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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202136827 

Artigos

Considerações sobre saúde e inclusão para qualidade de vida de estudantes universitários

Consideraciones de salud e inclusión para calidad de vida de los estudiantes universitarios

Some considerations on health and inclusion for university students’ quality of life

Clarissa Faverzani Magnago1 
http://orcid.org/0000-0001-9904-9426

Daniele dos Anjos Schmitz2 
http://orcid.org/0000-0003-4868-7094

Sílvia Maria de Oliveira Pavão3 
http://orcid.org/0000-0002-5365-0280

1Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2010). Doutoranda em Educação pela UFSM. Psicóloga da Unidade de Apoio Pedagógico do Centro de Ciências da Saúde da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Inclusão (GEPEDUSI).

2Mestre em Tecnologias Educacionais em Rede pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2017). Doutoranda em Educação pela UFSM. Pedagoga da Universidade Federal do Pampa. Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Inclusão e Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Educação.

3Doutora em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona (2003). Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Inclusão (GEPEDUSI).


Resumo

Esta pesquisa descritiva e exploratória teve como amostra 22 universitários do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria. Com um questionário online, investigou sobre os conceitos de saúde, inclusão e qualidade de vida e foi analisada pela perspectiva da Análise de Conteúdo de Bardin. Como resultado, verificou-se que saúde e inclusão foram percebidas de maneira ampla, saúde englobando fatores físicos, psicológicos, ambientais, relacionais e sociais; e inclusão, toda pessoa que se sinta deslocada ou inadequada num ambiente ou realidade. Concluiu-se que saúde e inclusão se inter-relacionam e podem determinar uma maior ou menor qualidade de vida para universitários.

Palavras-chave Saúde; Inclusão; Qualidade de vida; Universitários

Resumen

Esta investigación descriptiva y exploratoria tuvo como muestra a 22 universitarios del Centro de Ciencias de la Salud de la Universidad Federal de Santa Maria. Con un cuestionario en línea, investigó sobre los conceptos de salud, inclusión y calidad de vida y fue analizada desde la perspectiva del Análisis de Contenido de Bardin. Como resultado, se verificó que salud e inclusión fueron percibidas de manera amplia, salud englobando factores físicos, psicológicos, ambientales, relacionales y sociales; e inclusión, toda persona que se sienta desplazada o inadecuada en un ambiente o realidad. Se concluyó que la salud y la inclusión se interrelacionan y pueden determinar una mayor o menor calidad de vida para los universitarios.

Palabras clave Salud; Inclusión; Calidad de vida; Universitarios

Abstract

This descriptive and exploratory research included 22 university students from the Health Sciences Center of the Federal University of Santa Maria. With an online questionnaire, it investigated the concepts of health, inclusion and quality of life and was analyzed from the perspective of Bardin’s Content Analysis. As a result, it was verified that health and inclusion were perceived in a broad way, health encompassing physical, psychological, environmental, relational and social factors; and inclusion of all people who feel displaced or inadequate in an environment or reality. It was concluded that health and inclusion are interrelated and can determine a higher or lower quality of life for university students.

Keywords Health; Inclusion; Quality of life; University students

Introdução

A intersecção entre os três conceitos básicos que circunscrevem este estudo - saúde, inclusão e qualidade de vida - evidencia a relevância científica e social que fomentou a discussão em torno do contexto universitário.

Sobre os conceitos de saúde vigentes, uma retrospectiva do processo de construção mostrou que até meados do século XX, a saúde era vista exclusivamente como a ausência de doenças, com mudança significativa do panorama nos 70 anos seguintes, até a atualidade. Período esse permeado por lutas de classe, movimentos políticos e inúmeras reformas e crises no Sistema Sanitário Brasileiro (Osmo & Schraiber, 2015; Souza, 2014).

De qualquer modo, sempre prevaleceu um olhar da saúde sob o enfoque biomédico. A ruptura a esse olhar hegemônico só se tornou possível a partir do final da década de 1970, com o surgimento de novos conceitos em saúde, como a saúde coletiva, a promoção da saúde e a educação em saúde, quando se concebem as repercussões do cuidado com a saúde para o crescimento econômico e desenvolvimento humano (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2006; Câmara et al., 2012). Para Vitali et al. (2019, p. 10):

A compreensão do conceito de saúde para os estudantes universitários de saúde não é uníssono e expressa-se de forma polissêmica, ora convergindo para uma noção de prumo, às vezes focado na normalidade fisiológica e por fim a saúde como um caminho a ser construído.

Paralelamente às mudanças de concepções e ao cuidado da saúde avançam também as políticas de inclusão, nos âmbitos social e educacional, que preconizam para além do acesso e da participação social ações que favoreçam o bem estar e a qualidade de vida (Brasil, 2015; Antun, 2018).

Uma categoria social que ganhou maior expressão, nos últimos anos, é o público universitário, cujo bem estar para a permanência e conclusão de seus cursos tem sido acompanhado de obstáculos na aprendizagem, nos cuidados com a saúde e a socialização (Catunda & Ruiz, 2008; Carleto et al., 2019; Evangelista et al., 2020).

