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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 21-Oct-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202139110 

Artigos

Tecnologias da informação e comunicação como ferramenta pedagógica no ensino superior

Tecnologías de la información y comunicación como herramienta pedagógica en la educación superior

Information and communication technologies as a pedagogical tool in higher education

Breno Cavalcante do Nascimento1 
http://orcid.org/0000-0002-3278-8694

Rafael Dias Araújo2 
http://orcid.org/0000-0003-0545-2519

Francisco Sidomar Oliveira da Silva3 
http://orcid.org/0000-0002-7130-4840

Aline Andréia Nicolli4 
http://orcid.org/0000-0001-6594-0560

1Mestre em Educação, pela Universidade Federal do Acre (2019). Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (Gepecac).

2Doutor em Ciência da Computação, pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (2017). Professor Adjunto da Faculdade de Computação da UFU - Campus Monte Carmelo.

3Mestre em Ensino de Ciências e Matemática, pela Universidade Federal do Acre (2018). Doutorando em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus Bauru. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (Gepecac).

4Doutora em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Professora Associada do Centro de Educação, Letras e Artes, da Universidade Federal do Acre. Líder do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (Gepecac).


Resumo

O artigo apresenta resultados de uma pesquisa que objetivou estudar os discursos de professores a respeito do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), em sala de aula, como artefato de suporte pedagógico no Ensino Superior. O corpus empírico contempla falas de 23 sujeitos atuantes em Cursos de Sistemas de Informação de três Instituições de Ensino Superior, da cidade de Rio Branco, Acre. A análise do material empírico indica uma vulnerabilidade formativa que os deixa inseguros para expor aspectos da profissão e elementos que caracterizam suas atuações em aula.

Palavras-chave TICs; Práticas pedagógicas; Ensino superior; Sistemas de Informação

Resumen

Este artículo presenta un extracto de una investigación que propuso estudiar los discursos de los docentes sobre el uso de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TICs) en el aula como herramienta de apoyo pedagógico en la Educación Superior. El corpus empírico incluye los discursos de 23 sujetos que laboran en Cursos de Sistemas de Información que se ofrecen en tres Instituciones de Educación Superior, en la ciudad de Rio Branco, Acre, Brasil. El análisis del material empírico revela una vulnerabilidad formativa que los deja inseguros para exponer aspectos de su profesión y elementos que caracterizan su desempeño en el aula.

Palabras clave TICs; Prácticas pedagógicas; Enseñanza superior; Sistemas de información

Abstract

This article presents an excerpt from a research that aimed at studying the discourses of teachers about the use of Information and Communication Technologies (ICTs) in classroom as an artifact of pedagogical support for Higher Education. The empirical corpus includes the speeches of 23 subjects who teach in Information Systems courses at three Higher Education Institutions in Rio Branco, Acre, Brazil. The analysis of the empirical revealed a formative vulnerability that leaves them insecure to expose aspects of their occupation and elements that characterize their performance in classroom.

Keywords ICTs; Pedagogical practices; Higher education; Information systems

Introdução

As Tecnologias da Informação e Comunicação[1] (TICs) estão presentes na vida das pessoas em diferentes contextos, seja no trabalho, no transporte coletivo, supermercado, nas instituições financeiras, na Universidade, em casa e em inúmeros outros ambientes cotidianos. Seu acesso exerce uma influência significativa na qualidade de vida das pessoas (Alhassan & Adam, 2021). Em âmbito acadêmico, especialmente, as TICs são inseridas tanto pelo professor quanto pelo estudante, o que torna pertinente explorar e entender como tal inserção/utilização tem oferecido suporte aos processos de ensino e aprendizagem. Na revisão sistemática da literatura, conduzida por Cardoso et al. (2021), os autores mostraram que, no Brasil, as ações de formação continuada docente que visam a promover o uso pedagógico das TICs se concentram na modalidade de ensino a distância e entre professores de educação básica. Tal situação, a nosso ver, ratifica os achados de nossa pesquisa, já que muito do que é ou deixa de ser realizado do ponto de vista da atuação docente, especialmente, no ensino superior, diz respeito à falta de formação inicial e continuada, principalmente em termos dos elementos pedagógicos da atuação à utilização das TICs.

Historicamente, no Brasil, a atuação docente no ensino superior foi observada como sacerdócio, vocação, ou ainda como espaço de domínio masculino e, além disso, sofreu, e de alguma forma ainda sofre, com os processos de proletarização e desvalorização que resultam, até hoje, na falta de clareza sobre qual é a formação adequada ou quais os saberes são necessários àquele que deseja ser professor no ensino superior, o que, inevitavelmente, resulta em uma inegável dificuldade para se construir uma identidade profissional.

Isto posto, é necessário considerar que existe uma falsa percepção de que qualquer pessoa que seja um bom profissional em sua área de atuação e/ou tenha formação stricto sensu pode atuar como docente no ensino superior. Por esse motivo, é comum encontrar professores que não conseguem justificar as escolhas que norteiam suas práticas ou que reproduzem práticas que vivenciaram em sua formação. Ou seja:

É fácil compreender a fragilidade da profissão docente quando se entende que uma profissão só se estabelece quando há um conhecimento que lhe é específico e teoricamente fundamentado. Não são muitas as justificativas teóricas dadas pelos professores sobre suas decisões e práticas; portanto, é um fazer com escassos saberes profissionais, ainda que haja uma base empírica de ação que lhes permita o exercício da profissão […] grande parte dos docentes da educação superior se instituem como professores, apesar de nunca terem tido formação para tal. E mesmo os docentes de carreira e formação são constantes em afirmar que muitas de suas aprendizagens são históricas, isto é, aprenderam com as práticas escolarizadas que vivenciaram. (Cunha, 2018, p. 8)

