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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 16-Dez-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202139147 

Artigos

Contação de história e infâncias: as narrativas (re)inventam-se

Narración de historia e infancias: las narrativas se (re)inventan

Storytelling and childhood: narratives (re)invent themselves

Silvia Sell Duarte Pillotto1 
http://orcid.org/0000-0003-4497-2285

Luiza Corrêa Cunha2 
http://orcid.org/0000-0002-3916-9175

Eliana Stamm3 
http://orcid.org/0000-0002-2690-6308

Berenice Rocha Zabbot Garcia4 
http://orcid.org/0000-0002-0353-4310

1Pós-doutorado pela Universidade do Minho (2008), Braga/Portugal. Professora e pesquisadora em cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Líder/Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação (NUPAE).

2Mestre em Educação pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) (2021). Docente em Educação Infantil no Colégio UNIVILLE. Contadora de história no Colégio UNIVILLE e em eventos culturais. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação (NUPAE/UNIVILLE) e no Programa Institucional de Literatura Infantil Juvenil (PROLIJ/UNIVILLE).

3Especialização em Prática Social da Arte (ECA/USP) (1985). Professora e pesquisadora Sênior da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) no curso de Licenciatura em Artes Visuais. Participante do Grupo: Barro e Expressão. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação (NUPAE/UNIVILLE).

4Doutora em educação (PUC/São Paulo) (2012). Professora e pesquisadora no Curso de Graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Coordena o Programa de Extensão de Literatura Infantil Juvenil (PROLIJ/UNIVILLE).


Resumo

Este artigo é resultado de uma pesquisa científica e tem como objetivo analisar as narrativas infantis, pautadas em uma oficina de contação de história, a fim de entendê-la não somente como recurso pedagógico, mas também como fruidora de processos criativos, imagéticos e autorais. A pesquisa aconteceu em um colégio, vinculado a uma universidade comunitária, com 12 crianças da Educação Infantil (de 4 a 5 anos), durante um semestre, tendo a narrativa como abordagem metodológica. Os processos/resultados apontaram que a contação de história fortaleceu vínculos afetivos, a escuta e o sentido de autoria, evidenciando a experiência estética como mobilizadora nos processos cognitivos e sensíveis.

Palavras-chave Educação; Contação de história; Criação

Resumen

Este artículo es resultado de una investigación científica y tiene como objetivo analizar las narrativas infantiles, pautadas en un taller de narración de historia, con el fin de entenderla no sólo como un recurso pedagógico, sino como proveedora de procesos creativos, imagéticos y autorales. La investigación se llevó a cabo en un colegio vinculado a una universidad comunitaria, con 12 niños de Educación Infantil (4 y 5 años), durante un semestre, utilizando la narrativa como enfoque metodológico. Los procesos/resultados apuntaron que la narración de historia fortaleció lazos afectivos, la escucha y el sentido de autoría, evidenciando la experiencia estética como movilizadora en los procesos cognitivos y sensibles.

Palabras clave Educación; Narración de historia; Creación

Abstract

This article is the result of a scientific research and aims to analyse children’s narratives, guided by a storytelling workshop, in order to understand it not only as a pedagogical resource, but also as a user of creative, imagery and authorship processes. The research took place in a school, linked to a community university, with 12 children from kindergarten (4 and 5 years old), during one semester, using narrative as a methodological approach. The processes/results showed that storytelling strengthened affective bonds, listening and the sense of authorship, evidencing the aesthetic experience as a mobilizer in cognitive and sensitive processes.

Keywords Education; Storytelling; Creation

Introdução

Como eu vou saber da terra, se eu nunca me sujar? Como vou saber das gentes, sem aprender a gostar? Quero ver com meus olhos, quero a vida até o fundo, Quero ter barros nos pés, eu quero aprender o mundo! (Bandeira, 2009, p. 16)

Quando iniciamos esta pesquisa, uma inquietação acompanhava-nos nas formações e nos grupos de pesquisa: as práticas de contação de história na Educação Infantil podem ser fruidoras de processos criativos? Pela nossa atuação como professoras/pesquisadoras e formadoras, temos ciência de que a contação de história é utilizada como recurso pedagógico e que grande parte dos profissionais que atuam com as infâncias a consideram um modo interessante e atrativo de interação. A apropriação se dá no sentido de provocar o interesse das crianças pelas temáticas trazidas e como articulação para outros conteúdos e saberes.

No entanto, a pesquisa aqui apresentada e os autores que a subsidiaram, compreendem a contação de história para além de um recurso pedagógico, colocando-a como mobilizadora de experiências estéticas e possibilidade de fruição, tanto das crianças como dos professores, os quais assumem o papel de contadores de história.