A qualidade de vida dos cidadãos proporciona mais autonomia sobre a vida e a saúde por meio do empoderamento, da apropriação, elaboração e reelaboração contínuos de conceitos acerca da saúde e da doença que lhes permitam compreender quais fatores são importantes para a garantia da saúde integral. Toda essa análise é causa e efeito dos movimentos que tencionam e legitimam a qualificação da vida, inclusive a eleição de estilos de vida e de modos de gerir a existência.

Nesse seguimento, a concepção dos fenômenos de inclusão versus exclusão torna-se intrínseca à presente discussão, já que este estudo trata sobre a abordagem de saúde e inclusão num público universitário em que os sentimentos de pertencimento e os medos de rejeição são parte integrante dessa população e refletem sobre o seu bem-estar e saúde como um todo.

Os marcos históricos da inclusão, alguns até anteriores à Idade Média, apresentam um conceito intimamente ligado às noções de exclusão e normatização (Santos et al., 2019). Entende-se que se alguém precisa ser incluído é porque necessariamente está excluído de algum contexto ou conjunto de pessoas. E, em geral, essa exclusão ocorre justamente porque existe um padrão, um modelo, algo que é o normal e o esperado a ser seguido (Mantoan, 2017; Mascaro, 2013; Souza et al., 2018). Nessa medida, as segregações se fazem muito presentes, considerando que as diferenças a esse padrão pré-estabelecido (determinada religião, raça, etnia, classe social, molde corporal, ideário acerca de saúde, expressão e escolha da sexualidade, “bons” alunos ou alunos “sem limitações”) são motivos suficientes para a eliminação dessa pessoa como parte de uma sociedade idealizada (Chammé, 2002; Christmann, 2018; Ribeiro et al., 2017; Oliveira Júnior et al., 2017).

Uma reflexão que emerge dessa discussão é sobre a necessidade de mudar ou tratar cada diferença para que se adeque ao esperado socialmente. Ou algo mais apropriado para uma sociedade que já passou por tantas exclusões (“loucos”, “mal formados”, “bruxas”) e violências em prol de um aparato de normalidade (Mascaro, 2013; Souza et al., 2018) seria primordialmente identificar e desativar os gatilhos que causam qualquer forma de discriminação. Isso condiz com uma mudança de atitude que deve operar em cada pessoa, como também em um coletivo social (Antun, 2018; Ribeiro et al., 2017). O que se espera disso é a aceitação das diferenças como fazendo parte do que se quer ter enquanto sociedade, instituições, escolas, bairros, para que, desse modo, todas as pessoas possam participar, desfrutar e atuar em todos os aspectos da vida (Mantoan, 2017).

O contexto educacional tem muito a contribuir para essa abertura da consciência coletiva, como é relatado apropriadamente por Oliveira Júnior et al. (2017, p. 647):

Se levarmos em consideração a perspectiva de que a escola direciona para uma abordagem crítica da realidade e da sociedade que circunda - e da qual todos os alunos fazem parte -, a educação, então tem como função social a característica de abrir-se à diversidade, bem como não contribuir para o aumento da discriminação e do preconceito, aceitando e retratando a diferença como símbolo máximo da diversidade, abolindo toda e qualquer manifestação de machismo, racismo e homofobia e todas as outras formas de opressão.

Na mesma direção, o Manual para garantir inclusão e equidade na educação (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 2019, p. 13) ressalta que “Ainda mais importante é […] enxergar diferenças individuais não como problemas a serem resolvidos, mas como oportunidades para democratizar e enriquecer a aprendizagem.”.

A inclusão, nesse sentido, compreende a relevância da participação social, que foi começando a ter visibilidade no Brasil a partir dos anos 1960, 1970, com a introdução paulatina de pessoas com deficiências e outros atores segregados da sociedade nas políticas públicas e ações práticas (educacionais e de vida social) em prol de uma sociedade mais inclusiva (Mascaro, 2013).

O entendimento de inclusão também carrega consigo as ideias de igualdade e equidade. A inclusão visa, dessa forma, a possibilitar as mesmas oportunidades às pessoas, independentemente de gênero, cor, raça, classe social, escolha sexual, mas não deixando de reconhecer as diferenças de cada ser humano, e dando ênfase, inclusive, à diversidade de opiniões, crenças e necessidades especiais de cada um (Santos et al., 2019). A concepção de equidade, nesse caso, “… é garantir que existe uma preocupação com justiça/processos justos, de modo que a educação de todos os estudantes seja considerada como de igual importância”. (Unesco, 2019, p. 13).

Estudos relacionados aos processos de saúde, inclusão e qualidade de vida vêm ganhando espaço no cenário acadêmico, constituindo um campo para proeminentes ações. Uma revisão desses estudos mostrou que são identificados problemas de diferentes ordens no contexto universitário que invariavelmente afetam a qualidade de vida, diante do que algumas intervenções são realizadas (Carleto et al., 2019; Eduardo, 2020; Evangelista et al., 2020; Mattos et al., 2018; Mengali, 2021). Entretanto, ainda se observam algumas lacunas, em especial quanto à construção de possíveis intersecções entre saúde e educação.