Evidencia-se, então, que para além das implicações acarretadas pelos problemas formativos, que dizem respeito à atuação docente no ensino superior, existem ainda as dificuldades para compreender como ocorre o processo de construção da identidade docente no Brasil, pois historicamente existe uma prevalência na atuação de professores que, sobretudo, dominam os conhecimentos específicos de sua área de formação e, mais do que isso, que foram formados em instituições que também valorizavam a formação focada no domínio de conhecimentos específicos e se percebem como excelentes profissionais em suas áreas, mas não se identificam com a docência e, portanto, nessa profissão, não se envolvem em outros processos formativos – iniciais ou continuados – e se tornam reprodutores das práticas às quais foram submetidos quando vivenciaram seus processos de formação. Pode-se afirmar, então, que:

Naturalizou-se a ideia de que a expertise em pesquisa seria condição básica e suficiente para a qualidade da docência universitária. Em sintonia com tal ideia, a formação do docente universitário, quando é referida nos documentos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional de Educação, restringe-se àquela oportunizada em cursos de pós-graduação stricto sensu, que se orienta para a pesquisa de um recorte do conhecimento do seu campo disciplinar e não contempla as questões da pedagogia universitária. (Cunha, 2018, p. 319)

Embora reconheçamos a relevância dos cursos de pós-graduação para a formação do docente, pensamos ser necessário registrar a importância de os programas de pós-graduação stricto sensu contemplarem de forma mais efetiva, em seus currículos, além da formação em pesquisa, a formação em extensão e, principalmente, a atuação no ensino, em termos do saber e do fazer pedagógico e, da mesma forma, as próprias Instituições de Ensino implementarem programas específicos de formação continuada.

Diante disso, importa registrar que a ampliação do uso de tecnologias digitais e suas implicações atingiu a educação escolarizada no seu âmago, especialmente em relação aos processos de ensino e aprendizagem, visto que não mais é preciso frequentar os espaços escolares e acadêmicos para conseguir acesso à informação, pois este tem se tornado cada vez mais popular, já que temos uma sociedade que, geralmente, está constantemente conectada. Dito de outra forma, a revolução tecnológica se manifesta em rápida velocidade e coloca a informação à disposição de todas as pessoas que tiverem curiosidade por ela (Cunha, 2016) e diante desse cenário, que aponta para a informação mais acessível, se faz necessário repensar as práticas pedagógicas, uma vez que:

Não é preciso mais que ela mantenha a condição de transmissora das informações, mas sim que se estabeleçam pontes entre estas e os sujeitos da aprendizagem, em constante movimento. Nesse cenário, há significativas mudanças no papel do professor, que mais, do que um erudito, precisa articular a informação e o sujeito aprendiz. […] o professor acostumado a pedir respostas de seus alunos, tem de aprender a estimular e a valorizar a pergunta. Tem de ensinar a perguntar. Precisa incorporar a dúvida como um valor, o que altera substancialmente o papel que desempenhou na história da profissão. (Cunha, 2016, p. 92)

Destaca-se que estamos diante de uma mudança na forma de ensinar e aprender que não implica, simplesmente, na utilização de novas tecnologias em sala de aula. O perfil do aluno mudou, o contato com a informação se acelera a cada dia, o professor se depara com alunos que possuem uma grande quantidade de informações à disposição, mas muitas vezes não sabem o que fazer com ela. Assim, segundo Masetto (2007), a atuação docente no ensino superior exige do professor novas competências e, dentre elas, a do domínio da tecnologia educacional.

É exatamente isso que nos mostram, por exemplo, os estudos pautados na concepção de Educação CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), quando abordam o desenvolvimento da ciência e tecnologia e seus impactos na sociedade (Auler, 2007; Linsingen, 2017; Barbosa & Bazzo, 2013; Bencze et al., 2014). Com a presença, cada vez mais marcante, das TICs em âmbito educacional, faz parte do passado acreditar que o quadro negro e o giz eram suficientes para a realização de uma aula. Assim, o tablet, a lousa digital, o ipad, a internet, dentre outros recursos digitais, deveriam se fazer cada vez mais presentes nos planejamentos e na atuação docentes, especialmente porque:

Esse “repasse de informações” atua de forma a obstaculizar a construção crítica sobre a produção do conhecimento científico e tecnológico. Cria-se uma barreira que impede o entendimento da constituição desses conhecimentos. Impossibilita-se, assim, que se façam relações consistentes entre a produção do conhecimento e sua consequente influência sobre a sociedade; nem tão pouco os estudantes podem perceber que a sociedade exerce influência imediata e de ampla dimensão sobre a produção de ciência e tecnologia, afinal, a sociedade funciona como agente que consome e por extensão, custeia tal produção. Há uma replicação, entre muitos, de tudo que é transmitido ao longo da trajetória e experiência escolar. (Pizzutti & Alves, 2017, p. 3)

Para além disso, segundo Orlandi (2009), o professor estabelece um discurso com seus alunos que se apresenta carregado de sua trajetória histórica, do que pensa sobre sua profissão e, principalmente, sobre sua prática, os processos de ensino e de aprendizagem que conduz e a relação que estabelece com seus alunos, ou seja:

O discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos. […] A análise de conteúdo, como sabemos, procura extrair sentidos dos textos, respondendo à questão: o que este texto quer dizer? Diferentemente da análise de conteúdo, a análise de discurso considera que a linguagem não é transparente. Desse modo ela não procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. A questão que ela coloca é: como este texto significa? (Orlandi, 2009, p.17)

A análise desse discurso é fundamental, pois nos processos de ensino e de aprendizagem, aquele que ensina e aquele que aprende possuem papéis que se confundem durante o processo que é estabelecido, prioritariamente, pelo diálogo entre as partes, ou seja, por meio de um discurso que precisa ser bem compreendido, pois nem sempre se apresenta transparente.