Importante destacar, que nas formações realizadas por nós em percursos docentes, observamos que uma grande parte dos professores atuantes na educação infantil tem se apropriado da contação de história apenas como recurso pedagógico. Essa fragilidade, por vezes é oriunda da ausência de uma abordagem nos cursos de formação (Pedagogia), que trate da contação de história como imaginação criativa. Também a falta de formações continuadas que enfatizem a fruição, criação e imaginação, é um fator preocupante. Geralmente, as formações estão centradas em estratégias e modelos para o exercício da contação, mas raramente para o pensamento criativo.

No entanto, é crível também dizer que existe um movimento de professores/pesquisadores que têm defendido a ideia da contação como potência criadora, a exemplo Cagneti (2013), Miranda (2015) e Yunes e Pondé (1989), autoras que foram referência para esta pesquisa, em especial para a oficina de contação de história.

Nossa escolha metodológica foi a abordagem narrativa por entendê-la como abertura para o diálogo, a escuta e a criação, uma vez que oportuniza interações entre nós pesquisadoras e as crianças. Nós como agentes de reinvenção metodológica e as crianças como autoras de saberes e de imaginação criadora. Consideramos a narrativa na pesquisa, também como uma ação formativa, pois nosso papel é de aprendizes, sempre abertas a experiências no percurso de pesquisar e pesquisar-se.

Para que possamos aprofundar essa temática, apresentamos a seguir a seção intitulada Infância e educação. Nesta sessão, destacamos nossa opção em fazer pesquisa com crianças e não somente sobre crianças, entendendo-as como autoras de saberes e de conhecimentos. Além disso, essa seção traz reflexões sobre as infâncias e a criança como ser social, que pensa, constrói sentidos e é agente ativo na sociedade e nas culturas.

A seção seguinte, intitulada Abordagem narrativa, apresenta nossas opções metodológicas e os conceitos que subsidiam nosso fazer pesquisa, compreendendo-a como experiência sensível e como um processo colaborativo entre pesquisadoras e crianças. É um processo que requer movimentos contínuos e dinâmicos, impressos em histórias vividas, criadas e reinventadas.

Na sequência, apresentamos a seção intitulada Livro “Folha”, caracterizado como narrativa visual, como escolha para o desenvolvimento da oficina de contação de história, especialmente por ser um livro de narrativa visual. Entendemos que para o nosso propósito de pesquisa - mobilizar nas crianças ações criativas, imagéticas e autorais, o referido livro poderia impulsionar esses processos.

Por fim, a seção Contação de história: processos de criação e reinvenção, apresenta a contação de história como possibilidade de fruição, a qual envolve a imaginação criadora e os processos autorais das crianças, tendo as narrativas como balizadoras do processo.

Infância e educação

A educação tem importante papel na humanização dos sujeitos e como afirma Freire (1980), contribui para que o homem passe de homem-objeto para homem-sujeito. Freire (1980) defendia uma educação humanizadora, em que os sujeitos refletem sobre si próprios, “sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de transição” (Freire, 1980, p. 57). Tempo de transformações e de praticarmos educação sem dicotomias entre cognição e sensibilidade, pois conhecer o mundo é olhá-lo em todas as dimensões. Como nos ensinou Freire (2000, p. 28), “a educação modela e recria os corações, ela é a alavanca das mudanças sociais”.

Essas questões, ao longo dos tempos vêm sendo pensadas. No decorrer dos séculos XX e XXI, as pesquisas sobre educação e em especial sobre as infâncias, têm ocupado espaços nas reflexões sobre a Educação Infantil. Entretanto, faz-se ainda necessário avançarmos no que diz respeito ao olhar egocêntrico do adulto, que por vezes, nega a existência da criança como sujeito social.

Sensibilizadas com essas questões, realizamos a pesquisa com 12 crianças da Educação Infantil, em busca de escutar, interagir e construir relações de afeto e de confiabilidade, em que elas pudessem exercitar autoria em saberes, dizeres e fazeres por meio de narrativas sonoras, visuais, corporais e virtuais. Importante destacar, que a pesquisa e em especial a oficina de contação de história (campo de investigação), teve uma das três pesquisadoras como professora responsável por essas 12 crianças. Esta situação contribuiu para o desenvolvimento da oficina, uma vez que as crianças já tinham familiaridade com a contação de história e com outras ações envolvendo as linguagens/expressões da arte. Portanto, o semestre específico, relacionado as doze horas de oficina, reiteraram nossas inquietações iniciais, advindas especialmente de formações anteriores, realizadas por nós com professores de educação infantil, bem como com oficinas estéticas destinadas a crianças de outras instituições de educação infantil. A partir destas experiências ficou mais evidente a investigação interativa com crianças, tendo a contação de história como possibilidade de modos outros de fazer pesquisa e de fazer educação com as infâncias.

Assim, nossa opção foi a de pesquisar com crianças e não somente sobre crianças, uma vez que desejávamos ouvir suas inquietações, necessidades, alegrias e tristezas, compreendendo-as como partícipes nos processos sociais, estéticos e culturais da investigação.