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo geral verificar se saúde e inclusão, em suas interfaces teóricas e práticas, são dispositivos que podem contribuir para a obtenção de qualidade de vida. Como objetivos específicos, busca (1) compreender o significado de saúde para alunos atendidos pela Unidade de Apoio Pedagógico (UAP) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Rio Grande do Sul; (2) verificar como a inclusão é concebida e vivenciada por esses estudantes; e (3) realizar uma aproximação entre os conceitos de saúde e inclusão de modo a se pensar acerca das suas repercussões sobre a qualidade de vida.

Método

O presente estudo trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória descritiva com abordagem qualitativa (Chizzotti, 2018), pois se reporta a aspectos da vida e da subjetividade dos estudantes, respondendo a questões muito particulares sobre as suas vivências, percepções e aos seus sentimentos, não podendo, desse modo, serem quantificadas ou modeladas numericamente.

A pesquisa ocorreu no período de 19 de maio a 02 de junho de 2020, por meio de um questionário online, em virtude da suspensão das atividades presenciais por conta da Pandemia de COVID-19. Este questionário foi elaborado pelo google formulários e enviado duas vezes aos acadêmicos via e-mail da UAP do CCS da UFSM. Participaram do estudo 22 estudantes, com idades entre 19 e 33 anos, de ambos os sexos, distribuídos entre o primeiro e o décimo semestre de curso, sendo um aluno de Fisioterapia, dois de Terapia Ocupacional, três de Enfermagem, quatro de Fonoaudiologia, quatro de Farmácia e oito de Medicina.

O questionário foi composto por 12 perguntas abertas, com vistas a identificar o entendimento dos alunos acerca do tema. Continha uma explicação inicial sobre a pesquisa, dados do pesquisador, riscos e benefícios, anonimato e a oferta de um serviço de apoio caso algum aluno sentisse desconforto ao participar. O instrumento de coleta foi aplicado após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UFSM, sob o número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE). 27550820.3.0000.5346.

A análise dos dados se deu através de categorias, organizadas em função da frequência e da importância dos achados para o objetivo analítico do estudo, que foram pormenorizadas por meio da Análise de Conteúdo de Bardin (2011). Esta técnica de análise se debruça sobre o que está por trás das mensagens, buscando aproximar-se do que está implícito nos conteúdos manifestos; e se estrutura em três etapas: Pré-Análise; Exploração do Material; e Tratamento dos Resultados, Inferência e Interpretação.

A primeira etapa, Pré-Análise, orientou-se por uma leitura flutuante dos materiais, buscando a compreensão dos dados e a criação de hipóteses e objetivos que serviram de base para a análise e a categorização. Na segunda etapa, de efetiva Exploração do Material, houve a codificação e a classificação dos dados, levando em consideração o problema, os objetivos, o referencial teórico e as conclusões do autor, com vistas à criação de categorias de análise. Por fim, na terceira e última fase, que abrange o Tratamento dos Resultados, Inferência e Interpretação, foi realizada uma síntese interpretativa dos dados por parte do pesquisador, apoiada no referencial teórico eleito (Bardin, 2011).

Dessa forma, os resultados desse trabalho se apresentam com a definição de quatro categorias: 1. Saúde: trazendo a conceituação de saúde eleita pelos sujeitos pesquisados; 2. Inclusão: com a divisão em duas subcategorias, 2.1- Caracterização do termo pelos estudantes e 2.2- Inclusão no ambiente universitário; 3. Intersecção entre saúde e inclusão: demonstra a relação que tange aos dois conceitos; e 4. Qualidade de vida de estudantes universitários: apresenta os achados da pesquisa na sua relação com a literatura sobre o tema.

Resultados e discussão

Nesta seção, expõe-se cada categoria de análise, levando em conta os resultados encontrados na pesquisa e as discussões desenvolvidas ao redor da temática, fazendo uma comunicação com os autores consultados.

Saúde

Esta categoria trata sobre a concepção de saúde pelos estudantes universitários sujeitos da pesquisa.

Nesse sentido, uma das perguntas inseridas no questionário se referiu especificamente ao tema, sendo elaborada como “o que é saúde para você?”, obtendo-se respostas variadas, desde definições em que a saúde se restringe à ausência de doenças, passando pelo conceito de saúde da OMS (2006) e outras incluindo ideias ampliadas do que envolve o arcabouço do significado de saúde e doença.

Apenas um participante restringiu a percepção da saúde estritamente aos aspectos físicos ou aos cuidados do corpo para a obtenção de bem-estar. Referiu-se à saúde como sendo “o equilíbrio saúde-doença, considerando os cuidados com a alimentação e a hidratação” (Vitor, 22 anos) [1] . Não incluiu relevância ao psiquismo ou às questões sociais ou econômicas, observando que a ausência de doença deriva de um equilíbrio alimentar e corpo bem hidratado. Saúde limitando-se à manifestação de um bem-estar físico.

Em Vitali et al. (2019), que investigam a polissemia da saúde na perspectiva de acadêmicos dos cursos da saúde, a noção de equilíbrio aparece em várias categorias, seja quanto ao equilíbrio do corpo e funções fisiológicas, como ao equilíbrio psíquico ou ao equilíbrio entre as instâncias físicas, mentais e espirituais, por exemplo. A palavra equilíbrio é equiparada à estabilidade, a um aparato de normalidade, de harmonia entre as partes.