Diante disso, carece ponderar sobre a forma como as TICs são utilizadas e quais suas reais contribuições para a educação e, por isso, nos desafiamos a abordar elementos da questão de pesquisa que segue: Como se caracterizam os discursos de professores atuantes em Cursos de Graduação em Sistemas de Informação a respeito de suas práticas pedagógicas ao utilizarem tecnologias da informação e comunicação como ferramenta de apoio pedagógico em sala de aula?

Destarte, o objetivo principal deste trabalho é traçar um panorama da atividade docente em cursos de Sistemas de Informação no Acre, considerando o uso das TICs, por meio da análise de seus discursos. Reiteramos que embora exista um vasto debate sobre tecnologia, nossa intenção não é a de realizar julgamentos sobre o caráter negacionista ou salvacionista da sua utilização, mas sim de produzir sentidos sobre tal utilização a partir dos discursos de docentes que trabalham em salas de aula, no Ensino Superior.

O restante do artigo está estruturado da seguinte maneira: a próxima seção traz uma discussão sobre os discursos docentes no contexto das TICs; em seguida, apresenta-se a metodologia de pesquisa delineada para este trabalho; depois, os resultados e as discussões são apresentados; e, por fim, as considerações finais são expostas.

Os discursos docentes no contexto das TICs

As tecnologias causam alteração no modo de produção e divulgação do conhecimento, na organização e no reconhecimento de outros lugares do saber, e essa situação modifica, inclusive, as características e as exigências de atuação em cada profissão. Isto posto, em contexto universitário, elas vêm, com o passar do tempo, ocupando espaço e fazendo com que a instituição, antes caracterizada prioritariamente pela realização de aula expositiva, com quadro e giz, passe a fazer uso de diversos recursos digitais. Enquanto estudantes, de graduação e/ou pós-graduação, os depois professores atribuem alta valorização aos conteúdos das suas áreas específicas de formação, em oposição aos interesses das questões pedagógicas. Ou seja, dispensam muitos dos seus esforços ao que ensinar, ao conteúdo, em detrimento das possibilidades de inserir em suas práticas, por exemplo, outras metodologias de ensino, outros recursos pedagógicos, ou ainda, outros objetivos educacionais que poderiam resultar na promoção de mais significativos processos de ensino e aprendizagem. Assim, segundo Moran (2006, p.11):

Perdemos tempo demais, aprendemos pouco, nos desmotivamos continuamente. Tanto professores como alunos temos a clara sensação de que muitas aulas convencionais estão ultrapassadas. Mas, para onde mudar? Como ensinar em uma sociedade mais interconectada? […] Sem dúvida as tecnologias nos permitem ampliar o conceito de aula, de espaço e tempo, de comunicação audiovisual, de estabelecer pontes novas entre o presencial e o virtual, entre o estar junto se o estarmos conectados a distância. […] Elas são importantes, mas não resolvem as questões de fundo.

Assim, se de um lado tem-se que a alegação da transformação da sociedade, por si, não justifica possíveis alterações nas práticas pedagógicas desenvolvidas em âmbito acadêmico, visto que o trabalho, desenvolvido no interior das Instituições de Ensino Superior, necessita ter um encaminhamento intencional, por outro lado é fato que a existência das TICs não se trata de um simples avanço tecnológico, pois gera alterações de comportamento, de atuação, produção e apropriação de conhecimentos, além de intercomunicação entre estudantes, e destes com seus professores. Por isso, Masetto (2007, p. 143) afirma que:

Num processo de aprendizagem o uso de tecnologias evidentemente também se alterará. Não se trata mais de privilegiar a técnica de aulas expositivas e recursos audiovisuais, mais convencionais ou mais modernos, que é usada para a transmissão de informações, conhecimentos, experiências ou técnicas. Não se trata de simplesmente substituir o quadro-negro e o giz por algumas transparências, por vezes tecnicamente mal elaboradas ou até maravilhosamente construídas num power point, ou começar a usar um datashow. As técnicas precisam ser escolhidas de acordo com o que se pretende que os alunos aprendam. Como o processo de aprendizagem abrange o desenvolvimento intelectual, afetivo, o desenvolvimento de competências e de atitudes, pode-se deduzir que a tecnologia a ser usada deverá ser variada e adequada a esses objetivos. Não podemos ter esperança de que uma ou duas técnicas, repetidas à exaustão, deem conta de incentivar e encaminhar toda a aprendizagem esperada.

Além disso, para Cunha (2016, p. 91):

[…] as tecnologias mudam a forma de ensinar e aprender, principalmente pelo fato desta romper com o domínio quanto ao acesso à informação. No discurso dos professores, sujeitos desta pesquisa, percebemos claramente que as tecnologias não ensinam e não fazem aprender, porém elas dão conta de ajudar na dialogicidade entre os sujeitos envolvidos.

Diante disso, e por reconhecermos que a linguagem, pelo discurso, torna-se a mediação necessária para que exista interação e compreensão da realidade, é que lançamos mão deste estudo para investigar os discursos de professores atuantes em cursos de nível superior na área de Sistemas de Informação, ao utilizar tecnologias da informação e comunicação como ferramenta de suporte pedagógico em aula.