A partir dessa perspectiva, entendemos que as crianças se constituem com base nas relações que estabelecem com os meios sociais. Dito de outro modo, é indispensável que elas realizem suas próprias leituras de mundo, reconhecendo-se como pertencentes aos espaços sociais e culturais em que vivem. Desse modo, elas exercem desde cedo seu papel como cidadãs de maneira sensível e crítica. Freire (2013, p. 28), sobre essa questão, afirma que “nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos de construção e de reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Nesse viés, Agamben (2005, p. 59) afirma que “a infância é a origem da linguagem, e a linguagem é a origem da infância”. E como tratarmos as linguagens da arte nas infâncias? Talvez iniciando com as ideias trazidas por Kohan (2002, p. 129) ao dizer que “não ensinam e nem deixam aprender os que pensam que ensinar tem a ver com explicar, e, aprender com compreender e reproduzir o explicado”.

As infâncias, portanto, podem ser compreendidas, de acordo com Kohan (2004, p. 47), como condição de experiência e do universo “do faz de conta… e se as coisas fossem de outro modo…? A forma única, e, a uma só vez, múltipla de todo acontecimento…”. As infâncias, lugar do imaginário e do devaneio, possibilitam que a criança articule o real e o imaginário por meio do simbólico. Segundo Piorski (2016, p. 31):

A criança com sua capacidade de fabular, é impulsionada a recriar o real no irreal. Quer irracionalizar a matéria, decompor as formas da cultura a partir do manancial de reminiscências, do lastro da memória e experiências humanas registrando em suas células, em seu campo sensório, em seus sonhos.

A criança em seus devaneios é liberta por meio da expressão e de seus modos de perceber o mundo, ao tecer relações entre o real e a imaginação. Sua forma de interpretar e interagir com o mundo é constituído de experiências e culturas, pois, segundo Sarmento (2011, p. 43), “nas suas relações com os adultos e nas relações com outras crianças, partilham, reproduzem, interpretam e modificam códigos culturais que são actualizados nesse processo interactivo”.

Os códigos culturais estão permeados de intencionalidades e inseridos em toda parte. São apropriados nas ações relacionais entre crianças e adultos e estão em constante transformação; afinal, as culturas são processos em movimentos contínuos, recriadas a partir do convívio social. Desse modo, pensar a criança em suas infâncias é buscar, conforme Bujes (2012, p. 5), “novas formas de problematizar o já sabido e, quem sabe, encontrar caminhos insuspeitados para fazer frente às nossas inquietações no que diz respeito às relações que estabelecemos com as crianças”.

As crianças dão significações a tudo em sua volta, expressam suas visões diante das relações familiares e das relações com outras crianças e os adultos de seu convívio na escola e fora dela. São sujeitos em constante constituição, com vontades, desejos e anseios. Manifestam-se e precisam ser ouvidas; afinal, as crianças são agentes ativos na sociedade, produtoras de suas próprias narrativas. Ou ainda, segundo Piorski (2016, p. 31), “a criança encontra-se com a natureza, a vida social, as matérias do adulto (incluindo seus gestos), os artefatos e a imaterialidade da cultura, para realizar a tarefa imaginária atemporal do desmanchar o mundo”.

A pesquisa com crianças mobilizou-nos a compreender as infâncias e as crianças em uma outra perspectiva, ao desnudarmo-nos de conceitos pré-definidos e possibilitar abertura para outras relações com a criança como sujeito social, que pensa, tem vontades e muito a nos ensinar sobre a vida e a liberdade de ser. Assim, as relações tecidas na pesquisa tiveram como ponto de partida e de chegada a contação de história, que se mostrou fundamental em nossos processos de imaginação criadora como pesquisadoras. A ênfase na contação, articulada às linguagens da arte e à abordagem metodológica, também contribuiu para que nós e as crianças reinventássemos outros modos de pensar e de fazer, ampliando as sensibilidades.

Abordagem narrativa

Realizamos a pesquisa durante um semestre, a qual foi organizada em oficinas mensais de contação de história, com duas horas de duração, perfazendo o total de 12 horas. Como interlocutores, tivemos um grupo de 12 crianças da Educação Infantil, de um colégio integrado a uma universidade comunitária.

Vale ressaltar que o fato de uma das três pesquisadoras atuar como professora das 12 crianças partícipes dessa pesquisa, foi decisivo para o desfecho, que reiterou nossa questão de pesquisa. Ou seja, a contação de história pode ser realizada para além de um recurso pedagógico, pois envolve processos criativos, imagéticos e autorais.

Também a abordagem narrativa, opção metodológica desta pesquisa, foi fundamental para que as crianças se sentissem autoras das criações acontecidas durante a contação de história, além de potencializar o sentimento de pertença de todo o processo de investigação. A professora mediava a história, enquanto as crianças faziam intervenções, reinventando-as.