Esse entendimento de saúde está orientado pelo modelo biomédico, em que saúde é a ausência de doença, visto que qualquer desequilíbrio do que se espera por saúde, ou desvio de um padrão preestabelecido, é tido como não saudável, fora do controle ou inapropriado (Mantoan, 2017; Mascaro, 2013; Souza et al., 2018; Vitali et al., 2019). Assim, define-se uma visão de saúde restrita a aspectos padronizados, o que inibe possíveis questionamentos sobre o que é ser saudável de acordo com o entendimento de cada sujeito (Vitali et al., 2019).

Chammé (2002) e Vitali et al. (2019) chamam a atenção para um discurso normalizador, onde ocorre o exercício do poder sobre os corpos, em que os indivíduos se aprisionam a regras e normas em prol de um corpo “saudável”.

Essa primeira abordagem de saúde está delimitada ao bem-estar físico, norteada por uma visão individualizante a respeito da saúde, que depende de fatores e comportamentos individuais para se alcançar a saúde ideal, sendo esta ditada por parâmetros externos. Isso condiz com um discurso higienista e assistencialista sobre o corpo, em que se consideram apenas os cuidados pessoais para a obtenção de saúde (Câmara et al., 2012).

Câmara et al. (2012), ao investigar as representações sociais do processo saúde-doença dos profissionais do PSF (Programa de Saúde da Família), encontrou como resultado o predomínio desse tipo de entendimento de saúde, que centraliza no indivíduo a responsabilidade sobre o processo de adoecimento, este decorrente da falta de cuidados corporais.

Na presente pesquisa, em contrapartida, obteve-se a maioria das respostas sobre o que é saúde para estudantes universitários corroborando a definição de saúde tal qual concebida pela Organização Mundial da Saúde, como abrangendo o mais completo bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas a ausência de enfermidade (OMS, 2006). Essa constatação conduz ao questionamento sobre se isso decorreu do fato de a população pesquisada ter se tratado de estudantes de um Centro de Ciências da Saúde, e, se os resultados seriam os mesmos caso o estudo fosse replicado com acadêmicos de outros cursos. As declarações dos participantes indicaram que os estudantes dominam um conhecimento científico sobre o tema, uma vez que os conceitos apresentados foram condizentes com o que é preconizado pela OMS, portanto, refletindo sobre conhecimentos atinentes à própria formação acadêmica. Ou ainda que esse conceito pode ser uma vivência, ou busca, ao relacionar o conhecimento científico e a própria condição de saúde.

É um estado de bem-estar físico, mental e social, não havendo qualquer indisposição. (Bianca, 26 anos)

Ultrapassa o corpo físico. É um bem-estar psíquico, social, econômico etc. (Janice, 26 anos)

Além do processo saúde-doença básico, relacionado ao desequilíbrio fisiológico, hoje se sabe que a saúde psicológica influencia muito no rendimento do ser humano, no que tange a ser saudável. (Isabela, 24 anos)

Saúde mental, sem ela minha saúde fica péssima. (Augusto, 19 anos)

Diz respeito ao funcionamento do organismo humano, de ordem psíquica e física… também sofre influência das experiências sociais e dos fatores genéticos. (Isadora, 23 anos)

Mesmo ainda aparecendo em algumas falas a dicotomia equilíbrio versus desequilíbrio ou disposição versus indisposição, e que a própria OMS considere o completo versus incompleto bem-estar, observa-se, pelo exposto, que saúde para estes estudantes não se refere apenas a doenças físicas, mas se expande para outras áreas, como o psiquismo humano e as relações estabelecidas com os demais, sendo este o fator social.

Por último, houve algumas respostas que enfatizam quesitos ainda mais ampliados de saúde. Nestas, evidenciou-se a importância de um bem-estar mais subjetivo, que seria próprio de cada sujeito, além de dar vazão ao plano espiritual e tornar relevante a qualidade de vida. Alguns exemplos desse modo mais abrangente de conceber a saúde estão presentes nos seguintes excertos:

Há algum tempo saúde para mim era simplesmente não estar doente fisicamente, hoje percebo que a parte psíquica também é importante nesse contexto. Os fatores que podem interferir na saúde são questões pessoais, financeiras e de educação individual ou coletiva, por exemplo, uma pessoa que não está bem consigo mesma por qualquer motivo, ou que não tem uma educação suficiente para entender que ações de promoção de saúde são importantes para ela e para todos a sua volta… ou que não tem acesso aos serviços de saúde, certamente irá interferir no processo de construção da saúde. (Pedro, 33 anos)

Saúde é um conceito amplo. Para mim saúde é compreender sua condição física, mental, social, relacional, de autonomia e independência, independentemente de um diagnóstico. São inúmeros os fatores que podem interferir na saúde, condições econômicas, sociais, ambientais, de lazer, trabalho e moradia dignos, acesso a direitos, cidadania, participação social, acesso a serviços de saúde, assistência social, acesso à cultura (Carla, 23 anos)

Saúde para mim é estar bem fisiologicamente, psicologicamente e espiritualmente. Em relação aos fatores que podem interferir na saúde é a comunicação usada de maneira incorreta, a rotina acelerada, a cobrança tanto no trabalho quanto na faculdade, má alimentação e pouco período de descanso. (Olivia, 22 anos)

Além da ausência de doença, é necessário ter qualidade de vida e condições de desenvolver todas as atividades vitais e de lazer sem nenhuma restrição. Viver em um ambiente limpo de lixo e de pessoas tóxicas. Sentir-me bem e em paz comigo e com todos que me rodeiam. (Márcia, 21 anos)

A partir do exposto, encontra-se um olhar sobre a saúde não mais tão individualizado, mas que considera o contexto social e a importância do coletivo para se obter bem-estar e qualidade de vida. Leva em conta a educação, o lazer, o trabalho, os direitos individuais e coletivos, a comunicação, a participação social, a independência e a autonomia.

