido em escolas primárias da Nova Zelândia. Foram realizados workshops com os/as docentes em que foram apresentados resultados de pesquisas desenvolvidas na área, além de enfatizar a importância: do estabelecimento de altas metas para os/as alunos/as; da constituição de grupos flexíveis de trabalho em vez de composição de grupos a partir das mesmas habilidades; da escolha, pelos/as estudantes, das atividades a serem realizadas; do clima de sala de aula; e da avaliação e do feedback.

Segundo os dados apresentados pelos pesquisadores, onde houve a intervenção foi possível identificar ganhos em matemática em relação ao grupo controle. Tais ganhos foram identificados em diferentes grupos étnicos, com diferentes níveis socioeconômicos, trazendo benefícios para ambos os gêneros. Rubie-Davies e Rosenthal (2016) ressaltam o contexto da Nova Zelândia, em que as escolas são bem equipadas, os/as docentes recebem o mesmo salário, independentemente da localização da instituição onde atuam e as escolas de menor nível socioeconômico recebem mais investimento do que aquelas de maior nível socioeconômico.

Mesmo assim, para os pesquisadores, o estudo reforça o papel das crenças e práticas docentes e oferecem orientações que podem direcionar o aumento das expectativas para que os/as estudantes sejam beneficiados. E afirmam que:

Investir no futuro de nossos alunos, garantindo a incorporação de comportamentos e princípios de alta expectativa em cada sala de aula oferece um meio estimulante e potencialmente produtivo de melhorar tanto resultados acadêmicos e sociais para todos os alunos (Rubie-Davies & Rosenthal, 2016, p. 91, traduzido pelas autoras).

Para Timmermans et al. (2018), embora existam poucos estudos de intervenção, aqueles que foram realizados demonstram favorecer docentes e discentes. De acordo com os pesquisadores, os estudos de intervenção proporcionam “oportunidades de aprender em níveis mais altos, e isso parece resultar em uma diminuição nas lacunas de aproveitamento entre alunos com alto e baixo aproveitamento” (Timmermans et al., 2018, p. 96, traduzido pelas autoras). Assim, defendem que nos cursos de formação de professores/as seja dada prioridade aos resultados obtidos nos estudos sobre expectativas docentes, de modo que evitem efeitos negativos de baixas expectativas.

Com os estudos apresentados, notamos que assim como a avaliação informal, a expectativa docente está presente na metodologia adotada pelo/a professor/a. Parece-nos que o/a professor/a tem um modelo de estudante que deseja formar e organiza sua prática em sala de aula a partir dessa referência. Concordemos com Timmermans et al. (2018) quanto à necessidade de articular as áreas de pesquisa em educação, psicologia e sociologia para a análise acerca das expectativas docentes. No entanto, acreditamos ser preciso resgatar o que está por trás dessas expectativas, aprofundando a reflexão. Em outras palavras, o que orienta o olhar dos/as docentes para seus estudantes? Como esse olhar é constituído? Como se relaciona com a sociedade capitalista e os valores por ela estabelecidos?

Avaliação informal e expectativa docente: reflexões finais

Ao analisar os estudos anteriormente apresentados, entendemos que há aproximações entre avaliação informal e expectativa docente. Embora existam aproximações, o que nos parece ser mais amplo nas abordagens relacionadas à avaliação é justamente a ênfase dada aos processos históricos e sociais que perpassam a escola, bem como a constituição do olhar do/a professor/a a partir de suas concepções de sociedade e educação. E, ainda, não podemos esquecer que as análises centralizadas na avaliação a destacam como ferramenta para se obter a submissão à lógica da forma escola e, por conseguinte, favorecer a retradução contínua “e segundo códigos múltiplos, [das] desigualdades de nível social em desigualdades de nível escolar” (Bourdieu & Passeron, 1975, p. 167).

Por isso, vemos como necessária a continuação do debate acerca das relações estabelecidas em sala de aula, especialmente quanto à avaliação informal que, considerando o exposto, abarca as expectativas docentes. Os estudos aqui apresentados foram desenvolvidos em momentos diferentes, em contextos diversos. Em comum, percebemos que os juízos de valor continuam repercutindo no processo de formação (ou seria melhor dizer seleção?) dos/as estudantes. Mesmo quando há políticas que buscam eliminar a reprovação, a avaliação informal continua a operar, colocando “‘as pessoas’ nos seus lugares”, promovendo e intensificando as desigualdades existentes em nossa sociedade (Bertagna, 2010, p. 204, aspas do original).