A abordagem metodológica com viés narrativo, foi ancorada em experiências, que na visão de Clandinin e Connelly (2015, p. 48), é a vida “como ela é para nós e para os outros — é preenchida de fragmentos narrativos, decretados em momentos históricos de tempo e espaço, e refletidos e entendidos em termos de unidades narrativas e descontinuidades”. Além disso, essa abordagem enfatizou as experiências de si e do outro como potencial para a construção de saberes e de autoconhecimento.

A narrativa, portanto, não se resume a um simples relato dos acontecimentos, mas, configura:

[…] uma tomada reflexiva, identificando fatos que foram, realmente, constitutivos da própria formação. Partilhar histórias de vida permite a quem conta a sua história, refletir e avaliar um percurso compreendendo o sentido do mesmo entendendo as nuanças desse caminho percorrido e reaprendendo com ele. E a quem ouve (ou lê) a narrativa permite perceber que a sua história entrecruza-se de alguma forma (ou em algum sentido/lugar) com aquela narrada (e/ou com outras); além disso abre a possibilidade de aprender com as experiências que constituem não somente uma história mas o cruzamento de umas com as outras. (Moraes, 2000, p. 81)

As narrativas, nessa perspectiva e segundo Souza et al. (2017, p. 13), “são construídas na experiência como atos de formação e transformações de episódios que, elaborados, produzem diversas temporalidades, novas significações e outras histórias vividas”. São fluxos constituídos de modos singulares e coletivos, que seguem em direções múltiplas.

Durante o percurso da pesquisa, as crianças, por meio da contação de história, davam significados ao que estava sendo narrado, partilhando suas impressões, experiências e percepções com o grupo. E assim, pouco a pouco fomos produzindo dados, que se traduziam em: registros fotográficos, filmagens, anotações, bem como nossas observações com relação às intervenções das crianças durante a contação de história e ao final dela. Nesse percurso, nosso olhar voltou-se também para suas produções artísticas em desenhos, pinturas, improvisações teatrais, movimentos dançantes e reinvenção de outras histórias e personagens, tendo como referência o livro “Folha”, apresentado por nós e narrado pelas crianças. Vale destacarmos que, na abordagem narrativa os resultados se configuram em processos. Como afirma (Tourinho, 2012, p. 247):

[…] a pulsão pelo trabalho de investigar e a investigação que o alimenta dependem da sensibilidade que cria e institui nossas relações com o mundo; dependem dos sentimentos que construímos e que nos fazem transitar entre experiências, sempre embebidas em nossa vida cotidiana.

As experiências, em especial as estéticas, impulsionaram as relações de confiabilidade entre nós pesquisadoras e as crianças, deixando-as em um ambiente acolhedor, em que puderam expressar suas percepções nas mais diversas linguagens (sonoras, visuais, corporais e virtuais). As relações construídas entre pesquisadoras e crianças caracterizaram-se pela experiência e pela colaboração entre os envolvidos. Para Clandinin e Connelly (2011, p. 51), “um pesquisador conclui a pesquisa ainda no meio do viver e do contar, do reviver e recontar, as histórias de experiências que compuseram as vidas das pessoas, em ambas as perspectivas: individual e social”. A abordagem narrativa, portanto, potencializou nossa pesquisa com as crianças, uma vez que, segundo Hernández (2017, p. 71), “o outro não é o sujeito estudado, objetivado; somos ambos os sujeitos em aproximação mútua, tentando nos compreender a nós mesmos como sujeitos que pensam e geram modos de compreensão”.

Nos percursos de pesquisar, tecemos relações dialógicas, aprendendo uns com os outros, fazendo e refletindo juntos. Isso também foi oportunizado pela abordagem escolhida – a narrativa, que para Benjamin (1994, p. 205), “é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada, como uma informação ou um relatório”. Em outras palavras, a narrativa imprimiu nossas marcas, misturadas em histórias de vida e em experiências. Nesse processo, não há hierarquia entre quem pesquisa e seus interlocutores, pois ambos estão em estados de experiências, aprendendo coletivamente no exercício constante de escuta, observação, percepção, em plena construção de sentidos.

Livro “Folha” – uma narrativa visual

O livro “Folha”, de Stephen Michael King (2008), foi o escolhido para a realização da oficina de contação de história, que aconteceu durante um semestre, com um total de 12 horas subdivididas mensalmente. “Folha” é uma obra que contém elementos contemporâneos, com narrativa somente visual, hoje bastante comum, especialmente na literatura infanto juvenil. No entanto, a narrativa visual teve seu destaque somente com o livro “Ida e Volta”, do artista Juarez Busch Machado (1996), que atualmente se dedica especialmente ao desenho e à pintura. Segundo Cagneti (2013), esse foi o primeiro livro de um autor brasileiro reconhecido por pesquisadores e estudiosos atuantes na área de Literatura Infantil.