Compreende-se que essa amplitude no conceito de saúde está contida nos objetivos da saúde coletiva, promoção da saúde e educação em saúde no que se refere à abordagem social da saúde, visando à equidade e qualidade de vida da população. Verifica-se nessas falas que os estudantes expõem mais livremente sua opinião pessoal sobre o que consideram saúde no seu contexto de vida, evidenciando a importância de se considerar o que é saúde para cada sujeito ou comunidade, de acordo com seus ideais e aspectos culturais (Bezerra & Sorpreso, 2016; Pinno, 2019; Santos et al., 2016).

Também aparecem aspectos como a importância do outro na construção da saúde, a necessidade de participação nas tomadas de decisões sobre a vida e a saúde e questões relacionadas à espiritualidade e ao estilo de vida. Isso demonstra uma grande mudança no entendimento de saúde, amplia a possibilidade de escolhas saudáveis e a tomada de decisões autônomas. Valoriza o conhecimento popular e a participação social, condições indispensáveis para a promoção da saúde. Nesse sentido, entende-se que o próprio exercício da cidadania já é promotor de saúde na medida em que considera o conhecimento desse sujeito sobre si e permite-lhe ser ator dos seus atos, da sua saúde e da sua vida.

Inclusão

Esta categoria trata da inclusão no ambiente acadêmico, compreendida nesse estudo num sentido mais amplo do que apenas a inserção de pessoas com deficiência no meio educacional. Refere-se à inclusão de qualquer pessoa, cada qual com a sua diferença, reconhecendo a singularidade dos sujeitos e atentando às demandas e necessidades de cada um (Mantoan, 2017). Esse viés atende à educação inclusiva de modo mais integral, visando à equidade no âmbito da aprendizagem, ou seja, compreendendo que cada pessoa necessita de condições, desafios e possibilidades diferentes para se desenvolver, tanto no que diz respeito à educação, como aos relacionamentos sociais e a satisfação pessoal. O tratamento igualitário para todos não gera equidade e nem inclusão, já que ignora as peculiaridades e demandas próprias de cada ser humano. Como ressalta Figueiredo (2019, p. 14): “[…] é preciso que a escola atente para as diferenças e cuide de cada uma de forma diferenciada, observando as necessidades e subjetividades que lhe são próprias; o tratamento igual, homogêneo das diferenças gera a desigualdade. […]”

Desse modo, todos sendo considerados únicos e especiais, a inclusão abrange pessoas que, por sua diferença, possam estar se sentindo distanciadas ou inadequadas a algum ambiente ou realidade. Assim, podem ser pessoas com dificuldades de aprendizagem ou alguma deficiência cognitiva, mas também negros, brancos, índios, homossexuais, heterossexuais, entre outras diferenças que podem fazer com que alguém se sinta excluído do processo educacional (Santos et al., 2019).

Para possibilitar uma apresentação mais didática, optou-se por criar duas subcategorias, uma para analisar a conceituação atribuída pelos estudantes ao termo inclusão e a segunda para descrever como eles se sentem nesse quesito em relação ao contexto acadêmico do qual participam.

Caracterização do termo pelos estudantes

Para determinar como os universitários pesquisados compreendem o conceito de inclusão, foi adicionada ao questionário a pergunta “o que você considera ser inclusão?” e, a partir das respostas, pode-se observar que o entendimento tido por eles vai ao encontro do modo como o termo é empregado nessa pesquisa. Dispõe-se abaixo alguns relatos dos participantes que confirmam essa afirmação:

A inclusão é ser capaz de atender às necessidades de todos os grupos presentes em nossa sociedade. Ou seja, é adaptar uma realidade com formas que incluam outros indivíduos. (Flávia, 19 anos)

Inclusão é um conceito amplo que trabalha a equidade e a igualdade em suas mais diversas formas e intersecções. (Janice, 26 anos)

Um meio em que todos se sintam bem-vindos e no qual não haja discriminação e/ou preconceito com as diferentes pessoas que existem e com suas condições e/ou aparência. (Aline, 22 anos)

Respeitar e entender as diferenças inerentes a cada ser humano. (Vitor, 22 anos)

Dar prazos adaptáveis aos estudantes para enviar trabalhos, ter paciência e empatia pela situação de cada aluno, pois cada um vive uma vida completamente diferente em um ambiente familiar diferente. (Augusto, 19 anos)

Ser bem recebido, olhado e escutado nos ambientes em que estiver. (Márcia,21 anos)

Uma sociedade inclusiva é aquela em que todas as pessoas podem exercer seus direitos de cidadãos… sem sofrer preconceito (por ser pessoa com deficiência, negro(a), mulher, criança, idoso, pobre, por ter menor grau de instrução etc.), que tenham acesso a todos os serviços e espaços que necessitarem e quiserem, independente de sua condição física, cognitiva, mental, socioeconômica, racial, de gênero e orientação sexual. (Carla, 23 anos)

Apesar disso, ainda dois alunos responderam “não sei” (Clara, 25 anos e Júlia, 25 anos) a essa questão e outros dois delimitaram a temática da inclusão se referindo a pessoas com deficiência, tal qual demonstrado.