Notamos, assim, que não se trata de uma simples escolha técnica do/a docente quanto às práticas realizadas com sua turma. Não são apenas escolhas pessoais ou um olhar individual que se criou sem conexão com o mundo ao seu redor. Não se refere somente a uma questão pontual, que pode ser facilmente solucionada ao se “tratar” aquele/a profissional, ensinando-lhe algumas estratégias para desenvolver com sua turma. São processos complexos, pertencentes a uma sociedade contraditória. Portanto, não há solução somente pela via da adoção de “novas” metodologias ou a imposição, via decreto, de uma “nova” organização escolar. Dentre as inúmeras variáveis que poderíamos contemplar na discussão do cenário apresentado, gostaríamos de destacar a formação dos/as professores/as.

Villas Boas e Soares (2016) ressaltam que existem lacunas na formação dos/as docentes quanto à avaliação. Quando aparece nas licenciaturas, está mais associada a elementos técnicos, muitas vezes como sinônimo de prova, o que nos faz inferir que o seu lado informal não é contemplado e analisado. Defendemos ser necessário debater o lado informal da avaliação. Acreditamos que, por essa trilha, pode ser possível a tomada de consciência dos processos que permeiam a avaliação (e, consequentemente, as expectativas docentes), de modo que o/a professor/a, juntamente com seus/suas estudantes, possa construir alternativas para a organização do trabalho pedagógico, apesar do limite do momento histórico em que a escola está inserida. Aí incluímos a necessidade de romper com a aparência científica das avaliações, descortinando seus processos que, de neutro nada têm, já que “dissimula[m] a realização da função social do sistema escolar” (Bourdieu & Passeron, 1975, p. 168).

Assim como Bourdieu e Passeron (1975) e Freitas et al. (2009), acreditamos que não se trata somente de uma questão técnica. É preciso ir além, problematizando a escola em seu momento histórico, imbricada na sociedade que a cerca. E nessa perspectiva, esperamos que o/a professor/a, tendo consciência de que a avaliação pode ser um elemento de legitimação da exclusão a partir das desigualdades sociais presentes em sala de aula, não aceite hierarquias de qualidade baseadas na origem social (Freitas, 1995; Freitas et al., 2009). Assim, “é importante que o professor lide com as diferenças dos alunos como ‘simples diferenças’ e não como ‘diferenças antagônicas’ que conduzem à exclusão” (Freitas et al., 2009, p. 31, aspas do original).

As práticas e ações pedagógicas podem ser transformadas. A avaliação é importante no processo de ensino e aprendizagem e pode auxiliar no desenvolvimento dos estudantes (Villas Boas, 2001). A expectativa docente - integrante do processo avaliativo, em nossa análise - também pode trazer benefícios se conduzida de maneira consciente e não excludente (Timmermans et al., 2021).

Acreditamos que novas pesquisas podem e devem ser desenvolvidas na busca por conhecimentos que favoreçam a compreensão dos processos de avaliação realizados e das expectativas construídas, sem desconsiderar a forma escola em uma sociedade capitalista. Como a abordagem da avaliação, conectada com a escola, o seu contexto e as expectativas aí construídas, pode favorecer a desconstrução de concepções alinhadas a modelos ideais de alunos/as? Como tal abordagem pode fomentar práticas que rompam com visões meritocráticas, classificatórias e excludentes? Continuar esse diálogo possibilita a construção de proposições que venham favorecer a formação dos/as estudantes, sobretudo dos/as filhos/as das classes trabalhadoras que frequentam nossas escolas públicas.

Referências

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[1]Agrademos ao IFSP, campus Bragança Paulista, pelo apoio financeiro concedido para o desenvolvimento desta pesquisa, a partir do PIBIFSP – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo.

[2]O estudo das expectativas dos/as professores/as começou com a obra “Pigmalião na sala de aula”, de Rosenthal e Jacobson, em 1968. Essa obra “marcou o início de uma rica tradição de investigação das expectativas dos professores” (Timmermans et al. 2018, p. 91).

[3]De acordo com os autores, o julgamento professoral se apoia em “um conjunto de critérios difusos, jamais explicitados, padronizados ou sistematizados, que lhe são oferecidos pelos trabalhos e exercícios escolares ou pela pessoa física do seu autor” (Bourdieu & Saint-Martin, 2018, p. 213).

[4]Freitas (1995, p. 206) ressalta o processo de culpabilização do aluno. A posição social é salientada como resultado da dedicação ou não aos estudos e, desse modo, oculta-se o real motivo, “ou seja, sua posição de filho de trabalhador”.

Recebido: 02 de Março de 2021; Aceito: 29 de Julho de 2021

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