Para isso, partimos do pressuposto de que o discurso é o lugar no qual se pode compreender a relação entre a língua e a ideologia, não se tratando, assim, de transmissão de informação, mas da linguagem que funciona para colocar sujeitos em relação e produzir sentidos pela língua e pela história. Expressado de outra maneira, a palavra em movimento caracteriza o discurso (Orlandi, 2009).

Sendo assim, os papéis se confundem durante o desenvolvimento dos processos e são estabelecidos pelo diálogo entre os sujeitos envolvidos. Por isso, é mister afirmar que:

Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender […] do ponto de vista democrático […] ensinar é algo mais que um verbo transitivo-relativo. (Freire, 1996, p. 12)

Dessa forma, é necessário reconhecer as relações existentes entre aquilo que é objeto de ensino e de aprendizagem, já que essa relação pode ser viabilizada por meio do discurso, que não se apresenta de forma transparente, já que a linguagem é permeada pela historicidade e, no caso das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores, apresentam-se marcadas, dentre outros fatores, pela formação acadêmica, pelas experiências vivenciadas quando aluno, junto a outros professores, e pelo projeto pedagógico defendido pela instituição da qual faz parte. É pela linguagem e pelas relações dialógicas que estabelece com o mundo que o sujeito se constitui e significa o seu fazer e o seu dizer. Emerge, assim, a importância da dialogicidade como uma forma de construção humana e como possibilidade da produção de diversos sentidos, textos e discursos. Por isso, segundo Freire (1987, p.4), “o diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes ‘admiram’ um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se”.

Reconhecer a existência de diferentes relações entre os interlocutores e entre os diferentes gêneros textuais [onde se inscrevem as múltiplas possibilidades de leitura] implica compreender que o discurso pedagógico docente é estreitamente inspirado por ideologias, ações e reflexões. Além disso, implica também saber que o discurso docente, produzido ou reproduzido, se apresenta carregado de condições históricas e, por isso, se apresenta carregado de significados.

Assim é possível afirmar que este discurso, relacionado com a sua atuação profissional, se torna coerente com suas ideologias e sua constituição histórica e, nesse sentido, Orlandi (2009) distingue o discurso pedagógico a partir de três diferentes modos de funcionamento: (1) o discurso autoritário; (2) o discurso polêmico; e (3) o discurso lúdico. No discurso autoritário, a polissemia é contida e a relação de linguagem estabelecida apaga o referente, sendo o locutor agente exclusivo e, por isso, gera o apagamento de sua relação com o interlocutor. O discurso polêmico conta com polissemia controlada, e se caracteriza por possuir um referente que é concorrido pelos interlocutores, que se mantêm em presença, numa relação tensa de disputa pelos sentidos. O discurso lúdico se caracteriza por apresentar polissemia aberta e por contar com um referente presente como tal, expondo os interlocutores aos efeitos dessa presença, e não regulam as relações pelos sentidos (Orlandi, 2009).

A autora indica que o discurso pedagógico não deve ser percebido como um julgamento de valor, mas sim uma chance de explicação do modo com que o discurso funciona em sua relação com as condições históricas, sociais e políticas de quem o profere. Nesse caso, o discurso pedagógico autoritário caracteriza um docente sobre o qual supostamente está a responsabilidade de ensinar ao aluno que, aparentemente, não possui conhecimentos científicos e, por isso, se torna passivo no processo. O docente é o profissional responsável pela condução do trabalho desenvolvido em aula, pois ele detém o conhecimento específico, e ao seu redor se constituem os processos de ensino e aprendizagem.

Deste modo pode-se ter também, em muitos casos, discursos que apagam, pois ignoram a possibilidade de estabelecer interação com o interlocutor: o aluno. Tal assertiva, em termos de discurso pedagógico, tende a se alinhar ao que Freire (1987) chamou de “educação bancária”: uma educação que configura os processos de ensino e aprendizagem numa perspectiva unilateral, em que ao professor é delegada a incumbência de ensinar e, ao aluno, a de aprender. Processo no qual ocorre a inibição das interações, das trocas de experiência, do posicionamento crítico e da construção e apropriação do conhecimento. Na visão bancária de educação, “o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber” (Freire, 1987, p. 19).

Na perspectiva da educação bancária, o discente se comporta como o sujeito que recebe algo, na perspectiva recorrente do ato do depósito. A ele, a dinâmica de sala de aula dificulta ou impede a promoção da autonomia, o desenvolvimento do pensamento crítico e a livre manifestação. Se pensarmos o funcionamento do discurso, na perspectiva da educação bancária, teremos o predomínio do discurso pedagógico autoritário, pois ele se caracteriza prioritariamente pela paráfrase, ou ainda, pela monossemia.

O discurso pedagógico polêmico, no entanto, propicia uma ação de diálogo entre os sujeitos e costuma ser reconhecido como aquele que alterna traços da polissemia e da paráfrase. Não existe, nessa relação comunicativa, um sujeito receptor e um sujeito transmissor. Os sujeitos usufruem do direito de ouvir e de falar.

O discurso pedagógico lúdico mune-se, por sua vez, de polissemia, e funciona a partir de uma diversidade de ideias que são apresentadas e respeitadas pelos sujeitos que compõem o movimento discursivo. Os sujeitos que participam do processo encontram espaço para, na dinâmica do funcionamento discursivo, questionar, discordar, retificar ou ratificar o dito, pois existe um discurso aberto à interação.