Fazer com que pessoas que possuam alguma deficiência consigam participar de forma que seu desempenho possa ser igual ou o mais próximo possível do de uma pessoa sem deficiência. (Bianca, 26 anos)

Tornar acessível às pessoas com deficiência a educação, trabalho, lazer, transporte, leitura e tudo mais o que for necessário para que as pessoas com deficiência possam se desenvolver e contribuir de forma ativa com a sociedade. (Pedro, 33 anos)

Inclusão no ambiente universitário

Esta subcategoria aborda como os estudantes se sentem no ambiente universitário que frequentam. A maioria das respostas obtidas versou positivamente sobre a questão, registrando sentirem-se incluídos. Contudo, quatro deles responderam “mais ou menos” e algumas justificativas foram:

Me sinto excluída por minha condição socioeconômica, não podendo participar de alguns eventos acadêmicos que necessitem desembolsar algum valor, e também não tendo acesso a alguns materiais (livros) de alto valor, que necessito e não tem na biblioteca. (Carla, 23 anos)

Às vezes noto um estigma que cerca problemas psicológicos, como depressão e TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada). Além disso, o conceito contemporâneo de rendimento, a corrida por resultados e competição por rankings e sucesso tendem a deixar para trás quem não se encaixa no padrão de rendimento esperado. (Isabela, 24 anos)

Nessas duas falas, como retratam vários autores, os alunos não se encontram incluídos por razões diversas, como problemas financeiros, psicológicos ou por acharem que não correspondem a um padrão social preestabelecido.

Oliveira Júnior et al. (2017) afirmam que:

[…] o contexto escolar … também segrega e exclui aqueles que não estão dentro de uma norma heterocentrada, que fogem a uma normalidade construída num padrão imposto e coercitivo, pois não consegue “desengessar” essa estrutura sem se deixar respingar naqueles que estão num processo de inferiorização por conta da não adaptação aos moldes de um sistema estático. […]. (Oliveira Júnior et al., 2017, p. 657)

Mascaro (2013) chama a atenção para a história da humanidade, que carrega consigo os traços dessa exclusão. Denota que mesmo que os documentos e as legislações vigentes tenham avançado no sentido de uma maior inclusão educacional, as ações práticas ainda não acompanharam tais avanços alcançados na teoria. Sendo assim, pessoas ainda são excluídas por possuírem alguma especificidade que as tornam diferentes das demais; e ainda existem padrões ou normas que tentam enquadrar todas as pessoas em um mesmo panorama, simplesmente ignorando as diferenças inerentes a cada ser humano.

Essa mesma autora traz contribuições ao conceito de inclusão, ressaltando que:

A inclusão tem como um de seus princípios a ruptura com a ideia de padrão, de absoluto, isto é, com a homogeneidade, dando lugar à equiparação de oportunidades entre os sujeitos, independentemente de cor, raça, classe social, sexo, deficiência, a fim de se produzir o respeito e a aceitação da diferença. (Mascaro, 2013, p. 38)

Nas expressões a seguir, de dois alunos que revelaram, na pesquisa, não se sentirem incluídos no ambiente universitário, novamente se apresentam as dificuldades para que uma educação inclusiva consiga transpor os limites da teoria e seja efetivamente construída nas ações educativas.

Definitivamente, não (me sinto incluída). Por questões de diferenças culturais, sociais, econômicas etc. (Janice, 26 anos)

Não, por ser negra. Muitas vezes, sou a única no ambiente e acabo ficando de lado. (Amanda, 25 anos)

Salienta-se que a noção de inclusão ultrapassa o sentido de apenas integrar os alunos. Integrar é possibilitar que todos estejam presentes no mesmo ambiente, mas, de modo algum, garante que estejam incluídos (Antun, 2018; Ribeiro et al., 2017; Santos et al., 2019). Pois, como se observa, mesmo que esses alunos “participem” do ambiente universitário em questão, deve-se analisar ainda qual é a forma dessa participação, se os permite terem as oportunidades necessárias para se desenvolverem plenamente, se conseguem se expor e fazer escolhas, mostrando as suas diferenças e essas sendo vistas como possibilidade de crescimento para todos (Santos et al., 2019).

Para Mantoan (2017), professor e alunos aprendem a partir dos diferentes modos de sentir e se relacionar; estes despertados internamente, cada um a seu tempo e capacidades, sem exclusão, e levando em conta a singularidade e particularidade de cada um. Segundo essa autora, as diferenças pessoais têm um viés oposto ao da exclusão; são particularmente o que há de rico em cada ser humano, o que possibilita que se diferencie, seja singular e que afete e seja afetado a partir das suas experiências, histórias vividas e diferentes percursos em busca de novas descobertas.