“Folha” tem como característica uma leitura que não necessariamente precisa iniciar e finalizar em uma sequência linear, pois cada uma das imagens possui elementos contextuais e independentes. Essa possibilidade é muito interessante para as crianças, pois o livro pode ser apresentado na sua íntegra ou de modo fragmentado, dependendo do interesse delas e da proposta do professor/contador de história.

O diferencial dos livros caracterizados como narrativas visuais é portanto, abrir espaços para que as crianças possam imaginar e criar suas próprias histórias, visto que, para Cagneti (2013, p. 42), “ser leitor é, no mundo contemporâneo, não ser mero repetidor, mas criador do texto lido”. Assim, a escolha do livro “Folha” deu-se principalmente no intuito de mobilizarmos os processos imagéticos, criativos e autorais das crianças e também os nossos como pesquisadoras aprendizes, pois foi preciso pensarmos em modos de contar a história com a interação das crianças, a fim de criar possibilidades criativas, imagéticas e autorais.

E assim fizemos, ao organizarmos inicialmente, uma roda composta por cadeiras para que as crianças pudessem ter uma boa visibilidade do livro “Folha” e fossem impulsionadas a interagir umas com as outras durante a contação de história.

As crianças não conheciam o livro “Folha” (King, 2008), mas a contação de história já fazia parte do cotidiano delas, especialmente, porque uma das três pesquisadoras é pedagoga e contadora de história. A grande novidade da oficina de contação foi o livro de narrativa visual, o que instigou as crianças a criar mais livremente outros enredos, bem como articular outras expressões artísticas, como: desenho, pintura, improvisações cênicas e sonoridades.

Assim, em cada página virada, olhos curiosos nos acompanhavam. Aproximávamos de cada uma das crianças para que pudessem observar as imagens mais de perto e com o tempo necessário para sua fruição.

Já na primeira imagem apresentada, uma das crianças questionou-nos: “é para inventar? Não tem nada escrito…” (Cauã, 5 anos). E outra, na sequência, manifestou-se: “eu gosto de livro só de imagens porque assim posso inventar a história que quiser” (Sophia, 5 anos). Esses dois comentários sinalizaram que o livro de imagem narrativa foi uma escolha adequada, pois instigou as crianças a imaginarem e a criarem narrativas, potencializando assim, seus processos imagéticos.

A autoria da criança perpassa pelos processos de criação bem como, de acordo com Girardello (2011, p. 3), da “imaginação que, movida pela curiosidade e assegurada pelos adultos em seu ambiente, dá-lhe base para formulações cada vez mais complexas em seu conhecimento do mundo”. Desta maneira, foi possível durante todo o percurso da oficina de contação de história, provocarmos novas ideias com palavras, objetos, situações e imagens das culturas cotidianas das crianças, que foram se articulando ao jogo metafórico e simbólico do ser e de estar no mundo (Girardello, 2011).

A roda de conversa possibilitou a mobilização das crianças, que no exercício da escuta e da oralidade, se movimentavam de um lugar a outro, gesticulando e comunicando sentimentos de alegria, dúvida, tristeza, estranhamento, entre outros. As crianças comunicam-se de modo intenso em suas experiências, as quais “só acontece[m] se houver realmente uma aprendizagem dos sentidos corpóreos, se toda a existência do experimentador for colocada em ato, sob forma de performance criativa” (Meira, 2014, p. 53). Esse processo não acontece de modo isolado, pois “todo o ato criador passa pelo crivo sensível da sensorialidade corpórea, que pulsa por exercitar seus poderes, suas potências de vida. O exercício é o mesmo da brincadeira, da vivência lúdica da infância” (Meira, 2014, p. 53).

As crianças dialogaram ao problematizar a história e relacioná-la a situações reais e imaginárias. Uma delas comentou: “eu gostei muito da parte que ele teve filhos. Eu amei essa história” (Miguel, 5 anos). Aqui ele se refere a um fragmento da história ilustrada por um passarinho que coloca um “ovo” ou uma semente na cabeça do menino e uma planta cresce ali. Miguel fez a comparação do ciclo de vida da planta com o ciclo de vida dos seres humanos: uma semente plantada na barriga das mulheres, que cresce e nasce uma criança.

Outra experiência com o livro “Folha” foi a de Gabriel, que não ficou preso ao enredo visual da história, criando seu próprio personagem – o “Folhudo”, um artista-pintor. Interessante destacar o comentário de Gabriel durante a oficina, referindo-se ao seu desejo em ser artista e que o seu personagem imaginado, representado por uma folha, era também real, ou seja, ele próprio como um artista.