Se de um lado, estabelecemos uma aproximação entre o discurso pedagógico autoritário (Orlandi, 2009) com os preceitos da educação bancária (Freire, 1987), de outro, aproximamos o discurso pedagógico lúdico (Orlandi, 2009), munido de polissemia e interação com a educação pautada na dialogicidade (Freire, 1987). Além disso, se educação bancária é aquela que serve à dominação, a outra, dialógica, e por isso, problematizadora, serve à libertação, e poderíamos dizer que discursos pedagógicos autoritários, nos quais predominam os traços da monossemia, servem à ratificação da dominação, enquanto discursos pedagógicos, nos quais sobressaem a paráfrase e a polissemia, tendem a se aproximar da formação libertadora.

Metodologia de pesquisa

Realizamos uma pesquisa qualitativa com o objetivo de compreender os discursos de professores que atuam no Ensino Superior quanto ao uso de tecnologias da informação e comunicação como suporte pedagógico. Para tanto, o corpus empírico foi produzido pela fala de vinte e três docentes atuantes em cursos de Sistemas de Informação vinculados a três Instituições de Ensino Superior, localizadas na cidade de Rio Branco, Acre. Destacamos que as três Instituições de Ensino Superior foram escolhidas por serem as únicas a ofertar o Curso de Graduação em Sistemas de Informação, e que uma delas se caracteriza por ser uma Instituição Pública Federal, e as outras duas são Centros Universitários, de caráter privado. Além disso, salientamos que o instrumento de coleta de dados da pesquisa foi enviado para todo o corpo docente dos três cursos, que é composto por vinte e oito docentes, sendo que, destes, vinte e três declararam estar cientes e anuentes quanto à participação na pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O material foi coletado, junto aos sujeitos de pesquisa, por meio de um instrumento on-line, apresentado no Google forms, e composto por duas partes. Na parte I, foram apresentadas questões para identificarmos as condições de produção dos sujeitos, mais especificamente, informações que nos permitissem caracterizá-los em termos de gênero, formação e atuação, e nesse sentido, cabe enfatizar que 78% dos sujeitos de pesquisa são do sexo masculino, representando sua maioria; 74% são bacharéis. Os dados coletados apontam, ainda, que 95% dos docentes possuem pós-graduação, lato ou stricto sensu, na área de formação inicial, o que evidencia a preocupação do docente que atua no ensino superior com o domínio de conteúdo específico, “o domínio completo de um campo de saber constituía a base da formação e do desempenho docente, e a sua professoralidade se sustentava na segurança do domínio do conteúdo, na palavra abalizada reconhecida como a verdade” (Cunha, 2018, p.7).

Do ponto de vista do tempo de atuação em atividades técnicas e do tempo dedicado ao ensino, foi observada uma atuação de aproximadamente 16 anos. Especificamente na docência no ensino superior, são 74% (setenta e quatro por cento) os docentes que atuam há mais de 6 anos. Com relação à carga de trabalho, observou-se uma média de 40h semanais, porém somente 35% afirmou trabalhar em tempo integral na docência, e os demais afirmaram dividir sua carga de trabalho entre a docência e atuação técnica profissional.

A Parte II do instrumento, por sua vez, foi organizada com a finalidade de construir informações que subsidiaram as análises e reflexões para responder à questão delineada nesse estudo, qual seja: Como se caracterizam os discursos de professores atuantes em Cursos de Graduação em Sistemas de Informação a respeito de suas práticas pedagógicas ao utilizarem tecnologias da informação e comunicação como ferramenta de apoio pedagógico em sala de aula?

Assim, na Parte II, foram apresentadas as seguintes questões discursivas: (1) Qual sua opinião sobre a utilização de TICs em sala de aula?; (2) Você acredita que as TICs interferem nos processos de ensino e aprendizagem? e (3) Utilizar as TICs em sala de aula, traz alguma mudança na sua prática pedagógica?

As respostas coletadas foram sistematizadas com o apoio do software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que é um software gratuito e de código aberto, que permite realizar vários tipos de análises textuais e, para isso, foi utilizada a técnica de análise de similitude, que se pauta na teoria dos grafos – área da matemática que estuda os relacionamentos entre objetos de conjunto –, e identificar a estrutura de um corpus textual a partir da análise da ocorrência combinada das palavras, ou seja, o quanto as palavras estão conectadas umas com as outras. Cada palavra é representada como um vértice do grafo e seu tamanho representa a frequência de cada palavra no texto (Camargo & Justo, 2013).

Além disso as análises se deram à luz da Análise de Discurso, que é uma abordagem teórico-metodológica que tem contribuído, desde 1960, para o entendimento mais aprofundado do discurso, extrapolando o simples significado das palavras, pois considera que a análise de discurso não trata da língua, não trata da gramática, embora lhe sejam de interesse (Orlandi, 2009). Nessa perspectiva, o discurso se caracteriza como um lugar permeado pela relação da língua e ideologia, representando, ainda, a língua que produz sentidos por e/ou para os sujeitos (Pêcheux, 1975).

Por fim importa destacar que o material coletado e utilizado nesse trabalho está organizado em grafos de análise de similitude, e foi analisado de maneira a considerar “a palavra em movimento, a prática da linguagem, pois com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (Orlandi, 2009, p. 15). Resumindo, utilizamos uma ferramenta de sistematização/apresentação e outra de análise, reconhecendo, em suma, que não julgaremos as posições dos docentes, e de maneira similar, não temos a intenção de emitir qualquer juízo de valor, pois o que objetivamos é compreender a essência do discurso.

Resultados e discussões

A seguir, apresentaremos a sistematização organizada em grafos de similitude, nas Figuras 1 a 3, e algumas das principais análises tecidas a partir das respostas obtidas para as questões descritivas que compuseram a Parte II do questionário. A Figura 1 evidencia, pela sua análise, a ênfase de algumas palavras, vejamos: aluno, aprendizado, ensino, aula, aluno e TIC, que aparecem em trechos como “fundamental ao ensino”, “mais uso em aula”, “utilizar TIC”, “aprendizado muito conteúdo”.