Nesse sentido, Ribeiro et al. (2017) afirmam que ser inclusivo é romper com as ideologias do que é normal, correto ou esperado. É ver o sujeito a partir do que ele é, dos seus desejos e necessidades. Esses autores, referindo-se às barreiras que dificultam esse olhar ampliado sobre o sujeito, defendem que: “ […] inclusão é estar aberto ao novo, buscar esse novo, reconhecer o diferente como nosso semelhante. A inclusão começa conosco, na nossa prática cotidiana, em nossa sala de aula e com nossos alunos.” (Ribeiro et al., 2017, p. 223).

Pelo exposto, compreende-se que ainda existe um percurso a ser seguido para que todos e todas se sintam incluídos (as), e tenham acesso e participação em todos os aspectos que envolvem a vida em sociedade. Apesar de se verificar, a partir dos dados dessa pesquisa, que a maioria dos alunos está incluído no ambiente acadêmico, existe uma parcela deles que ainda sofre por se sentir deslocada, desqualificada e/ou inferior. É sobre essa parcela, não deixando de olhar os demais, que a educação inclusiva precisa atuar.

Intersecção entre saúde e inclusão

A partir do exposto, compreende-se que são vários os desafios, tanto no campo da saúde, como no da inclusão, para que as pessoas, instituições e comunidades não se aprisionem a regras impostas, conceitos formatados ou promessas acerca de uma vida saudável e inclusiva (Chammé, 2002; Vitali et al., 2019).

Observa-se que essas duas áreas conceituais – saúde e inclusão -, embora distintas, são complementares e de suma importância para a promoção da autonomia, participação social, luta por direitos e, consequentemente, à aquisição de uma melhor qualidade de vida pelos sujeitos.

Nas respostas ao questionário pelos estudantes, fica explícita a inter-relação entre esses dois conceitos, que podem se influenciar mutuamente.

Quando das respostas sobre “o que é saúde?”, aparecem fatores da inclusão:

É ter qualidade de vida e condições de desenvolver todas as atividades vitais e de lazer sem nenhuma restrição. (Márcia, 21 anos)

E quando das respostas sobre “o que é inclusão?”, aparecem referências à saúde:

Promover o que for necessário para o bem-estar comum. (Magno, 20 anos)

Dar amparo social e psicológico (saúde mental) a um grupo de pessoas que são normalmente desamparadas por motivos diversos. (Isadora, 23 anos)

Entende-se que com a ampliação do conceito de saúde, com o foco atual na sua promoção, o conceito de inclusão, em seus variados âmbitos (social, econômico, educacional, digital), ganha um espaço cada vez maior.

No modelo biopsicossocial de saúde, vários fatores interagem entre si, como os sociais, ambientais, biológicos, psicológicos, e todos eles refletem na qualidade de vida de uma determinada população, em dado momento histórico e de acordo com os seus aspectos culturais (Bezerra & Sorpreso, 2016; Osmo & Schraiber, 2015; Souza, 2014).

Qualidade de vida de estudantes universitários

A qualidade de vida dos estudantes universitários tem sido o foco de vários estudos desenvolvidos recentemente. A maioria deles relaciona qualidade de vida a uma multiplicidade de condições: saúde física, saúde psicológica, satisfação com a vida, relações interpessoais e fatores ambientais, por exemplo (Catunda & Ruiz, 2008; Silva & Heleno, 2012). Nesse sentido, o contexto acadêmico é observado pelo privilégio no estabelecimento de relações interpessoais, reconhecido pela amplitude das experiências sociais e vivências variadas, possibilitadas pela presença da diversidade de culturas, etnias, classes, crenças e visões de mundo. Tais vínculos afetivos, quando experimentados de maneira positiva, contribuem para a integração, adaptação, pertencimento e desenvolvimento dos estudantes nesse novo espaço educativo e etapa de vida (Severo et al., 2020).

Mas o que se observa em muitos contextos acadêmicos é justamente o contrário, uma autocobrança e concorrência exacerbadas, sentimentos de medo e cansaço. Um estudo realizado em uma Universidade Pública de Sergipe, também com estudantes de Ciências da Saúde, revela tal situação. As metodologias ativas empregadas para o ensino-aprendizagem dos seus alunos, embora se proponham como adequadas para o desenvolvimento de habilidades técnicas, autonomia e conduta ativa, demonstraram-se prejudiciais para a qualidade de vida dos estudantes, afetando principalmente os domínios físico, psicológico, relacional e ambiental (Araújo et al., 2021).

Com isso, compreende-se que os aspectos psicológicos, a riqueza nos relacionamentos sociais e os níveis de satisfação do sujeito são relevantes para determinar a sua qualidade de vida. Além disso, deve-se necessariamente considerar se esta pessoa obteve ou não sucesso nos processos de inclusão vivenciados ao longo da sua trajetória de vida.