Mais um aspecto curioso no percurso da contação da história, foi o sentimento de autoria entre as crianças. Lorenzo, em sua narrativa, disse: “eu gostei muito da minha história, e foi em quem fiz!” (Lorenzo, 5 anos). A narrativa dessa criança provoca-nos a pensar sobre a importância do sentimento autoral, pois define o lugar de aprendiz e de construtor de seu próprio saber, que em suas manifestações expressivas, trazem, como afirma Kramer (1999, p. 207), “histórias, ideias, representações, valores”, que vão sendo constituídos nas culturas, seja na família ou na escola.

Também para nós pesquisadoras, a contação de história, por meio de um livro narrativo visual, contribuiu para potencializar os processos criativos, imagéticos e autorais, pois como salienta Moreira (1993, p. 23), “recuperar o ser poético que é a criança só é possível quando os professores se percebem como pessoas capazes de viver o estranhamento, que é o ser da poesia, quando o professor descobre nele mesmo o prazer da criação”. O prazer e a abertura para novos modos de sentir e de criar estiveram presentes durante os percursos do fazer pesquisa e do pesquisar-se também.

A contação de história com a participação e a interação das crianças, possibilitou outros modos de apropriações perceptivas, tendo como referência o livro “Folha”. Assim, na sequência da oficina, demos continuidade propondo uma atividade de investigação em que as crianças foram motivadas a caminhar nos espaços externos do colégio, buscando na natureza folhas caídas das árvores, gravetos, pedras, barro, entre outros. A saída do ambiente interno causou ainda maior interesse das crianças sobre as questões tratadas no livro. A pesquisa criou assim, maior interatividade e sentimento de partilha e de cumplicidade entre todas nós.

Após a expedição e a coleta dos materiais, as crianças voltaram para o ambiente interno do colégio, fazendo uma espécie de categoria do que havia sido coletado: pedras de vários tamanhos, folhas de tonalidades diferentes, gravetos grandes e pequenos, finos e grossos etc. Aproveitando o entusiasmo das crianças com a pesquisa, as desafiamos a produzirem composições artísticas utilizando os materiais coletados e outros oferecidos por nós, como: canetões, papéis diversos, giz de cera, tintas e pincéis. Os materiais, o livro de narrativa visual “Folha” e as narrativas criadas pelas crianças foram base fundamental para as suas produções artísticas.

Os processos imagéticos, criativos e autorais das crianças, compostos por situações cotidianas e imaginárias, lugares e personagens, foram referenciais importantes nos processos de aprendizagem e de construção de sentidos. A seguir, apresentamos a produção de uma criança que desenvolveu com os materiais, várias situações com seus personagens, incluindo a si própria e alguns colegas da turma. Ela comentou: “vou apresentar minha bonequinha […]. Eu criei! Eu fiz o rosto, a blusa, as pernas com folhas, gravetinhos e canetões. O sapatinho, aqui e aqui tudo com uma folha só e ainda tem meus colegas!” (Sofia, 5 anos).

Fonte: acervo particular das pesquisadoras.

Figura 1 Produção Artística com base no livro “Folha” 

O livro de narrativa visual “Folha” instigou os processos de criação das crianças, pois como afirma Coelho (2000, p. 43), a criação imagética “como nenhuma outra, tem o poder de concretizar o abstrato (e também o indizível), através de comparações, imagens, símbolos e alegorias”. Para o autor, a escuta de uma história ou as imagens apresentadas do livro podem transformar-se em aprendizagem e em experiências, que acontecem no momento em que a criança é afetada pela história. Além disso, como nos diz Machado (2015, p. 18), “as crianças sabem muito mais do que supomos”.

Contação de história: processos de criação e reinvenção

Em nossa pesquisa, a ênfase foi dada à contação de história, entendendo que as experiências atravessam as linguagens da arte, tanto por meio da oralidade e da sonoridade, quanto pelos movimentos corporais, exercícios visuais e outros. Esses vão surgindo nos percursos de sentir e de aprender das crianças, afinal, como aponta Larrosa (2016, p. 18), “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”.

Nesse sentido, a fundamental tarefa do professor/contador de história na Educação Infantil é a de contar histórias, que provoquem a imaginação criadora e a interação com o outro e com o mundo. De acordo com Yunes e Pondé (1989, p. 60), “o hábito da leitura se forma ‘antes’ mesmo do saber ler – é ouvindo histórias que se ‘treina’ a relação com o mundo”. Desse modo, as crianças, por meio das histórias ativam a imaginação e vão percebendo-se nos personagens e nas situações, conectando o universo cotidiano ao imagético. Para Bachelard (2018, p. 126), “o imaginário não encontra suas raízes profundas e nutritivas nas imagens; a princípio, ele tem necessidade de uma presença mais próxima, mais envolvente, mais material”. Essa materialidade pode ser encontrada na contação de história, pois as crianças podem se expressar a partir do mundo real, mas sobretudo, pela fantasia – o mundo da imaginação.