Fonte: os autores.

Figura 1 Impressões sobre o uso de TICs em sala de aula 

A análise nos possibilita entender a relação estabelecida entre a utilização das TICs e a aprendizagem do discente, já que ele ocupa papel de destaque e frequente nas falas coletadas nessa pesquisa. Acreditamos que tal situação se apresenta, conforme indica a análise de discurso, por meio do processo de paráfrase “pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer” (Orlandi, 2009, p. 36).

Perante o exposto, infere-se que, para a maioria dos docentes que participaram dessa pesquisa, a utilização das TICs em sala de aula se justifica em virtude da existência/presença do aluno e da necessidade de utilizá-las visando a certificar a aprendizagem dos conteúdos. É ele, o aluno, que permeia sua memória quando lhe cabe analisar ou pensar sua atuação pedagógica e a forma como organizará sua aula. As finalidades, por exemplo, do uso das TICs como artefatos de suporte pedagógico, embora atendam a diferentes objetivos e não percam de vista o aluno, se vinculam, prioritariamente, ao ensino. Exemplificam o exposto as seguintes falas: “Essencial no processo de ensino e/ou gestão do conteúdo, atividades e avaliações” (Professor 10); ou “São importantes para instigar o aluno e desenvolver habilidades” (Professor 18). As respostas fazem emergir três sentidos “utilitaristas” que os professores atribuem ao uso das TICs em suas aulas: a) Como instrumento [de ensino] para estimular o interesse no conteúdo; b) como alternativa que facilita a atuação em relação ao ensino; e, c) como instrumento de ensino que ajuda a aprendizagem. Em síntese, percebe-se que as três “utilidades” são direcionadas ao aluno e se pautam, do início ao fim, na possibilidade de alavancar, principalmente, o ensino, e não necessariamente promover mais significativos processos de ensino e aprendizagem.

Do exposto, cabe indicar que o uso das TICs se difere, especialmente, ante à consideração de que essas ferramentas possuem, segundo Masetto (2007), uma importância relativa, que poderá emergir à medida que for adequadamente utilizada, ou seja, quando for usada de forma eficiente e puder garantir o alcance de um determinado objetivo. Para o autor, as ferramentas “devem ser utilizadas para valorizar a aprendizagem, incentivar a formação permanente, a pesquisa, o debate, a discussão, o diálogo, o registro de documentos, a construção da reflexão pessoal, de artigos e textos” (Masetto, 2007, pp. 144-153). Ou seja, sua utilização deve voltar-se, diferentemente do defendido pelos participantes dessa pesquisa, à aprendizagem.

Dando continuidade, é mister indicar que, perante as características do discurso pedagógico, os discursos dos professores possibilitam perceber que temos um deslocamento de interesse que ocorre do professor para o estudante. O último sendo percebido como essencial ao processo e para quem o professor pensa a aula e a escolha das ferramentas educacionais, ou seja, aquele a quem o professor ensina. Tal situação pode representar uma prevalência de traços do discurso autoritário, pois os professores justificam o uso das TICs centrado, quase que exclusivamente, no ensino, ou ainda, no estudante a quem precisam ensinar. Por isso, entendemos ser importante considerar a indicação de Masetto (2003) quando propõe a substituição da ênfase atribuída ao ensino para a aprendizagem, pois ao mudar a ênfase, alteraremos a função dos sujeitos que participam dos processos, levando o aluno a participar mais ativamente e o professor a atuar como mediador dos processos.

Ao observar a Figura 2, é importante destacar que as TICs geram, segundo os sujeitos da pesquisa, interferências nos processos de ensino e aprendizagem.

Fonte: os autores.

Figura 2 Interferência do uso de TICs nos processos de ensino e aprendizagem 

O destaque ao “sim”, no entanto, precisa ser observado com cautela, pois os discursos nos remetem a considerar que quando surge a oportunidade de pensar uma alteração ou um ajuste nos processos, estes se voltam às formas de ensinar, e não às possibilidades de aprender, vejamos: “As uso integralmente, mas não devem atrapalhar a aula e, sim, facilitar o ensino.” (Professor 12) e “Acredito que pode ajudar sim. Imagens ou vídeos podem ajudar a fixar melhor um conteúdo.” (Professor 21).

As interferências das tecnologias educacionais nos processos de ensino e aprendizagem, segundo Cunha (2016), não devem ser tratadas simplesmente como ajustes de cunho metodológico ou uma oportunidade de fazer a inclusão de tais recursos nas aulas, pois a tecnologia, por si, garante apenas uma melhoria na comunicação e mais acesso à informação. Por isso, o uso das tecnologias deve promover, ou ainda melhor, qualificar o processo de aprendizagem (Masetto, 2007).