Algumas contribuições trazidas pelos estudantes participantes da pesquisa revelam muitos desses aspectos ressaltados na literatura. Em sua maioria, os estudantes expressam que qualidade de vida:

É ter as condições necessárias para viver bem, respeitando a dignidade e as necessidades humanas. Ou seja, é ter os bens “básicos”, mas que não é ofertado a todos, sendo eles: saneamento básico; acesso à rede de saúde/programas sociais; acesso às áreas de lazer; um trabalho remunerado; entre outros. (Flávia, 19 anos)

Relaciona-se com saúde e bem-estar. Para ter qualidade de vida é necessário ter condições econômicas, sociais, ambientais e de saúde para que você possa desempenhar suas ocupações, realizar seus sonhos e suprir suas necessidades. Ter tempo para desempenhar seus diferentes deveres cotidianos e para autocuidado, lazer e cultura. (Carla, 23 anos)

É ter oportunidade de viver dignamente, com condições financeiras e tempo de praticar autocuidado e conduzir a vida sem estresse constante. (Isabela, 24 anos)

É conviver em um ambiente agradável, em paz, com saúde e suporte para viver. (Renata, 25 anos)

Como se observa, a abordagem dos estudantes à questão da qualidade de vida corrobora os achados da literatura na área. Referem-se à temática levando em consideração os valores pessoais, as questões de promoção e acesso a bens e serviços, assim como os aspectos físicos, psicológicos, ambientais, relacionais e sociais. Desse modo, fica evidente, através das suas falas, que a saúde, no seu entendimento ampliado, e a inclusão, são dimensões importantes para que seja possível se sentir bem na vida, ou seja, para que se tenha uma qualidade de vida.

Por conseguinte, depreende-se que saúde, inclusão e qualidade de vida são todos conceitos muito imbricados e que se afetam mutuamente, onde a alteração de um deles pode interferir no resultado dos demais.

Considerações finais

A partir desse estudo foi possível compreender o significado atribuído por estudantes universitários aos conceitos de saúde e inclusão e a repercussão que eles podem ter para a qualidade de vida desses alunos.

A saúde foi abordada em um sentido mais amplo do que a ausência de doenças, levando em conta também aspectos psicológicos, relacionamentos interpessoais, plano espiritual e contexto social, seja este último econômico, de acesso a bens e serviços ou referido à participação social e possibilidade de tomada de decisões.

No quesito inclusão, verificou-se que a maioria dos alunos participantes do estudo está incluído no ambiente acadêmico. Entretanto, os que não se encontram incluídos, ou totalmente incluídos, revelam traços antigos e ainda presentes sobre a história da exclusão e da normatização dos sujeitos. Isso leva ao desafio, premente, de fazer chegar às ações das práticas educativas os que já se encontram nas teorias e leis. Esse percurso deve ser feito por todas as pessoas, em todos os ambientes, para que cada vez mais pessoas se sintam incluídas e para que o diferente passe a ser aceito e respeitado e, além disso, possibilite uma amplitude no olhar, desejando conhecê-lo e potencializando tantos outros crescimentos possíveis.

A partir desse estudo, conclui-se que os sentidos de saúde e inclusão atribuídos pelos alunos participantes se inter-relacionam, influenciam-se mutuamente e repercutiram na qualidade de vida desses estudantes, para o que se pode considerar um avanço no campo científico da área, qual seja: a criação de um espaço entre a saúde e a inclusão como um dispositivo discursivo para o alcance da qualidade de vida.

Não obstante, o estudo auxiliou na construção de proposições práticas, tais como na implementação de ações pela UAP do CCS que visam a contribuir para a adaptação e a permanência dos estudantes no ambiente universitário, considerando os aspectos relacionados à saúde, inclusão e qualidade de vida. Algumas dessas práticas tiveram sua relevância ressaltada a partir da Pandemia, como o uso do Instagram e Facebook como meio de comunicação, contemplando postagens sobre saúde mental e orientações e estratégias de enfrentamento às dificuldades encontradas no contexto acadêmico e em detrimento das mudanças necessárias durante o confinamento.

Outra ação desenvolvida a partir desse estudo foi uma roda de conversa, no formato online, com o título: “Descobrindo o que a UFSM oferece de práticas saudáveis”, que contou com representantes dos setores de Esporte Universitário, Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, e Apoio ao Estudante.

Ainda se implantou um grupo online de conversa para os alunos “Conversando sobre…”, que abordou tópicos variados de acordo com o interesse dos participantes.

Além disso, e dos atendimentos psicológicos individualizados que já eram desenvolvidos pela UAP do CCS, se empregou esforços para a reedição do Curso Saúde e Espiritualidade, realizado em nível institucional em parceria com as demais UAPs da UFSM.

Com isso, conclui-se que investigações, reflexões e ações em torno dos temas saúde e inclusão de estudantes universitários são dispositivos potentes que contribuem para a obtenção de qualidade de vida dessa população.

Reconhecendo as limitações da pesquisa, tais como a participação de um pequeno número de estudantes e a investigação da realidade de um público específico de acadêmicos da área da saúde, considera-se importante que mais estudos sejam desenvolvidos de modo a ampliar a amostra e também conhecer outras realidades e contextos, assim como abranger estudantes de outras áreas do conhecimento. Pesquisas que abranjam os temas da saúde e inclusão entre o público universitário são relevantes, considerando a necessidade de um olhar ampliado e científico sobre as especificidades e os desafios no que tange à saúde de modo integral, à educação inclusiva e qualidade de vida no percurso acadêmico desses estudantes.

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[1]As identidades dos participantes foram substituídas por pseudônimos.

Recebido: 08 de Março de 2021; Aceito: 30 de Agosto de 2021

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