Contar história portanto, contribui para a formação de leitores e para a mobilização do imaginário infantil. Miranda (2015, p. 9) afirma ainda que “contar histórias é uma arte ancestral, cujo fascínio sobre o ser humano permanece, ao longo do tempo, colaborando para a consolidação do imaginário coletivo e enredando narradores e ouvintes de uma mesma trama”. A contação acompanha-nos desde as infâncias como construção de identidades; é um modo de percebermos a realidade com o olhar renovado e constituído de sentidos.

Nos processos que envolvem a contação de história, as crianças sentem-se acolhidas quando suas histórias são ouvidas, superando a ansiedade que, por vezes, envolvem seus processos de socialização e seus vínculos afetivos (Martínez & Meneses, 2020). Por esse e outros motivos é que a contação exige um preparo da linguagem oral, corporal e visual, pois é necessário que o professor/contador de história motive a socialização das narrativas infantis, criando, ele próprio, vozes e entonações aos personagens, ao enredo, movimentando-se corporalmente, dando vida a narrativa. O professor/contador apresenta-se às crianças também como alguém que expõe suas impressões de mundo, encorajando-as a fazerem o mesmo. As crianças nesse processo, manifestam-se ao dar significações ao que está à sua volta, ao expressar suas visões diante das relações familiares e com as demais crianças e os adultos de seu convívio. Manifestam-se ainda, por meio de vontades, desejos e anseios e precisam ser ouvidas, pois são agentes ativos na sociedade.

Nos percursos da pesquisa, os processos imagéticos e criativos das crianças ficaram evidentes por intermédio das narrativas orais e corporais, dos desenhos, das pinturas e das investigações, o que mobilizou também ações de autoria e de liberdade de expressão. Sobre essa questão, “o fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização da experiência da vida, numa compreensão maior de si própria e numa constante abertura de novas perspectivas do ser” (Pillotto, 2007, p. 116). Além disso, o fazer criativo é constituído de experiências estéticas, pois está vinculado à sensibilidade e à afetividade – ato de afetar o outro. Como apontam Meira e Pillotto (2010, p. 28), “todos nós somos capazes de criar e nos relacionarmos afetivamente. Dessa forma, é possível entender a criação e o afeto como uma abertura permanente de entrada de sensações, de impressões e interações”.

Desse modo, o fazer criativo nas infâncias é crucial como abertura para a experiência em singularidades múltiplas. Em outras palavras, na potência do ser, a criação acontece pela sensibilidade e quanto mais propiciarmos às crianças o contato com livros, objetos, lugares e linguagens da arte, maiores serão suas possibilidades de construir novas formas de pensar; ampliam assim, seus saberes e seus sentires. Ou ainda, como nos dizem Habowski e Conte (2020, p. 3), “a criatividade nasce através de um trabalho coletivo e aperfeiçoado, por meio da comunicação aberta e (inter)subjetiva, gerando inspiração intelectual na relação com a alteridade, de uma intensidade imaginativa da criação”.

Últimas considerações

Nosso objetivo inicial foi analisar as narrativas infantis, pautadas em uma oficina de contação de história, entendendo-a não somente como recurso pedagógico, mas sobretudo, como fruidora de processos inventivos. Nos percursos da pesquisa, pistas mostraram-nos que a abordagem narrativa foi adequada, uma vez que nos possibilitou evidenciar, a partir da contação de história, as narrativas das crianças, constituídas em: falas, gestos, produções artísticas, diálogos, inquietações. Além disso, provocaram-nos a pensar sobre a importância dos processos de imaginação, criação e autoria e o quanto as relações de afeto e de confiabilidade entre nós e o grupo de crianças foi fundamental em todo o processo.

Nossa escolha em pesquisar com crianças e não somente sobre crianças, tendo a contação de história como alicerce no processo, evidenciou a escuta, o diálogo e o estar junto como essenciais na relação crianças e adultos e crianças com outras crianças. Ficou mais claro no processo de pesquisar, que o trabalho do professor/contador de história exige estudo, dedicação, prazer e sensibilidade. É preciso que ele tenha prazer em ler e esteja sempre na condição de aprendiz, curioso e aberto a experiências.

Assim, consideramos a contação de história como possibilidade de experiência estética. Reiteramos ainda com as palavras de Coelho (2000, p. 10), que “é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que este alcance sua formação integral”. Nosso intuito na pesquisa portanto, foi apresentar às crianças a contação de história como expressão, a fim de contribuir para seus processos cognitivos e sensíveis e mobilizar os atos de criar e de imaginar e consequentemente o processo autoral.

A contação de história no espaço escolar, pode ser um processo formativo de si e do outro, desde que não seja reduzida apenas como “entretenimento” para preencher lacunas no currículo, ou ainda, como “recurso” para ensinar “conteúdos programáticos”. Como bem nos lembra Machado (2004, p. 29), “se os contos forem pontos de partida para a aprendizagem dos conteúdos escolares - se forem -, é importante que não sejam reduzidos a meras estratégicas didáticas”. Assim, é fundamental compreendermos a contação de história como conhecimento e fruição, uma vez que trata de linguagens que envolvem a oralidade, a leitura, o gestual e as percepções do texto lido, visto ou ouvido.