Além disso, segundo Cunha (2016), as interferências deveriam se vincular, prioritariamente, à outra maneira de se apropriar do conhecimento, o que implica, portanto, em mudanças nas condições epistemológicas que pautam a atuação docente e suas práticas pedagógicas:

A aula é o cenário do encontro e das múltiplas possibilidades que professores e alunos têm de fazer dele um tempo de aprendizagem, de trocas, de descobertas e de experimentação. Essa condição exige, porém, um alargamento do conceito de aula, que explode as linhas retas do espaço retangular que a dimensiona e inclui o movimento e a possibilidade de novas racionalidades. Exige, ainda, uma reconfiguração dos históricos papéis atribuídos ao professor e aos alunos, numa relação mais horizontal, com responsabilidades e autorias partilhadas. Essa condição não significa que o professor deixe de exercer suas atribuições propositivas nem prescinda de intencionalidade pedagógica. Significa que ele pode incluir nessas responsabilidades a condição coletiva. (Cunha, 2016, p. 95)

Sendo assim, se levarmos em consideração as palavras sistematizadas no grafo de similitude, nota-se que o uso das TICs direciona-se, novamente, ao aluno. A relação desvendada pelos sentidos apresentados nos discursos dos participantes dessa pesquisa é, de novo, de um docente responsável pelo ato de ensinar e que usa as TICs para beneficiar ou facilitar o trabalho do estudante que precisa aprender. Explanado de outra maneira, indica a existência de um professor que tem algo a oferecer ou uma ajuda a prestar ao aluno, independentemente de estar pautando sua atuação em aulas expositivas ou em metodologias ativas. Em síntese, os significados que emergem indicam que os processos de ensino e aprendizagem se fazem sempre de forma unilateral, mais especificamente, indo na direção de quem sabe para quem supostamente não sabe.

Nessa perspectiva, temos a manutenção dos alunos em situação passiva como meros receptores de um conhecimento, seja em aulas que fazem uso, ou não, de tecnologia. Daí, vê-se ratificar, com mais evidência, traços do discurso autoritário, uma vez que “a polissemia é contida, o referente está apagado pela relação da linguagem que se estabelece e o locutor se coloca como agente exclusivo, apagando também sua relação com o interlocutor” (Orlandi, 2009, p. 86).

Dando sequência às análises, destacamos as articulações possíveis quando da estruturação do grafo de similitude apresentado na Figura 3.

Fonte: os autores.

Figura 3 Mudanças na aula e na atuação docente devido ao uso de TICs 

Da análise, destacam-se as seguintes palavras como sendo as mais recorrentes: “forma” e “aula”, estando limitadas a indicar a maneira de abordar, ou ainda, de expor um determinado conteúdo, que pode ser, ou não, resultado do uso das TICs em sala de aula. A mudança se limita à utilização das ferramentas em sala de aula para alterar a forma de ensinar, fazendo-a chegar ao aluno. Para ratificar o exposto, destacamos as falas a seguir: “O que vai mudar é a forma de fazer as coisas, mas sempre com o mesmo objetivo” (Professor 17); e “Principalmente na forma de se comunicar com os alunos” (Professor 18). Para Masetto (2007), o uso dessas ferramentas não se justificará por si mesmo, elas precisam ser adequadas para facilitar o alcance dos objetivos e eficientes para tanto.

Dessa forma, enquanto professores, importa ampliarmos a reflexão a respeito de tais questões, pois não são os meios, as formas, as maneiras ou, ainda, os artefatos/ferramentas utilizados em aula que, de forma descontextualizada/isolada, propiciarão o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem mais exitosos. De maneira oposta, a realização de aulas com maior qualidade exige a consideração de outras questões, como, por exemplo, o conhecimento específico dos conteúdos que são abordados na disciplina, a apropriação de questões pedagógicas que devem pautar a atuação docente em sala, a realização de um planejamento contextualizado que considere as especificidades dos estudantes que participarão dos processos de ensino e aprendizagem, o nível e a qualidade das interações que serão estabelecidos entre os sujeitos dos processos e, por fim, as características do discurso pedagógico que permearão a realização de toda a aula. Diante disso, defendemos, novamente, a importância de uma ênfase maior, em sala de aula, à promoção do discurso pedagógico polêmico, para que ao aluno seja dada a possibilidade de, na dinâmica da interação, se construir como ouvinte e como autor.

Considerações Finais

Esta seção apresenta as principais conclusões do estudo desenvolvido. Para isso, retomamos a questão de estudo delineada e pela qual nos interessamos em pesquisar, vejamos: Como se caracterizam os discursos de professores atuantes em Cursos de Graduação em Sistemas de Informação a respeito de suas práticas pedagógicas ao utilizarem tecnologias da informação e comunicação como ferramenta de apoio pedagógico em sala de aula?

Inicialmente, ressaltamos que, apesar de esse estudo ter contemplado 82% do corpo docente dos cursos de Sistemas de Informação das instituições existentes no estado e que ofertam o referido Curso, entendemos que, a exemplo de outras pesquisas de abordagem qualitativa, seus resultados podem, por exemplo, não representar a situação em outras regiões do Brasil, o que não desqualifica, a nosso ver, a temática, a questão de estudo, ou ainda, as análises tecidas. Afirmamos isso, pois os resultados podem, além de servir de alerta para a necessidade de compreendermos a docência sob o prisma da profissionalização, e da mesma forma, reconhecer a formação continuada como necessária para garantir atuações mais significativas em salas de aula, no Ensino Superior, podem permitir ao leitor uma melhor compreensão sobre como se configura a atuação de docentes desse nível de ensino, na área, especialmente, em termos de utilização de TICs em sala de aula, em uma região do país que inegavelmente possui fragilidades econômicas, sociais e educacionais, e padece, inclusive, ante à dificuldade de fixar doutores e pesquisadores em suas IES.

Destacamos que, da análise dos discursos desses profissionais, emergem sentidos que indicam que é possível utilizar as TICs em sala de aula como ferramentas computacionais ou recursos de internet que auxiliem no acesso à informação e que se caracterizem por possuir alto potencial quanto à contribuição com as aulas desenvolvidas. Além disso, no que diz respeito aos sentidos que os sujeitos de pesquisa atribuem ao uso das TICs em sala de aula, percebemos ênfase no que segue: a) Como ferramenta [de ensino] para estimular o interesse do aluno pelo conteúdo; b) Como alternativa metodológica que facilita a atuação em relação ao ensino; e, c) Como instrumento de ensino que ajuda a aprendizagem. Nota-se que os três sentidos se voltam à condição utilitarista do uso das TICs e se direcionam, prioritariamente, ao aluno, pois é ele o sujeito que precisa ser estimulado e que deve aprender. Dito de outra forma, as TICs são costumeiramente utilizadas como recurso que pode, de alguma forma, despertar o interesse e a atenção dos alunos para a aula, de forma que o discente melhor acompanhe o desenvolvimento das atividades e, por conseguinte, aprenda. Ou seja, para os docentes que participaram dessa pesquisa, inserir TICs nas práticas pedagógicas pressupõe alterar suas aulas, especialmente na forma como o conteúdo é, ou será abordado. Em síntese, percebe-se que, do início ao fim, o foco se direciona aos resultados que se pretende obter em relação ao ensino, e não numa possível preocupação com a aprendizagem.

Diante disso, reforçamos a crítica já apresentada, anteriormente, de forma a chamar a atenção do leitor para o fato de que o uso das TICs, pela simples utilização, não se justifica, pois defendemos que a escolha de um recurso, ou de uma metodologia, ou ainda, de uma ferramenta, deve ser realizada a posteriori, e não a priori, pois as práticas pedagógicas devem se caracterizar como ações intencionais que atendem a objetivos específicos e contribuem de forma plena com a promoção de processos de ensino e aprendizagem mais significativos e de melhor qualidade. Tal situação se configura dessa forma, de acordo com Masetto (1998), porque há uma carência de domínio das questões que constituem a esfera pedagógica. Tal situação é resultante da ausência de oportunidade de contato com questões pedagógicas ou pelo entendimento, por parte dos docentes, de que são questões desnecessárias ou supérfluas.

Além disso, quando da análise do material coletado, emergem sentidos que indicam que os professores acreditam que a utilização de TICs pode contribuir com o processo educacional, já que, ao utilizar essas ferramentas, estas facilitam suas atuações, pois conseguem manter a atenção dos alunos e disponibilizar de alguma forma aquilo que denominam de atividades práticas. Cabe indicar, ainda, que, das análises realizadas, nota-se que os discursos apresentados, em relação ao uso de TICs, não são nem salvacionistas e nem negacionistas.

Ante o exposto, fazemos uma ressalva ao fato de que os docentes, por vezes, desconsideram a aprendizagem. Tratam-na como se fosse consequência líquida e certa do ato de ensinar. Logo, parece que partem da assertiva de que, se temos um professor que ensina, teremos, obrigatoriamente, um aluno que aprende. O que não se configura como certo e, por isso, defendemos que as salas de aula, e as salas de aula no Ensino Superior, sejam espaços onde se consolidem o discurso pedagógico polêmico e a promoção de processos interativos e dialógicos, defendidos por Orlandi (2009), e que se aproximam do proposto por Freire (1996). Tem-se ainda que a utilização frequente das TICs se deve à necessidade de atrair a atenção e acompanhar os alunos, ou ainda, de expor os conteúdos em aula. Sendo assim, encontra-se prejudicado, a nosso ver, um elemento essencial da aula, qual seja: a interação. Ela, que embora não gere impacto no ato de ensinar, como dito em outros momentos, é condição elementar da aprendizagem. Orlandi (2003, p. 159) dirá que: “a relação dialógica é básica para a caracterização da linguagem”, pois o texto, as palavras ou os materiais não falam por si e os alunos não interagem com os objetos, mas com os outros sujeitos do processo. É na e pela interação que os materiais significam, que os sentidos são construídos.

Dessa forma, entendemos serem pertinentes as seguintes reflexões: Existe diferença entre uma aula que se desenvolve com textos escritos no quadro branco/negro, utilização de projetor multimídia, de retroprojetor, ou ainda, com materiais de papelaria, como cartolina e pincéis? Existe diferença em pedir ao aluno para fazer a leitura de um texto em um livro, em uma apostila ou nos slides apresentados? De um lado, a inserção de ferramentas tecnológicas, em sala de aula, parece atender aos anseios da sociedade moderna; e de outro, reiteramos mais uma vez, que a mera presença delas em sala não representa necessariamente mudanças nos processos de ensino e de aprendizagem ou ainda nas práticas pedagógicas. Habowski e Conte (2018) reforçam que a educação mediada pelas tecnologias digitais pode até empobrecer as práticas educativas.

Por fim, defendemos que as expectativas de mudanças, em contexto educacional, não devem ser vinculadas ao simples uso, ou não, de uma ou outra ferramenta. Acreditamos ser imprescindível uma reorganização da docência como profissão, a reflexão sobre a importância da construção de uma identidade docente, os aspectos inerentes ao planejamento da aula, as metodologias escolhidas, a compreensão do que significam os processos de ensino e aprendizagem, e as interações que se estabelecem entre os sujeitos que participam destes processos. É preciso, ainda, que as ferramentas, sejam elas quais forem, permitam a reversibilidade de posições entre os sujeitos que participam dos processos, para que diferentes posições, opiniões, ideias, sentidos e ações possam emergir e para que sejam efetivamente promovidos o ensino e a aprendizagem.

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[1]É importante pontuar que, na literatura, é comum o uso alternado das siglas TIC e TDIC (Tecnologia Digital de Informação e Comunicação) de forma alternada (como sinônimas), apesar do fato da segunda estar relacionada a tecnologias digitais (especialmente com o uso da Internet) em detrimento de tecnologias analógicas.

Recebido: 30 de Julho de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

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