Contar histórias significa ler e interpretar para si e para o outro; significa reconhecer os signos, o código da língua escrita e encantar-se com o que se lê. Ler e contar é também decifrar e entender processos que podem ocorrer de forma conjunta. Para Manguel (2001, p. 54), “sabemos que o processo de ler, tal como pensar, depende da nossa capacidade de decifrar e fazer uso da linguagem e estofo de palavras que compõem texto e pensamento”. Vale destacarmos que, para além dos livros com textos verbais, estão presentes os livros visuais. Sobre eles, Cagneti (2013, p. 85) aponta-os como importante “espaço que abre à interpretação dos leitores. Muitas imagens admitem múltiplas interpretações. Além disso, deixam o leitor sempre mais curioso, ao espelharem-se no texto, trazendo a sua leitura sempre mais para perto da sua própria história”.

Importante também pensarmos em “ler com as crianças” em vez de “ler para as crianças”. A preposição muda e a percepção também. Ler com as crianças é compartilhar com elas as emoções da história, permitindo a interação com e na leitura. Assim, professor e crianças deixam-se afetar, sentindo prazer e fruição com a leitura, pois como elucida Britto (2018, p. 23), “ao ler com a pessoa que enuncia o texto em voz alta, se compromete com a outra que a escuta, propondo-se a partilhar a experiência, deixando-se afetar tanto pelo texto como pelas reações da parceria de leitura”. Essa é uma atividade compartilhada, dado que ambos, professor/contador de história e crianças, interferem na leitura e produzem sentidos. Dessa maneira, o livro lido pode ser uma experiência conjunta, que traz possibilidades únicas de trocas de conhecimentos e sentimentos, no âmbito das linguagens, da arte e do social.

Nossa intenção com a oficina de contação de história foi, principalmente, entendermos como as histórias se manifestavam no imaginário infantil. Mais importante do que o efeito causado nas crianças pelas histórias ouvidas e sentidas foi compreendermos, conforme Machado (2004, p. 28), que “para cada uma delas aquela história [trouxe] a oportunidade de organizar suas imagens internas em uma forma que [fez] sentido para ela[s] naquele momento”.

A pesquisa reiterou a relevância de ações contínuas com a contação de história, como tem ocorrido com a turma de crianças interlocutoras desta investigação. A professora (uma das três pesquisadoras/autoras deste artigo), tem tratado a contação como possibilidade de fruição e imaginação criadora. Portanto, a oficina foi um complemento, que trouxe como novidade o livro de narrativa visual, que cria outras possibilidades de narrativas de modo interativo.

É evidente que essa ainda não é uma prática realizada na maioria das instituições de educação infantil e que ainda, a maior fragilidade encontra-se na ideia de que a contação é somente um recurso pedagógico. Deste modo, é preciso que a contação de história tenha maior espaço nos cursos de formação inicial (Pedagogia) e que seja tratada como possibilidade de criação. Além disso, é necessário que o professor, atuante com e nas infâncias, sinta prazer na contação de história e esteja aberto a experiências, cultivando seus processos criativos e de invenção.

Outra questão que precisa ser levada em conta é a formação continuada. Esta pode ser constituída de experiências na contação de história pelo professor. E a ele, cabe considerar essa ação como algo complexo, que precisa ser exercitado no dia a dia para que possa realmente encarnar o ato de contar e, é claro, o ato de ler e narrar.

Assim sendo, pensamos que é possível criar novas e inusitadas narrativas a partir dos enredos lidos e contados pelo professor/contador de história e também pelas crianças. A capacidade imaginativa das crianças impulsionou nossa pesquisa à reinvenção da contação, tendo as narrativas das crianças como parte essencial nos percursos de pesquisar, criar e ressignificar. Afinal, como nos ensina Benjamin (2012), ao narrar, as crianças ressignificam a experiência e o ciclo inicia, recriando novos modos de sentir.

O que nos leva a refletir sobre a primeira indagação de pesquisa: as práticas de contação de história na Educação Infantil podem ser fruidoras de processos criativos? A pesquisa nos indicou que sim, desde que os cursos de formação inicial (Pedagogia) e continuada tratem a contação de história como fruidoras nos processos criativos e imagéticos, possibilitando o cultivo das sensibilidades. Além disso, é imprescindível a disponibilidade do professor para estar aberto a novos começos, novos saberes e novos sentires. Também é importante pensar a contação de história em outros espaços para além do curricular, como: nas famílias, nas comunidades e nos territórios artísticos e culturais.

Referências

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Recebido: 01 de Agosto de 2021; Aceito: 15 de Dezembro de 2021

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